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Macrossomia fetal: um desafio obstétrico

Fetal macrosomia: an obstetric challenge

EDITORIAL

Macrossomia fetal - um desafio obstétrico

Fetal macrosomia - an obstetric challenge

Iracema de Mattos Paranhos CalderonI; Marilza Vieira Cunha RudgeII

IProfessora Livre-Docente de Obstetrícia, Universidade Estadual Paulista "Julio Mesquita Filho" – UNESP – Botucatu (SP), Brasil

IIProfessora Titular de Obstetrícia, Universidade Estadual Paulista "Julio Mesquita Filho" – UNESP – Botucatu (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Iracema de Mattos Paranhos Calderon Rua Atílio Losi, 226 – Jd. Paraíso 18610-260 – Botucatu – SP e-mail: calderon@fmb.unesp.br

A macrossomia fetal é desafio constante à prática obstétrica. É previsível em algumas situações, mas a maioria dos casos se associa a gestações de baixo risco, em que os indicadores maternos são incapazes de predizer que a mulher dará à luz um recém-nascido macrossômico1. Contribuem para esse desafio algumas controvérsias relacionadas ao tema: a própria definição ou conceito de macrossomia, os múltiplos fatores de risco envolvidos, a dificuldade no diagnóstico pré-natal de certeza, as divergências nos protocolos de conduta na gestação e no parto e a conseqüente morbimortalidade perinatal associada.

A macrossomia é achado comum nas gestações de multíparas, com idade mínima de 30 anos, maior estatura e índice de massa corporal (IMC) elevado, que apresentam antecedentes familiares de diabete e obstétricos de macrossomia fetal, de intolerância à glicose ou diabete, no pós-datismo e nos fetos do sexo masculino. Os recém-nascidos com peso igual ou superior a 4.000 g correspondem a 10% e aqueles com 4.500 g ou mais, a 1% da população geral2.

Múltiplas são as definições de macrossomia fetal. O peso ao nascimento igual ou superior a 4.000 g3,4 independente da idade gestacional é a definição clássica, apesar de alguns estudos considerarem apenas o peso superior a 4.000 g5 ou ainda o peso igual ou superior a 4.500 g2. Relacionando o peso à idade gestacional, os recém-nascidos macrossômicos estão classificados entre aqueles com peso acima do 90º percentil6,7.

O índice ponderal (IP) de Rohrer, obtido pela relação [peso (g)/altura (cm)3] x 100, deve ser utilizado em associação com qualquer um dos critérios de macrossomia para diferenciar o crescimento fetal exagerado simétrico (constitucional) do assimétrico (metabólico). Editorial já publicado neste periódico destacou que os macrossômicos assimétricos, com IP superior a 3,1, são comuns nas gestações complicadas pelo diabete mal controlado e têm risco aumentado de tocotraumatismo, em especial, a distócia de bis-acromial8.

A gama de conceitos e definições sobre macrossomia fetal impede a comparação dos estudos, estimula divergências entre os protocolos de conduta e dificulta a prevenção dos resultados adversos maternos e perinatais. Na verdade, qualquer um dos critérios já determinados na literatura permite o diagnóstico de macrossomia apenas após o nascimento, que é insuficiente para predizer as distócias e tocotraumatismos no parto. Em decorrência, o conhecimento dos fatores de risco deve ter maior sucesso no diagnóstico pré-natal da macrossomia e do tipo de macrossomia, simétrica ou assimétrica.

Estudo recente, comparando 886 gestações de fetos macrossômicos com 26.075 gestações de fetos com peso adequado para o termo da gestação, confirmou como fatores de risco independentes para a macrossomia o diabete prévio (OR=4,6) ou gestacional (OR=1,6), o antecedente de feto macrossômico (OR=3,1), o pós-datismo (OR=3,1) e a obesidade materna (OR=2,0).

Na população de gestantes brasileiras o IMC superior a 25 kg/m2 se relacionou a risco aumentado de macrossomia fetal e diabete gestacional9. Nas gestações complicadas por diabete ou hiperglicemia diária, o ganho de peso superior a 16 kg (OR=1,79), o IMC>25 kg/m2 (OR=1,83), o antecedente pessoal de diabete (OR=1,56) e de macrossomia (OR=2,37) e a média glicêmica no terceiro trimestre>120 mg/dL (OR=1,78) também foram identificados como risco independente para o crescimento fetal exagerado7. Independente do IMC, a hiperinsulinemia e os níveis anormais das frações do colesterol, HDL e LDL-colesterol, indicativos da síndrome metabólica, também foram relacionados ao risco aumentado de macrossomia fetal10.

A presença destes marcadores, em gestações associadas ou não ao diabete materno, deverá alertar para o risco perinatal e destacar a importância do diagnóstico de macrossomia ainda na gestação.

A extensa revisão de Chauhan et al.5 demonstrou que a probabilidade de detecção pré-natal da macrossomia varia de 15 a 79% com os métodos ultra-sonográficos e de 40 a 52% com predição clínica em gestações de baixo risco. Nas gestações complicadas pelo diabete essa chance diagnóstica atinge cerca de 60%, independente do método empregado. Os autores concluíram que a falta de acurácia dos métodos diagnósticos disponíveis evidencia que a suspeita pré-natal de macrossomia não deve ser indicativa de indução do parto ou de cesárea nas gestações de baixo risco. Também nos casos de diabete materno, com antecedentes de cesárea, distócia de ombros e macrossomia, que são fatores que aumentam a ocorrência de complicações perinatais, não há evidência suficiente para relacionar o limite do peso fetal à indicação de cesárea eletiva.

