Acessibilidade / Reportar erro

Variação do fluxo sanguíneo da artéria central da retina durante as diferentes fases do ciclo menstrual ovulatório

Central retinal artery blood flow variation during menstrual cycle

Resumos

OBJETIVO: avaliar a resistência vascular da artéria central da retina, por meio do fluxo Doppler, nas diferentes fases do ciclo menstrual ovulatório. MÉTODOS: estudo observacional, longitudinal e prospectivo com avaliação de 34 mulheres saudáveis, submetidas a estudo dopplerfluxométrico do fundo do olho para avaliação da resistência vascular da artéria central da retina nas posições sentada e deitada, durante quatro fases do ciclo menstrual: fase folicular inicial, fase folicular média, fase periovulatória e fase lútea média. A confirmação da ovulação no ciclo de estudo foi feita pela dosagem de progesterona sérica na fase lútea média. Foram avaliados os índices de pulsatilidade (IP) e de resistência, e as velocidades máxima, mínima e média. RESULTADOS: a idade média foi de 29,7 anos. Não foram observadas diferenças entre os índices obtidos para ambos os olhos; assim, utilizamos as médias dos índices para realizar o cálculo estatístico. Quando comparadas às posições de realização do exame, detectou-se um IP maior na posição sentada; assim, as análises foram avaliadas em separado, respeitando-se a posição da paciente. O IP da artéria central da retina, avaliado com a paciente deitada, variou durante o ciclo menstrual, apresentando-se significativamente mais baixo nas fases folicular média (1,5±0,3) e periovulatória (1,5±0,3) quando comparadas às fases folicular precoce (1,7±0,4) e lútea média (1,7±0,4). Quando a avaliação foi feita com a paciente sentada não foram observadas diferenças para as diferentes fases do ciclo. CONCLUSÕES: num ciclo menstrual ovulatório ocorre diminuição da resistência vascular na artéria central da retina e posterior reversão do efeito, como demonstrado pelas variações do IP.

Fluxometria por laser-doppler; Artéria retiniana; Ciclo menstrual; Resistência vascular; Estudos prospectivos


PURPOSE: to evaluate the vascular blood flow of the central retinal arteries using dopplervelocimetry in the different phases of the ovulatory menstrual cycle. METHODS: we performed an observational, longitudinal and prospective study evaluating 34 healthy and ovulatory women. All women were submitted to Doppler scan of the eye to evaluate the vascular resistance of the central retinal arteries, either lying down or on a seated position, during four phases of the menstrual cycle. Confirmation of ovulation was performed by measuring serum progesterone during the luteal phase. We analyzed the pulsatility and resistance index and the maximum, minimum and mean velocity. RESULTS: mean age was 29.7 years. No differences were observed between the indexes obtained in both eyes, therefore a mean index was used for comparisons. As the comparison between the positions used for the exams showed a higher PI for the seated position, the analyses were performed separately. The pulsatility index in the lying position was different among the different phases of the menstrual cycle. The arterial resistance was significantly lower during the intermediate follicular and the periovulatory phases, as compared to the early follicular and luteal phases. When the comparison was performed with the patient in the seated position, no differences were observed. CONCLUSIONS: Our results demonstrate a reduction in the vascular resistance of the cerebral microcirculation and a posterior reversal, as shown by changes in the PI.

Laser-doppler flowmetry; Retinal artery; Menstrual cycle; Vascular resistance; Prospective studies


ARTIGOS ORIGINAIS

Variação do fluxo sanguíneo da artéria central da retina durante as diferentes fases do ciclo menstrual ovulatório

Central retinal artery blood flow variation during menstrual cycle

Luiz Carlos VianaI; Michelle Amorim Costa BurmannII; Marcos SampaioIII; Selmo GeberIV

IPós-graduando em Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIMédica Assistente do Centro de Medicina Reprodutiva - ORIGEN – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIIDiretor Clínico do Centro de Medicina Reprodutiva – ORIGEN - Belo Horizonte (MG), Brasil

IVProfessor Adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

Correspondência Correspondência: Selmo Geber Avenida do Contorno, 7747 – Lourdes CEP 30110-120 – Belo Horizonte/MG E-mail: sjgeber@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a resistência vascular da artéria central da retina, por meio do fluxo Doppler, nas diferentes fases do ciclo menstrual ovulatório.

