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Efeitos da ingestão de glicose sobre a circulação materno-fetal

Materno-fetal hemodynamic repercussion of glucose ingestion

Resumos

OBJETIVOS: analisar o efeito da glicose na hemodinâmica materno-fetal pela avaliação doplervelocimétrica da circulação materno-fetal e fetoplacentária. MÉTODOS: trata-se de estudo realizado por único observador, no qual foram incluídas 31 gestantes clinicamente sadias entre a 28ª e a 36ª semana. Os parâmetros foram avaliados imediatamente antes e 60 minutos após a ingestão de 50 g de glicose. Foram utilizados como critérios de inclusão a avaliação clínica e laboratorial normal, a presença de feto único, a idade gestacional entre a 28ª e a 36ª semana de gestação confirmada por exame de ultra-sonografia e/ou a data da última menstruação, a glicemia de jejum menor ou igual a 110 mg/dL e o teste de sobrecarga após 50 g de glicose menor de 140 mg/dL. Como critérios de exclusão, adotaram-se a presença de malformação ou alterações de desenvolvimento fetal, o trabalho de parto, os antecedentes familiares de diabetes, as patologias próprias ou intercorrentes à gestação e o uso de fumo, álcool ou outras drogas. Foram avaliados os vasos maternos da artéria carótida comum e artérias uterinas, os vasos placentários da artéria umbilical e os vasos fetais da artéria cerebral média e aorta abdominal. Foram analisados os seguintes parâmetros em cada vaso: índice de resistência, índice de pulsatilidade, velocidade sistólica máxima, velocidade diastólica final e tempo de aceleração. A freqüência cardíaca fetal foi avaliada pelo modo M da ultra-sonografia. Para análise estatística foi utilizado o teste t de Student quando a variável diferença de antes e depois da ingestão de glicose apresentou distribuição normal no teste de Kolmogorov-Smirnov. Quando a normalidade foi rejeitada, utilizamos o teste não-paramétrico de Wilcoxon, com o nível de significância sempre estabelecido de p<0,05. RESULTADOS: Observou-se a elevação da glicemia materna após a ingestão de 50 g de glicose (pré: 68,0±10,1 mg/dL e pós: 104,6±28,2 mg/dL; p<0,001) A freqüência cardíaca fetal diminuiu após a ingestão de glicose (pré: 137,9±6,1 bpm e pós: 134,5±6,9 bpm; p=0,01). Na artéria umbilical, houve aumento do índice de pulsatilidade (pré: 0,8±0,1 e pós: 0,9±0,2; p=0,03). Não foram encontradas alterações velocimétricas significativas nos demais vasos e dos demais índices investigados. CONCLUSÕES: apesar da variação dos níveis de glicemia materna e da freqüência cardíaca fetal, após a ingestão de glicose, não ocorreram alterações significativas de fluxo nos vasos arteriais: umbilical, cerebral média e aorta fetais e carótidas e uterina maternas. Concluímos que a concentração da glicose utilizada pode ser liberada sem interferência hemodinâmica no compartimento materno-fetal.

Glicemia; Fluxometria por laser-dopler; Freqüência cardíaca fetal; Glicose; Artéria umbilical; Circulação placentária; Processos hemodinâmicos


