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Prevalência de sintomas do climatério em mulheres dos meios rural e urbano no Rio Grande do Norte, Brasil

Prevalence of climacteric symptoms in women living in rural and urban areas of Rio Grande do Norte, Brazil

Resumos

OBJETIVO: avaliar a sintomatologia climatérica e fatores relacionados entre mulheres dos meios urbano e rural do Rio Grande do Norte. MÉTODOS: estudo transversal, descritivo, envolvendo casuística de 261 mulheres climatéricas residentes em Natal e Mossoró (grupo urbano; n=130) e Uruaçu, em São Gonçalo do Amarante (grupo rural; n=131). A sintomatologia climatérica foi avaliada pelo Índice Menopausal de Blatt-Kupperman (IMBK) e Escala Climatérica de Greene (ECG). A análise estatística constou de comparações das medianas dos escores entre os grupos e regressão logística. Definiram-se como "muito sintomáticas" as pacientes com escores >20, para ambos instrumentos (variável dependente). As variáveis independentes foram: idade, procedência, alfabetização, obesidade e prática de atividade física. RESULTADOS: o grupo urbano apresentou escores significativamente superiores ao grupo rural, tanto para o IMBK (medianas de 26,0 e 17,0, respectivamente; p<0,0001), quanto para a ECG (medianas de 27,0 e 16,0, respectivamente; p<0,0001). Na amostra total, evidenciou-se que 56,3% (n=147) das mulheres foram classificadas como "muito sintomáticas". Na comparação intergrupos, essa prevalência foi significativamente mais elevada nas mulheres urbanas em relação às rurais (79,2 e 33,6%, respectivamente; p<0,05). Pela análise de regressão logística, evidenciou-se que a chance de pertencer ao grupo definido como "muito sintomáticas" foi maior para mulheres do meio urbano [odds ratio ajustado (OR)=7,1; 95% intervalo de confiança a 95% (IC95%)=3,69-13,66] e alfabetizadas (OR=2,19; IC95%=1,16-4,13). A idade superior a 60 anos associou-se com menor chance de ocorrência de sintomas significativos (OR=0,38; IC95%=0,17-0,87). CONCLUSÕES: a prevalência de sintomas climatéricos significativos é menor em mulheres do meio rural, demonstrando que fatores socioculturais e ambientais estão fortemente relacionados ao surgimento dos sintomas climatéricos em nossa população.

Menopausa; Climatério; População urbana; População rural


PURPOSE: to evaluate climacteric symptoms and related factors in women living in rural and urban areas of Rio Grande do Norte, Brazil. METHODS: a cross-sectional study involving 261 women in the climacteric was performed. A total of 130 women from Natal and Mossoró (urban group) and 131 from Uruaçu, in São Gonçalo do Amarante (rural group), were studied. Climacteric symptoms were assessed by the Blatt-Kupperman Menopausal Index (BKMI) and Greene Climacteric Scale (GCE). Statistical analysis involved comparison of median between groups and logistic regression analysis. Patients were defined as "very symptomatic" when the climacteric score was >20 for both questionnaires (dependent variable). Independent variables were: age, living area, schooling, obesity and physical activity. RESULTS: the urban group had significantly higher scores than those of the rural group, both for BKMI (median of 26.0 and 17.0, respectively; p<0.0001) and for GCE (median of 27.0 and 16.0, respectively; p<0.0001). For the entire sample, a total of 56.3% (n=147) of the women were classified as "very symptomatic". This prevalence was significantly higher in urban than in rural women (79.2 and 33.6%, respectively; p<0.05). Logistic regression analysis showed that the likelihood of belonging to the group defined as "very symptomatic" was greater for urban women [adjusted odds ratio (OR)=7.1; confidence interval at 95% (95%CI)=3.69-13.66] who were literate (OR=2.19; 95%CI=1.16-4.13). Individuals over the age of 60 years had less chance of having significant symptoms (OR=0.38; 95%CI=0.17-0.87). CONCLUSIONS: the prevalence of significant climacteric symptoms is less in women from a rural environment, showing that sociocultural and environmental factors are strongly related to the appearance of climacteric symptoms in our population.

