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Carcinoma ductal in situ da mama: critérios para diagnóstico e abordagem em hospitais públicos de Belo Horizonte

Approach of ductal carcinoma in situ of the breast in three public hospitals in Belo Horizonte

Resumos

OBJETIVOS: avaliar os aspectos clínicos, radiológicos, anátomo-patológicos e terapêuticos de uma série de casos de carcinoma ductal in situ (CDIS) da mama de pacientes atendidos em três hospitais públicos de Belo Horizonte (MG). MÉTODOS: foram selecionados dos arquivos médicos todos os casos de câncer de mama diagnosticados entre os anos de 1985 e 2000, encontrando-se 179 casos com diagnóstico de CDIS. Fez-se revisão anátomo-patológica das lâminas e obtiveram-se dados clínicos completos, mamografias e informações sobre tratamento em 85 casos. RESULTADOS: a maioria dos casos eram assintomáticos e os diagnósticos foram feitos pela mamografia (68,2%), sendo as microcalcificações a alteração radiológica mais freqüente. Houve aumento progressivo no diagnóstico de CDIS ao longo dos anos simultâneo à introdução do exame periódico mamográfico. Houve concordância entre o diagnóstico inicial e após a revisão histopatológica em 72,9% dos casos. Em três casos, o diagnóstico original de CDIS não foi confirmado pela revisão, tratando-se de hiperplasias com atipias. O achado de microcalcificações radiológicas foi confirmado no estudo histopatológico em 95,6%. A metade dos pacientes foi submetida à mastectomia. Nos casos submetidos à linfadenectomia axilar, todos os linfonodos dissecados foram negativos para metástases. CONCLUSÕES: os dados encontrados estão de acordo com a literatura, que mostra um aumento do diagnóstico do CDIS a partir de 1990. Houve importante variação interobservador entre os diagnósticos anátomo-patológicos iniciais e os da revisão, sendo que os diagnósticos iniciais tendiam para malignidade. Houve grande número de tratamentos mais radicais como a mastectomia e esvaziamentos axilares, que provavelmente, com os conhecimentos atuais, seriam substituídos por tratamentos conservadores e biópsia do linfonodo sentinela.

Neoplasias mamárias; Carcinoma in situ; Carcinoma intraductal não infiltrante; Carcinoma intraductal não infiltrante


PURPOSE: to evaluate the clinical, radiological therapeutic and anatomo-pathological aspects in a series of patients with breast ductal carcinoma in situ (DCIS), attended in three public hospitals in Belo Horizonte (MG). METHODS: 179 cases of DCIS, that were selected from all the patients who had been diagnosed with breast cancer between 1985 and 2000, were studied retrospectively. After reviewing all the tissue sections, it was possible to collect all the clinical data, mammogram and treatment information of 85 cases. RESULTS: most patients were not symptomatic and the diagnosis had been done by mammogram (68.2%), being the microcalcification the most common radiological alteration. There has been a progressive increase in the diagnosis of DCIS along the years, following the introduction of periodical mammographic screening. The initial histopathological diagnosis and the review agreed in 72.9% of cases. In three cases, the original diagnosis of DCIS was not confirmed, being classified as atypical hyperplasia. Mammogram microcalcifications were confirmed in the pathological analysis in 95.6% of cases. Half of the patients was treated with mastectomy. All lymph nodes from axillary dissection were negative for metastases. CONCLUSIONS: The present study is in agreement with the recent literature, which shows an increase in the diagnosis of DCIS since 1990. There has been a great interobserver variation since the initial pathological diagnosis, which tended to malignancy and the present review. There were a great number of radical treatments, such as mastectomy and axillary dissection, which would probably be replaced by conservative treatment and sentinel lymph node biopsy nowadays, according to recent knowledge.