PURPOSE: to analyze the effect of glucose in the materno-fetal hemodynamics through dopplervelocimetric assessment of the materno-fetal and fetoplacentary circulation. METHODS: the study was carried out by a single observer on 31 clinically healthy pregnant women from the 28th to the 36th gestational week. Parameters were assessed immediately before or 60 minutes after the ingestion of 50 g of glucose. The including criteria comprised normal clinical and laboratorial evaluation, the presence of only one fetus, gestational age between 28 and 36 weeks confirmed by ultrasonography and/or the date of the last menstruation, fasting glycemia less or equal to 110 mg/dL and less than 140 mg/dL after 50 g of glucose overload. The excluding criteria consisted of the presence of fetal malformation or development alterations, labor, diabetes as a family predisposition, pathologies due to or underlying gestation and use of tobacco, alcohol and/or other substances. The mother´s common carotid artery and uterine arteries, the umbilical artery and the fetal medial cerebral artery and abdominal aorta were evaluated. In each blood vessel, the following parameters were analyzed: resistance index, pulsatility index, maximum systolic speed, final diastolic speed and acceleration time. The fetal heart rate was evaluated by M Mode ultrasonography. For the statistical analysis, the Student's t test was used when the variable presented normal distribution in Kolmogorov-Smirnov's test. When normality was rejected, the Wilcoxon's non-parametric test was used, with the significance level always established at p<0.05. RESULTS: the maternal glycemia increased after the ingestion of 50 g of glucose (before: 68.0±10.1 mg/dL and after: 104.6±28.2 mg/dL; p<0.001), and fetal heart rate decreased after the glucose ingestion (before: 137.9±6.1 bpm and after: 134.5±6.9 bpm; p<0.001). The umbilical artery presented an increase in the pulsatility index (before: 0.8±0.1 and after: 0.9±0.2; p=0.03). Significant velocimetric alterations were not found in the other vessels or in the other indexes investigated. CONCLUSIONS: in spite of the variation in the levels of maternal glycemia and in the fetal heart rate following glucose ingestion, no significant flow alteration occurred in the following vessels: umbilical artery, fetal medial cerebral artery and aorta; nor in the carotid and uterine maternal arteries. We conclude that the glucose concentration used was released without hemodynamic interference in the materno-fetal compartment.

Blood glucose; Laser-doppler; flowmetry; Heart rate, fetal; Glucose; Umbilical artery; Placental circulation; Hemodynamic processes


ARTIGOS ORIGINAIS

Efeitos da ingestão de glicose sobre a circulação materno-fetal

Materno-fetal hemodynamic repercussion of glucose ingestion

Rose Mary de Castro RanciaroI; Francisco Mauad-FilhoII

IMestranda do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIProfessor Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Rose Mary de Castro Ranciaro Avenida Juscelino Kubstcheck, 317 39330-000 – Brasília de Minas – MG e-mail: rose.ranciaro@gmail.com

RESUMO

OBJETIVOS: analisar o efeito da glicose na hemodinâmica materno-fetal pela avaliação doplervelocimétrica da circulação materno-fetal e fetoplacentária.

MÉTODOS: trata-se de estudo realizado por único observador, no qual foram incluídas 31 gestantes clinicamente sadias entre a 28a e a 36a semana. Os parâmetros foram avaliados imediatamente antes e 60 minutos após a ingestão de 50 g de glicose. Foram utilizados como critérios de inclusão a avaliação clínica e laboratorial normal, a presença de feto único, a idade gestacional entre a 28a e a 36a semana de gestação confirmada por exame de ultra-sonografia e/ou a data da última menstruação, a glicemia de jejum menor ou igual a 110 mg/dL e o teste de sobrecarga após 50 g de glicose menor de 140 mg/dL. Como critérios de exclusão, adotaram-se a presença de malformação ou alterações de desenvolvimento fetal, o trabalho de parto, os antecedentes familiares de diabetes, as patologias próprias ou intercorrentes à gestação e o uso de fumo, álcool ou outras drogas. Foram avaliados os vasos maternos da artéria carótida comum e artérias uterinas, os vasos placentários da artéria umbilical e os vasos fetais da artéria cerebral média e aorta abdominal. Foram analisados os seguintes parâmetros em cada vaso: índice de resistência, índice de pulsatilidade, velocidade sistólica máxima, velocidade diastólica final e tempo de aceleração. A freqüência cardíaca fetal foi avaliada pelo modo M da ultra-sonografia. Para análise estatística foi utilizado o teste t de Student quando a variável diferença de antes e depois da ingestão de glicose apresentou distribuição normal no teste de Kolmogorov-Smirnov. Quando a normalidade foi rejeitada, utilizamos o teste não-paramétrico de Wilcoxon, com o nível de significância sempre estabelecido de p<0,05.

RESULTADOS: Observou-se a elevação da glicemia materna após a ingestão de 50 g de glicose (pré: 68,0±10,1 mg/dL e pós: 104,6±28,2 mg/dL; p<0,001) A freqüência cardíaca fetal diminuiu após a ingestão de glicose (pré: 137,9±6,1 bpm e pós: 134,5±6,9 bpm; p=0,01). Na artéria umbilical, houve aumento do índice de pulsatilidade (pré: 0,8±0,1 e pós: 0,9±0,2; p=0,03). Não foram encontradas alterações velocimétricas significativas nos demais vasos e dos demais índices investigados.

