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Fatores maternos e resultados perinatais no descolamento prematuro da placenta: comparação entre dois períodos

Maternal factors and perinatal results in placental abruption: a comparative study of two periods

Resumos

OBJETIVOS: comparar o perfil dos fatores maternos, aspectos clínicos e os resultados perinatais no descolamento prematuro da placenta (DPP), em dois períodos. MÉTODOS: avaliação retrospectiva dos casos de DPP ocorridos entre 01 de janeiro de 1994 e 31 de dezembro de 1997 (período 94-97), e entre 1 de abril de 2001 e 31 de março de 2005 (período 01-05), em gestações únicas com peso do recém-nascido superior a 500 g e idade gestacional acima da 20ª semana. Foram analisados os fatores: idade materna, cor, antecedentes obstétricos, pré-natal, rotura prematura de membranas, intercorrências clínicas e/ou obstétricas, sangramento, tônus uterino, malformação fetal, tipo de parto, hemoâmnio e complicações maternas (histerectomia, atonia uterina, CIVD, insuficiência renal aguda e morte materna), e os resultados perinatais. RESULTADOS: no período 94-97, foram realizados 7692 partos e o DPP ocorreu em 0,78% (60 casos), e, no período 01-05, foram 8644 partos com 0,59% (51 casos) de DPP (sem diferença significativa). Observou-se diferença significativa entre os períodos 94-97 e 01-05 em relação à média do número de gestações (3,5±2,4 e 2,6±1,8; p=0,04), não realização de pré-natal (13,3 e 2,0%; p=0,03) e intercorrências maternas (38,3 e 64,7%; p=0,01). Não foram observadas diferenças significativas quanto ao sangramento, à alteração no tônus e aos resultados perinatais, entre os períodos, verificando-se apenas maior proporção de hemoâmnio no período 94-97 que no 01-05 (28,3 e 11,8%, p=0,03). CONCLUSÕES: apesar dos avanços da obstetrícia, as complicações maternas e os resultados perinatais foram semelhantes nos períodos analisados. A gravidade e a imprevisibilidade do fenômeno alertam para a prevenção e controle adequados diante dos fatores associados ao DPP, na abordagem desta doença.

Descolamento prematuro da placenta; Resultado da gravidez; Gravidez de alto risco; Complicações da gravidez; Placenta


PURPOSE: to compare the maternal factors, clinical aspects and perinatal results in placental abruption during two periods. METHODS: retrospective analysis of placental abruption cases that occurred from January 1, 1994 through December 31, 1997 (period 94-97), and from April 4, 2001 through March 3, 2005 (period 01-05), in singleton delivery with birthweight higher than 500 g and after 20 weeks of gestation. The following factors were analyzed: maternal age, previous obstetric history, prenatal care, premature rupture of membranes, obstetric and/or clinical intercurrent events, vaginal bleeding, uterine tonus, fetal anomaly, mode of delivery, hemoamnion and maternal complication (hysterectomy, uterine atony, disseminated intravascular coagulation, acute renal failure, and maternal death), and the perinatal results. RESULTS: the rate of placental abruption was 0.78% (60 cases) in the period 94-97 (n=7692 deliveries), and 0.59% (51 cases) in the period 01-05 (n=8644 deliveries), without significant difference. A significant difference was observed between the periods 94-97 and 01-05 regarding mean number of previous gestations (3.5±2.4 and 2.6±1.8, p=0.04), patients without prenatal care (13.3 and 2.0%, p=0.03) and maternal intercurrences (38.3 and 64.7%, p=0.01). No significant difference was observed related to vaginal bleeding, tonus abnormalities and perinatal results, between the periods, but a higher proportion of hemoamnion in 94-97 was found when compared to 01-05 (28.3 and 11.8%, p=0.03). CONCLUSIONS: in spite of obstetrical advances, maternal complications and perinatal results were similar in the analyzed periods. The severity and the unexpected results emphasize the importance of prevention and adequate control of associated factors, when this pathology is approached.

