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Histerectomia e as doenças ginecológicas benignas: o que está sendo praticado na Residência Médica no Brasil?

Hysterectomy and benign gynecological diseases: what has been performed in Medical Residency in Brazil?

Resumos

OBJETIVO: avaliar o ensino e a prática da histerectomia no Brasil nas diferentes regiões do país e compará-las com dados da literatura mundial. MÉTODOS: foram enviados questionários aos 132 Serviços de Residência Médica de Ginecologia e Obstetrícia do Brasil cadastrados pelo Ministério da Educação e Cultura em 2003. O mesmo continha nove questões sobre indicações em casos de doenças benignas, procedimentos operatórios, uso de antibioticoprofilaxia, fios para sutura da cúpula vaginal e complicações. Para a análise dos resultados, foram aplicados os testes de Friedman, Kruskal-Wallis e chi2, conforme a natureza das variáveis. RESULTADOS: nos 48,5% de questionários respondidos ou justificados (não-respostas), houve predomínio da região Sudeste (62%). A via operatória preferencial foi a abdominal, variando de 60 a 100% em média (p<0,001), seguida da via vaginal (10-40%) e da vídeo-assistida (6%). Em 94% dos Serviços, a via vídeo-assistida foi referida como não-empregada. A principal indicação de histerectomia foi a miomatose (60,4%; p<0,001), seguida de adenomiose (8,3%) e sangramento uterino anormal (7,5%). Quanto à antibioticoprofilaxia sistêmica, 94% dos Serviços utilizaram cefalosporina de primeira geração. Não houve diferença estatisticamente significante entre o emprego do fio de sutura no fechamento da cúpula vaginal (catgut® simples, catgut® cromado ou Vicryl®) e a formação de granuloma neste local. A principal complicação foi o granuloma de cúpula vaginal (p=0,002). CONCLUSÕES: as vias operatórias, as indicações, a antibioticoprofilaxia, os fios utilizados para a sutura da cúpula vaginal e as complicações das histerectomias foram similares nas diversas regiões do país e estão em consonância com a literatura mundial.

Histerectomia; Hospital de ensino; Doenças dos genitais femininos; Procedimentos cirúrgicos em ginecologia


PURPOSE: to evaluate the teaching and the practice of hysterectomy in the Brazilian regions and to compare them with data of international literature. METHODS: questionnaires about nine issues on benign hysterectomy indications, surgical procedures, use of antibiotic prophylaxis, suture of the vaginal vault and complications were sent to the 132 Gynecological and Obstetrics Residency Services of Brazil, registered by the Ministry of the Education and Culture in 2003. Data were computed and statically analyzed, with the use of the Friedman's, Kruskal-Wallis's and chi2 tests, according to the characteristics of the variables. RESULTS: 48.5% of the questionnaires were answered or justified when there were no answers, mainly in the Southeastern region (62%). The main surgical hysterectomy procedure was the abdominal, varying from 60 to 100% (p<0.001), followed by the vaginal (10 to 40%) and the laparoscopy (6%). In 94% of the cases, laparoscopy was not employed. The main indication for hysterectomy was myomatosis (60.4%; p<0.001), followed by adenomiosis (8.3%) and abnormal uterine bleeding (7.5%). First generation cephalosporin was used for antibiotic prophylaxis in 94% of the cases. There was no significant statistical difference among the threads (simple Catgut®, chrome Catgut® or Vicryl®) used for the suture of the vaginal vault and the development of granuloma in this region, which was the main complication of the procedure (p=0,002). CONCLUSIONS: the surgical procedures, the hysterectomy indications, the threads used to suture the vaginal vault and the complications were similar in the different regions of Brazil and they agreed with the evidence reported in the international literature.

Hysterectomy; Hospital, teaching; Genital diseases, female; Gynecologic surgical procedures


ARTIGOS ORIGINAIS

Histerectomia e as doenças ginecológicas benignas: o que está sendo praticado na Residência Médica no Brasil?

Hysterectomy and benign gynecological diseases: what has been performed in Medical Residency in Brazil?