CONCLUSÕES: apesar da variação dos níveis de glicemia materna e da freqüência cardíaca fetal, após a ingestão de glicose, não ocorreram alterações significativas de fluxo nos vasos arteriais: umbilical, cerebral média e aorta fetais e carótidas e uterina maternas. Concluímos que a concentração da glicose utilizada pode ser liberada sem interferência hemodinâmica no compartimento materno-fetal.

Palavras-chave: Glicemia; Fluxometria por laser-dopler; Freqüência cardíaca fetal; Glicose/efeitos adversos; Artéria umbilical; Circulação placentária/fisiologia; Processos hemodinâmicos

ABSTRACT

PURPOSE: to analyze the effect of glucose in the materno-fetal hemodynamics through dopplervelocimetric assessment of the materno-fetal and fetoplacentary circulation.

METHODS: the study was carried out by a single observer on 31 clinically healthy pregnant women from the 28th to the 36th gestational week. Parameters were assessed immediately before or 60 minutes after the ingestion of 50 g of glucose. The including criteria comprised normal clinical and laboratorial evaluation, the presence of only one fetus, gestational age between 28 and 36 weeks confirmed by ultrasonography and/or the date of the last menstruation, fasting glycemia less or equal to 110 mg/dL and less than 140 mg/dL after 50 g of glucose overload. The excluding criteria consisted of the presence of fetal malformation or development alterations, labor, diabetes as a family predisposition, pathologies due to or underlying gestation and use of tobacco, alcohol and/or other substances. The mother´s common carotid artery and uterine arteries, the umbilical artery and the fetal medial cerebral artery and abdominal aorta were evaluated. In each blood vessel, the following parameters were analyzed: resistance index, pulsatility index, maximum systolic speed, final diastolic speed and acceleration time. The fetal heart rate was evaluated by M Mode ultrasonography. For the statistical analysis, the Student's t test was used when the variable presented normal distribution in Kolmogorov-Smirnov's test. When normality was rejected, the Wilcoxon's non-parametric test was used, with the significance level always established at p<0.05.

RESULTS: the maternal glycemia increased after the ingestion of 50 g of glucose (before: 68.0±10.1 mg/dL and after: 104.6±28.2 mg/dL; p<0.001), and fetal heart rate decreased after the glucose ingestion (before: 137.9±6.1 bpm and after: 134.5±6.9 bpm; p<0.001). The umbilical artery presented an increase in the pulsatility index (before: 0.8±0.1 and after: 0.9±0.2; p=0.03). Significant velocimetric alterations were not found in the other vessels or in the other indexes investigated.

CONCLUSIONS: in spite of the variation in the levels of maternal glycemia and in the fetal heart rate following glucose ingestion, no significant flow alteration occurred in the following vessels: umbilical artery, fetal medial cerebral artery and aorta; nor in the carotid and uterine maternal arteries. We conclude that the glucose concentration used was released without hemodynamic interference in the materno-fetal compartment.

Keywords: Blood glucose; Laser-doppler flowmetry; Heart rate, fetal ; Glucose/adverse effects; Umbilical artery; Placental circulation/physiology; Hemodynamic processes

INTRODUÇÃO

A glicose materna é a mais importante fonte de energia para o feto, estando intimamente ligada ao suprimento de oxigênio fetal1. Em condições normais, a energia fetal é obtida principalmente do processo de oxidação da glicose. Com a elevação dos níveis glicêmicos, ocorre aumento da velocidade de consumo da glicose à custa de seu metabolismo aeróbico. Com isso, caso ocorra deficiência no aporte de oxigênio, o nível deste se reduz e aumenta o de dióxido de carbono. Estudos clínicos e experimentais mostraram que tanto a hiperglicemia como a hiperinsulinemia fetais podem, de modo independente, causar hipóxia fetal, por aumentar o consumo fetal de oxigênio2. E, assim como a hipóxia é o principal fator de descompensação cardiovascular fetal, independente de seu mecanismo etiológico, haverá uma redistribuição do fluxo sangüíneo fetal3, um dos primeiros mecanismos compensatórios fetais pelos quais a oxigenação é mantida.