MÉTODOS: estudo observacional, longitudinal e prospectivo com avaliação de 34 mulheres saudáveis, submetidas a estudo dopplerfluxométrico do fundo do olho para avaliação da resistência vascular da artéria central da retina nas posições sentada e deitada, durante quatro fases do ciclo menstrual: fase folicular inicial, fase folicular média, fase periovulatória e fase lútea média. A confirmação da ovulação no ciclo de estudo foi feita pela dosagem de progesterona sérica na fase lútea média. Foram avaliados os índices de pulsatilidade (IP) e de resistência, e as velocidades máxima, mínima e média.

RESULTADOS: a idade média foi de 29,7 anos. Não foram observadas diferenças entre os índices obtidos para ambos os olhos; assim, utilizamos as médias dos índices para realizar o cálculo estatístico. Quando comparadas às posições de realização do exame, detectou-se um IP maior na posição sentada; assim, as análises foram avaliadas em separado, respeitando-se a posição da paciente. O IP da artéria central da retina, avaliado com a paciente deitada, variou durante o ciclo menstrual, apresentando-se significativamente mais baixo nas fases folicular média (1,5±0,3) e periovulatória (1,5±0,3) quando comparadas às fases folicular precoce (1,7±0,4) e lútea média (1,7±0,4). Quando a avaliação foi feita com a paciente sentada não foram observadas diferenças para as diferentes fases do ciclo.

CONCLUSÕES: num ciclo menstrual ovulatório ocorre diminuição da resistência vascular na artéria central da retina e posterior reversão do efeito, como demonstrado pelas variações do IP.

Palavras-chaves: Fluxometria por laser-doppler; Artéria retiniana/ultrasonografia; Ciclo menstrual; Resistência vascular; Estudos prospectivos

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the vascular blood flow of the central retinal arteries using dopplervelocimetry in the different phases of the ovulatory menstrual cycle.

METHODS: we performed an observational, longitudinal and prospective study evaluating 34 healthy and ovulatory women. All women were submitted to Doppler scan of the eye to evaluate the vascular resistance of the central retinal arteries, either lying down or on a seated position, during four phases of the menstrual cycle. Confirmation of ovulation was performed by measuring serum progesterone during the luteal phase. We analyzed the pulsatility and resistance index and the maximum, minimum and mean velocity.

RESULTS: mean age was 29.7 years. No differences were observed between the indexes obtained in both eyes, therefore a mean index was used for comparisons. As the comparison between the positions used for the exams showed a higher PI for the seated position, the analyses were performed separately. The pulsatility index in the lying position was different among the different phases of the menstrual cycle. The arterial resistance was significantly lower during the intermediate follicular and the periovulatory phases, as compared to the early follicular and luteal phases. When the comparison was performed with the patient in the seated position, no differences were observed.

CONCLUSIONS: Our results demonstrate a reduction in the vascular resistance of the cerebral microcirculation and a posterior reversal, as shown by changes in the PI.

Keywords: Laser-doppler flowmetry; Retinal artery/ultrasonography; Menstrual cycle; Vascular resistance; Prospective studies

INTRODUÇÃO

As concentrações dos esteróides ovarianos, principalmente estrogênio e progesterona, variam durante o ciclo menstrual normal1. Oscilações em seus níveis séricos são necessárias para que possam exercer diferentes efeitos sobre os diversos órgãos-alvo do aparelho reprodutor, durante o ciclo menstrual. Além desse controle específico, esses esteróides também atuam em outros sistemas, sendo um deles o cardiovascular, no qual agem como substâncias vasoativas2.

As mulheres na pré-menopausa têm menor risco de desenvolver doença cardiovascular que homens de mesma faixa etária3. Após o climatério, entretanto, com a perda da função ovariana, ocorre um aumento na incidência de doença cardiovascular e acidente vascular cerebral isquêmico, como demonstrado pelo Framingham Study3.

Estudos observacionais envolvendo mulheres na menopausa demonstraram que a utilização da terapia hormonal (TH) confere proteção cardiovascular às usuárias4. Em contrapartida, o estudo HERS5 concluiu que a TH não diminui a incidência de eventos cardiovasculares em mulheres com doença coronariana prévia. Recentemente, o estudo WHI6 foi interrompido por demonstrar que a TH (estrogênios eqüinos conjugados 0,625 mg+acetato de medroxiprogesterona 2,5 mg diários) determinou aumento na incidência de doença coronariana e acidente vascular cerebral em mulheres pós-menopausadas saudáveis, o que contradiz os resultados da maioria dos estudos observacionais com ênfase em cardioproteção primária.