Breast neoplasms; Carcinoma in situ; Carcinoma, intraductal, noninfiltrating; Carcinoma, intraductal, noninfiltrating; Carcinoma, ductal, breast


ARTIGOS ORIGINAIS

Carcinoma ductal in situ da mama: critérios para diagnóstico e abordagem em hospitais públicos de Belo Horizonte

Approach of ductal carcinoma in situ of the breast in three public hospitals in Belo Horizonte

Marcio de Almeida SallesI; Marco Antonio Rodrigues Freire MatiasII; Amanda Arantes PerezIII; Helenice GobbiIV

IMastologista da Maternidade Odete Valadares, Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais e do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais – Minas Gerais (MG), Brasil

IIMastologista da Maternidade Odete Valadares, Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais – Minas Gerais (MG), Brasil

IIIResidente de Mastologia na Maternidade Odete Valadares, Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais – Minas Gerais (MG), Brasil

IVProfessor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

Correspondência Correspondência: Márcio de Almeida Salles Rua Paracatu 1300/1103 – Santo Agostinho 30180-091 – Belo Horizonte – MG Fone: (31) 3337-9305 – Fax: (31) 3241-2000

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar os aspectos clínicos, radiológicos, anátomo-patológicos e terapêuticos de uma série de casos de carcinoma ductal in situ (CDIS) da mama de pacientes atendidos em três hospitais públicos de Belo Horizonte (MG).

MÉTODOS: foram selecionados dos arquivos médicos todos os casos de câncer de mama diagnosticados entre os anos de 1985 e 2000, encontrando-se 179 casos com diagnóstico de CDIS. Fez-se revisão anátomo-patológica das lâminas e obtiveram-se dados clínicos completos, mamografias e informações sobre tratamento em 85 casos.

RESULTADOS: a maioria dos casos eram assintomáticos e os diagnósticos foram feitos pela mamografia (68,2%), sendo as microcalcificações a alteração radiológica mais freqüente. Houve aumento progressivo no diagnóstico de CDIS ao longo dos anos simultâneo à introdução do exame periódico mamográfico. Houve concordância entre o diagnóstico inicial e após a revisão histopatológica em 72,9% dos casos. Em três casos, o diagnóstico original de CDIS não foi confirmado pela revisão, tratando-se de hiperplasias com atipias. O achado de microcalcificações radiológicas foi confirmado no estudo histopatológico em 95,6%. A metade dos pacientes foi submetida à mastectomia. Nos casos submetidos à linfadenectomia axilar, todos os linfonodos dissecados foram negativos para metástases.

CONCLUSÕES: os dados encontrados estão de acordo com a literatura, que mostra um aumento do diagnóstico do CDIS a partir de 1990. Houve importante variação interobservador entre os diagnósticos anátomo-patológicos iniciais e os da revisão, sendo que os diagnósticos iniciais tendiam para malignidade. Houve grande número de tratamentos mais radicais como a mastectomia e esvaziamentos axilares, que provavelmente, com os conhecimentos atuais, seriam substituídos por tratamentos conservadores e biópsia do linfonodo sentinela.

Palavras-chave: Neoplasias mamárias; Carcinoma in situ/diagnóstico; Carcinoma intraductal não infiltrante/terapia; Carcinoma intraductal não infiltrante/patologia

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the clinical, radiological therapeutic and anatomo-pathological aspects in a series of patients with breast ductal carcinoma in situ (DCIS), attended in three public hospitals in Belo Horizonte (MG).

METHODS: 179 cases of DCIS, that were selected from all the patients who had been diagnosed with breast cancer between 1985 and 2000, were studied retrospectively. After reviewing all the tissue sections, it was possible to collect all the clinical data, mammogram and treatment information of 85 cases.

RESULTS: most patients were not symptomatic and the diagnosis had been done by mammogram (68.2%), being the microcalcification the most common radiological alteration. There has been a progressive increase in the diagnosis of DCIS along the years, following the introduction of periodical mammographic screening. The initial histopathological diagnosis and the review agreed in 72.9% of cases. In three cases, the original diagnosis of DCIS was not confirmed, being classified as atypical hyperplasia. Mammogram microcalcifications were confirmed in the pathological analysis in 95.6% of cases. Half of the patients was treated with mastectomy. All lymph nodes from axillary dissection were negative for metastases.

CONCLUSIONS: The present study is in agreement with the recent literature, which shows an increase in the diagnosis of DCIS since 1990. There has been a great interobserver variation since the initial pathological diagnosis, which tended to malignancy and the present review. There were a great number of radical treatments, such as mastectomy and axillary dissection, which would probably be replaced by conservative treatment and sentinel lymph node biopsy nowadays, according to recent knowledge.

