Resumos
A introdução da profilaxia da transmissão vertical do HIV com o uso de drogas anti-retrovirais aliadas a outras medidas resultou na redução de crianças infectadas pelo HIV em nosso meio. Esses medicamentos são de uso recente e não há dados conclusivos para definir a sua segurança durante a gravidez. Esse artigo analisa, através de revisão bibliográfica, os possíveis efeitos dessas drogas sobre o feto, o recém-nascido e durante a infância, incluindo o potencial de teratogenicidade, carcinogênese e sua toxicidade. As descrições incluem a identificação de risco aumentado na criança para toxicidade mitocondrial, alterações neurológicas, hematológicas, hepáticas em crianças expostas ao HIV. Baseados nos conhecimentos atuais, considera-se que o benefício na acentuada redução da transmissão vertical do HIV com o uso de drogas anti-retrovirais ultrapassa os riscos eventuais dos efeitos adversos. Entretanto, até que experiência de longo prazo se acumule, é necessário acompanhamento clínico especializado das crianças expostas. Nessa revisão sugere-se uma rotina de acompanhamento clínico-laboratorial ao longo do primeiro ano de vida e depois anualmente até o final da adolescência.
Terapia anti-retroviral de alta atividade; Transmissão vertical de doença; Complicações infecciosas na gravidez; Infecções por HIV; Feto; Lactente; Recém-nascido
The implementation of prophylactic antiretroviral drugs and others strategies to prevent vertical HIV transmission in Brazil has reduced the number of newly HIV-infected children. Since these drugs are only recently available for treatment, there is no data of conclusive safety during pregnancy and fetus and newborn. This article reviews the possible effects of these drugs in fetus, newborn and childhood, including teratogenesis, carcinogenesis and toxicity. In the literature there are an increasing description of adverse effects such as mithocondrial toxicity, neurological symptoms, blood and liver toxicity in HIV-exposed not infected children. Antiretroviral treatment recommendations are based on principles that known benefit to the pregnat woman should be mantained unless adverse effects outweight the benefit. A long term follow up of HIV- exposed children is proposed to better understanding of these potential toxicity. In this review the author suggests a practical clinical and laboratory routinary evaluation during the first years of life until adolescence for HIV-exposed not infected children.
Antiretroviral therapy, highly active; Disease transmission,vertical; Pregnancy complications,infectious; HIV Infections; Fetus; Infant; Recém-nascido
REVISÃO
Avaliação crítica dos efeitos adversos do tratamento anti-retroviral no feto, recém-nascido e lactente
Critical evaluation of the adverse effects of anti-retroviral treatment on the fetus, the newborn and the infant
Heloisa Helena de Sousa Marques
Chefe da Unidade de Infectologia, responsável pelo Grupo de Atendimento a Crianças Expostas e Infectadas pelo HIV do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo USP São Paulo (SP), Brasil
Correspondência Correspondência: Av. Dr. Eneas de Carvalho Aguiar 647 - Cerqueira Cesar 05403000 - São Paulo, SP - Brasil
RESUMO
A introdução da profilaxia da transmissão vertical do HIV com o uso de drogas anti-retrovirais aliadas a outras medidas resultou na redução de crianças infectadas pelo HIV em nosso meio. Esses medicamentos são de uso recente e não há dados conclusivos para definir a sua segurança durante a gravidez. Esse artigo analisa, através de revisão bibliográfica, os possíveis efeitos dessas drogas sobre o feto, o recém-nascido e durante a infância, incluindo o potencial de teratogenicidade, carcinogênese e sua toxicidade. As descrições incluem a identificação de risco aumentado na criança para toxicidade mitocondrial, alterações neurológicas, hematológicas, hepáticas em crianças expostas ao HIV. Baseados nos conhecimentos atuais, considera-se que o benefício na acentuada redução da transmissão vertical do HIV com o uso de drogas anti-retrovirais ultrapassa os riscos eventuais dos efeitos adversos. Entretanto, até que experiência de longo prazo se acumule, é necessário acompanhamento clínico especializado das crianças expostas. Nessa revisão sugere-se uma rotina de acompanhamento clínico-laboratorial ao longo do primeiro ano de vida e depois anualmente até o final da adolescência.
