Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação de microcalcificações mamárias de acordo com as classificações do Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS TM) e de Le Gal

Evaluation of breast microcalcifications according to Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS TM) and Le Gal's classifications

Resumos

OBJETIVO: avaliar a acurácia da mamografia para o diagnóstico de microcalcificações mamárias suspeitas, com as classificações do Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS TM) e Le Gal em comparação com o resultado histopatológico utilizado como padrão-ouro. MÉTODOS: foram selecionados dos arquivos dos blocos cirúrgicos, 130 casos operados com mamografias contendo somente microcalcificações mamárias, inicialmente classificadas como suspeitas sem lesões detectáveis ao exame clínico. Estas foram reclassificadas por dois examinadores, utilizando as classificações de Le Gal e BI-RADS TM, obtendo-se diagnóstico de consenso. As biópsias foram revistas por dois patologistas e foi obtido diagnóstico de consenso. A leitura das mamografias e a revisão das lâminas foram feitas em duplo-cego. As análises estatísticas utilizadas neste estudo foram o teste do chi2, o modelo Fleiss quadrático para VPP e o programa Epi-Info 6.0. RESULTADOS: a correlação entre a análise histopatológica e mamográfica, usando BI-RADS TM e Le Gal, mostrou a mesma sensibilidade de 96,4%, especificidade de 55,9 e 30,3%, valor preditivo positivo (VPP) de 37,5% e 27,5% e acurácia de 64,6 e 44,6%, respectivamente. Quando discriminamos por categorias de BI-RADS TM, obtivemos VPPs: categoria 2, 0%; categoria 3, 1,8%; categoria 4, 31,6% e categoria 5, 60%. Os VPPs pela classificação de Le Gal foram: categoria 2, 3,1%; categoria 3, 18,1 %; categoria 4, 26,4%; categoria 5, 66,7% e não classificável, 5,2%. CONCLUSÕES: observou-se uma maior precisão com a classificação de BI-RADS TM, porém não se conseguiu reduzir a ambigüidade na avaliação das microcalcificações mamárias.

Mamografia; Doenças mamárias; Doenças mamárias; Valor preditivo dos testes; Calcinose


PURPOSE: the aim of this study is to evaluate the accuracy of mammography in the diagnosis of suspicious breast microcalcifications, using BI-RADS TM and Le Gal's classifications. METHODS: one hundred and thirty cases were selected with mammograms contain only microcalcifications of file and initially classified as suspicious (categories 4 and 5) without lesions clinical detectable and reclassified by two examiners, getting a consensus diagnosis. The biopsies were reviewed by two pathologists getting also a consensus diagnosis. Both, mammogram and histopathologic analysis were double blinded reviewed. Qui-square test, Fleiss-square statistic and EPI-INFO 6.0 were used in this study. RESULTS: the correlation between histopathological and mammographic analysis using BI-RADS TM and Le Gal classification showed the same sensitivity of 96.4%, specificity of 55.9 and 30.3%, positive predictive value (PPV) of 37.5 and 27.5%, and accuracy of 64.6 and 44.6% respectively. The PPV by BI-RADS TM categories was: category 2, 0%; category 3, 1.8%; category 4, 30.8%; and category 5, 60%. The PPV by Le Gal classification was: category 2, 3.1%; category 3, 18.1%; category 4, 26.4%;category 5, 66.7%, and non classified 5.2%. CONCLUSIONS: the results were better for the classification of BI-RADS™, but it did not get to reduce the ambiguity in assessment of breast microcalcifications.

Mammography; Breast diseases; Breast diseases; Predictive value of test; Calcinosis


ARTIGOS ORIGINAIS

Avaliação de microcalcificações mamárias de acordo com as classificações do Breast Imaging Reporting and Data System (BI–RADSTM) e de Le Gal

Evaluation of breast microcalcifications according to Breast Imaging Reporting and Data System (BI–RADSTM) and Le Gal's classifications

Lúcio Márcio Perri de ResendeI; Marco Antônio Rodrigues Freire MatiasII; Gracinda Maria Baltazar de OliveiraIII; Márcio Almeida SallesII; Frederico Henrique Corrêa MeloIV; Helenice GobbiV

IMédico do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais _ UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIMédico da Maternidade Odete Valadares – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIIRadiologista e Diretora da Clínica Gracinda Baltazar Mamografia e Ultra–som – Belo Horizonte (MG), Brasil

IVMédico Patologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

VProfessora Adjunta do Departamento de Anatomia Patológica da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

Correspondência Correspondência: Lúcio Márcio Perri de Resende Rua dos Otoni, 909, sala 908 – Santa Efigênia CEP 30150–270 – Belo Horizonte/MG Fone: (31) 3273–0393 E–mail lucioperri@uai.com.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a acurácia da mamografia para o diagnóstico de microcalcificações mamárias suspeitas, com as classificações do Breast Imaging Reporting and Data System (BI–RADSTM) e Le Gal em comparação com o resultado histopatológico utilizado como padrão–ouro.

