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Crescimento intra-uterino restrito diagnosticado pelo índice ponderal de Rohrer e sua associação com morbidade e mortalidade neonatal precoce

Intrauterine growth retardation diagnosed by Rohrer's ponderal index and its association with morbidity and early neonatal mortality

Resumos

OBJETIVO: diagnosticar o crescimento intra-uterino restrito (CIUR) por meio do índice ponderal de Rohrer e sua associação com morbidade e mortalidade neonatal precoce. MÉTODOS: estudo retrospectivo, descritivo e de coorte transversal, no qual foram incluídos 2741 recém-nascidos (RN), sendo 2053 casos de grávidas hígidas, 228 de pré-eclâmpsia leve (PE), 52 com PE grave, 25 com PE que evoluiu para eclâmpsia, 136 de ruptura prematura das membranas (RPM) e 247 de tabagistas. O índice ponderal (IP) de Rohrer foi calculado segundo a equação: IP = peso/estatura³ x 100 e se utilizaram os valores 2,25 e 3,10 dos percentis 10 e 90 de Lubchenco. Classificou-se como CIUR assimétrico aquele RN com IP < 2,25 e peso inferior ao percentil 10, como simétrico, IP entre 2,25 e 3,10 e peso inferior ao percentil 10, ao passo que adequado para idade gestacional (AIG) aquele com IP entre 2,25 e 3,10 e peso entre os percentis 10 e 90. O estudo estatístico foi realizado pelo teste t não pareado, teste não paramétrico do chi2 e teste exato de Fisher, considerado significante valor de p < 0,05. RESULTADOS: o baixo peso (<2500 g) ao nascer incidiu em 3,6% (100/2741) dos casos, ao passo que a taxa de CIUR diagnosticado pelo IP foi de 15,7% (430/2741), sendo 14,0% assimétricos e 1,7% simétricos. A taquipnéia transitória foi a complicação mais freqüente (8,3%) entre os assimétricos, seguido da asfixia (5,7%) e infecção (2,6%). A taquipnéia transitória incidiu em 6,5% dos simétricos, seguido da asfixia (4,3%), síndrome de aspiração de mecônio (2,2%), hipoglicemia (2,2%) e infecção (2,2%). O óbito neonatal precoce foi semelhante entre os RN com CIUR e AIG, ambos alcançando cifra de 0,3%. CONCLUSÕES: o índice ponderal de Rohrer diagnosticou os diferentes padrões de crescimento intra-uterino, os quais não seriam reconhecidos utilizando-se o peso em função da idade gestacional. Os RN assimétricos apresentaram maior taxa de taquipnéia transitória e de asfixia, entretanto sem significância estatística em relação às demais modalidades de crescimento intra-uterino. A taxa de óbito neonatal precoce foi semelhante entre os RN assimétricos e os AIG.

Retardo do crescimento fetal; Mortalidade fetal; Complicações na gravidez; Peso-estatura; Antropometria; Morbidade


PURPOSE: to diagnose intrauterine growth restriction (IGR) and its connection with early neonatal morbidity and mortality, through Roher's ponderal index (PI). METHODS: this was a retrospective, descriptive study of transversal cohort, in which 2741 newborns (NB) were included, 2053 of them from healthy pregnant women, 228 from women with mild pregnancy-related hypertension, 52 from those with severe pregnancy-related hypertension, 25 from those with mild pregnancy-related hypertension that evolved to eclampsia, 136 from those with premature membrane rupture, and 247 from women who smoked along gestation. Roher's PI was calculated by the equation: PI = weight/height ³ x 100 and the values 2.25 and 3.10 of Lubchenco's 10 and 90 percentiles were used to classify the types of IGR. IGR was classified as asymmetric for NB with PI < 2.25 and weight lower than percentile 10, as symmetric, with PI from 2.25 to 3.10 and weight lower than percentile 10, and adequate for gestational age with PI from 2.25 to 3.10, and weight from 10 to 90 percentiles. Statistical analysis was performed using the non-paired t test, the non-parametric chi2 test and Fisher's exact test, with significance set at a value of p<0.05. RESULTS: low birth weight (< 2,500 g) was present in 3.6% (100/2741) of the cases, while the rate of IGR diagnosed through PI was 15.7% (430/2741), 14.0% being asymmetric and 1.7% symmetric. The most frequent complication among the asymmetric IGRNB was transient tachypnea (8.3%), followed by asphyxia (5.7%) and infection (2.6%). Transient tachypnea was present in 6.5% of symmetric IGRNB, followed by asphyxia (4.3%), meconium aspiration syndrome (2.2%), hypoglycemia (2.2%) and infection (2.2%). Early neonatal death was similar for NB with restricted IGR and adequate IGR for gestational age, both groups reaching a rate of 0.3%. CONCLUSIONS: Rohrer's PI was able to diagnose the different IGR patterns, which would not be known if the birth weight had been calculated in terms of gestational age. The asymmetric NB presented a higher incidence of transient tachypnea and asphyxia, without statistical significance in relation the other IGR patterns. The frequency of early neonatal death was similar for the asymmetric and adequate for gestational age NB groups.