Menopause; Climacteric; Urban population; Rural population


ARTIGOS ORIGINAIS

Prevalência de sintomas do climatério em mulheres dos meios rural e urbano no Rio Grande do Norte, Brasil

Prevalence of climacteric symptoms in women living in rural and urban areas of Rio Grande do Norte, Brazil

Inavan Lopes da SilveiraI; Patrícia Arboés PetroniloII; Maxwell de Oliveira SouzaIII; Thiago Demétrio Nogueira Costa e SilvaIII; João Marcelo Brasil Pinheiro DuarteIII; Técia Maria de Oliveira MaranhãoIV; George Dantas de AzevedoV

IPós-graduando do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde (PPGCSA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN – Natal (RN), Brasil

IIMédica do Programa de Saúde da Família (PSF) em São Gonçalo do Amarante – Rio Grande do Norte (RN), Brasil

IIIAcadêmico, Bolsista de Iniciação Científica da Base de Pesquisa "Saúde da Mulher" da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN – Natal (RN), Brasil

IVProfessora do Departamento de Tocoginecologia e Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PPGCSA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil

VProfessor do Departamento de Morfologia e Orientador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde (PPGCSA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil

Correspondência Correspondência: George D. Azevedo Universidade Federal do Rio Grande do Norte Departamento de Morfologia do Centro de Biociências Campus Universitário BR 101, Lagoa Nova CEP 59078-970 – Natal/RN Fone: (84) 3215-3431 E-mail: georgedantas@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a sintomatologia climatérica e fatores relacionados entre mulheres dos meios urbano e rural do Rio Grande do Norte.

MÉTODOS: estudo transversal, descritivo, envolvendo casuística de 261 mulheres climatéricas residentes em Natal e Mossoró (grupo urbano; n=130) e Uruaçu, em São Gonçalo do Amarante (grupo rural; n=131). A sintomatologia climatérica foi avaliada pelo Índice Menopausal de Blatt-Kupperman (IMBK) e Escala Climatérica de Greene (ECG). A análise estatística constou de comparações das medianas dos escores entre os grupos e regressão logística. Definiram-se como "muito sintomáticas" as pacientes com escores >20, para ambos instrumentos (variável dependente). As variáveis independentes foram: idade, procedência, alfabetização, obesidade e prática de atividade física.

RESULTADOS: o grupo urbano apresentou escores significativamente superiores ao grupo rural, tanto para o IMBK (medianas de 26,0 e 17,0, respectivamente; p<0,0001), quanto para a ECG (medianas de 27,0 e 16,0, respectivamente; p<0,0001). Na amostra total, evidenciou-se que 56,3% (n=147) das mulheres foram classificadas como "muito sintomáticas". Na comparação intergrupos, essa prevalência foi significativamente mais elevada nas mulheres urbanas em relação às rurais (79,2 e 33,6%, respectivamente; p<0,05). Pela análise de regressão logística, evidenciou-se que a chance de pertencer ao grupo definido como "muito sintomáticas" foi maior para mulheres do meio urbano [odds ratio ajustado (OR)=7,1; 95% intervalo de confiança a 95% (IC95%)=3,69-13,66] e alfabetizadas (OR=2,19; IC95%=1,16-4,13). A idade superior a 60 anos associou-se com menor chance de ocorrência de sintomas significativos (OR=0,38; IC95%=0,17-0,87).

CONCLUSÕES: a prevalência de sintomas climatéricos significativos é menor em mulheres do meio rural, demonstrando que fatores socioculturais e ambientais estão fortemente relacionados ao surgimento dos sintomas climatéricos em nossa população.

Palavras-chaves: Menopausa, Climatério/diagnóstico, População urbana, População rural.

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate climacteric symptoms and related factors in women living in rural and urban areas of Rio Grande do Norte, Brazil.