MÉTODOS: foram selecionados dos arquivos dos blocos cirúrgicos, 130 casos operados com mamografias contendo somente microcalcificações mamárias, inicialmente classificadas como suspeitas sem lesões detectáveis ao exame clínico. Estas foram reclassificadas por dois examinadores, utilizando as classificações de Le Gal e BI–RADSTM, obtendo–se diagnóstico de consenso. As biópsias foram revistas por dois patologistas e foi obtido diagnóstico de consenso. A leitura das mamografias e a revisão das lâminas foram feitas em duplo–cego. As análises estatísticas utilizadas neste estudo foram o teste do c2, o modelo Fleiss quadrático para VPP e o programa Epi–Info 6.0.

RESULTADOS: a correlação entre a análise histopatológica e mamográfica, usando BI–RADSTM e Le Gal, mostrou a mesma sensibilidade de 96,4%, especificidade de 55,9 e 30,3%, valor preditivo positivo (VPP) de 37,5% e 27,5% e acurácia de 64,6 e 44,6%, respectivamente. Quando discriminamos por categorias de BI–RADSTM, obtivemos VPPs: categoria 2, 0%; categoria 3, 1,8%; categoria 4, 31,6% e categoria 5, 60%. Os VPPs pela classificação de Le Gal foram: categoria 2, 3,1%; categoria 3, 18,1 %; categoria 4, 26,4%; categoria 5, 66,7% e não classificável, 5,2%.

CONCLUSÕES: observou–se uma maior precisão com a classificação de BI–RADSTM, porém não se conseguiu reduzir a ambigüidade na avaliação das microcalcificações mamárias.

Palavras–chave: Mamografia, Doenças mamárias/classificação, Doenças mamárias/patologia, Valor preditivo dos testes, Calcinose/classificação

ABSTRACT

PURPOSE: the aim of this study is to evaluate the accuracy of mammography in the diagnosis of suspicious breast microcalcifications, using BI–RADSTM and Le Gal's classifications.

METHODS: one hundred and thirty cases were selected with mammograms contain only microcalcifications of file and initially classified as suspicious (categories 4 and 5) without lesions clinical detectable and reclassified by two examiners, getting a consensus diagnosis. The biopsies were reviewed by two pathologists getting also a consensus diagnosis. Both, mammogram and histopathologic analysis were double blinded reviewed. Qui–square test, Fleiss–square statistic and EPI–INFO 6.0 were used in this study.

RESULTS: the correlation between histopathological and mammographic analysis using BI–RADSTM and Le Gal classification showed the same sensitivity of 96.4%, specificity of 55.9 and 30.3%, positive predictive value (PPV) of 37.5 and 27.5%, and accuracy of 64.6 and 44.6% respectively. The PPV by BI–RADSTM categories was: category 2, 0%; category 3, 1.8%; category 4, 30.8%; and category 5, 60%. The PPV by Le Gal classification was: category 2, 3.1%; category 3, 18.1%; category 4, 26.4%;category 5, 66.7%, and non classified 5.2%.

CONCLUSIONS: the results were better for the classification of BI–RADS™, but it did not get to reduce the ambiguity in assessment of breast microcalcifications.

Keywords: Mammography, Breast diseases/classification, Breast diseases/pathology, Predictive value of test, Calcinosis/classification

Introdução

A mamografia de rastreamento tem sido considerada o teste mais sensível para a detecção precoce do câncer de mama não palpável1,2. O estudo histopatológico de biópsias mamárias de pacientes portadoras de mamografias contendo microcalcificações suspeitas revelou câncer de mama em até 30% dos casos, sendo que o agrupamento de microcalcificações heterogêneas e pleomórficas, encontradas no estudo mamográfico, foi representativo de câncer in situ em até 90% dos casos3,4. Hoje, as microcalcificações mamárias correspondem a cerca de metade das indicações das biópsias de mama e o estudo anatomopatológico da biópsia mamária excisional guiada por fio metálico é considerado o padrão–ouro na avaliação dos achados anormais contendo microcalcificações mamárias5.

