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Mortalidade materna por hipertensão: índice e análise de suas características em uma maternidade-escola

Maternal mortality due to hypertension: rate and analysis of its characteristics in a teaching maternity hospital

Resumos

OBJETIVO: estudar a mortalidade materna por hipertensão na gestação, estimando a razão de mortalidade e o perfil das pacientes que foram a óbito por esta causa. MÉTODOS: estudo retrospectivo dos óbitos maternos devidos à hipertensão ocorridos na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará - MEAC/UFC, no período de 1981 a 2003. Foram avaliadas as razões de mortalidade materna geral (RMM) e específica para hipertensão e, nesta população de hipertensas, os dados epidemiológicos e clínicos. RESULTADOS: registraram-se 296 casos de óbitos maternos e 184.672 nascidos vivos (NV), resultando em RMM de 160,28/100.000 NV. A causa de óbito mais freqüente foi hipertensão (41,2%), com 122 casos e média anual de 5,3 óbitos e RMM para hipertensão de 60,10/100.000 NV. Analisando-se o grupo de mortes por hipertensão verificou-se que a idade materna variou de 13 a 42 anos, com média de 26 anos. A maioria das pacientes originou-se do interior do estado. As mortes aconteceram principalmente nas primeiras 24 horas após a admissão hospitalar (50,9%). Houve predomínio de mortes em primigestas (40,3%) e na faixa entre 31 e 38 semanas (48,2%). A eclâmpsia ocorreu em 73 pacientes (64,1%), sendo mais prevalente durante a gestação (53,4%). Aconteceram 101 óbitos no período puerperal. Houve predomínio de cesárea (62,3%) e de anestesia geral (45,1%). A assistência pré-natal não foi realizada em 61,4% das pacientes. CONCLUSÕES: as razões de mortalidade materna geral e por hipertensão foram elevadas, sendo a hipertensão a principal causa de óbito materno em nossa maternidade.

Hipertensão; Gravidez; Complicações na gravidez; Mortalidade materna; Cuidado pré-natal; Estudos retrospectivos


PURPOSE: to study maternal mortality caused by hypertension during pregnancy, determining the mortality rate and the profile of those patients. METHODS: a retrospective study of maternal mortality caused by hypertension at the Maternidade Escola Assis Chateaubriand of the Universidade Federal do Ceará, from 1981 to 2003. General maternal mortality rate (MMR) and specific maternal mortality rate due to hypertension were evaluated, as well as these patients' epidemiological and clinical data. RESULTS: two hundred and ninety six cases of maternal death and 184,672 of live births were recorded, with a MMR of 160.28/100.000 live births. The most frequent cause of death was hypertension (41.2%); with 122 cases and an annual average of 5.3 deaths, and hypertension MMR of 60.10/100,000 live births. The women's age range varied from 13 to 42 years with an average of 26 years. Most of the patients came from the interior of the state. Deaths occurred predominantly in the first 24 hours after admission to the hospital (50.9%). Deaths were predominant in the first pregnancy (40.3%) and in women with 31 to 38 weeks gestational age (48.2%). Eclampsia occurred in 73 patients (64.1%) and was predominant along the gestational period (53.4%). There were 101 deaths in the puerperium. Cesarean section (62.3%) and general anesthesia (45.1%) prevailed. A high percentage of patients (61.4%) had no prenatal care. CONCLUSIONS: General MMR and hypertension MMR were high, the latter being the main cause of death in our maternity hospital.

Hypertension; Pregnancy; Pregnancy; Maternal mortality; Prenatal care; Retrospective studies


ARTIGOS ORIGINAIS

Mortalidade materna por hipertensão: índice e análise de suas características em uma maternidade-escola

Maternal mortality due to hypertension: rate and analysis of its characteristics in a teaching maternity hospital

Elmiro Hélio Martins BezerraI; Carlos Augusto Alencar JúniorII; Regina Fátima Gonçalves FeitosaIII; Arnaldo Afonso Alves de CarvalhoIV

IMédico Obstetra do Serviço de Obstetrícia do Hospital Geral de Fortaleza - Fortaleza (CE) - Brasil