METHODS: a cross-sectional study involving 261 women in the climacteric was performed. A total of 130 women from Natal and Mossoró (urban group) and 131 from Uruaçu, in São Gonçalo do Amarante (rural group), were studied. Climacteric symptoms were assessed by the Blatt-Kupperman Menopausal Index (BKMI) and Greene Climacteric Scale (GCE). Statistical analysis involved comparison of median between groups and logistic regression analysis. Patients were defined as "very symptomatic" when the climacteric score was >20 for both questionnaires (dependent variable). Independent variables were: age, living area, schooling, obesity and physical activity.

RESULTS: the urban group had significantly higher scores than those of the rural group, both for BKMI (median of 26.0 and 17.0, respectively; p<0.0001) and for GCE (median of 27.0 and 16.0, respectively; p<0.0001). For the entire sample, a total of 56.3% (n=147) of the women were classified as "very symptomatic". This prevalence was significantly higher in urban than in rural women (79.2 and 33.6%, respectively; p<0.05). Logistic regression analysis showed that the likelihood of belonging to the group defined as "very symptomatic" was greater for urban women [adjusted odds ratio (OR)=7.1; confidence interval at 95% (95%CI)=3.69-13.66] who were literate (OR=2.19; 95%CI=1.16-4.13). Individuals over the age of 60 years had less chance of having significant symptoms (OR=0.38; 95%CI=0.17-0.87).

CONCLUSIONS: the prevalence of significant climacteric symptoms is less in women from a rural environment, showing that sociocultural and environmental factors are strongly related to the appearance of climacteric symptoms in our population.

Keywords: Menopause, Climacteric/diagnosis, Urban population, Rural population.

Introdução

O climatério pode ser definido como o período de transição entre as fases reprodutiva e não reprodutiva da vida da mulher. Caracteriza-se pelo esgotamento dos folículos ovarianos e pela queda progressiva dos níveis de estradiol, culminando com a interrupção definitiva dos ciclos menstruais (menopausa) e surgimento de sintomas característicos da síndrome climatérica1. Aproximadamente 60 a 80% das mulheres referem alguma sintomatologia desagradável durante o climatério, sendo comuns os sintomas vasomotores e genitais2,3. Dentre os últimos, os mais freqüentes são aqueles decorrentes da atrofia urogenital, como ressecamento vaginal, dispareunia e urgência miccional, com importante repercussão na esfera sexual e na qualidade de vida das mulheres4. Dificuldades cognitivas, instabilidade emocional e humor depressivo, por sua vez, têm sido igualmente relacionados ao climatério1,2.

Todavia, persistem controvérsias se os sintomas decorrem exclusivamente da carência estrogênica ou se fatores psicossociais são igualmente importantes na determinação da ocorrência da sintomatologia. Nas últimas décadas, a partir da observação de que grupos distintos de mulheres vivenciam essa fase de transição de forma diferenciada, muito se tem discutido sobre a influência dos aspectos demográficos, culturais e sociais na determinação da sintomatologia climatérica. Sob essa perspectiva, o climatério é considerado um fenômeno multifatorial, sofrendo interferência de fatores diversos, como sejam: genéticos, ambientais, hormonais e psicossociais. Possivelmente, fatores socioculturais e psicológicos atuam influenciando e modulando as respostas do organismo feminino às modificações hormonais características do climatério1-3. No Brasil, entretanto, são ainda poucos os estudos a abordar essa questão.

A despeito do reconhecimento da determinação multifatorial da síndrome do climatério, grande parte das informações disponíveis sobre a prevalência de sintomas climatéricos é derivada de estudos realizados em populações urbanas, principalmente de países desenvolvidos. Em algumas culturas, especialmente orientais e indígenas, os sintomas vasomotores apresentam baixa prevalência5-9, fato que vem atestar a influência de fatores culturais e nutricionais na determinação da ocorrência desses sintomas.