Muitas microcalcificações mamárias suspeitas detectadas pela biópsia revelaram ser benignas, observando–se sobreposição de aspectos mamográficos de doenças benignas e malignas, razão pela qual a análise cuidadosa das microcalcificações deveria ser realizada na tentativa de melhorar a especificidade do exame6. Muitas classificações radiológicas têm sido empregadas na tentativa de diferenciar microcalcificações associadas a lesões benignas e malignas. No entanto, ainda não há critérios que permitam realizar estas diferenciações com segurança. Le Gal7, em 1984, avaliou a morfologia das microcalcificações detectadas pela mamografia, comparando–as com a histopatologia, e propôs critérios para diferenciá–las. Uma classificação com cinco tipos foi proposta; porém, atualmente, não tem sido muito utilizada7. Em 1993, o Colégio Americano de Radiologia (ACR)8, com o objetivo de padronizar a descrição das mamografias, desenvolveu o Breast Imaging Reporting and Data System (BI–RADSTM), acrescentando outros critérios além da morfologia das microcalcificações mamárias, tais como densidade, distribuição e agrupamento das microcalcificações. Este sistema de classificação já se encontra na quarta edição8,9.

Alguns estudos têm comparado a acurácia do sistema de classificação de Le Gal e a classificação de BI–RADSTM para predizer a malignidade das microcalcificações mamárias suspeitas, porém, a maioria dessas análises é feita em separado, não conjugando os dois sistemas. Resultados de estudos anteriores mostram que mesmo tentando seguir estritamente os critérios propostos nestas classificações, não tem sido possível diminuir a ambigüidade da classificação das microcalcificações mamárias4.

Nosso estudo foi realizado com o intuito de verificar o valor preditivo positivo (VPP) na análise das microcalcificações mamárias suspeitas, com o emprego dos critérios das classificações de Le Gal e BI–RADSTM, fazendo–se a correlação entre achados mamográficos e histopatológicos.

Métodos

Foram analisados, retrospectivamente, registros de pacientes do sexo feminino atendidas no período de janeiro de 1998 a junho de 2003. Todas as pacientes haviam sido submetidas à exérese de segmento mamário por marcação estereotáxica ou biplanada, por microcalcificações mamárias consideradas suspeitas em mamografia de alta resolução com ampliação mamográfica.

Para cálculo do tamanho da amostra, foi empregado o cálculo para estudos descritivos que determinou que 130 casos seriam adequados para as análises estatísticas. Os 130 casos foram selecionados a partir dos arquivos dos blocos cirúrgicos, sendo 106 casos (81,5%) oriundos do Serviço de Mastologia da Maternidade Odete Valadares e 24 casos (18,5%) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Todos os casos selecionados apresentaram apenas microcalcificações mamárias suspeitas à mamografia, sem nenhuma outra alteração tal como massa ou distorção arquitetural. As pacientes foram submetidas à biópsia no serviço de referência. No período em que os casos foram catalogados, estes serviços ainda não utilizavam rotineiramente as classificações de Le Gal e de BI–RADSTM para os laudos das mamografias.

Os critérios de inclusão para a seleção da amostra foram: pacientes assintomáticas que apresentassem microcalcificações mamárias suspeitas à mamografia e que possuíssem, além das incidências padrões, ou seja, crânio–caudal (CC) e médio–lateral–oblíqua (MLO), incidências com magnificação para análise de microcalcificações mamárias; pacientes submetidas à exérese cirúrgica das microcalcificações mamárias por meio da marcação pré–cirúrgica pela técnica estereotáxica ou localização biplanada; espécimes cirúrgicos obtidos e submetidos a exame mamográfico; lâminas originais e/ou blocos referentes ao espécime cirúrgico disponíveis para revisão histopatológica.

As mamografias foram selecionadas e catalogadas por um pesquisador independente e, posteriormente, foram revistas por dois examinadores em tempos diferentes, preenchendo–se protocolo específico, na tentativa de diminuir o vício de seleção e de amostragem. Todas as mamografias foram analisadas por dois examinadores experientes, sem conhecimento prévio dos resultados das classificações de Le Gal e BI–RADSTM ou do resultado histopatológico. Ambos os examinadores tinham formação em Imagenologia Mamária, com mais de dez anos de experiência e grande familiaridade com os dois sistemas de classificação empregados. A avaliação do exame mamográfico foi realizada com negatoscópio apropriado para a leitura de mamografias e lentes de aumento. Nos casos em que não houve concordância, fez–se nova análise simultânea pelos dois examinadores, obtendo–se diagnóstico de consenso que foi utilizado para avaliação da acuidade do método, de acordo com as classificações de BI–RADSTM e de Le Gal.