IIProfessor Adjunto Doutor de Obstetrícia da Universidade Federal do Ceará - UFC - Fortaleza (CE) - Brasil

IIIEnfermeira do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará - UFC - Fortaleza (CE) - Brasil

IVMédico Obstetra da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará - UFC - Fortaleza (CE) - Brasil

Correspondência Correspondência: Carlos Augusto Alencar Júnior Rua Vicente Linhares,1551, Ap1000 - Aldeota 60135270 – Fortaleza-Ceará Fone: (85) 9981.6112 e-mail: alencar@ufc.br

RESUMO

OBJETIVO: estudar a mortalidade materna por hipertensão na gestação, estimando a razão de mortalidade e o perfil das pacientes que foram a óbito por esta causa.

MÉTODOS: estudo retrospectivo dos óbitos maternos devidos à hipertensão ocorridos na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará - MEAC/UFC, no período de 1981 a 2003. Foram avaliadas as razões de mortalidade materna geral (RMM) e específica para hipertensão e, nesta população de hipertensas, os dados epidemiológicos e clínicos.

RESULTADOS: registraram-se 296 casos de óbitos maternos e 184.672 nascidos vivos (NV), resultando em RMM de 160,28/100.000 NV. A causa de óbito mais freqüente foi hipertensão (41,2%), com 122 casos e média anual de 5,3 óbitos e RMM para hipertensão de 60,10/100.000 NV. Analisando-se o grupo de mortes por hipertensão verificou-se que a idade materna variou de 13 a 42 anos, com média de 26 anos. A maioria das pacientes originou-se do interior do estado. As mortes aconteceram principalmente nas primeiras 24 horas após a admissão hospitalar (50,9%). Houve predomínio de mortes em primigestas (40,3%) e na faixa entre 31 e 38 semanas (48,2%). A eclâmpsia ocorreu em 73 pacientes (64,1%), sendo mais prevalente durante a gestação (53,4%). Aconteceram 101 óbitos no período puerperal. Houve predomínio de cesárea (62,3%) e de anestesia geral (45,1%). A assistência pré-natal não foi realizada em 61,4% das pacientes.

CONCLUSÕES: as razões de mortalidade materna geral e por hipertensão foram elevadas, sendo a hipertensão a principal causa de óbito materno em nossa maternidade.

Palavras-chave: Hipertensão/mortalidade; Gravidez/metabolismo; Complicações na gravidez; Mortalidade materna; Cuidado pré-natal; Estudos retrospectivos

ABSTRACT

PURPOSE: to study maternal mortality caused by hypertension during pregnancy, determining the mortality rate and the profile of those patients.

METHODS: a retrospective study of maternal mortality caused by hypertension at the Maternidade Escola Assis Chateaubriand of the Universidade Federal do Ceará, from 1981 to 2003. General maternal mortality rate (MMR) and specific maternal mortality rate due to hypertension were evaluated, as well as these patients' epidemiological and clinical data.

RESULTS: two hundred and ninety six cases of maternal death and 184,672 of live births were recorded, with a MMR of 160.28/100.000 live births. The most frequent cause of death was hypertension (41.2%); with 122 cases and an annual average of 5.3 deaths, and hypertension MMR of 60.10/100,000 live births. The women's age range varied from 13 to 42 years with an average of 26 years. Most of the patients came from the interior of the state. Deaths occurred predominantly in the first 24 hours after admission to the hospital (50.9%). Deaths were predominant in the first pregnancy (40.3%) and in women with 31 to 38 weeks gestational age (48.2%). Eclampsia occurred in 73 patients (64.1%) and was predominant along the gestational period (53.4%). There were 101 deaths in the puerperium. Cesarean section (62.3%) and general anesthesia (45.1%) prevailed. A high percentage of patients (61.4%) had no prenatal care.

CONCLUSIONS: General MMR and hypertension MMR were high, the latter being the main cause of death in our maternity hospital.