Nesse sentido, é pouco conhecido sobre a vivência do climatério em populações de mulheres rurais provenientes de países em desenvolvimento e sobre os possíveis fatores implicados na determinação da sintomatologia10. É provável que tais mulheres subestimem e até desconheçam a ocorrência de repercussões advindas do climatério, motivo pelo qual deixam de procurar assistência médica. Nesse sentido, o problema deve envolver uma dimensão prioritária do ponto de vista social e de saúde, ao considerar-se que grande parte dessas mulheres rurais desempenha papel fundamental na estrutura familiar, inclusive na força de trabalho de suas comunidades.

Diante do exposto, o propósito do presente estudo foi o de analisar a prevalência de sintomas climatéricos em grupos distintos de mulheres dos meios urbano e rural do nordeste brasileiro, comparando a vivência do climatério nesses diferentes grupos de mulheres, de forma a possibilitar melhor compreensão da influência do contexto sociocultural e fatores relacionados na determinação da síndrome climatérica em mulheres brasileiras.

Métodos

A pesquisa em questão utilizou um desenho transversal, no qual as informações foram levantadas por meio de pesquisa populacional, sendo a subamostra urbana proveniente dos municípios de Natal e Mossoró, enquanto que a subamostra rural foi selecionada da comunidade de Uruaçú, em São Gonçalo do Amarante, no Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. O estudo foi realizado respeitando as normas éticas estabelecidas na resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisa envolvendo seres humanos, e a casuística faz parte de estudo analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram entrevistadas 261 mulheres climatéricas, no período de fevereiro a dezembro de 2004, divididas em dois grupos: 131 mulheres residentes no meio rural (Grupo Rur) e 130 no meio urbano (Grupo Urb). As mulheres foram selecionadas a partir das unidades básicas de saúde dos referidos municípios, com base em mapeamentos realizados pelos agentes comunitários de saúde pertencentes ao Programa de Saúde da Família (PSF). Parte da amostra do Grupo Urb (30%) foi recrutada nos ambulatórios de Ginecologia e Climatério da Maternidade Escola Januário Cicco da UFRN. A seleção foi realizada a partir de informações sobre idade e condições de vida das mulheres residentes nas áreas consideradas.

O planejamento amostral foi realizado com base em dados prévios, relatando prevalência de 70% de sintomas vasomotores em mulheres brasileiras urbanas11, calculando-se uma provável diferença da ordem de 20% para o Grupo Rur, com alfa de 5% e poder estatístico de 80%. O tamanho amostral assim obtido foi de cem mulheres por grupo, acrescentando-se percentual de 30% para eventuais perdas.

Os critérios de inclusão comuns a ambos os grupos compreenderam: idade entre 45 e 70 anos, concordância em participar do estudo e capacidade cognitiva para responder ao questionário específico. Os critérios de exclusão compreenderam: dificuldade de deslocamento até os locais das reuniões da pesquisa, recusa em participar da entrevista após informação sobre os objetivos da pesquisa e incapacidade cognitiva ou auditiva para responder à entrevista.

Foi utilizado instrumento de entrevista semi-estruturada, com questões abertas e fechadas, aplicado por três dos autores (G.D.A., P.A.P. e I.L.S.), de forma individualizada. Tal ferramenta de pesquisa considerou aspectos gerais e sociodemográficos, hábitos de vida, alimentação, antecedentes ginecológicos e obstétricos, uso de terapia hormonal e doenças associadas. As variáveis obtidas a partir dessa investigação inicial corresponderam às variáveis independentes ou explicativas do estudo e incluíram: antecedente de histerectomia (pelo auto-relato da paciente), alfabetização (sendo consideradas alfabetizadas as mulheres com capacidade para ler e escrever), tabagismo (definido como o consumo regular e atual de mais de três cigarros por dia), etilismo (consumo regular e atual de qualquer quantidade de bebida alcoólica todos os dias) e prática regular de atividade física (três ou mais vezes por semana, pelo tempo mínimo de 40 minutos por sessão).