Fetal growth retardation; Fetal mortality; Pregnancy complications; Height weight; Anthropometry; Morbidity


ARTIGOS ORIGINAIS

Crescimento intra-uterino restrito diagnosticado pelo índice ponderal de Rohrer e sua associação com morbidade e mortalidade neonatal precoce

Intrauterine growth retardation diagnosed by Rohrer's ponderal index and its association with morbidity and early neonatal mortality

Adehilde Maria Martins SantosI; Ana Claire Pimenteira ThomazII; José Elias Soares da RochaII

IMédica Pediatra da Casa Maternal Santa Mônica da Universidade de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL) Maceió (AL) - Brasil

IIProfessor Adjunto Doutor do Departamento de Tocoginecologia e Pediatria da Universidade Federal de Alagoas - UFAL - Maceió (AL) - Brasil

RESUMO

OBJETIVO: diagnosticar o crescimento intra-uterino restrito (CIUR) por meio do índice ponderal de Rohrer e sua associação com morbidade e mortalidade neonatal precoce.

MÉTODOS: estudo retrospectivo, descritivo e de coorte transversal, no qual foram incluídos 2741 recém-nascidos (RN), sendo 2053 casos de grávidas hígidas, 228 de pré-eclâmpsia leve (PE), 52 com PE grave, 25 com PE que evoluiu para eclâmpsia, 136 de ruptura prematura das membranas (RPM) e 247 de tabagistas. O índice ponderal (IP) de Rohrer foi calculado segundo a equação: IP = peso/estatura3 x 100 e se utilizaram os valores 2,25 e 3,10 dos percentis 10 e 90 de Lubchenco. Classificou-se como CIUR assimétrico aquele RN com IP < 2,25 e peso inferior ao percentil 10, como simétrico, IP entre 2,25 e 3,10 e peso inferior ao percentil 10, ao passo que adequado para idade gestacional (AIG) aquele com IP entre 2,25 e 3,10 e peso entre os percentis 10 e 90. O estudo estatístico foi realizado pelo teste t não pareado, teste não paramétrico do c2 e teste exato de Fisher, considerado significante valor de p < 0,05.

RESULTADOS: o baixo peso (<2500 g) ao nascer incidiu em 3,6% (100/2741) dos casos, ao passo que a taxa de CIUR diagnosticado pelo IP foi de 15,7% (430/2741), sendo 14,0% assimétricos e 1,7% simétricos. A taquipnéia transitória foi a complicação mais freqüente (8,3%) entre os assimétricos, seguido da asfixia (5,7%) e infecção (2,6%). A taquipnéia transitória incidiu em 6,5% dos simétricos, seguido da asfixia (4,3%), síndrome de aspiração de mecônio (2,2%), hipoglicemia (2,2%) e infecção (2,2%). O óbito neonatal precoce foi semelhante entre os RN com CIUR e AIG, ambos alcançando cifra de 0,3%.

CONCLUSÕES: o índice ponderal de Rohrer diagnosticou os diferentes padrões de crescimento intra-uterino, os quais não seriam reconhecidos utilizando-se o peso em função da idade gestacional. Os RN assimétricos apresentaram maior taxa de taquipnéia transitória e de asfixia, entretanto sem significância estatística em relação às demais modalidades de crescimento intra-uterino. A taxa de óbito neonatal precoce foi semelhante entre os RN assimétricos e os AIG.

Palavras-Chave: Retardo do crescimento fetal; Mortalidade fetal; Complicações na gravidez; Peso-estatura; Antropometria; Morbidade

ABSTRACT

PURPOSE: to diagnose intrauterine growth restriction (IGR) and its connection with early neonatal morbidity and mortality, through Roher's ponderal index (PI).