Abruptio placentae; Pregnancy outcome; Pregnancy, high risk; Pregnancy complications; Placenta


ARTIGOS ORIGINAIS

Fatores maternos e resultados perinatais no descolamento prematuro da placenta: comparação entre dois períodos

Maternal factors and perinatal results in placental abruption: a comparative study of two periods

Roseli Mieko Yamamoto NomuraI; Fabio Roberto CabarII; Tânia Regina Schupp MachadoII; Aparecido Nakano MartinsIII; Rosa Maria de Souza Aveiro RuoccoII; Marcelo ZugaibIV

IProfessor Colaborador e Médico do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) - Brasil

IIMédico Assistente da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) - Brasil

IIIAcadêmico de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) - Brasil

IVProfessor Titular do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) - Brasil

Correspondência Correspondência: Roseli Mieko Yamamoto Nomura Rua General Canavarro, 280 - Bairro Campestre 09070-440 - Santo André - SP Telefone: (11) 4991-2481, (11) 4221-8778 Fax: (11) 4221-8752 e-mail: roseli.nomura@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: comparar o perfil dos fatores maternos, aspectos clínicos e os resultados perinatais no descolamento prematuro da placenta (DPP), em dois períodos.

MÉTODOS: avaliação retrospectiva dos casos de DPP ocorridos entre 01 de janeiro de 1994 e 31 de dezembro de 1997 (período 94-97), e entre 1 de abril de 2001 e 31 de março de 2005 (período 01-05), em gestações únicas com peso do recém-nascido superior a 500 g e idade gestacional acima da 20ª semana. Foram analisados os fatores: idade materna, cor, antecedentes obstétricos, pré-natal, rotura prematura de membranas, intercorrências clínicas e/ou obstétricas, sangramento, tônus uterino, malformação fetal, tipo de parto, hemoâmnio e complicações maternas (histerectomia, atonia uterina, CIVD, insuficiência renal aguda e morte materna), e os resultados perinatais.

RESULTADOS: no período 94-97, foram realizados 7692 partos e o DPP ocorreu em 0,78% (60 casos), e, no período 01-05, foram 8644 partos com 0,59% (51 casos) de DPP (sem diferença significativa). Observou-se diferença significativa entre os períodos 94-97 e 01-05 em relação à média do número de gestações (3,5±2,4 e 2,6±1,8; p=0,04), não realização de pré-natal (13,3 e 2,0%; p=0,03) e intercorrências maternas (38,3 e 64,7%; p=0,01). Não foram observadas diferenças significativas quanto ao sangramento, à alteração no tônus e aos resultados perinatais, entre os períodos, verificando-se apenas maior proporção de hemoâmnio no período 94-97 que no 01-05 (28,3 e 11,8%, p=0,03).

CONCLUSÕES: apesar dos avanços da obstetrícia, as complicações maternas e os resultados perinatais foram semelhantes nos períodos analisados. A gravidade e a imprevisibilidade do fenômeno alertam para a prevenção e controle adequados diante dos fatores associados ao DPP, na abordagem desta doença.

Palavras-chave: Descolamento prematuro da placenta; Resultado da gravidez; Gravidez de alto risco; Complicações da gravidez; Placenta

ABSTRACT

PURPOSE: to compare the maternal factors, clinical aspects and perinatal results in placental abruption during two periods.

METHODS: retrospective analysis of placental abruption cases that occurred from January 1, 1994 through December 31, 1997 (period 94-97), and from April 4, 2001 through March 3, 2005 (period 01-05), in singleton delivery with birthweight higher than 500 g and after 20 weeks of gestation. The following factors were analyzed: maternal age, previous obstetric history, prenatal care, premature rupture of membranes, obstetric and/or clinical intercurrent events, vaginal bleeding, uterine tonus, fetal anomaly, mode of delivery, hemoamnion and maternal complication (hysterectomy, uterine atony, disseminated intravascular coagulation, acute renal failure, and maternal death), and the perinatal results.

RESULTS: the rate of placental abruption was 0.78% (60 cases) in the period 94-97 (n=7692 deliveries), and 0.59% (51 cases) in the period 01-05 (n=8644 deliveries), without significant difference. A significant difference was observed between the periods 94-97 and 01-05 regarding mean number of previous gestations (3.5±2.4 and 2.6±1.8, p=0.04), patients without prenatal care (13.3 and 2.0%, p=0.03) and maternal intercurrences (38.3 and 64.7%, p=0.01). No significant difference was observed related to vaginal bleeding, tonus abnormalities and perinatal results, between the periods, but a higher proportion of hemoamnion in 94-97 was found when compared to 01-05 (28.3 and 11.8%, p=0.03).