As mamografias foram analisadas considerando–se, quanto às microcalcificações: número por cm2 (<5; 5–20 e >20); densidade das microcalcificações mamárias (baixa, média e alta); morfologia baseada na classificação de Le Gal, sendo esta classificada em cinco tipos (tipo 1: anelar, tipo 2: puntiforme regular, tipo 3: poeira, tipo 4: puntiforme irregular e tipo 5: vermicular), acrescentando–se a variável amorfa; distribuição das microcalcificações na mama em direção ao mamilo (difusas, agrupadas, segmentares, lineares, arboriformes).

As lâminas originais dos exames histopatológicos foram revisadas por dois patologistas, sendo um especialista em Patologia Mamária e outro com formação em Patologia, mas não especialista. As lâminas foram revistas sem o conhecimento prévio do laudo mamográfico ou do laudo histopatológico inicial. Nos casos em que não houve concordância, fez–se nova análise simultânea das lâminas pelos dois examinadores, obtendo–se diagnóstico de consenso, que foi utilizado para avaliação da acuidade do método. Os dados do estudo histopatológico foram registrados em protocolo específico. Os critérios utilizados na classificação dos tumores invasivos foram os propostos pelo Colégio Americano de Patologia10. Os critérios utilizados para o diagnóstico histopatológico do carcinoma in situ foram os propostos por Page e Anderson11.

Com o objetivo de avaliar a acurácia do exame mamográfico, foram construídas tabelas 2x2 para determinar a sensibilidade, a especificidade, o VPP e o valor preditivo negativo (VPN), considerando o exame mamográfico como teste diagnóstico e o exame histopatológico do espécime cirúrgico como padrão–ouro. Nas comparações para análise estatística, foram utilizados o teste do c2 com correção de Yates, e o modelo de proporções de Fleiss quadrático para cálculo do VPP. Os dados foram armazenados e analisados empregando–se o programa Epi–Info 6.012.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFMG (parecer ETIC 183/03).

Resultados

O exame histopatológico dos 130 casos mostrou 28 casos com lesões malignas (21,5%) e 102 benignas (78,5%). As lesões malignas foram: 25 casos de carcinoma in situ (89,3%), dos quais um caso lobular in situ e 24 ductais in situ, além de três casos de carcinomas invasores (10,7%). e um caso de carcinoma lobular in situ. Dentre as lesões benignas, as mais comuns foram as alterações fibrocísticas da mama, seguidas pela hiperplasia epitelial moderada florida sem atipias.

O valor preditivo de consenso na comparação entre o exame mamográfico e o exame histopatológico segundo a classificação de Le Gal foi: tipo 2 de 3,1%, tipo 3 de 18,1%, tipo 4 de 26,4% e tipo 5 de 66,7% e não classificável de 5,2%. Esta nomenclatura foi acrescentada à classificação de Le Gal, porque não havia a morfologia amorfa. Os tipos 2 e 3 e amorfa foram benignos na maioria dos exames histopatológicos, enquanto os tipos 4 e 5 foram altamente suspeitos para carcinoma (Tabela 1).

Para a categoria 2 de BI–RADSTM (lesões benignas), duas (1,5%) biópsias foram realizadas e o VPP de consenso para estas lesões foi zero. Para a categoria 3 de BI–RADSTM (lesões provavelmente benignas), 56 (43%) biópsias foram realizadas e o VPP de consenso foi de 1,8%. Para a categoria 4 de BI–RADSTM (lesões suspeitas de malignidade), 57 (44%) biópsias foram realizadas e o VPP de consenso foi de 31,6%. Para a categoria 5 de BI–RADSTM (lesões altamente suspeitas de malignidade), 17 (13%) biópsias foram realizadas e o VPP de consenso foi de 60%. O VPP para as categorias 4 e 5 combinadas foi de 60% (27 casos de 45 biopsiados) em comparação com as categorias 2 e 3, cujo resultado foi 1% (1 de 57 casos biopsiados), conforme Tabela 2.

Os valores de acurácia para as comparações entre as categorias de BI–RADSTM e de Le Gal de consenso dos dois examinadores e o exame histopatológico foi de 64,6 e 44,6%, sendo a sensibilidade a mesma de 96,4% e a especificidade do método de 55,9 e 30,3% respectivamente. O VPP de consenso foi de 27,5% para a classificação de Le Gal e de 37,5% para as categorias de BI–RADSTM, e mostrou–se altamente significativo (p<00001), de acordo com Tabelas 3 e 4.