A ação do estrogênio sobre o leito vascular leva à vasodilatação por eventos endotélio-dependentes, como estímulo à produção de óxido nítrico e prostaciclina, e diminuição da produção de endotelina 17,8, e de eventos endotélio-independentes que parecem mediados pelo cálcio9. As ações vasculares da progesterona são menos definidas pela literatura, sendo que parece agir antagonizando os efeitos dos estrogênios10.

A possibilidade de avaliação, in vivo, dos efeitos dos esteróides ovarianos e de hormônios sintéticos sobre o sistema cardiovascular surgiu a partir do desenvolvimento da dopplerfluxometria11. O aprimoramento da técnica permitiu o estudo da hemodinâmica vascular cerebral pela análise das artérias retrobulbares, já que foi demonstradasemelhança anatômica e funcional das artérias oftálmica e central da retina com as artérias cerebrais de igual diâmetro11,12.

O interesse relativo à hemodinâmica cerebral baseia-se no fato de que alterações induzidas pelas variações hormonais durante menacme e menopausa abrem um grande leque para estudos visando demonstrar o verdadeiro papel do estrogênio e da progesterona na fisiologia do sistema nervoso central, o que poderá ser de grande valia no esclarecimento da origem e no tratamento de certas doenças, como a de Alzheimer, enxaqueca e tensão pré-menstrual.

Ainda não está estabelecido, na literatura, se os esteróides ovarianos alteram a resistência vascular de artérias cerebrais de pequeno calibre durante o ciclo menstrual. O único trabalho conhecido, realizado com esse objetivo13, mostrou não haver mudanças significativas nos parâmetros dopplerfluxométricos nas diferentes fases do ciclo ovariano. Esse resultado, entretanto, contradiz vários estudos que avaliaram, de forma indireta, as ações sistêmicas do estrogênio e da progesterona7,8. Assim, o objetivo de nosso estudo foi identificar as variações do fluxo vascular na microcirculação cerebral durante o ciclo menstrual ovulatório. Com o objetivo de determinar, in vivo, as ações dos esteróides ovarianos sobre o leito vascular cerebral, tendo em vista as diferentes concentrações de estrogênio e progesterona durante o ciclo menstrual ovulatório, desenhamos o presente estudo para análise dos parâmetros dopplerfluxométricos da artéria central da retina.

Métodos

Foi realizado um estudo observacional, longitudinal e prospectivo, no qual foram avaliadas 34 mulheres voluntárias, em idade reprodutiva, em propedêutica para ovulação. Todas as participantes submeteram-se voluntariamente ao estudo, tendo lido e assinado um termo de consentimento prévio.

Foram incluídas no estudo somente mulheres que apresentavam ciclos regulares nos últimos seis meses (intervalo de 25 a 35 dias entre as menstruações) e menarca há, pelo menos, dois anos. Os critérios de exclusão foram: uso de medicamentos hormonais ou substâncias vasoativas nos últimos seis meses; tabagismo; presença de doenças hipertensivas e colagenoses; cirurgias orbitais prévias; história de disfunção ovulatória, hiperprolactinemia, diabetes, doenças vasculares, doenças oftalmológicas graves, tumores cerebrais.

Estudo dopplerfluxométrico

Os exames foram realizados pelo mesmo examinador, no mesmo horário (entre 10:00 e 11:00 horas) e utilizando o mesmo aparelho de ultra-sonografia (General Electric – Logiq 400 CL), a fim de evitar a variação interobservador e interensaio14 e possível viés gerado por mudanças no ciclo circadiano15. Foram avaliadas as artérias centrais da retina direita e esquerda de todas as participantes para que uma fosse utilizada como controle da outra. As voluntárias foram avaliadas sentadas em encosto dorsal com o tronco ereto (angulação de 90º) e, após, cinco minutos de repouso, deitadas em decúbito dorsal. Mantiveram os olhos fechados, evitando a movimentação do globo ocular. Uma fina camada de gel hidrossolúvel foi aplicada sobre a pálpebra superior, logo abaixo da sobrancelha, local onde a sonda foi posicionada. Foi utilizada sonda linear com freqüência de 7,0 mH com efeito de Doppler colorido, filtro 20, acoplado a um aparelho de ultra-sonografia.