CONCLUSIONS: in spite of obstetrical advances, maternal complications and perinatal results were similar in the analyzed periods. The severity and the unexpected results emphasize the importance of prevention and adequate control of associated factors, when this pathology is approached.

Keywords: Abruptio placentae; Pregnancy outcome; Pregnancy, high risk; Pregnancy complications; Placenta

Introdução

O descolamento prematuro da placenta (DPP), definido como separação da placenta implantada no corpo do útero, antes do nascimento do feto, em gestação de 20 ou mais semanas completas, resulta de uma série de processos fisiopatológicos, muitas vezes de origem desconhecida1.

É complicação obstétrica com elevado potencial de causar resultados devastadores. Além de estar associada a grande morbidade materna e perinatal, há maior incidência de anemias, coagulopatias, hemotransfusão, histerectomia e infecções puerperais. Também coloca em risco a vida da gestante e do feto. Resultados perinatais adversos, com freqüência, acompanham esse diagnóstico, tais como: prematuridade, baixo peso ao nascer, sofrimento fetal e morte perinatal2-8.

A incidência do DPP é variada nos diversos serviços, observando-se 4 a 35 casos a cada 1000 gestações1,9-11. Essa discordância pode ser justificada pelas diferentes características das populações analisadas.

Os acidentes automobilísticos respondem pela maioria das causas traumáticas de DPP. A doença hipertensiva é responsável por até metade dos casos não traumáticos12. Outros fatores como multiparidade, oligoidrâmnio, rotura prematura de membranas ovulares (RPMO), cesárea prévia, idade materna, DPP em gestação anterior, tabagismo, alcoolismo e uso de cocaína também são freqüentemente apontados como possíveis fatores de risco para o DPP12-15.

É de fundamental importância o conhecimento dos fatores predisponentes ao DPP à medida que estes alertam o profissional para o diagnóstico, proporcionando atuação oportuna, o que irá favorecer o prognóstico materno e fetal4,16,17. Os riscos maternos associados ao DPP referem-se, geralmente, aos seguintes aspectos: perda sanguínea excessiva, coagulação intravascular disseminada (CIVD), insuficiência renal e morte materna5,18-20.

Estudos têm demonstrado, nos últimos anos, aumento da incidência de DPP15,21, que pode estar relacionado às mudanças nos fatores de risco a que estão expostas as gestantes na atualidade, tal como a idade materna avançada21. Além disso, o incremento tecnológico na propedêutica obstétrica tem contribuído para o diagnóstico precoce e acurado do DPP.

Têm sido verificadas mudanças no perfil de determinados fatores associados ao DPP, em estudos que analisam séries históricas de casos15. A investigação acurada dessas modificações pode facilitar o acompanhamento das gestantes de maior risco, proporcionando maior precocidade no diagnóstico, de modo a favorecer o prognóstico da gestação.

O presente trabalho tem como objetivo comparar o perfil dos fatores de risco, a evolução clínica materna e os resultados obstétricos e perinatais associados ao diagnóstico de DPP, em pacientes que realizaram o parto em hospital universitário, em dois períodos distintos.

Métodos

Neste estudo retrospectivo foram avaliados os casos de DPP ocorridos entre os partos realizados nos períodos compreendidos entre 1º de janeiro de 1994 e 31 de dezembro de 1997 (período 94-97) e entre 1° de abril de 2001 e 31 de março de 2005 (período 01-05). Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: parto realizado na divisão de Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da FM-USP nos períodos relatados, peso do recém-nascido (RN) superior a 500 g, idade gestacional acima da 20ª semana e diagnóstico de DPP normalmente inserida no corpo uterino.

As informações das pacientes atendidas no período 94-97 foram obtidas a partir de consulta aos prontuários médicos e livros de registro de partos, arquivados na Seção de Arquivo Médico do hospital. As informações relativas às pacientes cujos partos ocorreram no período 01-05 foram obtidas por meio de consulta ao banco de dados informatizado desta divisão do hospital e complementados, quando necessário, pela consulta aos prontuários médicos e livros de registro de partos.

