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Quantificação das populações e subpopulações de linfócitos em gestantes com pré-eclâmpsia

Lymphocyte and lymphocyte subset analyses in women with preeclampsia

Resumos

OBJETIVO: analisar a relação do sistema imunológico com a pré-eclâmpsia, comparando-se populações e subpopulações de linfócitos em gestantes saudáveis e com pré-eclâmpsia. MÉTODOS: foram estudadas 40 gestantes, sendo 20 saudáveis e 20 com doença hipertensiva específica da gestação. Amostras de sangue periférico foram obtidas de todas as gestantes e realizou-se quantificação de populações e subpopulações de linfócitos (CD4+, CD8+, relação CD4+/CD8+, CD3+ e CD19+). A análise estatística foi realizada pelo teste de Mann-Whitney. RESULTADOS: os resultados encontrados foram: contagem de linfócitos menores nas pré-eclâmpticas (grupo de estudo 2295,10±1328,16, grupo controle 3892,80±1430,85, p<0,05), assim como de CD4+ (grupo de estudo 1188,80±625,61, grupo controle 1742,25±628,40, p<0,05), CD8+ (grupo de estudo 774,00±371,31, grupo controle 1175,70±517,72, p<0,05), CD3+ (grupo de estudo 1958,65±983,78, grupo controle 2916,95±1117,88, p<0,05). Os demais testes não apresentaram diferenças estatisticamente significantes nos dois grupos. CONCLUSÕES: conclui-se que há diminuição no número de linfócitos, CD4+, CD8+ e CD3+ na pré-eclâmpsia.

Pré-eclâmpsia; Complicações da gravidez


PURPOSE: to analyze the relationship of the imune system with preeclamptic pregnancies, comparing lymphocyte and lymphocyte subset analyses of normal pregnant women to pregnancy-induced hypertensive women. To evaluate this immunological function, 40 pregnant women were studied at the "Irmandade da Santa Casa Hospital" of São Paulo: 20 women with normal pregnancies and 20 women with pregnancy-induced hypertension. From all these pregnant women peripheral blood samples were obtained and submitted to the following tests: lymphocyte and lymphocyte subsets analyses (CD4+, CD8+, CD4+/CD8 +CD3+, CD19+). Statistical analysis was performed by the Mann-Whitney test. RESULTS: the serum lymphocyte counts were decreased in women with preeclampsia (preeclamptic group 2295.10±1328.16; control group 3892.80±1430.85, p<0,05); and so were CD4+ (preeclamptic group 1188.80±625.61, control group; 1742.25±628.40, p<0.05); CD8+ (preeclamptic group: 774.00±371.31, control group 1175.70±517.72, p<0,05) and CD3+ (preeclamptic group 1958.65±983.78, control group 2916.95±1117.88, p<0,05). The other tests showed no significant differences between groups. CONCLUSION: the findings indicated a decreased number of lymphocytes, CD4+, CD8+ and CD3+ in preeclampsia.

Lymphocyte; Lymphocyte subset; Preeclampsia


TRABALHOS ORIGINAIS

Quantificação das populações e subpopulações de linfócitos em gestantes com pré-eclâmpsia

Lymphocyte and lymphocyte subset analyses in women with preeclampsia

Mônica López Vázquez; Wilma Carvalho Neves Forte; José Júlio de Azevedo Tedesco

Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Mônica López Vázquez Alameda dos Jurupis, 452 cj. 153 Moema – 04088-001 – São Paulo – SP Tel/Fax: 5055-9001 E-mail: vazquez@direitoemedicina.com.br

RESUMO

OBJETIVO: analisar a relação do sistema imunológico com a pré-eclâmpsia, comparando-se populações e subpopulações de linfócitos em gestantes saudáveis e com pré-eclâmpsia.

MÉTODOS: foram estudadas 40 gestantes, sendo 20 saudáveis e 20 com doença hipertensiva específica da gestação. Amostras de sangue periférico foram obtidas de todas as gestantes e realizou-se quantificação de populações e subpopulações de linfócitos (CD4+, CD8+, relação CD4+/CD8+, CD3+ e CD19+). A análise estatística foi realizada pelo teste de Mann-Whitney.

