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A análise seminal deve ser requisitada para homens com histórico de fertilidade prévia?

Should semen analysis be requested for men with a history of previous fertility?

Resumos

OBJETIVOS: determinar se a história prévia de fertilidade pode predizer o atual status de fertilidade de um paciente masculino examinado por infertilidade do casal. MÉTODOS: estudo retrospectivo envolvendo análises seminais de 183 pacientes consecutivos subférteis avaliados entre setembro de 2002 e março de 2004. Foram excluídos do estudo os pacientes que haviam se submetido a radioterapia, quimioterapia, orquiectomia ou vasectomia. Os valores médios de todas as análises foram usados em pacientes com múltiplas análises de sêmen. Pacientes com concentração espermática superior a 20x10(6) espermatozóides/mL, motilidade superior a 50% e espermatozóides com morfologia estrita superior a 14% foram considerados normais. Os pacientes foram divididos em dois grupos, segundo o status de fertilidade: infertilidade primária (118 pacientes) e infertilidade secundária (65 pacientes). Os dados foram analisados pelos testes estatísticos chi2 e teste t de Student. RESULTADOS: não houve diferença na idade média entre os pacientes com infertilidade primária, 37,3±6,3, e infertilidade secundária, 38,1±5,9; p=0,08. No grupo de pacientes com infertilidade primária, 51,9% (61 pacientes) tiveram uma concentração espermática normal, 70,3% (83 pacientes) tiveram a motilidade espermática normal e 26,37% (31 pacientes), por sua vez, morfologia normal. No grupo de pacientes com infertilidade secundária, 53,8% (35 pacientes) tiveram concentração espermática normal, 75,4% (49 pacientes) tiveram motilidade espermática normal e 32,3% (21 pacientes), morfologia normal. Nenhuma diferença significativa foi detectada na concentração espermática (21,3x10(6)/mL versus 23,1x10(6)/mL; p=0,07), motilidade (45,2 versus 48,1%; p=0,08) e morfologia (6,1 versus 6,4%; p=0,09) entre os grupos de pacientes com infertilidade primária e secundária. CONCLUSÕES: a análise seminal deve ser solicitada mesmo em casos de fertilidade masculina prévia. Os médicos não devem presumir que um paciente possui uma análise seminal normal, baseados no fato de este possuir história de estabelecimento de uma gravidez no passado.

Infertilidade masculina; Semen; Fertilidade; Contagem de espermatozóides


PURPOSE: to determine if the previous fertility history can predict current fertility status of a patient examined for couple’s infertility. METHODS: retrospective study involving semen analyses from 183 consecutive subfertile patients evaluated from September 2002 to March 2004. We excluded those patients who had undergone radio or chemotherapy, orchiectomy or vasectomy. Mean values of all analyses were used for patients with multiple semen analysis. Patients with more than 20x10(6) sperm/mL, motility higher than 50% and with normal strict sperm morphology higher than 14% were considered normal. Patients were divided into two groups, according to the fertility status: primary infertility (118 patients) and secondary infertility (65 patients). Data were analyzed according to the chi2 test and the Student t-test. RESULTS: no differences were detected in the mean age between patients with primary infertility, 37.3±6.3, and secondary infertility, 38.1±5.9; p=0.08. In the group of patients with primary infertility, 51.9% (61 patients) had a normal sperm concentration, 70.3% (83 patients) had normal sperm motility and 26.3% (31 patients) had normal sperm morphology. In the group of patients with secondary infertility, 53.8% (35 patients) had normal sperm concentration, 75.4% (49 patients) had normal sperm motility and 32.3% (21 patients) had normal sperm morphology. No significant differences were detected in sperm concentration (21.3x10(6)/mL versus 23.1x10(6)/mL; p=0.07), motility (45.2 versus 48.1%; p=0.08) and morphology (6.1 versus 6.4%; p=0.09) between groups of patients with primary and secondary infertility. CONCLUSIONS: semen analysis should be requested even in cases of prior male fertility. Physicians should not presume a patient to have a normal semen analysis based on his previous history of initiating a pregnancy.

Infertility, male; Semen; Fertility; Sperm count


ARTIGOS ORIGINAIS

A análise seminal deve ser requisitada para homens com histórico de fertilidade prévia?