Foram estudados os seguintes fatores epidemiológicos e/ou potencialmente predisponentes ao DPP: idade materna, cor, paridade, multiparidade (paridade >3), número de abortos prévios, número de cesáreas prévias, neomorto ou natimorto em gestação anterior, realização de pré-natal, RPMO e existência de intercorrências clínicas e/ou obstétricas associadas.

Os seguintes parâmetros clínicos e obstétricos foram analisados nos dois grupos: presença de sangramento vaginal e característica do tônus uterino no momento do diagnóstico, malformação fetal, tipo de parto (cesárea ou vaginal), diagnóstico de hemoâmnio (anteparto e/ou intraparto) e ocorrência de complicações maternas (histerectomia puerperal, atonia uterina, CIVD, insuficiência renal aguda, morte materna). A atonia uterina foi caracterizada quando o sangramento pós-parto imediato foi abundante com útero hipoinvoluído e amolecido, quando tenha sido necessária manobra adicional para o controle do sangramento (massagem uterina prolongada, doses adicionais de ocitócicos, etc.). A CIVD foi caracterizada quando se verificaram sinais clínicos de coagulopatia associada a coagulograma alterado e/ou consumo de fibrinogênio, sendo necessária a hemoterapia para correção do distúrbio. A insuficiência renal aguda teve seu diagnóstico estabelecido pela oligúria e elevação dos níveis séricos de uréia e creatinina.

Os resultados perinatais avaliados incluíram: idade gestacional no parto (semanas completas), peso do RN, classificação do peso do RN, índices de Apgar de primeiro e quinto minuto, sexo do RN, necessidade de intubação do RN e necessidade de internação em UTI neonatal. O peso do RN foi classificado de acordo com a sua adequação em relação à curva de normalidade como pequeno para a idade gestacional quando abaixo do percentil 10, conforme a idade gestacional.

A confirmação do diagnóstico de DPP foi baseada nas informações contidas nas descrições cirúrgicas do parto, a partir da identificação e descrição da área de descolamento com hematoma retroplacentário, em placenta normalmente inserida na cavidade uterina. A idade gestacional foi calculada a partir da data da última menstruação, quando esta foi compatível com a idade gestacional estimada pela primeira ultra-sonografia realizada, no máximo, até a vigésima semana de gestação (discordância de 14 dias). Nos casos em que não foi observada essa concordância, utilizou-se a idade gestacional calculada com base na primeira ultra-sonografia.

Os resultados foram analisados por meio do programa STATISTICA. Para a análise das tabelas de associação, foi utilizado o teste de c2, aplicando-se a correção de Yates para continuidade. Nas situações em que o teste de c2 não pôde ser aplicado, e em se tratando de tabelas 2 x 2, foi utilizado o teste exato de Fisher. Para comparações entre as variáveis contínuas, utilizou-se o teste t de Student. Foi adotado como nível de significância o valor 0,05 (a=5%). Com isso, níveis descritivos (p) inferiores a esse valor foram considerados significantes (p<0,05).

A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CAPPesq), registrado sob número 581/05.

Resultados

No período 94-97, foram realizados 7692 partos e a incidência de DPP foi de 0,78% (60 casos), e, no período 01-05, foram realizados 8644 partos com incidência de DPP de 0,59% (51 casos). Não houve diferença significativa quanto à incidência de DPP entre os períodos analisados (c2=1,91; p= 0,167).

Ao se proceder à comparação do perfil das características das pacientes que evoluíram com diagnóstico de DPP, entre os dois períodos estudados (Tabela 1), não foi observada diferença significativa quanto à idade materna, antecedente de aborto, antecedente de cesárea, antecedente de natimorto ou neomorto, ocorrência de RPMO, hipertensão arterial na gravidez e o relato do hábito de fumar pela gestante. Entretanto, em relação ao antecedente obstétrico, apesar da média do número de gestações anteriores ter sido significativamente maior nas pacientes do período 94-97 quando comparado ao período 01-05, não foi constatada diferença entre os períodos quanto a paridade ou multiparidade.

Na avaliação da história obstétrica prévia, investigou-se a ocorrência de DPP em gravidez anterior. Não foi constatada diferença significativa na proporção deste antecedente entre os períodos analisados (Tabela 1).