Helena Lúcia Zydan SóriaI; Djalma José FagundesII; Sérgio Sória-VieiraIII; Namir CavalliIV; Cássia Regina Cruz dos SantosV

IProfessora Auxiliar; Coordenadora do Programa de Residência Médica de Ginecologia e Obstetrícia do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – Cascavel (PR), Brasil

IIProfessor Adjunto da Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

IIIProfessor Auxiliar da Faculdade de Nutrição da Universidade Paranaense – UNIPAR – Toledo (PR), Brasil

IVProfessor Auxiliar; Chefe do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – Cascavel (PR), Brasil

VProfessora Auxiliar da Faculdade de Enfermagem da Universidade Paranaense – UNIPAR – Toledo (PR), Brasil

Correspondência Correspondência: Helena Lúcia Zydan Sória Rua Rio Grande do Sul, 769, apto. 1402 CEP 85801-010 – Cascavel/PR Fone: (45) 3224-1711 E-mail: hsoria@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: avaliar o ensino e a prática da histerectomia no Brasil nas diferentes regiões do país e compará-las com dados da literatura mundial.

MÉTODOS: foram enviados questionários aos 132 Serviços de Residência Médica de Ginecologia e Obstetrícia do Brasil cadastrados pelo Ministério da Educação e Cultura em 2003. O mesmo continha nove questões sobre indicações em casos de doenças benignas, procedimentos operatórios, uso de antibioticoprofilaxia, fios para sutura da cúpula vaginal e complicações. Para a análise dos resultados, foram aplicados os testes de Friedman, Kruskal-Wallis e c2, conforme a natureza das variáveis.

RESULTADOS: nos 48,5% de questionários respondidos ou justificados (não-respostas), houve predomínio da região Sudeste (62%). A via operatória preferencial foi a abdominal, variando de 60 a 100% em média (p<0,001), seguida da via vaginal (10-40%) e da vídeo-assistida (6%). Em 94% dos Serviços, a via vídeo-assistida foi referida como não-empregada. A principal indicação de histerectomia foi a miomatose (60,4%; p<0,001), seguida de adenomiose (8,3%) e sangramento uterino anormal (7,5%). Quanto à antibioticoprofilaxia sistêmica, 94% dos Serviços utilizaram cefalosporina de primeira geração. Não houve diferença estatisticamente significante entre o emprego do fio de sutura no fechamento da cúpula vaginal (catgut® simples, catgut® cromado ou VicrylÒ) e a formação de granuloma neste local. A principal complicação foi o granuloma de cúpula vaginal (p=0,002).

CONCLUSÕES: as vias operatórias, as indicações, a antibioticoprofilaxia, os fios utilizados para a sutura da cúpula vaginal e as complicações das histerectomias foram similares nas diversas regiões do país e estão em consonância com a literatura mundial.

Palavras-chaves: Histerectomia/epidemiologia; Hospital de ensino; Doenças dos genitais femininos; Procedimentos cirúrgicos em ginecologia

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the teaching and the practice of hysterectomy in the Brazilian regions and to compare them with data of international literature.

METHODS: questionnaires about nine issues on benign hysterectomy indications, surgical procedures, use of antibiotic prophylaxis, suture of the vaginal vault and complications were sent to the 132 Gynecological and Obstetrics Residency Services of Brazil, registered by the Ministry of the Education and Culture in 2003. Data were computed and statically analyzed, with the use of the Friedman's, Kruskal-Wallis's and c2 tests, according to the characteristics of the variables.

RESULTS: 48.5% of the questionnaires were answered or justified when there were no answers, mainly in the Southeastern region (62%). The main surgical hysterectomy procedure was the abdominal, varying from 60 to 100% (p<0.001), followed by the vaginal (10 to 40%) and the laparoscopy (6%). In 94% of the cases, laparoscopy was not employed. The main indication for hysterectomy was myomatosis (60.4%; p<0.001), followed by adenomiosis (8.3%) and abnormal uterine bleeding (7.5%). First generation cephalosporin was used for antibiotic prophylaxis in 94% of the cases. There was no significant statistical difference among the threads (simple Catgut®, chrome Catgut® or VicrylÒ) used for the suture of the vaginal vault and the development of granuloma in this region, which was the main complication of the procedure (p=0,002).