Vários investigadores defendem a liberalidade ou eleição do parto cesárea na prevenção da distócia de ombro e da paralisia do plexo braquial, decorrentes da macrossomia fetal. Os limites de peso para indicação da cesárea eletiva também não são uniformes e variam desde 4.000 g e 4.500 g até 5.000 g5,11. Outros recomendam a indução sistemática do parto, na tentativa de interromper o crescimento fetal exagerado e prevenir maiores complicações. Entretanto, não há consenso na literatura e a adoção destas estratégias não comprovou, de forma clara, qualquer benefício nas gestações de baixo risco5.

Este panorama pouco promissor justifica o conceito de desafio constante imputado à macrossomia fetal e impossibilita o consenso nos protocolos de assistência a estas gestações.

Foco deste editorial, o trabalho de Madi et al.4, publicado neste fascículo, faz análise dos indicadores clínicos, do risco de complicações e da via de parto em 411 casos de macrossomia, pareados por idade gestacional a 7.349 recém-nascidos de peso adequado. Os resultados confirmaram a maioria dos achados da literatura, com exceção da relação entre tocotraumatismo e macrossomia fetal.

Os recém-nascidos macrossômicos estiveram significativamente associados a índices de Apgar menores que 7 no primeiro (OR=1,8) e quinto minutos (OR=2,3), presença de mecônio (OR=1,3), necessidade de cuidados intensivos (OR=2,0), neomortalidade precoce (OR=2,7), cesárea (OR=2,03) e desproporção feto-pélvica (OR=2,8). A macrossomia também foi mais freqüente nas gestações complicadas pelo diabete (OR=4,7)4.

O trabalho não evidenciou associação entre macrossomia e tocotraumatismo e isto deve ter ocorrido pelo critério de peso ao nascimento >4.000 g e pela resolução por cesárea em 36% dos casos desse estudo. De acordo com o Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia (ACOG), a cesárea é justificada na prevenção do tocotraumatismo apenas quando o peso fetal estimado for igual ou superior a 4.500 g (nível C de evidência)11.

Não há ensaios clínicos controlados avaliando qualquer uma das questões aqui abordadas. Em decorrência, a falta de evidência científica nível 1, desejável para toda tomada de decisão, dificulta a definição, a identificação dos indicadores clínicos e a orientação da conduta mais adequada nestas situações. Estudos futuros, prospectivos, bem desenhados e multicêntricos, além de necessários, deverão contribuir para solucionar este desafio da prática obstétrica - a macrossomia fetal.

Referências

1. Heiskanen N, Raatikainen K, Heinonen S. Fetal macrosomia-A continuing obstetric challenge. Biol Neonate. 2006;90(2):98-103.

2. Rudge MVC, Calderon IMP. Macrossomia fetal: correlação clínica-experimental. Femina. 1997;25(5):469-76.

3. Das UG, Sysyn GD. Abnormal fetal growth: intrauterine growth retardation, small for gestational age, large for gestational age. Pediatr Clin North Am. 2004;51(3):639-54.

4. Madi JM, Rombaldi RL, Oliveira Filho PF, Araújo BF, Zatti H, Madi SRC. Fatores maternos e perinatais relacionados à macrossomia fetal. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006;28(4):233-8.

5. Chauhan SP, Grobman WA, Gherman RA, Chauhan VB, Chang G, Magann EF, et al. Suspicion and treatment of the macrosomic fetus: a review. Am J Obstet Gynecol. 2005;193(2):332-46.

6. Lubchenco LO, Hansman C, Dressler M, Boyd E. Intrauterine growth as estimated from liveborn birth-weight data at 24 to 42 weeks of gestation. Pediatrics. 1963;32:793-800.

7. Kerche LTRL, Abbade JF, Costa RAA, Rudge MVC, Calderon IMP. Fatores de risco para macrossomia fetal em gestações complicadas por diabete ou por hiperglicemia diária. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27(10):580-7.

8. Rudge MVC. Avaliação do peso dos recém-nascidos: o que é normal ou anormal. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27(6):299-300.

9. Nucci LB, Schmidt MI, Duncan BB, Fuchs SC, Fleck ET, Britto MS. Nutritional status of pregnant women: prevalence and associated pregnancy outcomes. Rev Saúde Pública. 2001;35(6):502-7.

10. Clausen T, Burski TK, Oyen N, Godang K, Bollerslev J, Henriksen T. Maternal anthropometric and metabolic factors in the first half of pregnancy and risk of neonatal macrosomia in term pregnancies. A prospective study. Eur J Endocrinol. 2005;153(6):887-94.

11. American College of Obstetricians and Gynecologists. Shoulder dystocia. Washington, (DC): The College; 2002. (Practice bulletin, 40).

Recebido em: 28/4/2006

Aceito com modificações em: 17/5/2006

Faculdade de Medicina de Botucatu / Departamento de Ginecologia e Obstetrícia

Universidade Estadual Paulista-Unesp/ SP / Brasil.

  • Correspondência:

    Iracema de Mattos Paranhos Calderon
    Rua Atílio Losi, 226 – Jd. Paraíso
    18610-260 – Botucatu – SP
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006
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