Should semen analysis be requested for men with a history of previous fertility?

Eleonora Bedin PasqualottoI; Ramon Venzon FerreiraII; Gabriela Poglia FonsecaII; Bibiana Eliza ZagoII; Cláudio Garbin JúniorII; Fábio Firmbach PasqualottoIII

IProfessora Titular de Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Caxias do Sul – UCS – Caxias do Sul (RS); Diretora Geral do Centro de Reprodução Humana – Caxias do Sul (RS) – Brasil

IIAcadêmicos de Medicina da Universidade de Caxias do Sul – UCS – Caxias do Sul (RS) – Brasil

IIIProfessor Titular de Anatomia e Embriologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Caxias do Sul – UCS – Caxias do Sul (RS); Diretor do Centro de Reprodução Humana – Caxias do Sul (RS) – Brasil

Correspondência Correspondência: Fabio Firmbach Pasqualotto Rua Pinheiro Machado, 2569, sl 23/24 – Bairro São Pelegrino 95020-172 – Caxias do Sul – RS Telefone: (54) 3214-4095 – Fax: (54) 3215-1695 e-mail: fabio@conception-rs.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: determinar se a história prévia de fertilidade pode predizer o atual status de fertilidade de um paciente masculino examinado por infertilidade do casal.

MÉTODOS: estudo retrospectivo envolvendo análises seminais de 183 pacientes consecutivos subférteis avaliados entre setembro de 2002 e março de 2004. Foram excluídos do estudo os pacientes que haviam se submetido a radioterapia, quimioterapia, orquiectomia ou vasectomia. Os valores médios de todas as análises foram usados em pacientes com múltiplas análises de sêmen. Pacientes com concentração espermática superior a 20x106 espermatozóides/mL, motilidade superior a 50% e espermatozóides com morfologia estrita superior a 14% foram considerados normais. Os pacientes foram divididos em dois grupos, segundo o status de fertilidade: infertilidade primária (118 pacientes) e infertilidade secundária (65 pacientes). Os dados foram analisados pelos testes estatísticos c2 e teste t de Student.

RESULTADOS: não houve diferença na idade média entre os pacientes com infertilidade primária, 37,3±6,3, e infertilidade secundária, 38,1±5,9; p=0,08. No grupo de pacientes com infertilidade primária, 51,9% (61 pacientes) tiveram uma concentração espermática normal, 70,3% (83 pacientes) tiveram a motilidade espermática normal e 26,37% (31 pacientes), por sua vez, morfologia normal. No grupo de pacientes com infertilidade secundária, 53,8% (35 pacientes) tiveram concentração espermática normal, 75,4% (49 pacientes) tiveram motilidade espermática normal e 32,3% (21 pacientes), morfologia normal. Nenhuma diferença significativa foi detectada na concentração espermática (21,3x106/mL versus 23,1x106/mL; p=0,07), motilidade (45,2 versus 48,1%; p=0,08) e morfologia (6,1 versus 6,4%; p=0,09) entre os grupos de pacientes com infertilidade primária e secundária.

CONCLUSÕES: a análise seminal deve ser solicitada mesmo em casos de fertilidade masculina prévia. Os médicos não devem presumir que um paciente possui uma análise seminal normal, baseados no fato de este possuir história de estabelecimento de uma gravidez no passado.

Palavras-chave: Infertilidade masculina; Semen/análise; Fertilidade; Contagem de espermatozóides

ABSTRACT

PURPOSE: to determine if the previous fertility history can predict current fertility status of a patient examined for couple’s infertility.

METHODS: retrospective study involving semen analyses from 183 consecutive subfertile patients evaluated from September 2002 to March 2004. We excluded those patients who had undergone radio or chemotherapy, orchiectomy or vasectomy. Mean values of all analyses were used for patients with multiple semen analysis. Patients with more than 20x106 sperm/mL, motility higher than 50% and with normal strict sperm morphology higher than 14% were considered normal. Patients were divided into two groups, according to the fertility status: primary infertility (118 patients) and secondary infertility (65 patients). Data were analyzed according to the c2 test and the Student t-test.