METHODS: this was a retrospective, descriptive study of transversal cohort, in which 2741 newborns (NB) were included, 2053 of them from healthy pregnant women, 228 from women with mild pregnancy-related hypertension, 52 from those with severe pregnancy-related hypertension, 25 from those with mild pregnancy-related hypertension that evolved to eclampsia, 136 from those with premature membrane rupture, and 247 from women who smoked along gestation. Roher's PI was calculated by the equation: PI = weight/height 3 x 100 and the values 2.25 and 3.10 of Lubchenco's 10 and 90 percentiles were used to classify the types of IGR. IGR was classified as asymmetric for NB with PI < 2.25 and weight lower than percentile 10, as symmetric, with PI from 2.25 to 3.10 and weight lower than percentile 10, and adequate for gestational age with PI from 2.25 to 3.10, and weight from 10 to 90 percentiles. Statistical analysis was performed using the non-paired t test, the non-parametric c2 test and Fisher's exact test, with significance set at a value of p<0.05.

RESULTS: low birth weight (< 2,500 g) was present in 3.6% (100/2741) of the cases, while the rate of IGR diagnosed through PI was 15.7% (430/2741), 14.0% being asymmetric and 1.7% symmetric. The most frequent complication among the asymmetric IGRNB was transient tachypnea (8.3%), followed by asphyxia (5.7%) and infection (2.6%). Transient tachypnea was present in 6.5% of symmetric IGRNB, followed by asphyxia (4.3%), meconium aspiration syndrome (2.2%), hypoglycemia (2.2%) and infection (2.2%). Early neonatal death was similar for NB with restricted IGR and adequate IGR for gestational age, both groups reaching a rate of 0.3%.

CONCLUSIONS: Rohrer's PI was able to diagnose the different IGR patterns, which would not be known if the birth weight had been calculated in terms of gestational age. The asymmetric NB presented a higher incidence of transient tachypnea and asphyxia, without statistical significance in relation the other IGR patterns. The frequency of early neonatal death was similar for the asymmetric and adequate for gestational age NB groups.

Keywords: Fetal growth retardation; Fetal mortality; Pregnancy complications; Height weight; Anthropometry; Morbidity

Introdução

A nutrição intra-uterina adequada é condição ímpar para o crescimento e desenvolvimento normais do feto, constituindo fator primordial para a determinação do peso ao nascer1-4. Nos países em desenvolvimento, o nascimento de crianças com peso menor que 2.500 gramas é considerado problema de saúde pública5, aspecto que faz do peso ao nascer o determinante mais importante da morbidade e mortalidade infantil, inclusive exercendo influência até a vida adulta, sendo considerado forte indicador do desenvolvimento econômico e social6,7.

Baixo peso ao nascer é definido, pela Organização Mundial de Saúde (WHO)8, como todo recém-nascido (RN) com peso inferior a 2.500 gramas, independentemente da idade gestacional. Há dois tipos de RN de baixo peso: o pré-termo (<37 semanas) e aquele de termo (>37 semanas), os quais não seriam distinguidos entre si considerando apenas o peso, mas após a construção de curvas de crescimento fetal, levando em conta o peso ao nascer e a idade gestacional9,10, esses RN puderam ser diferenciados. Com a utilização dessas curvas de crescimento fetal, foi possível definir crescimento intra-uterino restrito (CIUR) como aquele RN que se encontra abaixo do 10º percentil para a idade gestacional e como adequado para a idade gestacional (AIG) aquele que fica entre o 10º e o 90º percentil, ao passo que aqueles acima do 90º percentil são grandes para a idade gestacional (GIG)9,10. Por sua vez, os RN com CIUR podem ser classificados em três categorias: simétrico, assimétrico e intermediário. O CIUR simétrico, também denominado hipoplásico, intrínseco ou proporcional, é decorrente da ação de fatores etiológicos que atuam no início da gravidez, isto é, na fase de "hiperplasia celular", reduzindo o número de células de todos os órgãos. Esses RN têm pior prognóstico em relação aos assimétricos, são mais suscetíveis às ações mórbidas no decorrer da gestação e durante o parto11-13. Os principais fatores etiológicos desse tipo de CIUR são as infecções pelo vírus da rubéola, citomegalovírus, HIV, herpes, etc., toxoplasmose materna aguda, sífilis recente, tuberculose e cromossomopatias14-17. Por sua vez, o assimétrico ou desproporcional tem como agente etiológico fatores que atingem a gravidez no início do 3º trimestre, com déficit no crescimento celular (hipotrofia celular)18,19, fato que origina a desproporção observada entre o tamanho da cabeça (que permanece com o volume das células normais) e do corpo (que sofre redução no volume celular), representado principalmente pela redução da circunferência abdominal, visto que o fígado é um dos órgãos mais afetados, caracterizando os RN magros com estatura normal e pólo cefálico proporcionalmente grande18,19. O CIUR intermediário ou misto sofre ação dos agentes causadores nas duas fases de crescimento celular, a de hiperplasia e a de hipertrofia. Os principais agentes são representados pela desnutrição da grávida, bem como o consumo de substâncias como drogas ilícitas, álcool, tabaco, cafeína, etc.13.

