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Densidade mamográfica como fator de risco para o câncer de mama

Mammographic density as risk factor for breast cancer

EDITORIAL

Densidade mamográfica como fator de risco para o câncer de mama

Mammographic density as risk factor for breast cancer

Alexandre Henrique MacchettiI; Heitor Ricardo Cosiski MaranaII

IMédico Assistente do Centro Integrado de Diagnóstico por Imagem – Cidi – São Carlos (SP), Brasil; Pós-graduando do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FMRP-USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIMédico Assistente do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FMRP-USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Heitor Ricardo Cosiski Marana Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Avenida Bandeirantes, 3.900, 8º andar – Campus Universitário CEP 14049-900 – Ribeirão Preto/SP Fone: (16) 3602-2583 Fax: (16) 3633-0946 E-mail: ahmacchetti@yahoo.com.br

O aspecto radiográfico da mama varia entre as mulheres conforme a sua composição por gordura, estroma e epitélio tecidual, que possuem diferentes propriedades de atenuação radiográfica. Há mais de 30 anos, John Wolfe1 descrevia a associação de mamas com um padrão mamográfico de alta densidade, ou seja, maior proporção de tecido glandular e estromal em relação ao tecido gorduroso na mama ao aumento do risco para o câncer de mama – associação atualmente confirmada por muitos estudos bem conduzidos, que justificam a análise da incorporação da densidade mamográfica aos modelos de predição de risco individual de câncer de mama, como o de Gail2,3.

A densidade mamográfica depende de muitos fatores, como número de filhos, peso corpóreo e idade, mas é independente dos níveis circulantes de hormônios sexuais na pós-menopausa4. Uma alta densidade mamográfica é mais comumente vista em mulheres jovens, enquanto a densidade diminui com a idade e apresenta grande declínio na perimenopausa5-7.

Foram propostos vários métodos para avaliação da densidade mamográfica8, mas três métodos qualitativos têm sido mais empregados. Um deles é a classificação de Wolfe1 (N1, mama gordurosa normal; P1 e P2, ductos proeminentes ocupando menos que 25% e entre 25 e 75% da mama, respectivamente; Dy, mama displásica, com extensa região de densidade mamográfica). Outra, mais recente e amplamente utilizada na prática clínica, é a classificação do Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS)9,10 do Colégio Americano de Radiologia. Outras classificações empregam os percentuais de densidade, como a de Boyd7.

Em recente meta-análise, em que se empregou a dicotomização da classificação de Wolfe (N1+P1 versus P2+Dy), demonstrou-se que a incidência e a prevalência de câncer de mama foram, respectivamente, 1,86 e 1,44 vezes maiores no grupo de alto risco e, mesmo se comparados os padrões P1, P2 e Dy ao N1, observa-se o risco relativo de câncer de mama, respectivamente, de 1,76, 3,05 e 3,98 em estudos de incidência para o câncer de mama2.

A classificação BI-RADS, inicialmente composta por quatro categorias descritivas de composição mamária (quase totalmente gordurosa, densidade fibroglandular, heterogeneamente densa e extremamente densa), em sua quarta edição, associou a abordagem quantitativa com a divisão em quartis da composição percentual por tecido glandular na mama. Embora esta última versão implique alguma subjetividade, ela apresenta a vantagem de ser rotineiramente empregada em laudos mamográficos, o que facilita sua aplicação em estudos epidemiológicos9,10. Comparadas as mamas categorizadas como extremamente densas com mamas lipossubstituídas, observou-se que há um aumento do risco relativo de quatro vezes para desenvolvimento do câncer de mama entre as primeiras11.

Entretanto, a variabilidade e a reprodutibilidade permanecem como os maiores problemas das classificações das mamas em padrões de parênquima. Estudo de Nicholson et al.12 mostrou que os padrões BI-RADS, com mamas quase totalmente compostas por tecido adiposo ou as extremamente densas, identificados por radiologistas, correlacionam-se muito bem com os percentuais de densidade obtidos com método computadorizado, enquanto as demais categorias, intermediárias, tiveram variação ampla, o que dificultaria sua utilização em estudos para cálculo de risco.