RESULTS: no differences were detected in the mean age between patients with primary infertility, 37.3±6.3, and secondary infertility, 38.1±5.9; p=0.08. In the group of patients with primary infertility, 51.9% (61 patients) had a normal sperm concentration, 70.3% (83 patients) had normal sperm motility and 26.3% (31 patients) had normal sperm morphology. In the group of patients with secondary infertility, 53.8% (35 patients) had normal sperm concentration, 75.4% (49 patients) had normal sperm motility and 32.3% (21 patients) had normal sperm morphology. No significant differences were detected in sperm concentration (21.3x106/mL versus 23.1x106/mL; p=0.07), motility (45.2 versus 48.1%; p=0.08) and morphology (6.1 versus 6.4%; p=0.09) between groups of patients with primary and secondary infertility.

CONCLUSIONS: semen analysis should be requested even in cases of prior male fertility. Physicians should not presume a patient to have a normal semen analysis based on his previous history of initiating a pregnancy.

Keywords: Infertility, male; Semen/analysis; Fertility; Sperm count

Introdução

A avaliação da qualidade seminal constitui um dos primeiros aspectos a ser avaliado na investigação de infertilidade dos casais, sendo recomendada mesmo em trabalhos que sugerem baixo poder diagnóstico dos valores de referência dos parâmetros seminais1,2. Embora a análise seminal (AS) não seja, isoladamente, considerada fundamental para o diagnóstico de infertilidade masculina3, ela assume importante papel na avaliação de pacientes com história prévia de gravidez e que, no presente momento, apresentam queixas de infertilidade secundária. Muitos pacientes e até mesmo colegas presumem, erroneamente, que um homem, por já ter estabelecido uma gravidez prévia, tenha seu status reprodutivo firmado.

Por outro lado, a análise seminal básica tem sido utilizada para avaliar os parceiros de casais com queixas de infertilidade4. Apesar de as técnicas convencionais para avaliação seminal terem sido padronizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), muitas dúvidas ainda persistem sobre o real valor dos resultados bem como sobre os valores de normalidade propagados pela OMS4-7. Estudo demonstra que até 87% de uma população de homens comprovadamente férteis e desejosos em realizar uma cirurgia de vasectomia apresentam valores de morfologia espermática inferiores aos da OMS4.

Contudo, na literatura, há relatos consistentes sobre a piora na qualidade seminal de forma progressiva em pacientes com varicocele2,8, aumento na idade9, exposição ao fumo10 e outras entidades associadas à piora na qualidade seminal, guardando proporcionalidade com o tempo de exposição. A varicocele é um grande exemplo de que uma patologia pode alterar a qualidade seminal com o passar dos anos. Estudos demonstram que ela acomete de 15 a 20% da população masculina em geral. Por outro lado, 30 a 40% dos homens com infertilidade primária apresentam varicocele e até 80% dos homens com infertilidade secundária apresentam varicocele clinicamente detectável, demonstrando que ela pode causar danos testiculares com o passar dos anos11.

Com relação ao fator idade, estudos demonstram que a qualidade seminal piora após os 40 anos de idade. Estas alterações podem variar desde diminuição na concentração de espermatozóides até diminuição na motilidade, parâmetros de cinética da movimentação até piora na morfologia espermática12,13.

O uso de cigarros, com o passar dos anos, também pode causar piora na qualidade do ejaculado. Estudos demonstram que ele pode causar danos, como a diminuição no volume seminal até a fragmentação no DNA dos espermatozóides14,15. Além do cigarro, uma série de substâncias de exposição ocupacional têm sido consideradas deletérias para o sistema reprodutivo masculino, como pesticidas e agrotóxicos16,17.

O objetivo do nosso estudo foi avaliar a importância da realização da análise seminal em pacientes com infertilidade secundária, uma vez que há a idéia de que a fertilidade prévia pudesse ser um indicador do status seminal atual.

Métodos

Este estudo retrospectivo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e todos os participantes do estudo assinaram um termo de consentimento informado. O presente estudo foi realizado de setembro de 2002 a março de 2004, quando foram analisadas 183 amostras seminais consecutivas de pacientes subférteis investigados por infertilidade.

Os pacientes foram encaminhados para investigação de infertilidade por ginecologistas, urologistas ou procura espontânea. A avaliação dos pacientes foi realizada por um urologista especialista em infertilidade masculina (FFP). Foram excluídos do estudo os pacientes que haviam se submetido a radioterapia, quimioterapia, orquiectomia, vasectomia ou qualquer outro tipo de cirurgia urológica, porque, sabidamente, estes pacientes provavelmente teriam alterações seminais.