Keywords: Breast neoplasms; Carcinoma in situ/diagnosis; Carcinoma, intraductal, noninfiltrating/therapy; Carcinoma, intraductal, noninfiltrating; Carcinoma, ductal, breast/pathology

INTRODUÇÃO

Nas duas últimas décadas, houve importante mudança na abordagem do câncer mamário com o desenvolvimento dos programas de rastreamento mamográfico. Hoje é possível detectar cânceres não palpáveis com diâmetros de apenas alguns milímetros e identificar lesões em mulheres assintomáticas. Com os programas de rastreamento, houve um aumento significativo do diagnóstico do carcinoma ductal in situ (CDIS) nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, mesmo sem um programa de rastreamento bem estabelecido, também observamos a mesma tendência1,2.

Com o diagnóstico precoce, surgiram novos desafios para aqueles que lidam com o câncer de mama. Mastologistas e patologistas passaram a trabalhar com lesões até então pouco freqüentes, referidas como lesões pré-malignas ou de risco: as hiperplasias epiteliais e o CDIS3,4.

CDIS é uma proliferação celular anormal com predileção pelas unidades ducto-lobulares terminais da mama, associadas a proeminente envolvimento de ductos verdadeiros e alto risco de recorrência local, quando não realizado tratamento adequado. CDIS é uma lesão heterogênea, sob o ponto de vista histológico, e pode constituir um espectro de lesões3,5. O diagnóstico, em algumas situações, pode ser difícil para o patologista, principalmente quando há necessidade de diagnóstico diferencial entre hiperplasia ductal atípica e o CDIS de baixo grau ou quando se pesquisa a possibilidade de microinvasão3,4. A variação diagnóstica entre estas lesões tem importantes implicações clínicas. Por isso, o diagnóstico histopatológico acurado tem sido considerado um dos parâmetros mais importantes para a decisão terapêutica, sendo o papel do patologista fundamental no tratamento das pacientes. O treinamento em reconhecer os padrões morfológicos do espectro de lesões proliferativas epiteliais mamárias ainda é o principal instrumento do patologista no diagnóstico dessas lesões2,4.

Atualmente, o CDIS reveste-se de grande importância, tendo em vista o aumento em sua freqüência e a possibilidade de cura em quase todos os casos se adequadamente tratados6. As opções terapêuticas incluem mastectomia, cirurgia com preservação da mama, radioterapia ou uso de tamoxifeno. Algumas destas modalidades podem ser excessivamente agressivas, considerando que muitos dos casos de CDIS não apresentarão recidiva local ou não evoluirão para câncer invasivo. Conhecer o comportamento dessa lesão pré-invasiva é fundamental para um adequado planejamento terapêutico6-8. Antes de atingirmos a capacidade de identificar pacientes com baixo risco de progressão da doença, é pouco provável que a conduta terapêutica atual seja modificada.

No presente trabalho, avaliamos os aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos de uma série de casos de CDIS, analisando criticamente a evolução destes parâmetros durante o período de 15 anos.

Métodos

Realizou-se estudo retrospectivo, tipo série de casos, a partir da revisão dos arquivos médicos dos Serviços de Mastologia da Maternidade Odete Valadares – Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, Anatomia Patológica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais. Foram selecionados todos os casos com diagnóstico de câncer mamário e, dentre estes, todos os casos com diagnóstico de CDIS de pacientes tratadas entre 1985 e 2000 na Maternidade Odete Valadares – Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais e no Hospital das Clínicas da UFMG. Foram incluídos também 16 casos de CDIS diagnosticados e tratados no Hospital da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais no período de 1991 a 2000.