Além disso, as voluntárias foram submetidas a exame físico, verificando-se parâmetros como pressão arterial, peso e estatura. O índice de massa corporal (IMC) foi calculado por meio da relação entre o peso corporal (em kg) e a estatura (em metros) ao quadrado, sendo expresso por kg/m2. De acordo com critérios estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), as mulheres foram classificadas como "baixo peso" (IMC<18,5 kg/m2), "peso normal" (IMC de 18,5 a 24,9 kg/m2), "sobrepeso" (IMC de 25 a 29,9 kg/m2) e "obesas" (IMC>30 kg/m2)12.

Para avaliação da sintomatologia do climatério, foram empregados o Índice Menopausal de Blatt-Kupperman (IMBK)13, que permite uma avaliação quantitativa global da ocorrência de sintomas, e a Escala Climatérica de Greene (ECG)14. Essa última escala, além do escore total, permite a classificação da sintomatologia segundo subescalas de sintomas "psicológicos" (ansiedade e depressão), "somáticos", "vasomotores" e "sexuais". Esses instrumentos, apesar de não submetidos a um procedimento formal de validação para a realidade brasileira, encontram-se adaptados e validados pelo uso, sendo amplamente utilizados tanto para propósitos de pesquisa como na prática clínica, para monitorização de efeitos dos diversos tratamentos instituídos no climatério.

Em ambos os instrumentos de avaliação, as respostas para cada sintoma investigado seguem a seguinte escala de escores: 0 (ausência do sintoma ou nunca vivenciado), 1 (sintomas leves), 2 (sintomas moderados) e 3 (sintomas intensos). Para o cálculo do escore total para o IMBK, os sintomas pesquisados apresentam pesos diferenciados, nos quais as ondas de calor assumem maior relevância (peso 4), parestesia, insônia e nervosismo um valor intermediário (peso 2) e os demais sintomas assumem peso 1 (um). No caso da ECG, todos os sintomas apresentam o mesmo peso unitário para o cálculo do escore final.

As variáveis dependentes corresponderam aos escores de sintomatologia climatérica, obtidos com o IMBK e ECG. Para classificação quanto ao grau de sintomatologia, foram utilizados parâmetros estabelecidos na literatura13, em que mulheres apresentando IMBK inferior a 20 foram classificadas como apresentando sintomatologia leve ou ausente, sendo codificadas como "pouco sintomáticas", e aquelas com IMBK maior ou igual a 20 foram consideradas como tendo sintomatologia moderada ou severa, sendo codificadas como "muito sintomáticas". Em relação à ECG, pelo fato de não haver descrição na literatura sobre os limites para classificação dos escores quanto à severidade de sintomas, optou-se pela obtenção dos limites correspondentes àqueles considerados para o IMBK, pela metodologia de regressão linear (r2=0,80 e p<0,05). Dessa forma, o ponto de corte determinado para a ECG foi 20, no qual mulheres com escores abaixo desse valor foram classificadas como "pouco sintomáticas" e aquelas com escores iguais ou superiores a 20 como "muito sintomáticas".

A análise estatística foi realizada utilizando o teste do c2 para comparação de variáveis qualitativas, teste t de Student, teste Mann-Whitney e ANOVA para variáveis quantitativas e teste de correlação de Pearson, sendo adotado nível de significância de 5% em todos os procedimentos estatísticos. Para predizer o impacto dos diversos fatores de risco considerados sobre a ocorrência de sintomas climatéricos foi empregada metodologia de regressão logística, utilizando como variável dependente a intensidade dos sintomas climatéricos, de acordo com a padronização acima descrita: código 0=pouco sintomáticas; código 1=muito sintomáticas. Como variáveis independentes, foram considerados todos os fatores de risco que apresentaram associação significativa com a ocorrência de sintomatologia significativa, após aplicação do teste do c2. Os procedimentos estatísticos foram realizados utilizando os softwares GraphPad Prism for Windows versão 3.00 e SPSS for Windows versão 10.0.