CONCLUSIONS: the surgical procedures, the hysterectomy indications, the threads used to suture the vaginal vault and the complications were similar in the different regions of Brazil and they agreed with the evidence reported in the international literature.

Keywords: Hysterectomy/epidemiology; Hospital, teaching; Genital diseases, female; Gynecologic surgical procedures

Introdução

A histerectomia é um procedimento operatório freqüente, avaliando-se que entre 20-30% das mulheres serão submetidas a esta operação até a sexta década de vida1,2. A freqüência desta operação varia conforme o país, sendo muito mais alta nos Estados Unidos e na Austrália, quando comparados à Europa. Nos Estados Unidos, realizam-se cerca de 600.000 histerectomias por ano1; na Austrália3, a proporção é de 1:1000 mulheres/ano e, no Reino Unido, são realizadas 100.000 histerectomias/ano4. No Brasil, foram realizadas cerca de 107.000 histerectomias pelo Sistema Único de Saúde5 (SUS) em 2005.

Existem condições absolutas e relativas para a indicação da histerectomia. As vantagens e desvantagens devem ser avaliadas quanto à escolha da histerectomia e de outros tratamentos alternativos e, principalmente, considerar a perspectiva da paciente sobre o tratamento proposto6.

A escolha da via de acesso varia conforme a doença, o volume uterino, as comorbidades e a experiência da equipe cirúrgica1,2,7. Os procedimentos técnicos da histerectomia vêm evoluindo com o passar do tempo e há praticamente consenso nos tempos operatórios principais. Contudo, há três abordagens possíveis para a execução da histerectomia no tratamento de doenças benignas: a via abdominal, a via vaginal e a via laparoscópica8. Recentemente, a histerectomia vaginal assistida por laparoscopia (HVAL) foi proposta como alternativa às vias abdominal e vaginal9.

Observa-se que a literatura internacional sobre o tema é vasta e muitos aspectos desta operação foram analisados em diversos países. Contudo, os trabalhos brasileiros relativos à histerectomia são em pequeno número e analisam alguns Serviços isoladamente. Desconhece-se, portanto, a realidade da prática desta operação no Brasil.

Partiu-se da hipótese que, dada a diversidade étnica e cultural das regiões brasileiras e a sua extensão geográfica, haveria diferenças regionais quanto à prática da histerectomia. Também aventou-se a dúvida a respeito do emprego da técnica vídeo-assistida para a realização de histerectomias no país, o que sinalizaria para a modernidade e para os avanços em técnica operatória. Considerando o exposto, pareceu pertinente realizar um levantamento da situação nacional do ensino em cirurgia por meio dos Serviços de Residência Médica de Ginecologia e Obstetrícia do Brasil, pressupondo-se que estes Serviços representem o que se preconiza como modelo de excelência para o tema em foco.

Este trabalho pretende analisar aspectos relacionados às indicações, à via de acesso, ao emprego de antibioticoprofilaxia, à escolha do fio de sutura da cúpula vaginal e às complicações pós-operatórias das histerectomias realizadas pelos Serviços de Residência Médica de Ginecologia e Obstetrícia do Brasil no ano de 2003, comparando-se as regiões do país e correlacionando os dados com a literatura mundial sobre o tema.

Métodos

O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) sob o número 1.169/04. Trata-se de um estudo transversal.

O universo da pesquisa foi representado pelos 132 Serviços de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia do Brasil, credenciados e identificados pelo Ministério de Educação e Cultura – Secretaria de Ensino Superior em 2003.

Durante os nove primeiros meses de 2004, todos os Serviços foram contatados até cinco vezes, com intervalo de cerca de dois meses, por correio eletrônico e postal, enviando-se uma carta de apresentação com as explanações sobre o inquérito, um questionário com os dados de identificação do Serviço e as questões pertinentes aos objetivos da pesquisa e uma justificativa para o eventual caso de não-preenchimento. Solicitou-se que o questionário fosse respondido pelo professor responsável pelo Serviço. O questionário semifechado foi previamente testado com dez ginecologistas.