Keywords: Hypertension/mortality; Pregnancy/metabolism; Pregnancy/complications; Maternal mortality; Prenatal care; Retrospective studies

Introdução

Os distúrbios hipertensivos são as complicações médicas de maior relevância durante o período gravídico-puerperal. O termo "hipertensão na gravidez" é usualmente utilizado para descrever desde pacientes com discreta elevação dos níveis pressóricos, até hipertensão grave com disfunção de vários órgãos. As manifestações clínicas, embora possam ser similares, podem ser decorrentes de causas diferentes. Na gravidez, as formas mais comuns de hipertensão são a pré-eclâmpsia, a hipertensão arterial crônica e a hipertensão crônica com pré-eclâmpsia superposta1.

A pré-eclâmpsia é complicação da gravidez caracterizada por apresentar hipertensão, proteinúria e, na maioria das vezes, edema, dentre outros, sendo a hipertensão arterial sua manifestação principal. Associada à convulsão recebe a denominação de eclâmpsia1-3. Entre nós, a hipertensão incide em cerca de 10% das gestações e, a exemplo do que ocorre em diversos países, representa a primeira causa de morte materna1,2,4. Sua importância torna-se ainda maior quando se analisam os efeitos sobre o concepto, oscilando o obituário perinatal entre 5,5 e 50%2,3.

A Organização Panamericana de Saúde (OPAS) classifica como elevada a razão de mortalidade materna (RMM) maior que 50/100.000 nascidos vivos (NV)5. Ressaltamos ser a mortalidade materna um importante indicador da realidade social de um país e seu povo, devendo a hipertensão responder por até 15% dessas mortes1,2. Estudos de óbitos maternos, realizados em unidades hospitalares, mostram elevadas taxas de mortalidade materna por serem centros de referência obstétrica6-8.

O objetivo deste trabalho foi o de estudar a mortalidade materna por hipertensão na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (MEAC), instituição terciária, situada em Fortaleza, pertencente ao complexo hospitalar da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), para onde são encaminhadas gestantes de todo o estado do Ceará. Pretendemos, assim, descrever o perfil das mulheres que evoluíram para óbito tendo como causa a hipertensão.

Métodos

Estudo retrospectivo de dados obtidos em prontuários de gestantes, parturientes ou puérperas que foram a óbito na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand/Universidade Federal do Ceará devido à hipertensão e suas complicações, no período de 1 de janeiro de 1981 a 31 de dezembro de 2003. Definiu-se como hipertensão níveis pressóricos iguais ou superiores a 140 mmHg, na pressão sistólica, e 90 mmHg, na diastólica, em pelo menos 2 mensurações com intervalo mínimo de 4 horas. Nos casos em que o óbito ocorreu em tempo inferior a quatro horas da admissão, um único registro foi suficiente para caracterizar o quadro hipertensivo.

Analisaram-se, inicialmente, a RMM geral e por hipertensão (RMMH), calculada, a primeira, pela razão entre o número de óbitos em mulheres por complicações da gravidez, parto e puerpério, em determinada área e período, e o número de NV na mesma área e período, expresso por 100.000 nascidos vivos9. Para o cálculo da mortalidade específica por hipertensão utilizamos a razão entre o número de óbitos maternos pela doença, em determinada área e período, pelo número de NV, na mesma área e período, por 100.000 nascidos vivos5,9,10. No grupo de óbitos maternos por hipertensão pesquisou-se a distribuição anual dos óbitos para analisar sua evolução temporal, no período estudado.

Dentre as características relacionadas às pacientes hipertensas avaliamos a idade, em anos, quando do momento do óbito, o número de gestações e partos prévios e a procedência, se provenientes da capital (Fortaleza) ou do interior do estado do Ceará.

Estudou-se, também, a idade gestacional, em semanas, em que ocorreu o óbito materno. Para tanto, utilizou-se a data da última menstruação, o exame ultra-sonográfico ou o método de Capurro do recém-nascido. Havendo discordância superior a 2 semanas entre as idades estimadas, optou-se pela definida por meio da avaliação ecográfica, quando realizada precocemente. Na sua inexistência, utilizou-se o método de Capurro.