Foram submetidas à revisão histopatológica pela mesma patologista, especializada em patologia mamária, com o objetivo de confirmar o diagnóstico histopatológico em 112 casos de CDIS. Após a revisão histopatológica, os prontuários médicos foram reavaliados para obtenção de dados clínicos e de tratamento. Foi possível a análise final de dados completos de 85 casos de CDIS da mama e os restantes 67 casos foram excluídos, pois não foram encontrados dados clínicos suficientes que permitissem preenchimento de protocolo específico. Dos 85 casos de CDIS, 50 casos eram provenientes da Maternidade Odete Valadares, 19 do Hospital das Clínicas da UFMG e 16 do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais, como disposto na Tabela 1.

A revisão anátomo-patológica foi realizada utilizando-se as lâminas originais ou fazendo-se novos cortes histológicos a partir de blocos de parafina arquivados. O tipo de espécime cirúrgico analisado era proveniente de biópsia, mastectomia ou mamoplastia. Os critérios utilizados para o diagnóstico histopatológico de CDIS na revisão foram aqueles propostos por Page e Anderson3. Refere-se o termo "ductal" a padrões específicos de proliferação celular anormal, associados a proeminente envolvimento de ductos verdadeiros e alto risco de recorrência local sem tratamento adequado. O CDIS é essencialmente um diagnóstico de exclusão, incluindo em sua extensa variação morfológica qualquer carcinoma in situ de padrão não lobular. O CDIS compreende um grupo heterogêneo de proliferações neoplásicas não invasoras com diferentes morfologias e risco subseqüente de recorrência e transformação invasiva. Lesões maiores que 2 a 3 mm e que preenchem totalmente os ductos são diagnosticadas como CDIS3. Para o diagnóstico de microinvasão, foram considerados os critérios de Ellis et al.4. Definem microinvasão como um carcinoma ductal in situ predominante com foco de carcinoma invasor de dimensão menor que 1 mm além da membrana basal epitelial, no tecido conjuntivo não especializado ou extra-lobular4.

O programa Epi-Info® 6.0 foi utilizado para a montagem do banco de dados e análise estatística. Fez-se análise de freqüência dos dados clínicos, radiológicos, de tratamento e da concordância entre o diagnóstico inicial de CDIS e da revisão histopatológica.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (parecer ETIC 103/01).

Resultados

Os 85 casos foram provenientes de 84 pacientes, pois uma paciente apresentava CDIS bilateral e simultâneo. Dos 84 pacientes, apenas um era do sexo masculino. A idade variou de 20 a 82 anos (média = 52,3+11,5 anos), sendo a faixa etária predominante entre 46 e 55 anos.

A maioria dos casos incluídos neste estudo foi proveniente da Maternidade Odete Valadares (50 casos, 58,8%) sendo que 91,8% dos casos de CDIS foram diagnosticados nos últimos cinco anos do estudo.

O CDIS ocorreu na mama esquerda em 45 casos, correspondendo a 52,9%. A maioria (58 pacientes; 68,2%) era assintomática. Quando sintomáticos, os pacientes apresentavam nódulo, derrame papilar ou eczema de mamilo, conforme descrito na Tabela 2. Uma paciente teve o diagnóstico de CDIS ao se examinar um espécime cirúrgico de mamoplastia redutora.

Oitenta e um casos (95,3%) apresentavam alterações mamográficas suspeitas ou sugestivas de malignidade, sendo as microcalcificações as alterações mamográficas mais freqüentes (68 casos, 80%). Quatro pacientes (4,7%) apresentaram mamografia dentro dos limites de normalidade, como evidenciado na Tabela 3.

Quarenta e duas pacientes submeteram-se à setorectomia e o mesmo número à mastectomia, sendo que uma delas foi mastectomizada bilateralmente. Somente 14 pacientes (33,3%) foram submetidas à reconstrução mamária. Dezoito das 42 pacientes (42,9%) submetidas a tratamento conservador (setorectomia) necessitaram de uma segunda cirurgia para ampliação das margens.

Das pacientes submetidas a tratamento conservador, 41 receberam radioterapia como terapêutica complementar (97,6%); uma paciente (2,4%) foi submetida apenas à setorectomia (por motivos pessoais optou por não se submeter à radioterapia). Não houve questionamento com relação à possibilidade de não realização de radioterapia complementar nas pacientes com lesões pequenas, de baixo grau histológico e com margens cirúrgicas amplas.