As nove questões formuladas procuraram quantificar as informações a partir de números estimados e baseados nos dados acumulados do ano de 2003 bem como avaliar os seguintes tópicos: o número total estimado de operações ginecológicas realizadas pelo Serviço; a porcentagem estimada de utilização da via de acesso nas operações ginecológicas; as principais indicações de histerectomia (miomatose, adenomiose, endometriose, sangramento uterino anormal e outras); a porcentagem estimada de utilização da via de acesso nas histerectomias (abdominal, vaginal e vaginal assistida por vídeo); o fio de sutura habitualmente utilizado no fechamento da cúpula vaginal nas histerectomias (catgut simples, catgut cromado, Vicryl® e outros); em que porcentagem das histerectomias foi realizada antibioticoprofilaxia; o esquema terapêutico preconizado na antibioticoprofilaxia sistêmica nas histerectomias; o esquema terapêutico preconizado na antibioticoprofilaxia tópica nas histerectomias; a porcentagem média de complicações pós-operatórias nas histerectomias.

Foram analisados somente os dados referentes às indicações de histerectomia, às vias de acesso operatórias, à antibioticoprofilaxia empregada e às complicações da histerectomia.

Na tabulação dos dados, foi utilizado o programa estatístico Epi-Info (Epi-Info™, versão 3.3.2, fevereiro de 2005). Os dados digitados foram, então, submetidos à análise estatística.

De acordo com a natureza das variáveis, foram aplicados o teste de Friedman, para comparar as respostas dadas pelos Serviços às diferentes categorias correspondentes de uma mesma questão, e o teste de Kruskal-Wallis para os grupos de Serviços agrupados por região brasileira, que foram comparados quanto às variáveis quantitativas (variáveis do tipo porcentagem). As variáveis quantitativas foram avaliadas pelo teste do c2.

Adotou-se o nível de significância de 0,05 (a=5%) e níveis descritivos (p) inferiores a esse valor foram considerados estatisticamente significantes.

Resultados

De um universo composto de 132 (100%) Serviços de Residência Médica de Ginecologia e Obstetrícia do Brasil à época do levantamento, obtiveram-se 50 (37,9%) questionários adequadamente preenchidos e 14 (10,6%) justificativas de não-preenchimento, representando uma amostra de 64 (48,5%) do total de Serviços existentes.

Para fins de análise estatística, os 14 participantes que justificaram não ter condições de responder ao questionário foram excluídos da amostra. Em respeito aos preceitos éticos e ao eventual conflito de interesse, a identificação de todos os Serviços foi mantida em sigilo.

O número de Serviços participantes foi: oito da região Sul (34,7%), 31 da região Sudeste (43,6%), cinco da região Centro-oeste (33,3%), um da região Norte (25%) e cinco da região Nordeste (29,4%). As porcentagens de representatividade das regiões foram de (n=50): 16% da região Sul, 62% da região Sudeste, 10% da região Centro-oeste, 2% da região Norte e 10% da região Nordeste (Figura 1). Como a porcentagem de resposta dos Serviços das regiões Centro-oeste, Norte e Nordeste foi restrita, optou-se por analisá-las em conjunto.


Quanto ao número total de operações realizadas pelos Serviços, observou-se que a Região Sudeste foi a que maior número obteve, com predomínio do intervalo situado entre 500 e 1000 operações. A via abdominal foi a predominante, seguida das vias vaginal e laparoscópica nas operações ginecológicas em geral.

Avaliando-se o percentual estimado em que determinada via para a execução da histerectomia foi utilizada em cada Serviço, observou-se que 49 Serviços utilizaram a via abdominal entre 60-100% das vezes e 18 Serviços a utilizaram em 90% das vezes (Figura 2). Quarenta e sete Serviços (94%) utilizaram a via vaginal entre 10-40% das vezes. Já a via vídeo-assistida foi utilizada somente em 6% dos Serviços.


Na comparação entre as via utilizadas, foi encontrada diferença significante (p<0,001, pelo teste de Kruskal-Wallis), detectando-se que as porcentagens de utilização da via abdominal (79%) são maiores do que as da vaginal (20,4%) que, por sua vez, são maiores do que as da via HVAL (6%).