O conhecimento da dinâmica da circulação sangüínea é imprescindível para que os eventos fisiopatológicos que ocorrem no concepto sejam compreendidos. O estudo doplervelocimétrico é o método de escolha propedêutico, atual, não invasivo e capaz de identificar as mudanças na hemodinâmica fetal e materna4, como a redistribuição do fluxo sanguíneo. Entre os vasos mais estudados, estão a artéria umbilical5 e a cerebral média do feto4. A artéria umbilical permite quantificar o fluxo uteroplacentário e avaliar a boa oxigenação fetal, enquanto a artéria cerebral média permite avaliar a resposta hemodinâmica cerebral ao estado, pois é o vaso responsável pela maior parte do suprimento sangüíneo para o cérebro. O perfil hemodinâmico fetal inclui, além da avaliação na artéria cerebral média, o da aorta fetal6. Na circulação materna, a artéria uterina apresenta grande importância nos estudos da fisiologia materno-fetal, ao avaliar o fluxo uteroplacentário, permitindo inferir se o aporte sangüíneo no espaço interviloso está adequado7. Quanto aos parâmetros doplervelocimétricos estudados, leva-se em consideração que os índices apresentam menor interferência dos ângulos de insonação no vaso do que as velocidades, sendo mais usados na prática obstétrica.

A literatura fornece informações sobre o teste de sobrecarga de glicose em gestantes8, entretanto é desprovida de estudos que ofereçam mais informações sobre a influência da glicemia na velocidade de fluxo na circulação materno-fetal estudada pelo dopler obstétrico. Desta forma, o objetivo deste estudo foi avaliar, por meio da doplervelocimetria dos vasos maternos, placentários e fetais, o efeito da administração de glicose à mãe.

Métodos

Este estudo prospectivo foi realizado de janeiro a outubro de 2004 e foram incluídas 31 gestantes clinicamente normais, selecionadas entre as encaminhadas pela rede municipal de saúde do município de Ribeirão Preto (SP) para realização de exame ultra-sonográfico de rotina. Todas as gestantes incluídas foram examinadas por único observador e tiveram os fetos hígidos, nascidos a termo. Para a seleção foram utilizados, além da avaliação clínica e laboratorial normais, a presença de feto único, a idade gestacional entre a 28a e a 36a semana de gestação confirmada por exame ultra-sonográfico e/ou a data da última menstruação, a glicemia de jejum menor ou igual a 110 mg/dL e o teste de sobrecarga após 50 g de glicose menor de 140 mg/dL.

Como critérios de exclusão, adotamos a presença de malformação ou de alterações no desenvolvimento fetal, o trabalho de parto, os antecedentes familiares de diabetes, as doenças próprias ou intercorrentes à gestação e as usuárias de fumo, álcool ou drogas. A média de idade das gestantes foi de 24,2±6,7 anos. As gestantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido para participação na pesquisa, aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Após a anuência, procedia-se ao exame.

Na amostra selecionada, procedeu-se à primeira coleta de sangue nas gestantes previamente orientadas, após pelo menos oito horas de jejum, sem dieta prévia, não ultrapassando 12 horas, e a uma segunda coleta após 60 minutos da ingestão de 50 g de glicose anidra diluída em água. A obtenção da amostra de sangue foi realizada por punção venosa no antebraço. O material foi conservado em frasco com fluoreto-EDTA e centrifugado no prazo de quatro horas para evitar-se a hemólise. A glicemia era analisada pelo método de glicose oxidase em aparelho auto-analisador enzimático automático.