RESULTADOS: os resultados encontrados foram: contagem de linfócitos menores nas pré-eclâmpticas (grupo de estudo 2295,10±1328,16, grupo controle 3892,80±1430,85, p<0,05), assim como de CD4+ (grupo de estudo 1188,80±625,61, grupo controle 1742,25±628,40, p<0,05), CD8+ (grupo de estudo 774,00±371,31, grupo controle 1175,70±517,72, p<0,05), CD3+ (grupo de estudo 1958,65±983,78, grupo controle 2916,95±1117,88, p<0,05). Os demais testes não apresentaram diferenças estatisticamente significantes nos dois grupos.

CONCLUSÕES: conclui-se que há diminuição no número de linfócitos, CD4+, CD8+ e CD3+ na pré-eclâmpsia.

Palavras-chave: Pré-eclâmpsia. Complicações da gravidez.

ABSTRACT

PURPOSE: to analyze the relationship of the imune system with preeclamptic pregnancies, comparing lymphocyte and lymphocyte subset analyses of normal pregnant women to pregnancy-induced hypertensive women. To evaluate this immunological function, 40 pregnant women were studied at the "Irmandade da Santa Casa Hospital" of São Paulo: 20 women with normal pregnancies and 20 women with pregnancy-induced hypertension. From all these pregnant women peripheral blood samples were obtained and submitted to the following tests: lymphocyte and lymphocyte subsets analyses (CD4+, CD8+, CD4+/CD8 +CD3+, CD19+). Statistical analysis was performed by the Mann-Whitney test.

RESULTS: the serum lymphocyte counts were decreased in women with preeclampsia (preeclamptic group 2295.10±1328.16; control group 3892.80±1430.85, p<0,05); and so were CD4+ (preeclamptic group 1188.80±625.61, control group; 1742.25±628.40, p<0.05); CD8+ (preeclamptic group: 774.00±371.31, control group 1175.70±517.72, p<0,05) and CD3+ (preeclamptic group 1958.65±983.78, control group 2916.95±1117.88, p<0,05). The other tests showed no significant differences between groups.

CONCLUSION: the findings indicated a decreased number of lymphocytes, CD4+, CD8+ and CD3+ in preeclampsia.

Keywords: Lymphocyte. Lymphocyte subset. Preeclampsia.

Introdução

A pré-eclâmpsia continua sendo síndrome com graves repercussões materno-fetais. Incide em 6-8% das primigestas e apresenta elevada morbiletalidade perinatal, oscilando entre 5 e 20%1. As complicações que surgem tornam-na a primeira causa de morte materna no Brasil2. Conceitua-se pré-eclâmpsia o aparecimento de hipertensão arterial com proteinúria e/ou edema, devido à gravidez, após a 20a. semana2,3.

O vasoespasmo generalizado, produto final da fisiopatologia da doença, provoca alterações funcionais e morfológicas em diversos órgãos que se tornam comprometidos, revelando as conseqüências graves desta constricção arteriolar. É instigante desvendar como se inicia o evento que provoca tal constricção arteriolar generalizada e, nos dias atuais, esta dúvida dificulta a elucidação da doença, justificando a persistência de inúmeras teorias. Associa-se a pré-eclâmpsia com alterações imunológicas, o que estimula o raciocínio científico, imputando-se a estas o marco inicial do processo patológico.

Na gestação normal, ocorre a migração do citotrofoblasto extravilositário em direção às arteríolas espiraladas e sua invasão, com degeneração de seu endotélio vascular e perda de tecido músculo-elástico, tornando-as mais distensíveis4. Assim, as arteríolas permitem o aumento de fluxo sangüíneo necessário para o crescimento da placenta e do feto. Esta migração se dá em duas fases, chamadas de "ondas de invasão de citotrofoblasto", ocorrendo, a primeira, durante a 6a e a 8a semana de gestação, limitando-se ao segmento decidual das arteríolas espiraladas. A segunda onda de invasão trofoblástica atinge a porção miometrial das arteríolas durante a 16a e a 20a semana de gestação5,6.

Esta invasão das arteríolas espiraladas pelo trofoblasto é essencial para o sucesso da gestação. A contenção do desenvolvimento do trofoblasto relaciona-se aos casos de abortamentos espontâneos, restrição de crescimento fetal e pré-eclâmpsia. A decídua tem o papel de afetar o crescimento e desenvolvimento do trofoblasto pela ativação e supressão de fatores imunológicos locais. Verifica-se que, dependendo da atuação imunológica da decídua, determinadas doenças poderão desenvolver-se, entre estas a pré-eclâmpsia7.