Na reclassificação das mamografias dos casos operados pela classificação de Le Gal, teríamos encaminhado para exame anatomopatológico 98 casos (75,3%), sendo somente 28 casos (21,5%) diagnosticados como malignos, e deixaríamos de detectar um caso (0,7%) de malignidade. Por outro lado, evitaríamos cirurgia em 32 casos (24,6%). Quando comparamos com a classificação de BI–RADSTM, observamos que teríamos enviado 72 casos (55%) para exame anatomopatológico e diagnosticado 27 casos (37,5%) de cânceres. Teríamos evitado 58 cirurgias (45%) e não teríamos detectado um caso (0,7%) de câncer. Em ambas as classificações, o caso não detectado foi o de uma neoplasia lobular in situ, de achado incidental.

Dos 130 casos selecionados, classificados inicialmente como suspeitos, 102 (78%), revelaram ser benignos pelas classificações de Le Gal e BI–RADSTM, sendo, então, submetidos a cirurgias desnecessárias.

Discussão

A mamografia é considerada, atualmente, o método mais efetivo para rastreamento de câncer inicial de mama. As microcalcificações constituem um dos sinais radiológicos mais precoces relacionados ao carcinoma, que podem ser detectados pela mamografia. A alta sensibilidade observada em nosso estudo confirma a importância da mamografia em predizer malignidade no rastreamento do câncer de mama2. Atribuímos a baixa especificidade do estudo mamográfico observada em nosso trabalho à similaridade das características das microcalcificações mamárias, que podem ocorrer tanto em doenças benignas como malignas1. O VPP obtido no nosso estudo para as categorias de BI–RADS™ (37,5 %) foi mais alto que o descrito na literatura. Isto pode ser devido ao emprego da dupla leitura por dois examinadores experientes em radiologia mamária e/ou ao uso do diagnóstico de consenso, possibilitando a melhora na detecção diagnóstica. O VPP para a classificação de Le Gal (27,5%) foi um pouco abaixo do descrito na literatura e o VPP de consenso para todas as categorias de Le Gal foram discordantes com a literatura. Este resultado pode ser devido à dificuldade encontrada pelos examinadores em descrever a morfologia das microcalcificações pela classificação de Le Gal. Nesta descrição, foi considerada mais de uma característica morfológica e, na avaliação de consenso que fizemos, prevaleceu apenas a característica mais importante e a mais preditiva para o estudo1,13. Além disso, a classificação de Le Gal não tem a categoria descritiva de microcalcificações amorfas, existente na classificação de BI–RADSTM, razão pela qual criamos a categoria não classificável, cujo VPP em nosso estudo foi 5,2%.

Em nosso estudo, o VPP de consenso para as categorias de BI–RADSTM 2, 3 e 4 foram concordantes com a literatura1,12, exceto pelo VPP da categoria 5, que foi abaixo do esperado. Uma possível explicação para esta diferença é que o VPP para a categoria 5 leva em consideração além das microcalcificações mamárias, outros achados associados, tais como nódulos, densidades assimétricas e distorções arquiteturais, que aumentam a chance de malignidade à mamografia e que não estavam incluídos no nosso estudo4.

Dos 130 casos analisados em nosso trabalho, 28 casos eram malignos (21,5%), dentro da faixa de malignidade relatada na literatura, que varia de 9 a 45%13. Alguns estudos têm demonstrado que a freqüência de carcinoma ductal in situ diagnosticado devido ao achado de microcalcificações mamárias em mamografia é mais alta que a freqüência de carcinoma invasor. Dentre os tipos de carcinoma ductal in situ, o tipo sólido com comedonecrose é muito mais freqüentemente associado à microcalcificação do que os carcinomas in situ sem necrose2,13.

Um caso avaliado em nosso estudo e considerado pelos dois examinadores como benigno a mamografia, teve diagnóstico final de neoplasia lobular in situ. Esta lesão tem sido considerada mais como um marcador de risco, geralmente não detectado pela mamografia, e, em muitos casos, representa achado do exame histopatológico. No caso citado, as microcalcificações encontradas não estavam associadas à neoplasia lobular in situ, mas em áreas de lesão benigna, sendo este considerado um achado incidental.