Os vasos foram avaliados sob ângulo reto, sendo calculados automaticamente os valores dos índices de pulsatilidade (IP) e de resistência, e as velocidades máxima, mínima e média. Essas medidas foram realizadas três vezes em cada artéria, sendo utilizada a média dos valores obtidos para análise dos resultados. Para as comparações feitas no estudo, utilizamos apenas o IP, pois, na presença de diástole zero, o resultado não é inviabilizado.

As participantes foram avaliadas em quatro fases do ciclo menstrual: fase folicular inicial (dias 1, 2 ou 3), fase folicular média (dias 7, 8 ou 9), fase periovulatória (dias 13 ou 14) e fase lútea média (dias 21, 22 ou 23). A confirmação da ovulação foi feita pela dosagem de progesterona sérica na manhã do dia 21, 22 ou 23 do ciclo, no mesmo dia da realização do último exame dopplerfluxométrico. Foram considerados compatíveis com ovulação níveis superiores a 5.000 pg/mL. Todas as dosagens hormonais foram realizadas pelo mesmo kit de imunoensaio (Diagnostic Products Corporation, Los Angeles, CA).

Análise estatística

As comparações entre olho direito e esquerdo e entre posição sentada e deitada foram realizadas utilizando-se o teste t de Student para amostras pareadas (no mesmo indivíduo). A análise de variância foi realizada baseada em um planejamento de medidas repetidas, ou seja, avaliou-se cada indivíduo em vários momentos do acompanhamento. Quando a análise indicou uma influência significativa, utilizou-se o teste de comparações múltiplas de médias LSD (least significant difference) para avaliar este efeito. Assim, quando a diferença observada foi maior que o valor de LSD, concluiu-se que esta diferença era significativa. Todos os resultados foram considerados significativos ao nível de 5% (p<0,05), tendo, portanto, 95% de confiança de que os resultados estejam corretos.

Resultados

O tempo médio de duração do exame foi de cinco minutos para cada olho, e nenhuma paciente apresentou queixa de desconforto e dor ou reação local (hiperemia ou prurido) durante a realização do exame ou após. A idade das mulheres variou de 14 a 47 anos (média: 29,7±10,1 anos), não havendo diferenças significativas no IP em relação às diferentes faixas etárias.

Das 34 mulheres avaliadas, nove foram excluídas do estudo por não apresentarem níveis séricos de progesterona compatíveis com ovulação. Foram, portanto, analisados os resultados de um total de 25 participantes.

Comparamos inicialmente os dados obtidos em cada olho, em todos os períodos analisados e nas duas posições avaliadas. Quando o exame foi realizado na posição deitada, o IP medido na fase folicular precoce foi de 1,7±0,4 no olho direito e 1,7±0,4 no olho esquerdo (p=0,8); na fase folicular média foi de 1,5±0,3 no olho direito e1,6±0,3 no olho esquerdo (p=0,2); na fase periovulatória foi de 1,5±0,3 no olho direito e 1,5±0,3 no olho esquerdo (p=0,7); e, na fase lútea média, 1,7±0,4 no olho direito e 1,7±0,3 no olho esquerdo (p=0,9). Com as pacientes na posição sentada, o IP observado na fase folicular precoce foi de 2,0±0,5 no olho direito e 2,0±0,5 no olho esquerdo (p=0,6); na fase folicular média foi de 2,0±0,4 no olho direito e 2,0±0,5 no olho esquerdo (p=0,8); na fase periovulatoria foi de 2,0±0,4 no olho direito e 2,0±0,5 no olho esquerdo (p=0,2); e, na fase lútea média, 2,0±0,4 no olho direito e 2,1±0,4 no olho esquerdo (p=0,2). Como não foram observadas diferenças significativas entre os dados obtidos para ambos os olhos, utilizamos as médias dos índices para realizar o cálculo estatístico.

Quando comparadas às posições de realização do exame, detectou-se um IP significativamente maior na posição sentada em todos os períodos analisados (Tabela 1); assim, as análises foram avaliadas em separado, respeitando-se a posição da paciente.

A medida do IP da artéria central da retina, avaliada com a paciente deitada, variou durante o ciclo menstrual. Quando comparamos as quatro avaliações realizadas, observamos uma redução significativa (p=0,03) do IP na fase folicular média, quando comparada com a fase folicular inicial. O IP manteve-se semelhante no período periovulatório e, posteriormente, apresentou um aumento significativo na fase lútea média, tornando-se comparável ao observado na fase folicular inicial (Tabela 2).