O padrão de crescimento intra-uterino pode ser diagnosticado utilizando-se apenas o peso ao nascer20 ou, mais freqüentemente, associando peso e estatura que, utilizado pela primeira vez por Rohrer, recebeu a denominação de índice ponderal (IP), representado pela fórmula: IP = peso/estatura3 x 10021. A utilização do IP permite diagnosticar as diferentes modalidades de restrição do crescimento intra-uterino, que não seria possível se a variável utilizada fosse apenas o peso ao nascer10,22.

O IP fetal também foi possível ser determinado a partir da década de oitenta, principalmente com o desenvolvimento tecnológico da ecografia de tempo real, mensurando-se o diâmetro biparietal, circunferência craniana, circunferência abdominal, comprimento do fêmur e relações entre si, com boa acurácia no diagnóstico do CIUR quando comparado ao IP neonatal23.

Por ser o IP fetal passível de interpretações errôneas, conseqüentes à variação biológica fetal associada a uma sensibilidade e especificidade sofrível23, e pelo fato de a utilização do IP neonatal ter custo zero e ser de fácil reprodutibilidade, além de permitir o diagnóstico e a condução dos RN a curto, médio e longo prazo diante dos diferentes padrões de crescimento intra-uterino observados22, optamos por utilizar o IP neonatal neste trabalho. Portanto, os objetivos do presente estudo foram diagnosticar o CIUR por meio do IP de Rohrer e verificar sua associação com morbidade e mortalidade neonatal precoce.

Métodos

O presente estudo foi retrospectivo, descritivo, de coorte transversal, no qual foram incluídos 2741 RN atendidos no setor de Neonatologia da Maternidade Escola Santa Mônica da Universidade de Ciências da Saúde de Alagoas (MESM - UNCISAL), assim distribuídos: 2053 de grávidas hígidas, 228 de portadoras de pré-eclâmpsia (PE) leve, 52 com PE grave e 25 de PE que evoluíram para eclâmpsia, 136 de gestantes com ruptura prematura das membranas (RPM) e 247 de gestantes tabagistas. O estudo foi aprovado previamente pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

A seleção de pacientes obedeceu aos seguintes critérios de inclusão: idade gestacional de termo (37 a 41 semanas e 6 dias); as mães dos RN que constituíram o grupo de hígidas não deveriam ser portadoras de doenças durante a gestação e/ou outras condições como gravidez gemelar e RN malformados; os RN do grupo de PE não apresentavam nenhuma outra doença ou condição mórbida associada à síndrome hipertensiva, ao passo que os RN de gestantes com RPM não estavam submetidos a nenhuma outra doença associada; por sua vez, os RN de gestantes tabagistas foram submetidos somente aos efeitos do tabaco, sendo excluídos aqueles cujas mães relataram o consumo de outras drogas.

O diagnóstico de RN de gestante hígida foi considerado quando a mesma cursava toda gravidez sem apresentar sinais/sintomas de doenças que poderiam exercer influência sobre as trocas gasosas e nutritivas entre mãe e concepto no espaço intervilositário.