O feto também contribui para este balanço imunológico, cujo resultado é ser aceito pelo organismo materno. É controlada a expressão de suas moléculas HLA. No início da gestação, há o reconhecimento de aloantígenos paternos que desencadeiam a quiescência das células T e a gestação pode transcorrer sem turbulências8. O trofoblasto difere de outros tecidos por possuir capacidade de não expressar todos os antígenos HLA, o que evita a rejeição pelas células T maternas8.

Outro ponto relevante é que há na gestação o predomínio da função de células T helper 2, em relação as células T helper 1, favorecendo a vida fetal9. As células T helper são classificadas em tipo 1 ou 2 de acordo com sua produção de citocina. As de tipo 1 produzem citocinas que ativam macrófagos, e as do tipo 2, citocinas supressoras, que inibem a atividade celular. Na gravidez, por interferência de cortisol, progesterona, estrogênio e prostaglandinas E2, ocorre o predomínio de citocinas T helper 2, que contribuem para a imunossupressão materna9.

Em relação aos linfócitos, comparando-se as gestantes normais com as pré-eclâmpticas, observa-se diminuição significante de células T, devido à intensa diminuição notada na relação de células T helper e T suppressor10. Os linfócitos, nas gestantes pré-eclâmpticas, produzem substâncias reativas que demonstram a ativação celular, bem como explicam seu papel na mediação da apoptose do trofoblasto10.

Em estudos nos quais se empregaram anticorpos monoclonais observou-se diminuição da população de linfócitos T-auxiliadores (CD4+) nas pré-eclâmpticas. Após a ativação por antígeno estes linfócitos produzem um de dois tipos de citocinas: T helper 1 e T helper 2. As th1 são pró-inflamatórias e prejudicam o desenvolvimento fetal inicial. As th2 promovem diminuição da atividade imunológica11. Alterações no balanço da produção destas citocinas desencadeariam a pré-eclâmpsia11.

Os neutrófilos ativados pela hipóxia placentária possivelmente liberam radicais livres que exacerbam o dano vascular, criando círculo vicioso que conta também com a liberação de tromboxana A2, citocinas e endotelina-1, que, por sua vez, aumentam a isquemia placentária12.

Demonstrou-se que marcadores de ativação de neutrófilos encontram-se em níveis elevados nas mulheres com pré-eclâmpsia, quando comparados às gestantes normais13. Os neutrófilos ativados liberam peptídeos neutrofílicos e lactoferrina secundariamente à sua degranulação. A elevação dos níveis destas substâncias no sangue de mulheres com pré-eclâmpsia sugere que os neutrófilos estão ativados. Por outro lado, o aumento de interleucinas no sangue periférico de pré-eclâmpticas é decorrente de ativação de neutrófilos13.

A ação dos macrófagos na pré-eclâmpsia contribui para explicar, parcialmente, a gênese da doença. Os macrófagos atuam fagocitando células apoptóticas e este processo pode estar perturbado na doença. Substâncias liberadas por estas células apoptóticas ativam os macrófagos que liberam citocinas12. A alteração da secreção de citocinas pelos macrófagos é evidente e realçada nas gestações com pré-eclâmpsia. O papel dos macrófagos é retirar do conjunto de células do trofoblasto as células mortas. Porém, diante de excesso de partículas apoptóticas secundárias, os macrófagos estimulados passam por sua vez a produzir fatores promotores de apoptose. Portanto, há aumento da taxa de apoptose do trofoblasto, iniciando-se processo que impede a invasão trofoblástica normal das arteríolas do miométrio. Esta pode ser uma hipótese para explicar as transformações encontradas na pré-eclâmpsia14.

Em relação às imunoglobulinas, os níveis de IgG plasmática materna apresentaram-se diminuídos nas mulheres com pré-eclâmpsia, assim como no cordão umbilical de seus recém-nascidos15.

Os mecanismos de desenvolvimento da pré-eclâmpsia ainda não foram revelados. Muitas hipóteses existem e todas as evidências apontam para a ligação com o equilíbrio imunológico materno-fetal alterado. Resta descobrir como atuam estes mecanismos e quais são suas ligações para o aparecimento da pré-eclâmpsia. Portanto, objetiva-se neste estudo, realizado em gestantes com diagnóstico de pré-eclâmpsia, quantificar as populações e subpopulações de linfócitos (CD3+, CD4+, CD8+ e CD19+).