O esvaziamento axilar foi realizado em 30 casos, sendo associado à mastectomia em 25 pacientes e ao tratamento conservador da mama em cinco casos. Em nenhum deles foi encontrado metástase. O número de linfonodos dissecados variou de dois a 27 (média: 16,4 linfonodos/paciente).

Após a revisão histopatológica, três casos foram considerados hiperplasia epitelial atípica e excluídos da análise, totalizando 82 pacientes com diagnóstico de CDIS. A maioria dos casos (57 casos, 69,5%) era de alto grau histológico (Figura 1). Onze casos (13,4%) eram de grau histológico intermediário e 14 de baixo grau (17,1%). Entre os 57 casos de CDIS com grau histológico alto, 37 casos (64,9%) ocorreram em pacientes com idade média inferior a 52,3 anos. Cancerização de unidades lobulares estava presente em 21 casos (25,6%), sendo que em 18 destes estava associada a alto grau nuclear e em todos associava-se a alto grau histológico. Havia hiperplasia epitelial no parênquima mamário adjacente ao CDIS em 39 dos 82 casos (47,6%).


Microcalcificações estavam presentes no exame histopatológico em 69 casos (81,2%) e ausentes em 16 casos (18,8%). Em 53 dos 69 casos, as microcalcificações estavam presentes nos focos de CDIS, sendo assim referidas como determinantes (Figura 2). Nos outros 16 casos, as microcalcificações foram observadas em lesões benignas como cistos ou em lóbulos mamários normais adjacentes ao tumor (microcalcificações não determinantes). Houve alta correlação entre a presença de microcalcificações à mamografia e à histopatologia. Em 65 dos 68 dos casos (95,6%), as microcalcificações detectadas ao exame radiológico foram confirmadas pela histopatologia.


Dos 85 casos com diagnóstico inicial de CDIS ou CDIS com microinvasão, houve concordância no diagnóstico em 62 casos (72,9%) e discordância em 23 casos (27,1%). Em três casos, a revisão histopatológica mostrou tratar-se de hiperplasia epitelial atípica; eles foram excluídos da análise do grau nuclear e grau histológico. Em 20 casos, o diagnóstico inicial era de CDIS com microinvasão, porém confirmou-se apenas o diagnóstico de CDIS, sem microinvasão. Nestes casos, áreas de cancerização de unidades lobulares foram confundidas com microinvasão verdadeira.

Discussão

Em nosso trabalho, revisamos uma série de casos de pacientes tratadas de CDIS da mama em três instituições públicas de Belo Horizonte, com o objetivo de analisar o diagnóstico clínico, radiológico, anátomo-patológico e tratamento. Fizemos ainda avaliação crítica do diagnóstico histopatológico, comparando o diagnóstico inicial realizado em seis laboratórios diferentes com a revisão histopatológica realizada por um mesmo patologista especializado em patologia mamária. Embora existam muitos estudos avaliando séries de pacientes com CDIS da mama na literatura internacional, raros são os estudos abordando os diversos aspectos do diagnóstico e tratamento do CDIS no Brasil2,9.

Neste estudo, observamos que 91,8% dos casos de CDIS foram diagnosticados nos últimos cinco anos do estudo, a partir de 1996, o que pode ser explicado pelo fato de o uso rotineiro da mamografia nos serviços públicos de Belo Horizonte ter-se iniciado somente na metade da última década. Nos Estados Unidos, a triagem mamográfica ampliou-se já no início da década de 80. Observou-se um aumento de 587% na incidência do CDIS entre 1973 e 1992, saltando de 2,3 para 15,8/100.000 mulheres. A maioria dos casos de CDIS foi diagnosticada pela mamografia, mostrando sua importância no diagnóstico precoce do câncer de mama10. Com o uso crescente da mamografia, mesmo na ausência de um programa público de triagem em larga escala, passamos a observar também no nosso meio um aumento significativo do diagnóstico de CDIS da mama1,9, que deixou de ser uma raridade nos serviços de mastologia, mesmo em instituições públicas, como mostra nosso estudo.