Resultados

Caracterização da casuística

Características da amostra e comparações intergrupos são mostradas na Tabela 1. As mulheres do Grupo Rur apresentaram média de idade superior à observada para o Grupo Urb (56,9±9,5 e 53,9±4,8 anos, respectivamente), enquanto que as prevalências de sobrepeso e obesidade foram superiores nas mulheres urbanas em relação às rurais (42,6 e 29,9% para sobrepeso e 25,4 e 23,6% para obesidade, respectivamente; p=0,008). Chama também atenção o elevado percentual de mulheres analfabetas (43,3%), sobretudo no Grupo Rur.

Considerando-se a padronização adotada no presente estudo, evidenciou-se que, do total de mulheres estudadas, um percentual de 56,3% (n=147) foi caracterizado como "muito sintomáticas", de acordo com o IMBK (escores>20). Na comparação intergrupos, as taxas foram de 79,2% (n=103) e 33,6% (n=44) para os Grupos Urb e Rur, respectivamente, sendo essa diferença significativa (p<0,05). As medianas dos escores obtidos com o IMBK e a ECG foram significativamente mais elevadas no Grupo Urb em relação ao Grupo Rur (Tabela 2).

A partir da aplicação da ECG, evidenciou-se que o Grupo Urb apresentou escores médios significativamente superiores àqueles obtidos para a amostra total e para o grupo de mulheres rurais, em todas as subescalas consideradas (Tabela 3). Analisando-se os aspectos relacionados à vida sexual, observou-se que 107 mulheres (41%) relataram perda intensa do interesse sexual, sendo esse aspecto mais freqüente no Grupo Urb em relação ao Grupo Rur (43,1 e 38,9%, respectivamente; p=0,03).

Na tentativa de estabelecer correlação entre as duas metodologias empregadas para avaliação da sintomatologia climatérica, foi empregado o teste de correlação de Pearson, em que os valores individuais observados para o IMBK foram plotados em relação aos valores obtidos com a ECG. Essa análise resultou em relevante correlação positiva (r=0,90 e p<0,0001), demonstrando haver correspondência entre os resultados observados com as duas metodologias (Figura 1). Diante deste fato, optou-se por realizar análise de regressão logística apenas em relação ao IMBK, procedimento que teve por objetivo testar as associações das diversas variáveis independentes consideradas com a chance para ocorrência de sintomatologia climatérica significativa.


A Figura 2 apresenta os resultados relativos à análise de regressão logística, em que foram testadas as influências de diversos fatores na determinação da sintomatologia climatérica, de acordo com o IMBK. Como se pode observar, as mulheres residentes na zona urbana [odds ratio ajustado (OR)=7,1; intervalo de confiança a 95% (IC95%)=3,69-13,66] e alfabetizadas (OR=2,19; IC95%=1,16-4,13) tiveram maior chance de pertencer ao grupo caracterizado como "muito sintomáticas" do que as mulheres rurais e com nível de escolaridade inferior. Em relação à idade, observamos que aquelas com idade superior a 60 anos tiveram menor chance de ocorrência de sintomas climatéricos moderados/graves (OR=0,38; IC95%=0,17-0,87).


Discussão

O climatério é vivenciado de formas distintas pelas mulheres, havendo variações na sintomatologia, de acordo com aspectos físicos, demográficos, socioeconômicos e culturais. Autores de todo o mundo descreveram características peculiares da percepção e vivência do climatério entre mulheres de diferentes raças, culturas e níveis socioeconômicos, em áreas urbanas e rurais3,6,15,16.

No Brasil, considerando-se as dimensões continentais e especificidades regionais, não é esperado que a percepção do climatério seja semelhante entre as mulheres de diferentes regiões e até mesmo naquelas de uma mesma região. Tais diferenças tornam-se ainda mais marcantes ao admitir-se que uma parcela significativa da população vive em regiões suburbanas e rurais, onde baixa escolaridade, baixa renda familiar e elevada morbimortalidade decorrente de doenças ligadas às precárias condições socioeconômicas são altamente prevalentes.