Pacientes e Métodos

Neste estudo transversal o material constou de amostras de sangue venoso periférico de 40 gestantes atendidas nos ambulatórios de Pré-Natal de Alto e de Baixo Risco do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, no período de novembro de 2002 a dezembro de 2003.

As gestantes foram selecionadas de acordo com os seguintes critérios de inclusão: primigestas, gestação única, feto vivo, idade gestacional superior ou igual a 20 semanas, calculada pela regra de Nägele e por exame de ultra-sonografia de primeiro trimestre.

Foram excluídas as gestantes que apresentassem doenças clínicas e obstétricas em atividade, deficiências imunológicas, processos alérgicos, desnutrição e uso de medicamentos, vacinas ou transfusões nos últimos três meses. As pacientes assim selecionadas foram divididas em dois grupos, de acordo com a presença ou ausência de pré-eclâmpsia, constituindo, respectivamente, os grupos de estudo e controle.

O grupo de estudo constou de 20 primigestas pré-eclâmpticas selecionadas no Ambulatório de Alto Risco do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Considerou-se pré-eclâmpsia a presença de níveis tensionais superiores ou iguais a 140/90 mmHg e de proteinúria detectada em exame de urina tipo I, superior a 1,0 g/litro. A pressão diastólica foi determinada pela fase IV de Korotkoff, em duas medidas com intervalo mínimo de uma hora entre a primeira e a segunda. As verificações foram feitas com as pacientes na posição sentada, sempre realizadas pelo mesmo observador.

O grupo controle foi composto por 20 primigestas normotensas atendidas no Ambulatório de Pré-Natal de Baixo Risco do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, sem qualquer intercorrência clínica ou obstétrica, gestação única e com idade gestacional confirmada e superior a 20 semanas. Todas estas gestantes foram acompanhadas e não desenvolveram pré-eclâmpsia em nenhum momento do ciclo gravídico-puerperal.

Não foram considerados na formação dos grupos os seguintes fatores: idade materna, raça e o tempo de gestação superior a 20 semanas. Estes dados foram testados em relação aos resultados, para verificação da sua validade como fatores de confusão.

O sangue coletado das grávidas foi encaminhado ao Laboratório de Imunologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo para a realização dos testes.

Contagem de populações e subpopulações de linfócitos

Realizou-se o leucograma a partir de 3 mL de sangue total, coletados em tubo heparinizado para a realização de esfregaço. Procedeu-se à contagem celular, avaliando-se o número total de leucócitos e a porcentagem de linfócitos. A avaliação dos linfócitos CD3+, CD4+, CD8+ e CD19+ fez-se a partir de sangue periférico heparinizado e, a seguir, homogeneizado com o meio de cultura Eagle. Em dois outros tubos heparinizados foram colocados 2 mL de Ficoll-Hypague 9% e, a seguir, centrifugados por 30 minutos. Retirou-se a nuvem de linfomonucleares, passando-se estas células para tubo cônico. Completou-se até 8 mL com meio de cultura Eagle e colocou-se o tubo cônico em centrífuga por 20 minutos a 1000 rotações por minuto (rpm). O sobrenadante foi desprezado, completando-se novamente com 2 mL, para ser colocado na câmara de Neubauer, ajustando-se para concentração de 2,0 x 106 células por mm3. 500 mL da suspensão de células foram colocadas em tubos de Eppendorf, centrifugando-se por 2 minutos a 1000 rpm. Foram, então, acrescidos os respectivos anticorpos monoclonais na diluição de 1:10. Seguiu-se a incubação por uma hora na geladeira com centrifugação posterior a 1000 rpm. A leitura da imunofluorescência foi feita após 12 horas de incubação, com a obtenção dos valores de CD3+, CD4+, CD8+ e CD19+ em relação ao total de linfócitos, por microscopia. Os exames laboratoriais foram realizados no Laboratório de Imunologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

A análise estatística dos resultados realizou-se com a utilização do software estatístico Statistical Package for the Sciences 11.0, tendo sido adotado o nível de significância de 5%. Para os resultados dos grupos de estudo e controle utilizou-se o teste t não emparelhado. Variáveis contínuas, com distribuição assimétrica, foram analisadas pela comparação de suas medianas e pelo teste não paramétrico de Mann-Whitney16.