Nossos dados mostram que 68,2% dos casos de CDIS eram assintomáticos e que 31,8% manifestaram-se clinicamente com tumoração, derrame papilar ou erosão do mamilo. O CDIS pode apresentar-se clinicamente de três maneiras: tumor, secreção mamilar ou lesão erosiva do mamilo, podendo também ser encontrado incidentalmente ou por achado mamográfico6. Antes da mamografia de triagem ou rastreamento, quase todos os casos de CDIS eram diagnosticados quando apresentavam alteração clínica; atualmente, a maioria é detectada pela mamografia6,11. Nossos dados confirmam que, também em Belo Horizonte, a maioria dos diagnósticos de CDIS é obtida em pacientes assintomáticas e pela mamografia de rastreamento.

Em 81 dos 85 casos de CDIS (95,3%) de nossa série, havia alterações mamográficas suspeitas de malignidade. As alterações mais freqüentes foram as microcalcificações, presentes em 68 casos (80%). Nossos dados são semelhantes aos dados da literatura, que mostram que as microcalcificações são as alterações mamográficas mais freqüentemente encontradas no CDIS12.

Na maioria dos casos de nossa casuística (98,8%), o CDIS foi diagnosticado em mulheres, com apenas um paciente do sexo masculino. O câncer mamário em homens representa menos de 1% dos casos nos Estados Unidos13. Todos os tipos histológicos conhecidos de câncer mamário já foram identificados nos homens. Os carcinomas ductais invasivos predominam, sendo responsáveis por 84 a 93% dos casos. O CDIS também é infreqüente entre os homens, porém representa até 7% dos casos de câncer em algumas séries13.

Encontramos uma idade média de 52,3 anos em nossos pacientes, sendo que 71,8% deles apresentavam mais de 45 anos. Fentiman6 obteve dados semelhantes aos nossos, com idade média de 52 anos e um aumento de incidência de CDIS após 50 anos. A ocorrência do carcinoma in situ em idade mais jovem que o carcinoma invasor (cerca de dez anos mais precoce) confirma a teoria da provável progressão do estágio in situ para invasor na evolução do câncer de mama14.

No presente estudo, que envolveu três serviços públicos considerados centros de referência para o tratamento de câncer mamário na cidade de Belo Horizonte, a metade dos pacientes foi submetida a mastectomia. De acordo com os conhecimentos atuais, provavelmente um número menor desses pacientes teria sido submetido a essa forma de tratamento. A mastectomia, apesar de ser a forma mais radical de tratamento do CDIS, ainda é o procedimento de escolha em pacientes com lesões extensas (maiores que 4 cm), lesões multicêntricas ou quando as pacientes não podem ser submetidas à radioterapia15,16. Nos Estados Unidos, de acordo com dados do Colégio Americano de Cirurgiões em 1995, 37% das mulheres com CDIS foram tratadas com mastectomia, 31% com excisão cirúrgica mais radioterapia e 30% apenas com excisão cirúrgica alargada sem radioterapia. Há variação substancial na modalidade de tratamento de acordo com a região geográfica. Enquanto em Utah 50,5% das pacientes foram mastectomizadas, em Connecticut, no mesmo período, apenas 23,1% foram submetidas a essa forma de tratamento. A escolha do tipo de tratamento é influenciada pela extensão da doença, preferência do paciente e, principalmente, pelo médico assistente17. Em recente reunião de consenso sobre o tratamento do CDIS, foi enfatizado que uma minoria dos pacientes requer a mastectomia como forma de tratamento do CDIS provavelmente menos que 25% das pacientes com esse diagnóstico15.

Em nossa casuística, 42,3% das pacientes submetidas a tratamento conservador da mama (setorectomia) necessitaram de uma segunda cirurgia para ampliação das margens. Quando existe alteração mamográfica de forte suspeição de malignidade, a primeira tentativa de remoção da lesão é a mais importante, pois oferece a melhor possibilidade de remoção completa da lesão, facilitando o estudo anátomo-patológico e também alcançando melhor resultado estético, o qual fica prejudicado com as reexcisões. Na literatura, a percentagem de novas excisões devido a margens comprometidas ou com menos de 1 mm de segurança pode alcançar até 55%18.