Analisou-se, ainda, o momento em que ocorreu o óbito em relação ao parto, se no período gestacional, intraparto ou puerperal. Observaram-se, também, a via de parto, se vaginal ou cesárea, e a anestesia utilizada na cesárea, se geral, peridural ou raquianestesia. Os casos em que o parto não ocorreu foram registrados. A ocorrência de eclâmpsia, caracterizada pela presença de convulsão e/ou coma, foi pesquisada, anotando-se o momento em que ocorreu em relação ao parto.

Por fim, em relação aos dados maternos, pesquisaram-se o tempo de permanência hospitalar, entendido como o tempo entre a admissão e o óbito, e o registro da realização do pré-natal, estabelecendo-se como critério a ocorrência de pelo menos uma consulta pré-natal. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição.

Resultados

Ocorreram na MEAC/UFC, no intervalo de 23 anos (1981–2003), 327 óbitos de pacientes do sexo feminino, sendo 31 não maternos e 296 maternos. Com o número de nascidos vivos de 184.672, no período, obtivemos uma RMM de 160,280/100.000 NV. Entre os 296 óbitos maternos, foram registrados 122 por complicações da hipertensão (41,2%), 74 por hemorragia (25,0%) e 58 por infecção (19,6%). Outras causas foram responsáveis por 31 mortes (10,5%) e em três casos (1,0%) não foi possível estabelecer o fator determinante da morte.

A RMM para hipertensão foi de 60,10/100.000 NV. Ocorreram, em média, 5,3 óbitos por ano, sendo 1992 o ano que registrou o maior número de mortes (15) (Figura 1). Evidenciou-se declínio gradual do número de mortes maternas até o ano de 1998. Em 2001, voltou a ocorrer incremento no número de mortes. Somente em cinco dos 23 anos analisados a hipertensão não ocupou o primeiro lugar no obituário materno, que se devem a infecção em 1983, 2001 e 2002 e a hemorragia em 1987 e 1998.


Dos 122 prontuários, oito não foram analisados pela ausência ou precariedade de informações. Desta forma, trabalhamos com o universo de 114 pacientes. Os dados apresentados a seguir referem-se a estes óbitos.

A idade materna variou entre 13 e 42 anos, com média de 26 anos. Constatamos maior freqüência na faixa etária de 18 a 22 anos (25,4%), seguida pelo intervalo de 28 a 32 anos (19,3%) (Figura 2). A idade em que se deu o maior número de casos foi a de 19 anos (moda), com dez registros, seguida pela idade de 20 anos, com oito casos.


A maioria das pacientes provinha do interior do estado do Ceará (50,0%), contra 43,0% oriundas da capital. Em oito prontuários não havia esta informação (7,0%). Os municípios que mais encaminharam pacientes para Fortaleza foram os da região metropolitana.

As mortes ocorreram, principalmente, nas primeiras 24 horas após a admissão (50,9%), sendo que 63,2% aconteceram em até 48 horas. A internação mais prolongada totalizou 17 dias (Tabela 1).

Em relação à idade gestacional, houve predomínio de morte nas faixas de 31 a 34 (25,4%) e de 35 a 38 semanas (22,8%) (Figura 3), sendo mais freqüente entre as primigestas (40,4%), seguidas pelas secundigestas e tercigestas (26,3%) (Tabela 2).


A eclâmpsia ocorreu em 73 pacientes (64,0%), sendo mais prevalente na gestação (53,4%), subseqüentemente no puerpério (23,4%) e, por fim, durante o trabalho de parto (20,5%). Em dois casos (2,7%) não houve citação do momento em que se deu a convulsão.

Evidenciou-se que 101 óbitos aconteceram no puerpério (88,6%), 11 antes do parto (8,8%) e dois durante o trabalho de parto (1,8%). Em uma paciente não se determinou o momento do episódio (0,9%).

No que diz respeito à via de parto, 71 pacientes foram submetidas à cesárea (62,3%), 35 tiveram parto normal (30,7%) e, em oito, não houve realização do parto (7,0%).