Após assinarem o consentimento livre e esclarecido, os pacientes foram orientados a manter um período de abstinência de 48 a 72 horas. Todos os pacientes foram orientados a coletar suas amostras seminais, por masturbação, dentro de um recipiente plástico estéril. As amostras foram submetidas a liquefação a 37°C por 30 minutos, sendo avaliados os seguintes parâmetros seminais: volume seminal, percentual de motilidade espermática e concentração total de espermatozóides móveis. O volume do ejaculado foi medido por aspiração de toda a amostra com o auxílio de uma pipeta graduada acoplada a um pipetador eletrônico. Após misturar cuidadosamente a amostra seminal por completo, com o auxílio de um aparelho misturador de amostras, as mesmas foram avaliadas manualmente pelo pesquisador. Para cada mensuração, uma alíquota liquefeita de 5 µL foi inserida em uma câmara de contagem Microcell®, descartável, com 20 µm de profundidade até seu preenchimento integral, com o auxílio de uma pipeta de pressão positiva para determinação da concentração e motilidade espermáticas. Estas foram analisadas manualmente, com o uso de um microscópio óptico equipado com uma objetiva de contraste de fase de 10X e uma magnificação de 200X.

Dois esfregaços de cada amostra foram preparados em lâminas de microscopia para serem fixados e corados. O método utilizado para fixação depende da técnica de coloração a ser aplicada. Para a realização do presente estudo, utilizou-se apenas um método de coloração, o Diff-Quick (Baxter Healthcare Corporation, Inc.). Após a lâmina ter secado ao ar ambiente, a mesma foi identificada com o nome do paciente, número de acesso e data. Esta lâmina, então, foi imersa na solução fixadora de Diff-Quick (1,8 mg/L de corante triarylmetano, 100% PDC [corante puro] em álcool metílico) cinco vezes, por um segundo a cada vez, com um intervalo de um segundo entre cada imersão. Após aproximadamente 15 minutos, a lâmina já estava seca, para dar início à próxima etapa da coloração, e ser imersa na solução I de Diff-Quick (1 g/L de corante xanthene 100% PDC, tampão e azido de sódio (0,01%)) por três vezes, por um segundo a cada vez, com intervalo de um segundo. O excesso do corante foi retirado e, imediatamente, a lâmina imersa na solução II de Diff-Quick (1,25 g/L corante de tiazina, 100% PDC (0,625g/L azure A e 0,625 g/L azul de metileno)) por cinco vezes, por um segundo a cada vez, com intervalo de um segundo. A lâmina foi lavada em água deionizada para remover qualquer excesso de corante; deixou-se a lâmina corada em local apropriado para secar (suporte de lâminas).

No estudo aqui apresentado, foram avaliados um mínimo de 200 espermatozóides corados por paciente. Para avaliar a morfologia, a leitura foi realizada por meio de uma objetiva de imersão com óleo antidissipador de fluorescência, com magnificação de 100X. Apenas espermatozóides totalmente desenvolvidos foram reconhecidos e classificados.

Os pacientes que apresentaram uma concentração espermática superior a 20 milhões de espermatozóides/mL ou motilidade superior a 50% (critérios de normalidade da OMS) e morfologia estrita dos espermatozóides superior a 14% foram considerados normais18,19.

Os prontuários dos pacientes foram avaliados a fim de determinar se estes possuíam ou não uma história de fertilidade prévia. Após esta revisão, os pacientes foram divididos em dois grupos, segundo o padrão de infertilidade atual: com infertilidade primária (118 pacientes) e com infertilidade secundária (65 pacientes). Foram quantificados, em ambos os grupos, pacientes com parâmetros seminais normais. Posteriormente, foram comparadas as médias de idade e parâmetros seminais entre os pacientes com infertilidade primária e com infertilidade secundária.

Os dados foram analisados pelos recursos estatísticos c2 e teste t de Student. O nível de diferença estatística estabelecido foi 5% (valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo). A informação foi analisada pelo programa Statistical Package for Social Sciences, SPPS, versão 11.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).