Após posicionamento adequado da paciente, foi realizado o estudo pela doplervelocimetria dos vasos fetais e dos vasos maternos. Analisamos também a freqüência cardíaca fetal por meio de um único aparelho de ultra-sonografia modelo Image Point 1800, da Philips, que dispunha de dispositivo dopler. O exame doplervelocimétrico foi realizado por único observador que utilizou o volume de amostra de 1,0 mm, colocado no centro do vaso com janela fixada em 50 Hz. O sonograma era considerado adequado quando realizado na ausência de movimentação corpórea e respiratória fetal e mantendo a freqüência cardíaca fetal entre 120 e 160 batimentos por minuto. Para a realização do exame, utilizaram-se imagens em tempo real, com adequado mapeamento em cores do fluxo sangüíneo e, após a obtenção de três ondas consecutivas de velocidade de fluxo semelhantes com índices similares, era calculada a média. A aquisição do traçado doplervelocimétrico utilizando transdutor convexo multifreqüencial na artéria umbilical foi realizada próximo à sua inserção na placenta após sua identificação com o mapeamento a cores do fluxo sanguíneo e mantido o mesmo ângulo de insonação entre o feixe dopler e este vaso, sempre menor de 600.

No feto, utilizando transdutor conexo multifreqüencial, a identificação da artéria cerebral média fetal foi realizada em plano axial semelhante ao utilizado para a determinação do diâmetro bi-parietal e avaliada o mais próximo da calota craniana, mantendo-se o mesmo ângulo de insonação entre o feixe dopler e este vaso, sempre menor de 300 pela facilidade na sua disposição anatômica. No estudo da aorta fetal, utilizou-se o mesmo transdutor efetuado em plano longitudinal, observando-se o vaso em paralelo à coluna vertebral abaixo da saída da artéria renal e mantendo o mesmo ângulo de insonação entre o feixe dopler e este vaso, sempre inferior a 600.

A avaliação da carótida comum materna foi realizada com transdutor linear multifreqüencial, a três cm de sua bifurcação, sempre do lado direito. O estudo da artéria uterina utilizando o transdutor convexo multifreqüencial foi realizado bilateralmente, próximo a sua emergência e à intersecção com a veia ilíaca, mantendo o mesmo ângulo de insonação entre o feixe dopler e este vaso, sempre abaixo de 600 para ambos os vasos maternos.

As variáveis obtidas em cada vaso foram a velocidade sistólica máxima (VSM), a velocidade diastólica final (VDF), os índices doplervelocimétricos de resistência e de pulsatilidade e o tempo de aceleração. A freqüência cardíaca fetal foi avaliada pelo modo M da ultra-sonografia na visão de quatro câmaras, num plano de corte que ultrapassa a parede atrial e ventricular, na fase de sístole do ciclo cardíaco.

A análise estatística foi univariada. Utilizou-se o teste t de Student para amostras pareadas na comparação entre as variáveis antes e após a aplicação da glicose, quando a variável diferença de antes e depois apresentou distribuição normal no teste de Kolmogorov-Smirnov. Quando a normalidade foi rejeitada utilizamos o teste não-paramétrico de Wilcoxon para amostras pareadas na avaliação da velocidade diastólica na artéria umbilical, na artéria cerebral média e aorta fetal, na artéria uterina esquerda materna, e do tempo de aceleração na artéria cerebral média fetal e na artéria uterina direita e carótida materna. Adotamos, em todos os testes estatísticos, p<0,05como nível de significância. Além disso, foi calculado o coeficiente de correlação de Spearman, medindo o grau de relação entre duas variáveis; os valores positivos indicam uma correlação positiva entre as variáveis, isto é, à medida que os valores de uma variável crescem, os das outras variáveis também crescem; os valores negativos indicam uma correlação negativa entre as variáveis, ou seja, à medida que os valores de uma variável crescem, os das outras variáveis decrescem; valores próximos a zero (negativos ou positivos) indicam independência entre as variáveis. Com o tamanho da amostra as correlações foram significativas para p<0,05, a partir de 0,35 ou -0,35.

Resultados

A Tabela 1 discrimina os valores das médias, do desvio padrão, da mediana e da amplitude, antes e após a ingestão de 50 g de glicose, da glicemia e da freqüência cardíaca fetal (FCF)9. Verificamos que a glicemia aumentou significativamente com a mediana de 67 para 98 mg/dL (antes: 68,0+10,1; após: 104,0+28,2 mg/dL; p<0,001) após a administração da glicose e a FCF com a mediana de 136 bpm mostrou diminuição para 133 bpm após a ingestão de glicose (antes: 137,9+6,1; após: 134,5+6.9 bpm; p=0,01).