A medida do IP da artéria central da retina, avaliada com a paciente sentada, apresentou discreta variação durante o ciclo menstrual. A comparação entre as quatro fases não demonstrou diferença significativa (Tabela 3).

Discussão

Nosso estudo demonstrou que a artéria central da retina apresentou fluxo sanguíneo variável de acordo com as diferentes fases do ciclo menstrual ovulatório. A artéria central da retina foi escolhida para este trabalho por ser o vaso cerebral de menor calibre e mais fácil acesso, permitindo estudo do efeito vascular dos hormônios esteróides no próprio leito arterial11,12.

As participantes do estudo foram voluntárias na pré-menopausa, com ciclos regulares nos últimos seis meses, menarca há pelo menos dois anos e com a ovulação confirmada. Não foram incluídas mulheres em uso de medicação hormonal e de substâncias vasoativas para que estas não alterassem os resultados, mascarando os efeitos dos esteróides ovarianos. Nosso estudo constou de quatro avaliações dopplerfluxométricas do IP da artéria central da retina, com objetivo de estudar os possíveis e distintos efeitos dos diferentes hormônios predominantes em cada fase do ciclo menstrual sobre a microcirculação cerebral.

Nossos resultados são concordantes com a literatura, na qual a maioria dos autores que estudou a resposta vascular à elevação dos níveis de estrogênio detectou uma vasodilatação, independente do vaso estudado. Autores que avaliaram a artéria ovariana de nove mulheres em idade reprodutiva observaram que o IP na fase folicular tardia foi significativamente menor que o observado na fase folicular precoce, mantendo-se em queda na fase lútea precoce, quando atingiu seus níveis mais baixos, reiniciando sua ascensão na fase lútea tardia16. Estudos que avaliaram as artérias uterinas de seis mulheres com falência ovariana precoce, após administração de estrogênios de forma crescente, observaram uma queda acentuada na resistência vascular no período de dose máxima de estrogênio17. Resultado semelhante foi observado para a mesma artéria em outro estudo com 12 mulheres na pós-menopausa, antes e após a administração do estrogênio transdérmico isoladamente, com uma diminuição na resistência vascular durante o uso de estrogênio18. O efeito do estrogênio no tônus arterial da carótida interna foi avaliado em 12 mulheres na pós-menopausa e os autores observaram que o IP diminuiu significativamente após o uso do estrogênio19. Resultados semelhantes foram descritos após avaliação dos mesmos vasos sanguíneos de 14 mulheres em idade reprodutiva, com os autores identificando uma queda significativa na resistência vascular com o aumento dos níveis de estrogênio20. Avaliação realizada na artéria cerebral média direita de 20 mulheres jovens na fase menstrual e ovulatória demonstrou que a vasoatividade arterial foi superior na fase ovulatória21. Quando a artéria central da retina de dez mulheres histerectomizadas na pós-menopausa foi avaliada, uma diminuição da resistência vascular após o uso do estrogênio foi observada12. Apenas um pequeno número de estudos não observou interferência dos níveis de estrogênio na resistência vascular na artéria central da retina em 16 mulheres na menopausa que usaram estrogênios exógenos22.

A avaliação realizada na fase lútea média teve como objetivo observar os efeitos de altas concentrações de progesterona associadas às de estrogênio na resistência vascular. O resultado observado foi estatisticamente superior ao observado nas duas fases anteriores e equivalente ao verificado na fase folicular inicial. Este retorno aos níveis observados na primeira fase sugere importante papel da progesterona na elevação da resistência vascular da artéria central da retina, antagonizando o efeito do estrogênio. Estes resultados também são concordantes com o observado na literatura para outros vasos sanguíneos. A artéria braqueal de mulheres pós-menopausadas em uso de estrogênio apresentou resposta vasoconstritora, após uso de acetato de medroxiprogesterona23. O mesmo foi observado em estudo duplo cego, placebo controlado e cruzado, para comparar o efeito da progesterona isoladamente no fluxo sanguíneo do antebraço, com uma redução aguda do fluxo sanguíneo por meio de um aumento na resistência vascular24. Os estudos realizados nas artérias uterinas e ovarianas sugerem uma adaptação hemodinâmica regional desses vasos16,25.