A PE foi diagnosticada obedecendo ao seguinte critério: 1) PE forma leve: grávidas com pressão diastólica <100 mmHg durante o último trimestre da gestação, associada a edema e proteinúria >300 mg/24 horas. 2) PE forma grave: níveis tensionais diastólicos >110 mmHg, associado à presença de edema e proteinúria >2 g em 24 horas, associado a sinais e sintomas como mal-estar precordial, dor no hipocôndrio direito, cefaléia, escotomas, icterícia, etc. 3) Eclâmpsia: grávidas com hipertensão, edema e proteinúria que apresentaram convulsões do tipo tônico-clônico e/ou coma. 4) RN de gestantes tabagistas foram aqueles cujas mães fumaram >10 cigarros/dia durante toda gestação, afastando-se outros tipos de drogas lícitas ou ilícitas. 5) O diagnóstico de RPM foi considerado positivo quando havia relato no prontuário de perda líquida franca por via vaginal, observada ao exame com especulo e/ou algum relato de teste ferning positivo com ou sem complemento da ecografia.

Além dos critérios de inclusão acima citados, as mães dos RN dos diferentes grupos apresentavam características semelhantes como: cor, estado civil, idade, peso, estatura e idade gestacional na resolução da gravidez.

A idade gestacional foi calculada em semanas utilizando-se a data do último período menstrual e, nos casos em que não constavam anotadas, considerou-se a idade gestacional obtida por meio da ecografia realizada no 1º trimestre e, não havendo relato de exame ecográfico, utilizou-se o índice de Capurro somático para esse cálculo.

Os RN foram avaliados por meio de anotações dos seus respectivos prontuários, segundo rotina do setor de Neonatologia, incluindo-se idade gestacional, peso ao nascer, estatura, índice de Apgar no 1º e 5º minuto, morbidade e mortalidade neonatal precoce. O diagnóstico de morbidade neonatal precoce, inicialmente, foi baseado na presença de sinais patológicos previamente estabelecidos: asfixia, hipoglicemia, infecção, taquipnéia transitória e síndrome de aspiração de mecônio. Quando necessário, exames complementares como: raios-X, glicemia, hemograma, culturas e hemoculturas foram levados em consideração na complementação diagnóstica. A mortalidade neonatal precoce teve como critério diagnóstico a identificação do óbito do RN até o sétimo dia de vida, observado no prontuário do nascituro.

As medidas antropométricas mensuradas foram as seguintes: peso ao nascer e estatura. O peso ao nascer foi obtido utilizando-se balança pesa-bebê Filizola, com sensibilidade para 10 g, aferida semanalmente. No momento da pesagem, o RN era colocado na balança sem roupas. A estatura foi obtida utilizando-se fita métrica adaptada por Díaz et al.24, no Centro Latino Americano de Perinatologia e Desenvolvimento Humano (CLAP), segundo orientação da OMS e Organização Panamericana de Assistência à Saúde (OPAS), usando-se como pontos de referência a superfície da cabeça e a planta do pé, com o RN em posição supina.

O cálculo do IP foi realizado a partir da equação originalmente proposta por Rohrer: IP = P/E3 x 100, onde P = peso do RN em gramas (g) e E = estatura em cm e, para classificar o crescimento intra-uterino, utilizaram-se os valores de 2,25 e 3,10 dos percentis 10 e 90 da curva de crescimento de Lubchenco et al.25. Classificou-se como CIUR assimétrico aquele RN com IP<2,25 e peso inferior ao percentil 10, como simétrico, IP entre 2,25 e 3,10 e peso inferior ao percentil 10, ao passo que AIG aquele com IP entre 2,25 e 3,10 e peso entre os percentis 10 e 90.

A análise estatística foi realizada utilizando-se o teste t não pareado para comparar médias e o teste não paramétrico do c2 com correção de Yates e o teste exato de Fischer para comparar as variáveis dependentes. A significância estatística foi considerada com valor de p<0,05.

Resultados

Foram incluídas 2741 gestantes e seus RN que constituíram a casuística do presente estudo.

A Tabela 1 mostra a distribuição das pacientes e seus RN em seis grupos: hígidas, PE forma leve, PE forma grave, PE que evoluiu para eclâmpsia, tabagistas e RPM, e suas associações com parâmetros demográficos maternos, variáveis inerentes à gestação, ao parto e resultados neonatais. O peso médio dos RN de mulheres tabagistas e com RPM foram inferiores aos demais grupos, mostrando diferença estatística significante (p<0,05).

O baixo peso ao nascer (<2.500 g) foi diagnosticado em 100 casos (3,6%) do presente estudo, sendo mais freqüente entre os RN de mulheres tabagistas, 5,7% (14/247), e de eclâmpsia, 16,0% (4/25). Entretanto, foi observada significância apenas com o grupo de eclâmpsia em relação ao grupo hígido (p<0,05).