Quanto ao acompanhamento pré-natal, verificou-se que a proporção de gestantes sem acompanhamento pré-natal foi significativamente maior no período 94-97 quando comparado ao período 01-05. Por outro lado, a proporção de gestantes nas quais se observou a ocorrência de intercorrências clínicas ou obstétricas foi significativamente maior no período 01-05 quando comparado ao período 94-97 (Tabela 1). Nos casos do período 94-97 foram constatadas as seguintes intercorrências: hipertensão arterial (17 casos – 28,3%), diabetes melito, febre reumática, epilepsia, cisto de ovário, lúpus eritematoso sistêmico e sífilis (um caso de cada – 1,7%). No período 01-05 foram verificadas as seguintes intercorrências: hipertensão arterial (17 casos – 33,3%), diabetes melito (3 casos – 5,9%), trabalho de parto prematuro (3 casos – 5,9%) e anemia, infecção urinária, toxoplasmose, síndrome antifosfolípide, púrpura trombocitopênica idiopática, hipotiroidismo, dermatopolimiosite, polidrâmnio, oligoidrâmnio e depressão (um caso de cada – 1,9%).

Quanto aos sinais e sintomas (Tabela 2), não foram observadas diferenças significativas quanto à proporção de pacientes que apresentaram sangramento genital ou alteração no tônus uterino na comparação realizada entre os dois períodos, havendo, entretanto, maior proporção de casos com hemoâmnio no período 94-97 (p=0,03).

A ocorrência de complicações maternas relacionadas ao DPP foi semelhante nos dois grupos estudados, quando analisada a ocorrência de: histerectomia puerperal, atonia uterina, CIVD e insuficiência renal aguda, conforme se observa na Tabela 2. A média dos índices hematimétricos também foi semelhante entre os grupos analisados. Houve um caso de óbito materno no período 94-97.

Em relação aos resultados perinatais, também não foram observadas diferenças significativas, sendo semelhantes quanto à presença de malformação fetal, via de parto, óbito fetal, índices de Apgar de 1° e de 5° minuto inferiores a sete, necessidade de intubação do RN e de internação em UTI neonatal (Tabela 3).

Discussão

Estudos que analisam as tendências temporais nos casos de DPP proporcionam melhor compreensão acerca de suas causas e seus riscos. A identificação de fatores relativos a essas tendências pode propiciar melhor estratégia de intervenção terapêutica, bem como o estabelecimento de prognósticos.

A morbimortalidade materna e o prognóstico perinatal associados aos casos de DPP, ocorridas no período de 1979 a 2001 nos Estados Unidos da América15, foram analisados com evidências de aumento na prematuridade. Verifica-se aumento na incidência do DPP em diferentes épocas no período estudado, principalmente nas mulheres da raça negra, quando comparadas às brancas. Demonstra-se também alteração na prevalência de determinados fatores de risco relacionados a essa grave intercorrência obstétrica. O conhecimento prévio possibilita melhor acompanhamento das gestantes de maior risco, interferindo no prognóstico da gestação.

No presente estudo, não se observou redução na incidência de DPP entre os períodos analisados. As características maternas das populações analisadas demonstram perfis semelhantes, com exceção ao maior número de gestações anteriores e maior número de gestantes sem pré-natal no período 94-97 quando comparado ao período mais recente. Provavelmente, esse resultado é reflexo do perfil da sociedade moderna, em que a procura pelo atendimento pré-natal é mais freqüente pela maior conscientização da população.

No estudo dos fatores de risco associados ao DPP tradicionalmente é identificada associação com a hipertensão arterial, diabetes e polidrâmnio5. Também é descrita associação com a rotura prematura de membranas22, idade materna superior a 40 anos21 e a presença de polimorfismos genéticos23,24. Dos aspectos investigados no presente estudo, não foi observada diferença na idade materna, bem como na prevalência da rotura prematura de membranas nos períodos analisados.

Houve maior ocorrência de complicações clínicas e/ou obstétricas no período 01-05, demonstrando população de maior risco obstétrico sendo atendida no período. O avanço nos métodos diagnósticos e as mudanças nos protocolos de investigação pré-natal possibilitam oferecimento de melhor atendimento e seguimento pré-natal, identificando-se eventuais complicações associadas. No entanto, a mudança nesse perfil de gravidade não proporcionou alterações nos resultados perinatais. Em estudo canadense abrangendo o período de 1990 a 1997, observa-se que, apesar do aumento na taxa de DPP por ano nesse país, a proporção de perdas fetais permaneceu relativamente constante21.