Palavras chave: Terapia anti-retroviral de alta atividade/efeitos adversos; Transmissão vertical de doença; Complicações infecciosas na gravidez; Infecções por HIV; Feto; Lactente; Recém-nascido
ABSTRACT
The implementation of prophylactic antiretroviral drugs and others strategies to prevent vertical HIV transmission in Brazil has reduced the number of newly HIV-infected children. Since these drugs are only recently available for treatment, there is no data of conclusive safety during pregnancy and fetus and newborn. This article reviews the possible effects of these drugs in fetus, newborn and childhood, including teratogenesis, carcinogenesis and toxicity. In the literature there are an increasing description of adverse effects such as mithocondrial toxicity, neurological symptoms, blood and liver toxicity in HIV-exposed not infected children. Antiretroviral treatment recommendations are based on principles that known benefit to the pregnat woman should be mantained unless adverse effects outweight the benefit. A long term follow up of HIV- exposed children is proposed to better understanding of these potential toxicity. In this review the author suggests a practical clinical and laboratory routinary evaluation during the first years of life until adolescence for HIV-exposed not infected children.
Keywords: Antiretroviral therapy, highly active/adverse effects; Disease transmission, vertical; Pregnancy complications, infectious; HIV Infections; Fetus; Infant; Recém-nascido
Introdução
O benefício da profilaxia da transmissão vertical do HIV (vírus da imunodeficiência humana) com o uso de drogas anti-retrovirais aliadas a outras medidas é inquestionável. Atualmente, o risco de transmissão vertical com o uso de terapia potente e outras medidas varia desde 0 a 3%, ao passo que com o uso isolado de zidovudina (AZT) situava-se ao redor de 8% e sem o uso de anti-retroviral era de 25%1. Contudo, deve-se considerar que se trata de doença recente, para a qual se usam medicamentos novos, num momento especial de desenvolvimento - a gestação - quando a homeostase da mulher está adaptada para garantir a sua sobrevivência e o desenvolvimento de seu feto. Assim, o uso de medicamentos ao longo da gravidez deve ser criterioso, embasado na melhor evidência científica disponível.
Na decisão sobre o uso de anti-retrovirais durante a gestação, aspectos como os efeitos das drogas sobre o feto e o recém-nascido, incluindo o potencial de teratogenicidade, carcinogênese, além da farmacocinética e toxicidade de drogas que ultrapassam a barreira transplacentária, devem ser considerados. O dano potencial depende de inúmeros fatores que não serão aqui relacionados. Todavia, é importante destacar que todos esses medicamentos são de uso recente e não há dados conclusivos para definir a sua segurança. A maioria dos estudos ainda é resultado de análise de exposições em modelos animais e o valor preditivo de risco de efeito adverso para os humanos não está estabelecido.
Efeitos das drogas na gravidez
O Centro Regulador de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos da América (FDA - Food and Drug Administration) elaborou recomendações acerca do uso de anti-retrovirais, segundo os conhecimentos atuais de dados clínicos e pré-clínicos, sendo em sua maioria baseados em estudos em animais. Classifica as categorias das drogas na gravidez em: A- dados baseados em estudos adequados, controlados e que não demonstraram risco para o feto durante o primeiro trimestre de gravidez e não há risco nos trimestres subseqüentes; B- estudos em animais durante a reprodução que não revelaram risco para o feto, mas não há estudos controlados em humanos; C- a segurança na gravidez humana não foi determinada. Os estudos em animais ou foram positivos para risco fetal ou não foram realizados e a droga não deve ser utilizada a menos que os benefícios potenciais superem os riscos para o feto; D- há evidência documentada de risco fetal humano baseada em registro de efeitos adversos em investigação clínica ou relatos durante seu uso na prática clínica, mas os benefícios potenciais para as gestantes superam quaisquer riscos; X- estudos em animais ou relatos de reações adversas indicam que os riscos associados ao uso da droga na gestação claramente superam quaisquer benefícios possíveis.