A Tabela 2 discrimina os valores das médias, desvio padrão, mediana e amplitude, antes e após a ingestão de 50 g de glicose, nas variáveis: velocidades, índices doplervelocimétricos e tempo de aceleração, nos diferentes vasos fetais. Foi avaliada ainda a correlação com a glicemia. Não houve aumento ou diminuição significativa das velocidades sistólica máxima ou diastólica final, nos vasos estudados. Na administração de glicose, verificamos a elevação do índice de pulsatilidade na artéria umbilical, com a mediana de 0,8 alcançando 0,9 (antes: 0,8+0,1; após: 0,9+0,2; p=0,03). Não ocorreram, porém, alterações significativas nos demais índices doplervelocimétricos e no tempo de aceleração nos demais vasos estudados. Quanto à correlação do tempo de aceleração com a glicemia, na artéria cerebral média fetal sem variação na mediana de 0,05, revelou-se negativa, antes da ingestão de glicose (antes: -0,40; após: -0,04; r<-0,35; p<0,05).

A Tabela 3 discrimina os valores das médias, desvio padrão, mediana e da amplitude, antes e após a ingestão de 50 g de glicose, nas variáveis: velocidades, índices doplervelocimétricos e tempo de aceleração, nos diferentes vasos maternos. Foi avaliada, ainda, a correlação com a glicemia, que apresentou, na artéria carótida comum materna, uma correlação moderada, positiva, com a glicemia, após a ingestão de glicose (antes: -0,1; após: 0,38; r>+0,35 e p<0,05). Não foram encontradas alterações nos demais parâmetros doplervelocimétricos investigados, nos diferentes vasos maternos.

Discussão

No presente estudo, pudemos evidenciar elevação da glicemia materna após a ingestão de 50 g de glicose. Considerando-se que quando a glicose atravessa a placenta, o mecanismo é facilitado, devemos esperar uma elevação também significante na glicemia fetal1. Neste mesmo estudo observou-se diminuição da FCF após a ingestão de glicose, enquanto em outro estudo deste tipo não se obteve alteração significativa da freqüência cardíaca fetal basal avaliada pela cardiotocografia. A explicação razoável é que o presente estudo utilizou outro método, o modo M da ultra-sonografia, que demonstra ser necessário, pois avalia de forma pontual a FCF. Estudo em animal demonstrou alteração na freqüência cardíaca após a administração de glicose10 e os autores consideram que a diminuição da PO2 fetal arterial levaria à depressão da função miocárdica e ao prolongamento do período de pré-ejeção, embora as alterações não sejam inteiramente compreendidas.

Neste estudo, não se demonstrou alteração significativa do índice de resistência da artéria umbilical, embora se tenha observado aumento do índice de pulsatilidade, após a ingestão de glicose, sem contudo correlacionar-se diretamente com a glicemia materna. Em estudo semelhante11 realizado após a ingestão de 100 g de glicose, também não se encontrou alteração significativa ou correlação com a glicemia na avaliação da relação sístole/diástole e do índice de resistência, após a primeira, segunda e terceira hora depois da ingestão da glicose, nas artérias umbilicais e uterinas. Este resultado foi explicado ao considerar que as alterações dos marcadores agudos, como o índice de pulsatilidade da artéria umbilical, que foram utilizados na avaliação da vitalidade fetal só ocorrem mais tardiamente pela gravidade do quadro e que, no presente estudo, trabalhamos com gestantes e fetos hígidos.

Em estudo da década de 9012, se encontrou resultado semelhante ao se avaliar o índice de pulsatilidade na artéria umbilical. Quanto ao índice de resistência, porém, houve aumento significativo, diferindo do resultado deste estudo, no qual não foi encontrada esta alteração. Entretanto, o trabalho citado incluiu gestantes em período gestacional diferente do selecionado para o presente trabalho, o que pode sugerir eventual influência da idade gestacional sobre os parâmetros avaliados, além do avanço em aparelhos para o estudo da doplervelocimetria. Estudos mais recentes13 com avaliação da artéria umbilical e da artéria uterina em gestantes diabéticas obtiveram correlação da velocidade e dos índices dopplervelocimétricos com o peso da placenta e do recém-nascido. Contudo, não demonstraram correlação com o nível da hemoglobina glicosilada, ou seja, os valores doplervelocimétricos não se alteraram na proporção do quadro glicêmico. O referido trabalho, porém, avaliou gestantes diabéticas nas quais a glicemia, diferentemente do presente estudo, não foi transitória e por curto tempo.