A Tabela 2 mostra a distribuição da morbimortalidade neonatal precoce entre os RN de mulheres dos grupos estudados. A maioria dos RN, cerca de 80%, ficaram isentos de condições mórbidas, excetuando-se os grupos com eclâmpsia e de RPM, que apresentaram cifras de 60 e 63,2%, respectivamente. O grupo de RN de mulheres que tiveram eclâmpsia apresentou o seguinte contingente mórbido: três (12%) casos de asfixia (sem significância; p>0,05), seis (24%) de taquipnéia transitória (com significância; p<0,05) e um (4%) óbito neonatal precoce (sem significância; p>0,05). A taquipnéia transitória incidiu em sete (13,5%) casos no grupo de PE grave sem significância (p>0,05). O grupo oriundo da RPM apresentou 16 (11,8%) casos de taquipnéia transitória (sem significância; p>0,05) e 26 (19,1%) de infecção, com significância estatística (p<0,05). Por sua vez o grupo hígido e o tabagista apresentaram quatro (0,2%) e dois (0,8%) casos de óbitos neonatais precoces, respectivamente, sem diferença significante (p>0,05).

Os padrões de crescimento intra-uterino diagnosticados pelo IP de Rohrer estão distribuídos na Tabela 3. Considerando o total de RN do estudo, verificou-se que o CIUR incidiu em 15,7% dos casos (430/2741), sendo 384 (14,0%) do tipo assimétrico e 46 (1,7%) do tipo simétrico. No grupo de RN hígidos, não se observou diferença significativa (p>0,05), quanto à freqüência, entre os AIG e aqueles com restrição de crescimento simétrico e assimétrico. O mesmo ocorreu entre os grupos de PE leve e os de tabagistas. A associação dos RN segundo o IP e o peso ao nascer, encontra-se na Tabela 4. A comparação entre a classe de peso em relação ao índice ponderal mostrou que os RN de baixo peso (<2.500 g) apresentaram significativamente (p<0,05) maiores taxas, 54% (54/100), de CIUR assimétrico do que os pequenos para a idade gestacional (PIG) (2.500 - 3.000 g), com taxa de 25,9% (184/711), AIG (3.001-3.999 g), com 7,7% (146/1906), e macrossômicos, com 0,0% (0/24). Considerando apenas os RN de baixo peso e o tipo de CIUR, observou-se que o assimétrico foi mais prevalente, 14% (54/384), do que o simétrico, 2% (46/2295), com diferença significativa (p>0,05) quando comparados. A Tabela 5 associa o tipo de crescimento intra-uterino com a morbidade neonatal precoce. Podemos verificar que em relação à ausência de sinais mórbidos não houve diferença significativa (p>0,05) entre o grupo de RN AIG quando comparado aos grupos com CIUR simétrico e assimétrico. A taquipnéia transitória foi o sinal mórbido mais freqüente, presente em 200 (7,3%) casos entre os RN com os diferentes tipos de CIUR e os não portadores de CIUR, sendo que aqueles classificados como portadores de restrição de crescimento assimétrico apresentaram maior freqüência (32=8,3%), seguido do AIG (166=7,2%), do simétrico (3=6,5%) e pelo GIG (2=3,2%), sem diferença significante (p>0,05). A asfixia incidiu em 156 (5,7%) casos do total de RN, não havendo diferença entre o grupo de RN assimétrico (22=5,7%) e o AIG (130=5,8%). Índices ainda menores foram observados nos grupos com CIUR simétrico (2=4,3%) e no GIG (2=3,2%). Por sua vez a infecção incidiu em 50 (1,8%) casos, não havendo diferenças significativas (p>0,05) entre as freqüências dos grupos de CIUR assimétrico (10=2,6%), simétrico (1=2,2%) e AIG (39=1,7%).

Considerando o óbito no período neonatal precoce entre os diferentes padrões de crescimento intra-uterino desse estudo, não foi observada diferença significante (p>0,05) entre os 0,3% (6/2269) do grupo AIG contra os 0,3% (1/384) do grupo de RN com CIUR assimétrico.