Resultados

A idade média no grupo com infertilidade primária foi de 37,3±6,3 e no grupo com infertilidade secundária de 38,1±5,9 (p=0,08). No grupo com infertilidade primária, 51,9% (61 pacientes) apresentaram uma concentração espermática normal, 70,3% (83 pacientes) tiveram a motilidade espermática normal e 26,3% (31 pacientes), por sua vez, morfologia normal. No grupo de pacientes com infertilidade secundária, 53,8% (35 pacientes) apresentaram a concentração espermática normal, 75,4% (49 pacientes) tiveram a motilidade espermática normal e 32,3% (21 pacientes), por sua vez, morfologia normal (Tabela 1). Nenhuma diferença significativa foi detectada na concentração espermática (21,3x106/mL versus 23,1x106/mL; p=0,07), motilidade (45,2 versus 48,1%; p=0,08) e morfologia (6,1 versus 6,4%; p=0,09) respectivamente entre os grupos avaliados (Tabela 2).

Assim sendo, não foram encontradas quaisquer diferenças estatísticas na idade e nos parâmetros seminais analisados entre os grupos de infertilidade primária e de infertilidade secundária.

Discussão

A análise seminal é amplamente utilizada na avaliação do fator masculino da fertilidade3,9,10. Entretanto, a literatura atual ainda é escassa no que tange à comparação entre a análise seminal e a história de fertilidade anterior como fatores definidores do atual status seminal. Nossos resultados mostram que a história de fertilidade prévia não pode ser usada de maneira única e exclusiva como fator preditivo do potencial fértil dos pacientes masculinos com infertilidade secundária. Esta informação é de grande valia, uma vez que reforça a necessidade da análise seminal na investigação da infertilidade secundária. Em um cenário secundário, estes resultados possuem repercussões econômicas importantes, principalmente em países onde tanto os pacientes como os sistemas de saúde apresentam dificuldades econômicas, já que a análise seminal se faz necessária quase que na totalidade dos casos de infertilidade secundária.

Este estudo demonstrou que não existe diferença estatisticamente significativa entre as amostras seminais provenientes de um paciente com infertilidade primária comparadas àquelas provenientes de pacientes com infertilidade secundária. Dentre os parâmetros avaliados na análise seminal, o critério que mais diferiu dos critérios de normalidade foi o da morfologia espermática. Apenas pouco mais de 30% dos pacientes com infertilidade secundária apresentaram critérios considerados normais, segundo Tygerberg, para morfologia espermática19. Interessantemente, a morfologia espermática é o critério considerado o mais importante para que o paciente consiga estabelecer gravidez3. Por outro lado, este estudo demonstrou que aproximadamente metade dos pacientes avaliados apresenta concentração espermática normal e até 25% dos pacientes apresentam motilidade considerada normal, segundo os critérios de normalidade da OMS18. Estes dados demonstram que, em uma grande porcentagem de pacientes, a morfologia espermática está alterada se avaliada de acordo com os critérios estritos de Tygerberg19.

Porém, o dado mais importante avaliado neste estudo foi que não existem diferenças nos parâmetros avaliados, quando comparados pacientes com infertilidade primária e secundária. Deste modo, há grande tendência à conclusão de que o paciente com infertilidade secundária, o qual já engravidou sua esposa e agora está apresentando dificuldades para conseguir estabelecer gravidez novamente, tenha apresentado piora na qualidade seminal com o passar dos anos. Esta ligação entre a variável tempo e o declínio da qualidade seminal, levando à infertilidade secundária, pode ser modulada de maneira evidente por diferentes fatores, entre eles a varicocele2,8,11, fumo10,14 e a idade9,12,13, entre outros. O objetivo do nosso estudo não foi avaliar as causas da infertilidade secundária e comparar com a análise seminal, mas apenas responder à pergunta, muitas vezes realizada no consultório médico, de que se o homem que possui um filho gerado com seu próprio material genético deve realizar um espermograma caso não consiga que sua parceira engravide novamente. Por outro lado, é importante destacar algumas causas de possível piora na qualidade seminal que podem ser as responsáveis pelo quadro de infertilidade secundária.