Sabe-se que as mulheres rurais desempenham um papel importante na organização e economia de seus lares; no entanto, pouco se conhece em relação à forma como elas vivenciam os diversos aspectos da saúde reprodutiva, especialmente aqueles relacionados à transição menopausal e à sexualidade nessa fase de vida.

No presente estudo, a sintomatologia climatérica foi abordada por meio de dois instrumentos de avaliação reconhecidos internacionalmente e usados para acompanhamento da síndrome climatérica. Apesar das críticas existentes em relação ao IMBK17 por não permitir distinção entre categorias de sintomas mais prevalentes, deve-se admitir que os resultados obtidos são relevantes, tendo demonstrado importante correlação estatística com a ECG, uma das metodologias de avaliação mais empregadas na atualidade14.

Na avaliação pelo IMBK, um percentual de 56,3% das mulheres estudadas apresentou sintomas moderados ou graves. A literatura mostra ampla variabilidade da prevalência de sintomas climatéricos, especialmente ondas de calor, conforme as diferentes culturas. Estatísticas apontam que entre 75 e 85% das mulheres nos Estados Unidos e Europa apresentam sintomas significativos, contrastando com o percentual de 25% observado no Japão18,19. Uma vez que grande parte dessas estatísticas refere-se a estudos conduzidos na população geral, pouco se conhece acerca da prevalência dessa sintomatologia em relação a grupos populacionais específicos, como é o caso das mulheres rurais de países como o Brasil.

Em nosso estudo, ao analisarmos isoladamente as diversas subescalas da ECG, evidenciamos diferenças estatisticamente significativas entre os escores de sintomas somáticos, psicológicos (ansiedade e depressão), vasomotores e sexuais, obtidos para os dois grupos estudados, sendo todos eles mais elevados no grupo urbano em relação ao rural. Esses resultados são compatíveis com diversos relatos da literatura, conforme discutido a seguir.

Entre as mulheres chinesas, observaram-se taxas significativamente mais elevadas de sintomas climatéricos nas habitantes da zona urbana em comparação às mulheres trabalhadoras rurais, tendo demonstrado associação entre a presença de sintomas e o maior nível educacional, além de outros fatores de ordem biológica e psicológica19. Outros estudos conduzidos em países do oriente também encontraram baixa prevalência de sintomas vasomotores em mulheres rurais20. Em oposição a este achado, a percepção de sintomas climatéricos parece ser freqüente entre mulheres indígenas australianas, sendo que o relato de pelo menos um sintoma esteve presente em 76% delas.

A análise pelo grau de instrução mostrou existir aumento da chance de apresentar sintomas moderados ou graves em mulheres urbanas e alfabetizadas, em comparação àquelas do meio rural e com menor escolaridade. Sobre esse aspecto, sugere-se que a maior freqüência de sintomas em mulheres urbanas poderia estar relacionada, entre outros fatores, à maior acessibilidade à informação, melhor percepção do estado de saúde, assim como a tendências culturais.

Na população estudada, apesar de as mulheres da área rural serem mais adeptas do tabagismo, essa variável não se associou com a maior ocorrência de sintomas climatéricos. Esse é um resultado aparentemente contraditório, quando se consideram resultados de diversos estudos apontando que o tabagismo constitui importante fator causal para instalação da falência ovariana21,22, podendo ser responsabilizado pelo início mais precoce das modificações climatéricas no organismo feminino. Tal associação, quando existente, poderia ser explicada pelos efeitos antiestrogênicos do fumo23 e pelas alterações vasculares causadas pelo tabagismo21,22. Em nosso estudo, no entanto, essa associação não se mostrou significativa, talvez devido à ocorrência de erro tipo II em relação à análise dessa variável, ou seja, afirmar que não existe associação significativa entre as variáveis "tabagismo" e "sintomatologia climatérica", quando, de fato, essa associação existe e poderia ser demonstrada com o emprego de maior tamanho amostral.