Comparando-se as respostas dadas para as indicações de histerectomia, foi encontrada diferença significante entre elas (p<0,001, pelo teste de Friedman), nas quais as porcentagens de indicação para miomatose (60,4%) foram mais elevadas do que as das demais indicações, que não se diferenciaram de forma significante (Figura 3).


Observou-se que, nas histerectomias abdominais, 92% dos Serviços utilizaram a antibioticoprofilaxia sistêmica (intravenosa) em 100% das operações. Nas histerectomias vaginais, 86% dos Serviços a utilizaram em 100% dos casos (Figura 4).


A escolha do antibiótico apresentou um mesmo padrão de distribuição, não tendo sido encontrada diferença significante entre os grupos divididos segundo a região brasileira e a escolha do fármaco (cefalotina, cefazolina ou outro).

Na avaliação do esquema terapêutico na antibioticoprofilaxia tópica, foi encontrada diferença estatisticamente significante entre as freqüências (p<0,001, pelo teste de Kruskal-Wallis), com predomínio de escolha da não-utilização (96%) em relação à utilização (4%).

Quanto ao fio de sutura empregado na cúpula vaginal, não houve diferenças estatisticamente significantes entre o emprego do catgut® simples (26%), catgut® cromado (36%) e Vicryl® (38%).

Analisando as complicações pós-operatórias das histerectomias, observou-se que a maioria dos Serviços apresentou baixos índices (0 a 3%). Dentre elas, observou-se diferença estatisticamente significante (p=0,002, pelo teste de Kruskal-Wallis) entre o granuloma e as demais complicações (Figura 5).


A correlação entre o fio de sutura utilizado na cúpula vaginal e a ocorrência de granuloma não mostrou-se estatisticamente significante (p=0,935).

Discussão

Nossos resultados mostraram que a aderência à pesquisa por parte dos Serviços de Ginecologia e Obstetrícia foi inferior ao esperado, atingindo-se 48,5% de respostas, considerando-se que são instituições formais de ensino do país e que deveriam estar interessadas em participar de pesquisa nacional. A facilidade do contato via eletrônica e o concomitante contato por correio tradicional mostrou que as mensagens chegaram ao destinatário; porém, não foi possível identificar qual o real motivo de não-resposta de 51,5% dos Serviços. Talvez um outro tipo de abordagem menos impessoal ou que tenha peso de uma Instituição ligada diretamente aos Serviços, do ponto de vista administrativo, possa sanar esta deficiência.

Cerca de 10,6% dos Serviços não puderam responder, sendo na sua grande maioria por falta de estrutura administrativa de registro de dados ou falta de acesso adequado aos dados solicitados. A carência de infra-estrutura administrativa é um fator que deve ser considerado nestes casos. A representatividade maior da região Sudeste (43,6%) talvez reflita isto.

A avaliação estatística pôde qualificar a amostra como adequada para a validação do inquérito, apesar de ter ficado aquém da expectativa. Como saldo desta análise, fica o alerta para os Serviços pesquisados e para as autoridades de ensino no país sobre a precariedade de comunicação e armazenamento de dados, fato imprescindível para estabelecer políticas de saúde e direcionar rumos do ensino universitário.

No presente inquérito, especificamente quanto às vias empregadas para a realização de histerectomias, foi detectado o predomínio da via abdominal (79%), seguido das vias vaginal (20,4%) e videolaparoscópica (6%), não tendo sido constatadas diferenças estatisticamente significantes entre as regiões do país.

Um protocolo norte-americano foi elaborado pela Society of Pelvic Reconstructive Surgeons (SPRS) para determinar a escolha da via das histerectomias e tornou-se aceito por muitas sociedades daquele país. A justificativa para a realização do mesmo foi a evidência de que a histerectomia era um dos procedimentos operatórios que apresentava maior e mais diversificado número de indicações, quando comparado a outros procedimentos operatórios. Este protocolo incorpora o volume uterino, fatores de risco, mobilidade e acessibilidade do útero e anexos, dentre outros. Seu objetivo foi determinar o quanto os residentes de Ginecologia poderiam seguir estas indicações com sucesso numa população de mulheres com indicação para histerectomia. A análise concluiu que com o uso do protocolo num programa de residência médica em Ginecologia fez-se uma abordagem a partir de evidência necessária à seleção da via de acesso para a remoção do útero baseado numa doença documentada, o que evitaria discrepâncias no diagnóstico e tratamento da mesma. Realçou, contudo, que não se tratava de protocolo rígido, mas sim de uma importante ferramenta para que o profissional pudesse fazer boas escolhas clínicas1. No Brasil, desconhecem-se protocolos deste tipo.