A nosso ver, este é o primeiro estudo a demonstrar uma variação significativa do IP da artéria central da retina durante o ciclo menstrual ovulatório. Estudo anterior realizado em 2002, avaliando 23 mulheres durante o ciclo menstrual, não detectou alterações no IP desse vaso nas diferentes fases do ciclo. As diferenças observadas podem ser decorrentes da posição em que foi realizado o exame, não relatado no estudo anterior13.

Realizamos os exames com as pacientes nas duas posições a fim de afastar os possíveis efeitos decorrentes da mudança de pressão arterial que poderia interferir nos resultados, uma vez que foi relatado26 um aumento de pressão que ocorre na posição sentada. Nosso estudo encontrou uma elevação significativa no IP com as mulheres em posição sentada, embora não tenha detectado diferenças significativas entre os IP das diferentes fases do ciclo menstrual. Em contrapartida ao nosso achado, outros autores não observaram diferenças quando compararam o índice de resistência da artéria central da retina e oftálmica, nas posições sentada e deitada, de 20 pacientes, e atribuíram este fato a um mecanismo de auto-regulação27. Posteriormente, o mesmo grupo repetiu os achados, com um maior número de pacientes (30). Em ambos os estudos, entretanto, os autores não avaliaram o IP28.

Nossos resultados sugerem uma ação vasodilatadora do estrogênio antagonizada pela progesterona, na artéria central da retina, durante o ciclo menstrual ovulatório. Acreditamos que os resultados aqui apresentados poderão servir de parâmetro para novos estudos da dinâmica vascular nos vasos cerebrais, uma vez que um modelo fisiológico representa a comparação ideal para todos os ensaios clínicos.

Recebido: 23/10/2006

Aceito com modificações:26/02/2007

Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil e Centro de Medicina Reprodutiva – ORIGEN - Belo Horizonte (MG), Brasil.