Em relação à atividade física, não houve diferença significativa entre os dois grupos, pois cerca de um terço das mulheres urbanas e rurais relatou prática regular de exercícios físicos. Todavia, a literatura aponta que mulheres sedentárias têm maior chance de apresentar sintomas quando comparadas àquelas com relato de prática de exercícios físicos numa freqüência superior a três vezes por semana, o que enfatiza a importância da adoção de uma prática de atividade física regular na fase após a menopausa24.

Na atualidade, muito se discute acerca da influência dos hábitos alimentares sobre a determinação da sintomatologia relacionada ao climatério. Dentre muitas observações, tal fato advém das marcantes diferenças na prevalência de sintomas entre populações com hábitos culturais e dietéticos discordantes, como é o caso das populações asiáticas em relação aos países ocidentais. Grande parte dessa questão passa pelo consumo de grãos, especialmente soja, cuja ingestão tem sido estimulada no sentido de reduzir a ocorrência de sintomas climatéricos, especialmente ondas de calor. Uma vez que a soja não faz parte dos hábitos alimentares da população rural do nordeste brasileiro e considerando que essas populações têm no feijão a base de sua alimentação, alerta-se para a necessidade de estudos nessa área com o objetivo de avaliar a possível associação entre a freqüência de consumo desse alimento e a ocorrência de sintomas climatéricos. A literatura não dispõe de dados acerca de tal associação; no entanto, em relação ao consumo de soja, estudos apontam melhora significativa da sintomatologia, em mulheres ingerindo produtos derivados da soja25. Por outro lado, hábitos dietéticos inadequados, como o não consumo de leite e folhas verdes, foram associados com maior risco para ocorrência de sintomas climatéricos24.

Os autores concluem que a vivência da transição climatérica assume características peculiares de acordo com a população em estudo, em que fatores socioculturais e ambientais estão fortemente envolvidos no surgimento dos sintomas climatéricos. Nesse sentido, é de extrema importância a implementação de estratégias visando à melhoria do grau de instrução das mulheres, por meio de educação para a saúde, no sentido de abordar especificamente as particularidades de cada população e proporcionar melhora da qualidade de vida dessas mulheres.

Sabemos que, no Brasil, a comunidade rural sobrevive em precárias condições socioeconômicas e não conta com um sistema de saúde devidamente organizado e capacitado para atender às suas demandas básicas, tornando difícil a realização de exames e o acesso a determinados tipos de tratamento. Acreditamos, no entanto, que se essas mulheres recebessem a informação de forma contínua e com linguagem simples, compreenderiam melhor a relação dos seus sintomas com as transformações próprias do climatério e procurariam os serviços de saúde com mais regularidade, submetendo-se aos exames preventivos e de rastreamento indicados na sua idade. Além disso, ao receberem informações adequadas, abandonariam mitos e temores infundados e o climatério poderia ser para elas um período de renascimento e de busca de novas experiências, inclusive no que diz respeito ao campo sexual.

Os dados apresentados apontam a necessidade da implementação de ações de saúde especificamente voltadas para as mulheres climatéricas nas comunidades rurais, inclusive dentro das estratégias de atuação dos programas de saúde da família.

Agradecimentos

Às Secretarias de Saúde e profissionais do Programa de Saúde da Família de Natal, Mossoró e São Gonçalo do Amarante, pela contribuição dada nas etapas de seleção das voluntárias e coleta dos dados. À Doutora Ana Celsa Petronilo, pela contribuição nas reuniões realizadas com o grupo de mulheres rurais.

Recebido: 14/06/2007

Aceito com modificações: 03/08/2007

Base de Pesquisa "Saúde da Mulher" da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil; Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PPGCSA) e Departamentos de Tocoginecologia e Morfologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil.

Conflito de interesses: nenhum.

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  • Correspondência:

    George D. Azevedo
    Universidade Federal do Rio Grande do Norte Departamento de Morfologia do Centro de Biociências Campus Universitário
    BR 101, Lagoa Nova
    CEP 59078-970 – Natal/RN
    Fone: (84) 3215-3431
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Aceito
      03 Ago 2007
    • Recebido
      14 Jun 2007
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