De acordo com a legislação local (Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde) e normas internacionais, o estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi lido, explicado e assinado por todas as pacientes que participaram do presente estudo.

Resultados

Os resultados da quantificação das populações e subpopulações de linfócitos, dos grupos de estudo e controle, estão expressos na Tabela 1.

Para as populações de linfócitos, a média encontrada no grupo de estudo foi de 2295,1 e desvio padrão de 1328,1. No grupo de gestantes saudáveis a média foi de 3892,8 e o desvio padrão de 1430,8. A diferença de 1.597,7 linfócitos (IC 95% = 713,9 a 2.481,4) encontrada entre as médias dos totais de linfócitos nos dois grupos, estudo e controle, resultou significante quando comparada pelo teste t bicaudal para amostras não emparelhadas (t=-3,660 e p=0,001).

Encontram-se, em relação aos linfócitos CD4+, para o grupo de gestantes com pré-eclâmpsia, média de 1188,8 e desvio padrão de 625,6. Para o grupo de gestantes saudáveis, a média foi de 1742,2 e o desvio padrão de 628,4. A diferença de 553,4 células CD4+ (IC 95% = 152,0 a 954,8) encontrada entre as médias das contagens de células CD4 nos dois grupos (estudo e controle) resultou estatisticamente significante quando comparada pelo teste t bicaudal para amostras não emparelhadas (t=-2,791 e p=0,008).

Quanto aos valores de CD8+, encontraram-se, no grupo de estudo, a média de 774,0 e desvio padrão de 371,3. No grupo controle, a média encontrada foi de 1175,7 e o desvio padrão de 517,7. A diferença de 401,7 células CD8+ (IC 95% = 113,2 a 690,1) encontrada entre as médias das contagens de células CD8 nos dois grupos resultou estatisticamente significante quando comparada pelo teste t bicaudal para amostras não emparelhadas (t=-2,820 e p=0,008).

Quanto ao CD3+, foram encontrados, no grupo de estudo, média de 1958,6 e desvio padrão de 983,7. No grupo controle a média foi de 2916,9 e o desvio padrão de 1117,8. A diferença de 958,3 células CD3+ (IC 95% = 284,2 a 1.632,3) encontrada entre as médias das contagens de células CD3+ nos grupos resultou estatisticamente significante quando comparada através teste t bicaudal para amostras não emparelhadas (t=-2,878 e p=0,007).

Discussão

Atualmente, muitos esforços são dispendidos na busca da gênese da pré-eclâmpsia. O tema, além de atual, tem relevância devido ao grande número de mulheres afetadas pela doença, bem como pelas graves complicações encontradas. No presente estudo buscamos contribuir com as pesquisas que procuram estabelecer a relação entre a doença hipertensiva específica da gestação e aspectos imunológicos.

Desta forma, no tocante às populações de linfócitos, a média encontrada no grupo de estudo foi de 2295,1 com desvio padrão de 1328,1; no grupo de gestantes saudáveis a média foi de 3892,8 e o desvio padrão de 1430,8. Houve diferença estatisticamente significante (alfa = 5%), denotando diminuição na contagem da população de linfócitos no grupo de gestantes com pré-eclâmpsia. Outros autores apresentaram resultados semelhantes. Comparando-se as gestantes normais com as pré-eclâmpticas encontrou-se diminuição significante de células T, devido à intensa diminuição notada na relação entre células T helper e T suppressor17.

A participação dos linfócitos na gênese da pré-eclâmpsia parece ser de suma importância. Estes, nas gestantes pré-eclâmpticas, produzem substâncias reativas que demonstram a ativação celular bem como seu papel na mediação da apoptose10.

Portanto, o aparecimento de situação anômala quanto à contagem de linfócitos pode ser causa de desenvolvimento da doença hipertensiva específica da gestação.