Estudo de Boyd et al.13 confirma a importância de uma determinação precisa da densidade, pois observaram o aumento de 2% no risco relativo para cada aumento de 1% no percentual de densidade mamográfica. Assim, a utilização de métodos quantitativos computadorizados gera melhores aferições da densidade, com melhor reprodutibilidade14, mesmo quando se empreguem programas de auxílio ao diagnóstico de lesões15,16 no processo de análise, em vez de programas especializados. No entanto, estes métodos assistidos por computador têm, atualmente, aplicação limitada na prática diária, devido ao tempo dispendido em cada análise.

No estudo publicado em 2007 por Boyd et al.7 no New England Journal of Medicine, foi analisada a associação do percentual de densidade na mamografia inicial com o risco de câncer de mama, de acordo com o método de detecção do câncer, tempo desde o início do rastreamento e idade. Neste estudo caso-controle, realizou-se ajuste por idade, paridade, idade da menarca e menopausa, índice de massa corporal (IMC) e existência de parentes de primeiro grau com câncer de mama, entre outros. Os resultados mostram que, comparadas com mulheres nas quais as áreas densas ocupam superfície menor que 10% da mamografia, as mulheres com 75% ou mais têm um aumento de risco de câncer de mama (Odds Ratio (OR)=4,7; intervalo de confiança (IC) de 95%=3,0 a 7,4), enquanto detectado por rastreamento (OR=3,5; IC95%=2,0 a 6,2) ou menos que 12 meses após exame de rastreamento negativo (OR=17,8; IC95%=4,8 a 65,9).

Estabelecendo-se a associação inequívoca da densidade com o risco de câncer de mama, surge a preocupação com as evidências de que terapias hormonais poderiam alterar a densidade mamográfica e, talvez, o risco de câncer de mama. Nos estudos de Freedman et al.17 e McTiernan et al.18 – dois trials randomizados, placebo-controlados e duplo-cegos –, foram utilizados métodos quantitativos para a avaliação do efeito da terapia hormonal sobre a densidade mamográfica. Ambos mostram claramente que a terapia estrogênica foi capaz de aumentar a densidade mamográfica percentual em um curto espaço de tempo (dois anos), em 1,2 e 4,9%, respectivamente, enquanto no grupo controle ocorreu diminuição percentual de 1,3 e 0,8% na densidade mamográfica. Outros recentes estudos prospectivos observacionais, também utilizando métodos de avaliação quantitativa, encontraram evidências de que o uso da terapia estrogênica diminui ou impede o declínio da densidade mamográfica normalmente observada com o envelhecimento5,19,20, o que poderia se traduzir com o passar dos anos em um aumento do risco de câncer de mama.

A alteração da densidade mamográfica pela terapia hormonal com estrógenos e progestágenos aumenta o interesse por drogas como o raloxifeno. Este é um modulador seletivo do receptor de estrógeno (SERM) de segunda geração, inicialmente aprovado pela Food and Drugs Administration (FDA) para prevenção e tratamento da osteoporose, mas que mostrou efeitos antiestrogênicos na mama21, indicando ser tão efetivo quanto o tamoxifeno para reduzir o risco de carcinoma invasivo de mama22, tendo, inclusive, o efeito de reduzir a vasculatura em tumores mamários receptor de estrógenos positivos21.

O efeito do raloxifeno sobre a densidade mamográfica avaliado por Silvério et al.23 é apresentado neste fascículo da Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (RBGO). O estudo prospectivo destes autores, utilizando a classificação BI-RADS e a técnica assistida por computador, mostrou a manutenção da densidade mamográfica após uso de raloxifeno, o que confirma os dados da literatura24.

A diminuição da incidência de câncer de mama com a utilização profilática do tamoxifeno poderia ser explicada parcialmente pela capacidade de modificar a proporção relativa dos diversos compartimentos de parênquima mamário, com resultado sobre o amplamente conhecido efeito de diminuir a densidade mamográfica25. Esta correlação permite supor que o monitoramento desta densidade poderia vir a ser um item indicativo de benefício com uma intervenção hormonal, antiestrogênica ou não. Uma destas propostas pode ser a associação do tamoxifeno em baixa dose ao esquema de terapia hormonal em uso. Um estudo recente26 pôde mostrar que esta associação modulou favoravelmente marcadores de carcinogênese mamária e risco cardiovascular sem aumento de proliferação endometrial ou sintomas menopausais.

Recebido: 28/09/2007

Aceito com modificações: 25/10/2007

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  • Correspondência:

    Heitor Ricardo Cosiski Marana
    Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
    Avenida Bandeirantes, 3.900, 8º andar – Campus Universitário
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2007
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