A classificação atual das drogas anti-retrovirais pode ser observada no Quadro 1. A maioria das as está classificada nas categorias B ou C, nenhuma na categoria A, sendo que o efavirenz recentemente passou a ser classificado na categoria D. Entretanto, muitos dos estudos de observação em longo prazo não foram completados. Mais informações podem ser obtidas no endereço eletrônico: www.aidsinfo.nih.gov, em perinatal guidelines (consultar guidelines e supplements) ou no www.apregistry.com construído para receber registros de efeitos adversos dos anti-retrovirais na gravidez. Neste registro com dados até julho de 2005 é destacado que a prevalência de defeitos em nascidos vivos expostos no primeiro trimestre de gravidez variou entre 2 e 4% e que é mais elevada com o uso de didanosina. Observe-se que a taxa de malformações da população geral nos Estados Unidos é de 3%2.
Podemos resumir as seguintes informações sobre as drogas e seus efeitos na gestação e feto:
Conclusão e Recomendações de acompanhamento das crianças expostas
Baseados nestes conhecimentos atuais, considera-se que o benefício na acentuada redução da transmissão vertical do HIV com o uso de drogas anti-retrovirais ultrapassa os riscos eventuais dos efeitos adversos. Entretanto, até que experiência de longo prazo se acumule, é necessário acompanhamento clínico especializado e rigoroso das crianças expostas. Os vários consensos e revisões sugerem que este seja feito mais amiúde ao longo do primeiro ano e depois anualmente até o final da adolescência. A operacionalização das consultas em longo prazo deve ser adaptada às condições de cada serviço ou região.
A anamnese deve ser minuciosa acerca das condições habituais de vida da criança, alimentação, sono, comportamento e intercorrências infecciosas ou não. Deve-se averiguar a presença de sinais e sintomas sugestivos de toxicidade mitocondrial, variáveis e nem sempre específicos, podendo incluir nos casos mais graves manifestações neurológicas como encefalopatia, convulsões afebris e retardo do desenvolvimento; sintomas cardíacos devidos a miocardiopatia e disfunção de ventrículo esquerdo; sintomas gastrintestinais atribuíveis à hepatite (esteatose hepática), além de outras síndromes clínicas como miopatia, retinopatia, pancreatite e acidose láctica23-25,35-38.
O exame físico deve conter: peso; comprimento ou estatura; perímetro cefálico (até os 4 anos de idade); medida de pressão arterial (em pelo menos uma das visitas deve ser feita nos 4 membros), freqüência cardíaca e respiratória; descrição e localização de lesões de pele (inclusive de hemangiomas, medindo-se o seu tamanho e evolução); descrição de alterações estruturais ou anomalias presentes; presença ou não de gânglios (descrição das cadeias envolvidas, tamanho, aspecto e consistência dos gânglios). Relatar outras alterações com detalhes e incluir sempre a avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor.
A avaliação laboratorial deve incluir o hemograma completo, recomendado em todas as consultas do primeiro ano de vida e anualmente, devido aos riscos do HIV, AZT e da terapia combinada sobre as séries hematológicas. Outros exames são as provas de função hepática e glicemia, buscando acompanhar o risco potencial de alterações metabólicas relatadas nas crianças expostas39. No consenso britânico também são incluídas avaliações periódicas de uréia e eletrólitos e recomendam a monitorização de pH e ácido láctico em crianças sintomáticas diante de suspeita de toxicidade mitocondrial não sendo indicada em crianças com boa evolução clínica40. No Brasil, essa recomendação pode ser encontrada no consenso para crianças expostas e infectadas do Ministério da Saúde (www.aids.gov.br).
Consultas com outros especialistas como neuropediatra ou cardiologista infantil poderão ser necessárias e presença de dados de história e/ou alterações no exame físico ou de achados laboratoriais ou de imagem sugestivos da presença de toxicidade mitocondrial.
Sugere-se utilizar a Caderneta de Saúde da Criança do Ministério da Saúde (disponível em: htpp://dtr2001.saude.gov.br/bvs/publicacoes/menina_final.pdf e menino_final.pdf) ou algo similar, mantendo o registro atualizado da evolução clínica com a mãe ou responsável para permitir acesso a informação inclusive por outros profissionais de saúde que realizem qualquer atendimento fora do acompanhamento rotineiro da sua condição de criança exposta ao HIV e anti-retrovirais intra-útero.
Recebido em: 20/05/2006
Aceito com modificações em: 22/06/2006
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Dez 2006 -
Data do Fascículo
Jul 2006