Em nosso estudo, as microcalcificações mamárias detectadas à mamografia representaram 75,3 e 55,3% das biópsias de lesões não palpáveis de mama, pelas classificações de Le Gal e BI–RADSTM respectivamente. Nossos resultados empregando as duas classificações mostraram número elevado de casos suspeitos: 98 casos pela classificação de Le Gal e 72 casos pela classificação de BI–RADSTM. Com a utilização das duas classificações, teríamos reduzido o número de cirurgias em 24,6% para a classificação de Le Gal e 44,6% para a classificação de BI–RADSTM. Com a classificação de BI–RADSTM, teríamos diminuído ainda 26 cirurgias (20%) em relação à classificação de Le Gal, sem deixar de diagnosticar os mesmos números de casos malignos14.

A proposta de classificação das microcalcificações feita por Le Gal foi útil por ter sido uma das primeiras classificações mamográficas capaz de correlacionar as microcalcificações mamárias com a probabilidade de malignidade histopatológica e de nortear outras classificações mais completas, como a de BI–RADSTM. A classificação de BI–RADSTM conseguiu melhores resultados que a classificação de Le Gal, porém, sem ter conseguido ainda diminuir a ambigüidade dos resultados mamográficos com o exame histopatológico. Mais estudos, maior experiência com os critérios e o desenvolvimento de novas técnicas poderão melhorar a acurácia e a padronização das interpretações mamográficas para as microcalcificações mamárias.

Recebido: 13/04/2007

Aceito com modificações: 12/02/2008

Trabalho realizado na Maternidade Odete Valadares e Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil.

  • 1. Liberman L, Menell JH. Breast imaging reporting and data system (BIRADS). Radiol Clin North Am. 2002;40(3):40930.
  • 2. Chakrabarti J, Evans AJ, James J, Ellis IO, Pinder SE, Macmillan RD. Accuracy of mammography in predicting histological extent of carcinoma ductal in situ (DCIS). Eur J Surg Oncol. 2006;32(10):108992.
  • 3. Corn CC. Review of 125 site select stereotactic largecore breast biopsy procedures. Breast J. 2003;9(3):14752.
  • 4. Gülsün M, Dermikazik FB, Ariyürek M. Evaluation of breast microcalcifications according to Breast Imaging Reporting and Data System criteria and Le Gal's classification. Eur J Radiol. 2003;47(3):22731.
  • 5. Kouskos E, Gui GP, Mantas D, Revenas K, Rallis N, Antonopoulou Z, et al. Wire localisation biopsy of nonpalpable breast lesions: reasons of unsuccessful excision. Eur J Gynaecol Oncol. 2006;27(3):2626.
  • 6. Leung JW, Sickles EA. The probably benign assessment. Radiol Clin North Am. 2007;45(5):77389.
  • 7. Le Gal M, Chavanne G, Pellier D. Valeur diagnostique des microcalcifications groupées découvertes par mammographies. Bull Cancer. 1984;71(1):5764.
  • 8. American College of Radiology (ACR). Breast Imaging Reporting and Data System (BIRADSä). 4th ed. Reston: American College of Radiology; 2003.
  • 9. D'Orsi CJ, Newell MS. BIRADS decoded: detailed guidance on potentially confusing issues. Radiol Clin North Am. 2007;45(5):75163.
  • 10. Ellis IO. Ductal carcinoma in situ. In: Elston CW, Ellis IO, editors. The breast. 3rd ed. Edinburgh: Churchill Linvinstone; 1998. p. 24981.
  • 11. Page DL, Anderson TJ. Diagnostic histopathology of the breast. Edinburg: Churchill Livstone; 1987.
  • 12. Burnside ES, Ochsner JE, Fowler KJ, Fine JP, Salkowski LR, Rubin DL, et al.
  • 13. Use of microcalcifications descriptors in BIRADS 4th edition to stratify risk of malignancy. Radiology. 2007;242(2):38895.
  • 14. Salles MA, Matias MARF, Perez AA, Gobbi H. Carcinoma ductal in situ da mama: critérios para diagnóstico e abordagem em hospitais públicos de Belo Horizonte. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006;28(12):7217.
  • 15. Ernst MF, Roukema JA. Diagnosis of nonpalpable breast cancer: a review. Breast. 2002;11(1):1322.
  • Correspondência:
    Lúcio Márcio Perri de Resende
    Rua dos Otoni, 909, sala 908 – Santa Efigênia
    CEP 30150–270 – Belo Horizonte/MG
    Fone: (31) 3273–0393
    E–mail
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Recebido
      13 Abr 2007
    • Aceito
      12 Fev 2008
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br