A varicocele é a causa passível de correção mais freqüente nos homens que buscam avaliação em clínicas de infertilidade. Existem evidências de que a varicocele pode ter um efeito deletério progressivo nos testículos, levando à associação de perda de função reprodutiva ao longo do tempo se não for corrigida2. Estes dados, somados à prevalência da varicocele na população em geral (15%) e nos homens com infertilidade secundária (que varia de 69 a 84%, com uma média de 80%)2,8,20,21, sugerem uma importante interação entre a varicocele como principal causa de infertilidade secundária8,20,21 e alteração do perfil reprodutivo masculino ao longo dos anos.

Os efeitos deletérios da mesma parecem ser progressivos com a idade, visto que a varicocele pode estar presente já na adolescência8,20,21. Estudo anterior, corroborando nossos achados, demonstram que determinado indivíduo, mesmo com uma análise seminal prévia normal ou história de fertilidade prévia, está sob risco de subseqüente perda da função testicular e infertilidade2.

Outra condição que estabelece um declínio na capacidade reprodutiva masculina de maneira progressiva é o tabagismo. Embora esta afirmação seja controversa na literatura atual16,17, existem inúmeros trabalhos demonstrando este efeito deletério do cigarro sobre a fertilidade masculina14,15. Uma meta-análise demonstra que pacientes fumantes apresentam um decréscimo médio de 10% na motilidade espermática, 13% na concentração espermática e 3% na morfologia espermática22. O volume seminal apresenta-se diminuído em pacientes fumantes, estratificados de acordo com o número de cigarros dia, quando comparados aos pacientes não fumantes14,23. O tabagismo pode igualmente causar diminuição da fertilidade por alterar os níveis hormonais séricos de testosterona e estradiol bem como alteração no DNA dos espermatozóides14,15. A fertilidade masculina fica prejudicada pelo tabagismo, na medida em que ocorre um decréscimo nas taxas de gravidez e alteração nos parâmetros seminais de pacientes tabagistas23. Por isso, é proposto que homens com qualidade seminal limítrofe, os quais pretendam ter filhos, talvez sejam beneficiados com o abandono do cigarro. Contudo, esta medida possui dados limitados na tentativa de recuperar a função espermática24.

O envelhecimento acarreta alterações sistêmicas no organismo. Neste contexto, incluem-se modificações morfo-fisiológicas testiculares e, conseqüentemente, na função reprodutiva masculina9,12,13,24,25. Homens mais velhos apresentam menor volume seminal, concentração total de espermatozóides, vitalidade e aumento na morfologia espermática anormal com diminuição das formas normais e aumento na quantidade de espermatozóides com gotas citoplasmáticas9,12. Em recente estudo que avaliou parâmetros seminais e hormonais em homens de acordo com a idade, foi observada uma tendência à diminuição da concentração espermática e da motilidade espermática normal. Os níveis do hormônio folículo-estimulante (FSH) tendem a aumentar a longo do tempo e a morfologia espermática tende a decrescer a partir dos 45 anos de idade9.

Por estes fatores, alguns modificáveis (varicocele e tabagismo) e outros não (envelhecimento), fica evidente que os indivíduos masculinos ao longo de suas vidas são expostos a diferentes agentes que podem modificar seu status reprodutivo. Desta maneira, ao contrário do que acontece na mulher, a história reprodutiva masculina prévia não apresenta critérios definitivos para sua capacidade reprodutiva atual2.

Em conclusão, a análise seminal é a base na avaliação da infertilidade masculina, mesmo em casos de fertilidade masculina previamente provada. Os médicos não devem presumir que um paciente possua uma análise seminal normal, baseados no fato de este apresentar história de estabelecimento de uma gravidez no passado.

Recebido em: 16/5/2006

Aceito com modificações em: 24/11/2006

Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade de Caxias do Sul – UCS – Caxias do Sul (RS) e Conception – Centro de Reprodução Humana – Caxias do Sul (RS) – Brasil.

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  • Correspondência:

    Fabio Firmbach Pasqualotto
    Rua Pinheiro Machado, 2569, sl 23/24 – Bairro São Pelegrino
    95020-172 – Caxias do Sul – RS
    Telefone: (54) 3214-4095 – Fax: (54) 3215-1695
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Nov 2006

    Histórico

    • Aceito
      24 Nov 2006
    • Recebido
      16 Maio 2006
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