A principal anestesia utilizada quando da realização das cesáreas foi a geral, com 45,1%. Seguem a anestesia peridural, com 29,6%, e a raquianestesia, com 9,9%. Em nove pacientes não foi possível conhecer a anestesia a que foram submetidas pois não havia informação no prontuário.

Setenta mulheres não freqüentaram pré-natal (61,4%), 32 pacientes (28,1%) tiveram pelo menos uma consulta, ao passo que em 12 prontuários (10,5%) não havia registro deste dado. Apenas 7 grávidas (6,1%) tiveram seis ou mais consultas.

Discussão

Há tempos, a hipertensão, como entidade associada ou como causa direta de mortalidade materna, tem sido motivo de preocupação nos diferentes setores da comunidade médica. Em pleno século XXI não tem sido diferente, pois a mulher grávida, de idade média, incorpora um potencial de 135 anos de vida – 56 anos para si e 79 para o feto. Tratar adequadamente esta doença nos possibilitaria a oportunidade de salvar anos de vida11.

A RMM extremamente elevada reflete, indiretamente, a deficiente assistência que tem sido prestada às mulheres grávidas. A OPAS estabelece como alta a mortalidade materna geral acima de 50/100.000 NV5. Outra pesquisa, também realizada em Fortaleza, igualmente em hospital terciário, mostrou resultado semelhante12. Constatamos existirem altos índices nestas instituições hospitalares por serem centros de referência regional, recebendo maior quantidade de gestantes com doenças5,11-14. Nossa instituição recebe pacientes advindas de outras instituições e, freqüentemente, do interior do estado, principalmente de pequenas cidades vizinhas a Fortaleza, onde inexiste suporte hospitalar terciário.

Como verificado em outras pesquisas nacionais e internacionais, prevaleceu, entre nós, a hipertensão como primeira causa de morte11-17. A razão específica por esta causa foi de 60,10/100.000 NV, próxima do valor de 64,67/100.000 NV observado em instituição terciária similar12. Em instituição hospitalar de Atlanta, entre 1949 e 2000, Ho et al.18 encontraram razão de mortalidade materna de 92,2/100.000 NV. O percentual de óbitos por hipertensão, entre 1949 e 1971, comparado com 1972 e 2000, foi semelhante18. Demonstra-se, com isso, mesmo em países desenvolvidos, e apesar do aparecimento de novas causas de morte materna não obstétricas, a importância da hipertensão como fator responsável por óbitos maternos.

Na Arábia Saudita, entre 1983 e 2002, em instituição hospitalar, obteve-se RMM de 28,4/100.000NV. As principais causas foram hemorragia (43,7%), embolia pulmonar (25%) e acidentes em anestesia geral (12,5%)19. Os autores destacam que este bom índice se deveu à melhoria do nível educacional e da implementação de programas de saúde na comunidade. No Hospital Universitário de Pleven (Sofia, Bulgária), em um período de 25 anos, a primeira causa de morte materna foi também hemorragia20. Em países em desenvolvimento, sem boas condições socioeconômicas, caso do Brasil, ocorrem 90% das mortes maternas mundiais. Nestes, a hipertensão continua como causa líder, seguida por sangramento, anemia, abortamentos provocados e infecções21.

Analisando-se a evolução temporal dos óbitos ocorridos em nosso hospital, podemos verificar incremento contínuo até o ano de 1992. A partir de então, com a melhoria da nossa emergência e centro obstétrico, com as mudanças de condutas adotadas na clínica obstétrica e a introdução do ambulatório de gestação de alto risco, houve declínio visível das mortes até o ano de 1998. Neste período a unidade de terapia intensiva materna, razão pela qual, desde 2001, tivemos incremento dos êxitos letais maternos, especialmente por recepção de pacientes transferidas em estado grave de outras unidades hospitalares. Ressalta-se que nenhuma das perdas maternas por hipertensão foi de paciente com realização de pré-natal em nosso ambulatório de alto risco.