Em estudo realizado nos Estados Unidos da América, observou-se aumento na taxa de prematuridade nos casos de DPP em períodos mais recentes, principalmente em gestantes da raça negra. Este grupo social também apresenta como fatores determinantes associados ao DPP a anemia na gravidez e a corioamnionite15. A nossa população, por apresentar forte característica de miscigenação de raças, torna difícil a comparação entre os grupos classificados por etnias, não se verificando diferença entre os períodos estudados.

O diagnóstico do DPP é realizado essencialmente com base nos aspectos clínicos do caso e depende da gravidade do quadro clínico materno. A exteriorização do sangramento, irá auxiliar na precocidade do diagnóstico. O sangramento é relatado em 78% dos casos12, entretanto, no presente estudo, esse sinal clínico foi observado em menor freqüência, em 67% dos casos no período 94-97 e em 59% dos casos no período 01-05. Estudos relatam que o sangramento precoce na gravidez é associado a maior risco de DPP no terceiro trimestre25. Este aspecto não pôde ser recuperado neste estudo retrospectivo. O hemoâmnio foi observado em menor freqüência no período mais recente, podendo estar relacionado ao diagnóstico mais precoce.

A maior morbidade perinatal é amplamente relatada na literatura. Em estudo realizado no Japão, observam-se 16% de natimortos nos casos de DPP7, proporção inferior à observada no presente estudo, de 32% no período 94-97 e 24% no período 01-05. No Peru é relatada taxa de natimortos de 26% nos casos de DPP, semelhante ao observado no período mais recente desta investigação8.

Quanto à morbidade materna e evolução para quadros de maior gravidade, não verificamos diferenças entre os períodos analisados nesta pesquisa. Destaca-se a ocorrência de distúrbios da coagulação, tal como a CIVD e a atonia uterina. A histerectomia foi realizada em apenas dois casos, no período 94-97, pois a maioria dos casos de atonia foi controlada por manobras clínicas e uso de uterotônicos.

A perda sanguínea foi analisada indiretamente pela redução dos valores da hemoglobina e do hematócrito materno no pós-parto. Verificou-se que não houve diferença entre os períodos, a despeito de não ter sido possível a recuperação dos resultados da totalidade dos casos. Em estudo realizado na França, relata-se que em 5% dos casos de hemorragia pós-parto por DPP ocorre perda superior a 500 mL em 24 horas, e perda superior a 1000 mL ocorre em apenas 1%19.

No presente estudo, um caso evoluiu para óbito materno em paciente de 40 anos, grande multípara, que apresentou DPP com 29 semanas e foi submetida à operação cesariana, evoluindo com coagulopatia de consumo (CIVD), tendo sido submetida à histerectomia, ligadura das hipogástricas e clampeamento da aorta, com parada cardiorrespiratória no intra-operatório e óbito materno.

O perfil obtido com os fatores associados ao DPP não mostrou diferenças importantes entre os períodos analisados, demonstrando que permanece a gravidade do quadro materno-fetal, o que exige a pronta atuação do obstetra. A importância das complicações associadas persiste piorando o prognóstico materno e fetal. As características maternas apresentaram discreta mudança no perfil das pacientes, muito provavelmente reflexo da maior oferta de acompanhamento pré-natal. A maior proporção de intercorrências clínicas e obstétricas demonstra mudança no perfil das pacientes que são atendidas pela instituição, com maior concentração de casos de gestação de alto-risco.

Apesar do melhor acompanhamento pré-natal e menor incidência global do DPP, a ocorrência de complicações maternas e os resultados perinatais foram semelhantes nos períodos analisados. Esse fato poderia ser decorrente da gravidade e imprevisibilidade do fenômeno, alertando para o fato de que a prevenção e o controle adequado dos fatores de risco ainda representam a melhor abordagem para o problema.

Recebido em: 18/5/2006

Aceito com modificações em: 26/6/2006

Trabalho realizado na Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) - Brasil.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Out 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      26 Jun 2006
    • Recebido
      18 Maio 2006
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