Muitas hipóteses vêm sendo propostas para responder à questão da predominância da histerectomia abdominal sobre as demais vias nas últimas décadas. Primeiramente, os programas de Residência Médica têm enfatizado a histerectomia abdominal e os cirurgiões tendem a confiar em procedimentos com os quais tenham maior experiência e um maior nível de satisfação na execução. Em segundo lugar, o estilo de trabalho, os hábitos e preferências dos médicos costumam ditar a via de histerectomia mais do que a consideração em relação à via mais apropriada para uma mulher em particular1,7. Em terceiro lugar, cirurgiões aceitam de fato as diretrizes de que a histerectomia abdominal é indicada quando doenças pélvicas mais graves são suspeitadas, sem que haja documentação da atual condição das mesmas1.

Dados do presente inquérito apontaram uma diminuta utilização da via vídeo-assistida nas histerectomias. Recente proposta relativa ao ensino desta via no Brasil foi lançada, classificando procedimentos em baixa, intermediária e alta complexidade. A histerectomia laparoscópica com ligadura das artérias uterinas e retirada do útero via vaginal foi considerada pertencente ao nível de alta complexidade, somente sendo ensinada após os residentes terem dominado a técnica de realização de procedimentos ginecológicos mais simples. Estratégias educacionais de pós-graduação lato sensu como esta foram consideradas necessárias para promover treinamento específico, aliando alta eficiência no aprendizado e otimizando o uso do tempo de treinamento com a razão custo/benefício10.

Os Serviços de Residência Médica de Ginecologia e Obstetrícia do Brasil executam o procedimento consagrado da histerectomia abdominal em sua grande maioria, indicando que operações clássicas ainda predominam em nosso país, o que não difere dos dados da literatura mundial1,2,7,8. Observou-se uma utilização menos freqüente, comparativamente à via abdominal, da histerectomia vaginal. Já a opção da HVAL aparece com uma freqüência extremamente baixa, o que até certo ponto surpreende, dados os avanços verificados na área e a disseminação das videocirurgias em todas as áreas da Medicina. Possivelmente, a dificuldade na aquisição e manutenção de equipamentos e a dispendiosa e demorada capacitação específica dos profissionais sejam as justificativas para este achado. A literatura mundial é concordante no sentido da menor utilização desta via, apontando que, talvez, a maior complexidade técnica deste procedimento seja o fator limitante mais expressivo8,9.

Dados da literatura apontam a miomatose como a principal indicação de histerectomia5,11,12 . Foi analisado o manejo dos miomas uterinos, considerando a opção da histerectomia como uma solução definitiva para os miomas sintomáticos, embora tivesse sido constatado que a maioria era assintomática. Muitas vezes, no entanto, o desejo das mulheres era de preservarem seus úteros. Nestas situações, outras opções foram apresentadas, tais como: miomectomia por qualquer via de acesso, miólise laparoscópica, oclusão das artérias uterinas, terapia estrogênica e histeroscopia ou dilatação e curetagem (nos casos de hemorragias agudas). Destacou-se não haver evidências que substanciassem a execução da histerectomia para miomas assintomáticos com o único propósito de aliviar a preocupação quanto à sua malignidade11. Foi considerada uma revolução o que ocorreu nas últimas décadas no tratamento dos miomas, utilizando-se também tratamentos medicamentosos, técnicas cirúrgicas avançadas e dispositivos intra-uterinos medicados com progesterona13,14.