Em nosso estudo, 41 pacientes foram submetidas a tratamento conservador da mama (setorectomia) associado à radioterapia; uma paciente, por questões pessoais, não aceitou a radioterapia como terapêutica complementar. Durante o tratamento dessas pacientes, não houve questionamento com relação à possibilidade de não realização de radioterapia complementar nas pacientes com lesões pequenas, de baixo grau histológico e com margens cirúrgicas amplas. No Brasil, prevalece a idéia de que a radioterapia é fundamental para o tratamento de todos os casos de CDIS. Os resultados do estudo NSABP B-17 mostraram que a adição de radioterapia após excisão da lesão reduziu significativamente a taxa de recorrência local quando comparada apenas com a excisão19. Resultados semelhantes foram obtidos com o estudo do consórcio europeu EORTC 1085320. Esses estudos envolveram aproximadamente 1800 pacientes com CDIS randomizadas para receber cirurgia conservadora e radioterapia ou somente cirurgia conservadora. Os resultados desses estudos têm sido interpretados como indicação rotineira de radioterapia para todas as pacientes que fazem cirurgia conservadora. Entretanto, recomendações mais seletivas, baseadas na análise de subgrupos específicos, sugerem que fatores como margem cirúrgica, excisão adequada da lesão, características histológicas, distribuição, tamanho e extensão da lesão devem ser considerados21. Segundo estes autores, a radioterapia não seria necessária quando margens cirúrgicas livres maiores que 1 cm são obtidas em lesões com as características descritas acima21,22.

No presente estudo, 30 pacientes foram submetidos a esvaziamento axilar, sendo associado à mastectomia em 25 casos e à cirurgia conservadora da mama (setorectomia) em cinco casos. Em 20 dos 30 pacientes, a indicação de linfadenectomia foi secundária ao diagnóstico de microinvasão feito pelo patologista responsável pelo exame inicial; entretanto, após a revisão histopatológica, tal diagnóstico não foi confirmado, demonstrando variação interobservador significativa. O número de linfonodos dissecados variou de 2 a 27 (média: 16,4 linfonodos/paciente), amostra considerada adequada. Metástases não foram encontradas em nenhum dos linfonodos examinados. Dados atuais indicam que a incidência de metástases para linfonodos axilares em pacientes com CDIS é de 0 a 1%; quando o diagnóstico é de CDIS com microinvasão, o envolvimento axilar varia de 0 a 20%, o que poderia refletir os diferentes critérios utilizados para definir microinvasão23. Apesar do número de pacientes com CDIS submetidas a esvaziamento axilar ter diminuído na última década, até 40% dos pacientes ainda são submetidos a esse procedimento24. A dissecção axilar está associada a taxas substanciais de linfedema, limitações funcionais, parestesias, entre outras complicações25. No CDIS a realização de biópsia do linfonodo sentinela passou recentemente a ser uma opção para a avaliação axilar nos casos em que se realiza a mastectomia, evitando-se assim morbidades e complicações como a ocorrência de linfedema25.

Concluindo, nossos resultados permitem afirmar que, mesmo sem um programa de rastreamento populacional de câncer de mama no Brasil, houve um aumento progressivo do diagnóstico do CDIS nos últimos anos. Os diagnósticos foram realizados, em sua maioria, pela mamografia, facilitando o tratamento precoce e melhorando o prognóstico. Houve variação interobservador no diagnóstico do carcinoma ductal in situ, especialmente um excesso de diagnósticos de microinvasão nos laudos originais. A abordagem cirúrgica objetivando o tratamento e estadiamento, tanto da mama quanto da axila, foi mais agressiva.

Podemos afirmar, com base em nossos dados e conhecimentos científicos adquiridos nos últimos anos, que o diagnóstico mamográfico precoce permitirá opções terapêuticas mais conservadoras para a mama e a axila em pacientes com diagnóstico de CDIS, diminuindo custos e melhorando a qualidade de vida.

Recebido em: 22/3/2006

Aceito com modificações: 23/11/2006

Maternidade Odete Valadares (Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais); Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais – Minas Gerais (MG), Brasil

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  • Correspondência:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      23 Nov 2006
    • Recebido
      22 Mar 2006
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