  • 1. Toker E, Yenice O, Akpinar I, Aribal E, Kazokoglu H. The influence of sex hormones on ocular blood flow in women. Acta Ophthalmol Scand. 2003; 81(6):617-24.
  • 2. Lieberman EH, Gerhard MD, Uehata A, Walsh BW, Selwyn AP, Ganz P, et al. Estrogen improves endothelium-dependent, flow-mediated vasodilation in postmenopausal women. Ann Intern Med. 1994; 121(12):936-41.
  • 3. Gordon T, Kannel WB, Hjortland MC, McNamara PM. Menopause and coronary heart disease: the Framingham Study. Ann Intern Med. 1978; 89(2):157-61.
  • 4. Persico N, Mancini F, Artini PG, Regnani G, Volpe A, de Aloysio D, et al. Transdermal hormone replacement therapy and Doppler findings in normal and overweight postmenopausal patients. Gynecol Endocrinol. 2004; 19(5):274-81.
  • 5. Hulley S, Grady D, Bush T, Furberg C, Herrington D, Riggs B, et al. Randomized trial of estrogen plus progestin for secondary prevention of coronary heart disease in postmenopausal women. Heart and Estrogen/progestin Replacement Study (HERS) Research Group. JAMA. 1998; 280(7):605-13.
  • 6. Rossouw JE, Anderson GL, Prentice RL, LaCroix AZ, Kooperberg C, Stefanick ML, et al. Risks and benefits of estrogen plus progestin in healthy postmenopausal women: principal results from the Women's Health Initiative randomized controlled trial. JAMA. 2002; 288(3):321-33.
  • 7. Mikkola T, Viinikka L, Ylikorkala O. Estrogen and postmenopausal estrogen/progestin therapy: effect on endothelium--dependent prostacyclin, nitric oxide and endothelin-1 production. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 1998; 79(1):75-82.
  • 8. Ylikorkala O, Cacciatore B, Paakkari I, Tikkanen MJ, Viinikka L, Toivonen J. The long-term effects of oral and transdermal postmenopausal hormone replacement therapy on nitric oxide, endothelin-1, prostacyclin and thromboxane. Fertil Steril. 1998; 69(5):883-8.
  • 9. Chester AH, Jiang C, Borlano JA, Yacoub MH, Colllins P. Oestrogen relaxes human epicardial arteries through non-endothelium--dependent mechanisms. Coron Artery Dis. 1995; 6(5):417-22.
  • 10. Kirkland JL, Murthy L, Stancel GM. Progesterone inhibits the estrogen-induced expression of c-fos messenger ribonucleic acid in the uterus. Endocrinology. 1992; 130(6):3223-30.
  • 11. Baxter GM, Williamson TH. Color Doppler imaging of the eye: normal ranges, reproducibility, and observer variation. J Ultrasound Med. 1995; 14(2):91-6.
  • 12. Belfort MA, Saade GR, Snabes M, Dunn R, Moise KJ Jr, Cruz A, et al. Hormonal status affects the reactivity of the cerebral vasculature. Am J Obstet Gynecol. 1995; 172(4 Pt 1):1273-8.
  • 13. Karadeniz MY, Yucel A, Altan Kara S, Noyan V, Altinok D, Ergin A, et al. Change in retrobulbar circulation during menstrual cycle assessed by Doppler ultrasound. Ultrasound Med Biol. 2002; 28(1):33-7.
  • 14. Mikkonen RH, Kreula JM, Virkkunen PJ. Reliability of doppler ultrasound in follow-up studies. Acta Radiol. 1998; 39(2):193-9.
  • 15. Zaidi J, Jurkovic D, Campbell S, Okokon E, Tan SL. Circadian variation in uterine artery blood flow indices during the follicular phase of the menstrual cycle. Ultrasound Obstet Gynecol. 1995; 5(6):406-10.
  • 16. Hata K, Hata T, Senoh D, Makihara K, Aoki S, Takamiya O, et al. Change in ovarian arterial compliance during the human menstrual cycle assessed by Doppler ultrasound. Br J Obstet Gynaecol. 1990; 97(2):163-6.
  • 17. de Ziegler D, Bessis R, Frydman R. Vascular resistance of uterine arteries: physiological effects of estradiol and progesterone. Fertil Steril. 1991; 55(4):775-9.
  • 18. Hillard TC, Bourne TH, Whitehead MI, Crayford TB, Collins WP, Campbell S. Differential effects of transdermal estradiol and sequential progestogens on impedance to flow within the uterine arteries of postmenopausal women. Fertil Steril. 1992; 58(5):959-63.
  • 19. Gangar KF, Vyas S, Whitehead M, Crook D, Meire H, Campbell S. Pulsatility index in internal carotid artery in relation to transdermal oestradiol and time since menopause. Lancet. 1991; 338(8771):839-42.
  • 20. Krejza J, Mariak Z, Huba M, Wolczynski S, Lewko J. Effect of endogenous estrogen on blood flow through carotid arteries. Stroke. 2001; 32(2):30-6.
  • 21. Diomedi M, Cupini LM, Rizzato B, Ferrante F, Giacomini P, Silvestrini M. Influence of physiologic oscillation of estrogens on cerebral hemodynamics. J Neurol Sci. 2001; 185(1):49-53.
  • 22. Harris-Yitzhak M, Harris A, Ben-Refael Z, Zarfati D, Garzozi HJ, Martin BJ. Estrogen-replacement therapy: effects on retrobulbar hemodynamics. Am J Ophthalmol. 2000; 129(5)623-8.
  • 23. Sullivan JM, Shala BA, Miller LA, Lerner JL, McBrayer JD. Progestin enhances vasoconstrictor responses in postmenopausal women receiving estrogen replacement therapy. Menopause. 1995; 2(4):193-9.
  • 24. Mercuro G, Pitzalis L, Podda A, Zoncu S, Pilia I, Melis GB, et al. Effects of acute administration of natural progesterone on peripheral vascular responsiveness in healthy postmenopausal women. Am J Cardiol. 1999; 84(2):214-8.
  • 25. Ziegler WF, Bernstein I, Badger G, Leavitt T, Cerrero ML. Regional hemodynamic adaptation during the menstrual cycle. Obstet Gynecol. 1999; 94(5 Pt 1):695-9.
  • 26. Canning CR, Restori M. Doppler ultrasound studies of the ophthalmic artery. Eye. 1988; 2(Pt 1):92-5.
  • 27. Baxter GM, Williamson TH, McKillop G, Dutton GN. Color Doppler ultrasound of orbital and optic nerve blood flow: effects of posture and timolol 0.5%. Invest Ophthalmol Vis Sci. 1992; 33(3):604-10.
  • 28. Williamson TH, Baxter GM, Dutton GN. Colour Doppler velocimetry of the arterial vasculature of the optic nerve head and orbit. Eye. 1993; 7(Pt 1):74-9.
  • Correspondência:
    Selmo Geber
    Avenida do Contorno, 7747 – Lourdes
    CEP 30110-120 – Belo Horizonte/MG
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Recebido
      23 Out 2006
    • Aceito
      26 Fev 2007
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br