A primeira gestação de uma jovem ou adolescente, bem como a que ocorre em idade avançada (gravidez nos extremos do período reprodutivo), são fatores de risco gestacional2,3, inclusive para pré-eclâmpsia. A maioria das mortes por hipertensão ocorreu em pacientes primigestas, mas não nos extremos da vida reprodutiva. Houve predomínio de casos na faixa etária em que há maior probabilidade de engravidar (18-32 anos, média de 26 anos). Apesar disso, deve-se ressaltar a elevada ocorrência de mortes entre as idades de 13 a 17 anos (9,6%). Outras pesquisas, na África do Sul e Nigéria22,23, encontraram resultados semelhantes ao nosso, com óbitos maternos de jovens, primigestas e com pré-eclâmpsia e eclâmpsia.

O maior número de mortes ocorreu na faixa de 31 a 38 semanas gestacionais. Se excluirmos as pacientes que não tinham a idade gestacional conhecida (22,0%), poderíamos afirmar que 75,5% das pacientes que foram a óbito por hipertensão tinham pelo menos 31 semanas de gravidez. Observamos assim, como na literatura1-4,11, a incidência tardia da complicação, portanto em época de comprovada viabilidade fetal.

Além disso, destacamos que a eclâmpsia ocorreu na maioria das grávidas, representando, provavelmente, atraso no diagnóstico e conduta. Corroborando esta hipótese, o quadro instalou-se mais freqüentemente no período anteparto, similarmente ao referido por outros pesquisadores que estimam a ocorrência do ataque convulsivo, em metade dos casos, durante a gestação, antes do trabalho de parto1-3. A existência do quadro convulsivo é, sem dúvida, fator de agravo e risco de morte para grávidas com pré-eclâmpsia.

A resolução da gestação não foi suficiente para evitar a morte materna em 101 pacientes cujos óbitos ocorreram após o parto. Além disso, mais da metade das pacientes faleceram em até 48 horas após a internação (63,2%). Estes fatos demonstram a fragilizada condição da mãe no momento do parto. A intervenção adequada, em tempo hábil, poderia reduzir, significativamente, as mortes maternas. Nossos dados são semelhantes aos encontrados por Arkader14.

A cesárea foi a via de parto preferencial, na tentativa de preservar o binômio materno-fetal. O uso da anestesia geral em 45,1% das cesáreas denota a provável gravidade do quadro, uma vez que, em nosso Serviço, estando a paciente estável e sem coagulopatias, dá-se preferência ao bloqueio regional que, embora possa diminuir a pré-carga, tornando-a de risco em paciente volume-contraída, em mãos competentes é procedimento seguro1-3.

Com relação ao pré-natal, impressiona a constatação de sua ausência em 61,4% das grávidas. Destaque-se, ainda, que apenas 7 pacientes (6,1%) satisfizeram o que estabelece a Organização Mundial de Saúde como critério mínimo de adequada assistência pré-natal: mínimo de seis consultas5,10. É irrefutável a correlação entre o atendimento pré-natal, sua qualidade e a ocorrência de complicações, principalmente a morte. Quanto melhor a assistência pré-natal prestada, quantitativa e qualitativamente, menores os índices de complicações obstétricas. A assistência pré-natal adequada possibilitaria determinar o risco gestacional, facilitando a identificação e o encaminhamento daquelas que necessitam de atenção terciária. A ausência de pré-natal também foi destacada em trabalhos realizados em outros países em desenvolvimento, como Índia e Nigéria, igualmente em hospitais terciários8,23.

Por fim, registramos a falta de preenchimento completo de alguns prontuários médicos, dificultando a execução deste trabalho. Preencher corretamente documentos, como prontuários, é obrigação do profissional médico24, além de servir para protegê-lo em questões judiciais, fato comum de ocorrer quando o desfecho final é trágico.

Recebido em: 4/11/2004

Aceito com modificações em: 9/8/2005

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  • Correspondência:

    Carlos Augusto Alencar Júnior
    Rua Vicente Linhares,1551, Ap1000 - Aldeota
    60135270 – Fortaleza-Ceará
    Fone: (85) 9981.6112
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2005

    Histórico

    • Recebido
      09 Ago 2005
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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