Discussão

O presente estudo mostrou freqüência de CIUR diagnosticado pelo IP de Rohrer de 15,7%, sendo 14,0% assimétricos e 1,7% simétricos, evidenciando taxa 4,4 vezes maior do que os 3,6% de RN com baixo peso ao nascer, fato que revela a possibilidade de desnutrição intra-uterina entre RN com peso AIG. Esse achado se torna relevante principalmente por se tratar de gestação de termo, cuja média de idade gestacional foi 39±1,5 semanas. O percentual de 7,7% de CIUR do tipo assimétrico observado entre os RN AIG é semelhante aos 8,0% da casuística de Walter e Ramaekers26, destacando-se que em os ambos estudos os RN desnutridos apresentaram pesos adequados (entre 3.001 g e 3.999 g). Por outro lado, é inferior àquela de Caiza Sánchez et al.22, que foi de 13,0%. A restrição de crescimento entre RN com essas características ponderais tem sido descrita na literatura como aquele concepto que não atingiu o potencial máximo de crescimento e clinicamente é reconhecido como RN que apresenta deficiência em tecidos moles1.

Portanto, diagnosticaram-se neste estudo: 25,9% de RN PIG, 2,7% AIG com IP aumentado (baixa estatura genética), 75% de GIG com IP normal (grande constitucional) e 7,7% de RN AIG com IP baixo (CIUR subclínico), que jamais seriam diagnosticados se tivéssemos utilizado apenas o peso ao nascer como meio diagnóstico do crescimento intra-uterino, fato que destaca a utilidade do IP para essa finalidade, pois ao associar o peso à estatura, aumenta-se a sensibilidade do método22. Saliente-se ainda que, mesmo sendo um índice antropométrico, existe independência em relação ao sexo e raça26,27.

Considerando a incidência de 1,7% de CIUR simétrico no presente estudo contra 14,0% do assimétrico, vê-se que o tipo de restrição intra-uterina não está de acordo com os achados de pesquisas realizadas em países pobres da América Latina, cuja maior incidência foi de RN simétricos22,28, fato que revela o perfil de país desenvolvido no achado desse estudo.

A taxa de baixo peso ao nascer entre os RN de mulheres que tiveram eclâmpsia foi cinco vezes maior em relação àqueles de mulheres hígidas, aspecto que inclusive lhes conferiu restrição do crescimento e elevada taxa de taquipnéia transitória em relação aos demais grupos. A possível associação do descolamento prematuro da placenta normalmente inserida aos casos de PE, bem como a presença de espasmo vascular inerente a essa doença, reduzindo a perfusão placentária, é fator primordial na gênese da morbidade e mortalidade perinatal19, podendo explicar o resultado ominoso encontrado entre esses RN. O percentual de 17,4% de CIUR simétrico observado entre os RN de mulheres tabagistas pode ser explicado pelo fato de o tabaco consumido durante a gestação ser fator preponderante na redução da troca de nutrientes e oxigênio entre mãe e feto, conseqüência, dentre outras, da diminuição do contingente de vilosidades coriônicas, reduzindo assim a população de capilares vilositários necessários para as trocas entre o compartimento materno e o fetal29.

A taxa de 19,1% de infecção neonatal imediata encontrada entre os RN de RPM foi extremamente elevada em relação aos demais grupos, entretanto, é obviamente esperada, pois se trata de rupturas com período de latência prolongado, fato que predispõe à infecção ascendente30.

O baixo peso ao nascer teve maior influência como determinante do tipo de CIUR, visto que o assimétrico foi preponderante em relação ao simétrico neste grupo. O perfil predominante de CIUR assimétrico observado nesse estudo não pode ser atribuído exclusivamente às doenças que incidem no último trimestre da gravidez, uma vez que 78,1% dos RN com CIUR assimétrico eram filhos de mulheres hígidas. Este aspecto destaca o IP de Rohrer como método antropométrico simples e de fácil aplicação no diagnóstico dos diferentes padrões de CIUR, possibilitando, assim, a condução adequada dos RN no período neonatal precoce, diante das possíveis condições mórbidas que se associam a esses desvios do crescimento intra-uterino, proporcionando, portanto, maior probabilidade de sobrevivência e melhor qualidade de vida a esses RN.

Recebido em: 13/12/2004

Aceito com modificações em: 11/3/2005

Correspondência: José Elias Soares da Rocha

Rua Dr. Artur Machado nº 07 - Fernão Velho - 57070040 - Maceió - AL - Telefone: (82) 378 8333 - e-mail: jelsrocha@yahoo.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2005

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2004
  • Aceito
    11 Mar 2005
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