Na artéria cerebral média fetal, os valores das velocidades e índices doplervelocimétricos, após administração de glicose à mãe, não se alteraram; coincidentemente, podemos relatar estudos14,15 com resultados semelhantes. Nossos achados são semelhantes aos dos relatos, os quais observaram que a circulação cerebral fetal estudada pela artéria cerebral média possui uma dinâmica particular, independente dos outros vasos da circulação fetal. Devido a esse mecanismo, o cérebro encontra-se bem protegido contra a hipóxia, não sofrendo interferência quando se instala uma hiperglicemia transitória.

Em estudos anteriores12,16 observou-se diminuição dos índices de resistência nos vasos da artéria cerebral média, divergindo do presente estudo. Estes estudos contudo incluíram gestantes em período gestacional acima ou abaixo do estipulado aqui, com diferentes aparelhos e operadores. Quanto à avaliação na artéria carótida comum materna, as velocidades sistólica máxima e diastólica final não se alteraram, embora o tempo de aceleração neste mesmo vaso tenha se correlacionado de forma moderada com a glicemia, após a glicose. Em relação às velocidades já se poderia esperar tal resultado, pois em estudo mais recente17, não foi observada alteração na pressão sanguínea quando avaliado o diâmetro, a distensibilidade e a complacência da artéria carótida comum, em mulheres não gestantes, após a ingestão de glicose. No estudo de Eicke et al.18, também não se demonstrou redução da velocidade de fluxo pós-prandial neste mesmo leito vascular, embora avaliando pacientes fora do período gestacional. Estudos mais recentes que utilizaram a infusão intravenosa de glicose também em indivíduos não gestantes não puderam demonstrar alteração doplervelocimétrica, mesmo avaliando vasos de menor diâmetro, tais como na artéria braquial19, na artéria da retina em estudo realizado em animal20 ou mesmo nas artérias coronárias21, o que faz concluir que a forma aguda ou moderada de hiperglicemia não é capaz de alterar a resposta vascular.

Porém, nenhum dos estudos citados referiu-se a uma correlação moderada do tempo de aceleração com a glicemia encontrada no presente estudo, na carótida materna. Isoladamente, este achado significa o gasto maior de tempo para se alcançar o pico sistólico de velocidade, embora se desconheça no momento sua repercussão, já que não altera os valores das velocidades ou índices doplervelocimétricos e por não ter sido encontrado na literatura atual.

Nas artérias uterinas maternas e na aorta abdominal fetal, não se obteve diferença significativa ou correlação com a glicemia, antes ou após a administração de glicose, do que se pode deduzir que a alteração metabólica não é perceptível hemodinamicamente.

Conclui-se, neste estudo, que, após a ingestão de 50 g de glicose pelas mães com fetos considerados hígidos, ocorreu uma variação da FCF e, apesar dessa diferença, não houve repercussão significante sobre os vasos umbilicais. A circulação fetal mostrou-se estruturada para suprir as necessidades de um organismo num ambiente de hipóxia relativa.

Ficou claro que a hipótese de que esta concentração de glicose possa levar a uma vasodilatação não se confirmou pelo estudo doplervelocimétrico, permitindo a utilização dessa concentração sem que ocorra alteração hemodinâmica materna ou fetal. No entanto, estimula novos estudos no intuito de avaliar a resposta ao aumento na oferta de glicose. Por outro lado, reforça a necessidade de prosseguir as pesquisas em alterações metabólicas com repercussões fetais, principalmente nos estudos do comportamento da vitalidade fetal em mães diabéticas, no qual ocorre distúrbio do metabolismo da glicose.

Recebido em:10/4/2006

Aceito com modificações em: 15/9/2006

Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto de Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

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  • Correspondência:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Recebido
      10 Abr 2006
    • Aceito
      15 Set 2006
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