Em relação aos linfócitos CD4+, observamos que a contagem foi menor, no grupo de gestantes com pré-eclâmpsia, em relação ao grupo de gestantes saudáveis. Na literatura, em pesquisa realizada com subpopulações de linfócitos de pacientes com pré-eclâmpsia, encontraram-se relatos de diminuição de células CD4+ quando se comparam estas pacientes com as subpopulações de gestantes saudáveis11. Em estudo realizado com 16 gestantes com diagnóstico de pré-eclâmpsia e 46 primigestas saudáveis, foi achada redução significante de linfócitos T auxiliadores. Estes valores foram mais baixos desde a 16ª. semana em gestantes que, futuramente, desenvolveriam a doença. Os autores não conseguiram estabelecer uma relação entre a gravidade do quadro e os valores séricos de CD4+ encontrados, nem afirmar que este elemento tenha sido o fator desencadeante da doença18.

De modo diverso, demonstrou-se haver aumento significante nos valores de células CD4+ em gestantes com pré-eclâmpsia quando comparados aos valores encontrados nas gestantes saudáveis17. A provável explicação para este achado seria a alteração do mecanismo imunorregulador na pré-eclâmpsia, que induziria maior atividade destas células16. Não obstante a pesquisa e a discussão de alguns trabalhos, não se conseguiu estabelecer, ainda, o significado das alterações de CD4+ na pré-eclâmpsia. Alguns autores relatam o seu aumento, outros sua diminuição. No presente estudo demonstrou-se a diminuição de CD4+. A literatura é escassa e não apresenta explicações científicas que justifiquem estes dados.

Observamos, no grupo de pré-eclâmpticas, valores menores para a contagem de CD8+ em relação ao grupo controle. A diferença foi significante.

De forma semelhante, outras pesquisas realizaram as mesmas contagens em pacientes com pré-eclâmpsia, encontrando diminuição de CD8+, quando comparadas com gestantes saudáveis11,19. Diversamente, em estudo comparativo, realizado com 15 gestantes pré-eclâmpticas, 15 gestantes saudáveis e 10 mulheres não grávidas, não foram encontradas diferenças, entre os grupos, no tocante aos níveis séricos de CD8+20. Em face das poucas hipóteses que a literatura apresenta, pode-se, talvez, relacionar tal diminuição a possível seqüestro pela placenta, embora não existam dados suficientes que fundamentem esta explicação.

Quanto aos linfócitos CD3+, foram encontrados, no grupo de estudo, valores menores em relação ao grupo controle. Em estudos semelhantes, foram encontrados baixos valores circulantes de CD3+ em gestantes com doença hipertensiva específica da gestação quando comparadas à gestantes saudáveis11,21. Contudo, não foram apresentadas possíveis explicações que justificassem os achados.

Neste trabalho, detectaram-se níveis menores de CD4+ e CD8+, no grupo de estudo. Entretanto, não ficou demonstrada alteração em relação à proporção CD4+/CD8+ quando comparados os grupos de estudo e controle. Isto demonstra que se estabeleceu, no grupo de estudo, proporcionalidade às duas subpopulações celulares e, matematicamente, a relação entre elas ficou inalterada.

Os dados deste trabalho não demonstraram diferenças estatisticamente significante em relação ao CD19+. A literatura não apresenta os mesmos resultados, quanto a este parâmetro. Em um estudo no qual se compararam os valores de CD19+ em cinco gestantes com diagnóstico de pré-eclâmpsia e em 22 gestantes saudáveis, os valores menores foram verificados no grupo de pacientes com a complicação22. Também, não houve discussão que apontasse os motivos dos achados, permanecendo aberta a associação entre ambos os efeitos.

Conclui-se que, estudando-se as subpopulações de linfócitos, neste trabalho, foram encontrados resultados alterados para CD4+, CD8 + e CD3+. Não houve diferenças significativas para a relação CD4+/CD8+ e CD19+.

Deste estudo conclui-se que parece existir algum mecanismo que desencadeia várias alterações no sistema imunológico materno, e a conseqüência perceptível é a instalação da doença. Sabe-se que há completa remissão após a dequitação e que todas os achados imunológicos anômalos regridem com o término da gestação. Desta forma, pode-se inferir que existe realmente ligação entre o sistema imunológico e a pré-eclâmpsia.

Recebido em: 13/7/2004

Aceito com modificações em: 20/9/2004

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Nov 2004
    • Data do Fascículo
      Set 2004

    Histórico

    • Aceito
      20 Set 2004
    • Recebido
      13 Jul 2004
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