Verificou-se que a indicação de histerectomia por miomatose é predominante em nosso meio, o que está em concordância com a literatura11,13. Não foram pesquisadas outras opções de tratamento para a miomatose uterina, aspecto com o qual a literatura mundial tem-se ocupado sobremaneira11,13. Já as indicações de histerectomia para tratamento de outras condições ginecológicas, quais sejam adenomiose, endometriose e sangramento uterino anormal, apareceram em pequena porcentagem, ou seja, em até 20% dos casos. Este achado sugere a escolha de outros tratamentos empregados nestas condições. Contudo, segundo recente estudo, as taxas de histerectomia por indicações benignas estão diminuindo12.

Revisão sistemática e meta-análise mostrou o emprego da antibioticoprofilaxia na histerectomia abdominal. Esta é considerada uma operação limpa, dentro da classificação tradicional das feridas (limpa, limpa-contaminada, contaminada e infectada), desde que seja eletiva, com duração máxima de duas horas e não haja inflamação aguda no campo operatório. Portanto, é tida como um procedimento de baixo risco para infecção pós-operatória quanto ao tempo operatório. O estudo forneceu evidências de que a antibioticoprofilaxia, iniciada dentro de uma hora antes da incisão, tinha eficácia de cerca de 50% no sentido de evitar infecção do sítio operatório na histerectomia abdominal eletiva15.

Dados do presente inquérito demonstraram que a antibioticoprofilaxia nas histerectomias foi largamente empregada sob a forma sistêmica e muito pouco utilizada sob a forma tópica intravaginal. Os antibióticos preferencialmente empregados foram as cefalosporinas de primeira geração (cefalotina e cefazolina).

A literatura pertinente concorda com a utilização desta categoria de antibiótico, não evidenciando, até o momento, vantagens na utilização de cefalosporinas de terceira geração15. Também aponta para a utilização da antibioticoprofilaxia sistêmica, sobretudo nas vias abdominal e vaginal, utilizando cefalosporinas de primeira geração2,15-18.

Analisando-se os fios utilizados para o fechamento da cúpula vaginal e sua possível correlação com a ocorrência de granuloma, constatou-se não ter sido estatisticamente significante. Os ginecologistas, em geral, preocupam-se com este tempo operatório e procuram selecionar o fio que julgam oferecer menor reação indesejável e melhor cicatrização da cúpula vaginal. Estudo analisando poliglactina (Vicryl®) mostrou 10% de incidência de granuloma de cúpula vaginal nas histerectomias abdominais19.

Portanto, nossa análise permitiu concluir que os Serviços de Ginecologia e Obstetrícia brasileiros participantes do inquérito executaram predominantemente o procedimento de histerectomia abdominal, cuja indicação principal foi a miomatose. A via vídeo-assistida esteve praticamente ausente nas histerectomias praticadas. No entanto, observa-se que muitos ginecologistas acabam buscando aperfeiçoamento nesta nova tecnologia após a Residência Médica, utilizando essa via em um maior número de casos10,20. A cefalosporina de primeira geração como antibioticoprofilaxia sistêmica foi a escolha na antibioticoprofilaxia. Os Serviços tiveram baixos índices de complicações pós-operatórias na maioria das vezes, representadas sobretudo pelo granuloma de cúpula vaginal, independentemente do fio utilizado.

As condutas preconizadas pelos Serviços de Residência Médica de Ginecologia e Obstetrícia do Brasil participantes do inquérito mostraram-se concordantes, não sendo detectadas disparidades nas diferentes regiões do país no que se refere à histerectomia, contrariamente ao que se supunha.

A literatura mundial pertinente está em consonância com os dados obtidos, podendo-se inferir que o Brasil, de um modo geral, está no mesmo patamar que os demais países no que se refere a este procedimento operatório ginecológico tão amplamente indicado.

A elaboração e aplicação de protocolos relativos à indicação, via de acesso operatório, antibioticoprofilaxia e fios, a exemplo do protocolo norte-americano1, poderia ser de grande valia para a padronização deste importante procedimento ginecológico. Isto facilitaria a coleta de dados, permitindo estudos estatísticos mais adequados, e daria diretrizes para uma política nacional de saúde fundamentada na realidade

Recebido: 15/09/2006

Aceito com modificações: 05/01/2007

Trabalho desenvolvido na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.

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  • Correspondência:

    Helena Lúcia Zydan Sória
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Recebido
      15 Set 2006
    • Aceito
      05 Jan 2007
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