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Avaliação da qualidade de vida de mulheres no climatério atendidas em hospital-escola na cidade do Recife, Brasil

Evaluation of quality of life of climacteric women assisted at a school hospital of Recife, Pernambuco, Brazil

Resumos

OBJETIVO: avaliar a qualidade de vida de mulheres no climatério, atendidas em um hospital-escola na cidade do Recife, Pernambuco, empregando o Medical Outcome Study 36-item Short Form Health Survey (MOS SF-36 Health Survey), o Women's Health Questionnaire (WHQ) e o índice de Blatt-Kupperman modificado. MÉTODOS: em estudo descritivo, transversal, foram avaliadas 233 mulheres atendidas entre fevereiro e junho de 2006. Em amostragem de conveniência, foram incluídas mulheres com idade entre 40 e 65 anos e concordância em participar da pesquisa, excluindo-se a com história prévia de ooforectomia bilateral, terapia hormonal no semestre antecedente à pesquisa e doenças descompensadas. Calculou-se o tamanho amostral, admitindo prevalência de sintomas climatéricos em 4% e precisão igual a 2,5%. Foram analisadas: saúde geral, componente físico e componente mental, obtidos com o MOS SF-36 Health Survey; qualidade de saúde pelo WHQ; e sintomatologia climatérica pelo índice de Blatt-Kupperman modificado. Os dados foram analisados com o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 13.0. RESULTADOS: a qualidade de vida foi classificada como ruim. Pelo MOS SF-36 Health Survey, identificou-se maior prejuízo no componente mental (18,5 versus 27,7% do físico), maiores perdas nas funções sociais (80,2%) e limitações por problemas emocionais (78,61%). Pelo WHQ, houve maior acometimento de distúrbios do sono (69,7%), sintomas somáticos (69,1%) e vasomotores (68,8%), sendo considerados regulares a função sexual e os sintomas menstruais. Os sintomas de deficiência estrogênica foram acentuados para 53% das mulheres. O aumento dos sintomas de hipoestrogenismo se acompanhou de piora da saúde geral e da saúde menopausal. CONCLUSÕES: pareceu plausível supor que a menopausa se configurou realmente como um evento biopsicossocial, mais do que orgânico, derivado predominantemente da deficiência estrogênica.

Climatério; Menopausa; Qualidade de vida


PURPOSE: to evaluate quality of life of climacteric women attended at a school hospital in Recife, Pernambuco, Brazil, adopting the Medical Outcome Study 36-item Short Form Health Survey (MOS SF-36 Health Survey) and the Women's Health Questionnaire (WHQ), as well as the modified Blatt-Kupperman index. METHODS: according to a descriptive, transversal study, 233 women, assisted from February to June 2006, were evaluated. Within a convenience sample, the inclusion criteria were age from 40 to 65 years old and agreement in participating of the research, excluding previous history of bilateral oophorectomy, hormonal therapy in the last semester and uncontrolled illnesses. The sample size was calculated admitting a prevalence of climacteric symptoms of 4% and a precision of 2.5%. The variables were: general health and physical and mental components based on the MOS SF-36 Health Survey; quality of health based on the WHQ and climacteric symptoms according to the modified Blatt-Kupperman index. Data were analyzed by the Statistical Package for Social Sciences, version 13.0 software. RESULTS: the quality of life was classified as bad. Based on the MOS SF-36 Health Survey, there was more damage in the mental component (18.53 versus 27.77% for physical components), higher losses in social functions (80.28%) and limitations for emotional problems (78.61%). According to WHQ, there were limitations due to sleep disturbances (69.77%), somatic (69.15%) and vasomotor symptoms (68.80%), considering regular sexual function and menstrual symptoms. Estrogenic deficiency symptoms were found in 53% of the women. The increase of hypoestrogenism symptoms were followed by worsening of general and menopausal health. CONCLUSIONS: it seemed reasonable to assume that menopause, for the researched women, was really configured as a biopsychosocial event, more than organic, derived predominantly from estrogenic deficiency.

Climacteric; Menopause; Quality of life


ARTIGOS ORIGINAIS

Avaliação da qualidade de vida de mulheres no climatério atendidas em hospital-escola na cidade do Recife, Brasil

Evaluation of quality of life of climacteric women assisted at a school hospital of Recife, Pernambuco, Brazil

Euvaldo Angeline da Silva FilhoI; Aurélio Molina da CostaII

IGinecologista do Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira – IMIP – Recife (PE), Brasil

IIProfessor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco – UPE – Recife (PE), Brasil

Correspondência Correspondência: Euvaldo Angeline da Silva Filho Rua Bruno Maia, 51, apto. 301 – Graças CEP 52011-110 – Recife/PE Fones: (81) 3222-5460/(81) 9626-7390

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a qualidade de vida de mulheres no climatério, atendidas em um hospital-escola na cidade do Recife, Pernambuco, empregando o Medical Outcome Study 36-item Short Form Health Survey (MOS SF-36 Health Survey), o Women's Health Questionnaire (WHQ) e o índice de Blatt-Kupperman modificado.

MÉTODOS: em estudo descritivo, transversal, foram avaliadas 233 mulheres atendidas entre fevereiro e junho de 2006. Em amostragem de conveniência, foram incluídas mulheres com idade entre 40 e 65 anos e concordância em participar da pesquisa, excluindo-se a com história prévia de ooforectomia bilateral, terapia hormonal no semestre antecedente à pesquisa e doenças descompensadas. Calculou-se o tamanho amostral, admitindo prevalência de sintomas climatéricos em 4% e precisão igual a 2,5%. Foram analisadas: saúde geral, componente físico e componente mental, obtidos com o MOS SF-36 Health Survey; qualidade de saúde pelo WHQ; e sintomatologia climatérica pelo índice de Blatt-Kupperman modificado. Os dados foram analisados com o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 13.0.

RESULTADOS: a qualidade de vida foi classificada como ruim. Pelo MOS SF-36 Health Survey, identificou-se maior prejuízo no componente mental (18,5 versus 27,7% do físico), maiores perdas nas funções sociais (80,2%) e limitações por problemas emocionais (78,61%). Pelo WHQ, houve maior acometimento de distúrbios do sono (69,7%), sintomas somáticos (69,1%) e vasomotores (68,8%), sendo considerados regulares a função sexual e os sintomas menstruais. Os sintomas de deficiência estrogênica foram acentuados para 53% das mulheres. O aumento dos sintomas de hipoestrogenismo se acompanhou de piora da saúde geral e da saúde menopausal.

CONCLUSÕES: pareceu plausível supor que a menopausa se configurou realmente como um evento biopsicossocial, mais do que orgânico, derivado predominantemente da deficiência estrogênica.

Palavras-chave: Climatério, Menopausa, Qualidade de vida

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate quality of life of climacteric women attended at a school hospital in Recife, Pernambuco, Brazil, adopting the Medical Outcome Study 36-item Short Form Health Survey (MOS SF-36 Health Survey) and the Women's Health Questionnaire (WHQ), as well as the modified Blatt-Kupperman index.

METHODS: according to a descriptive, transversal study, 233 women, assisted from February to June 2006, were evaluated. Within a convenience sample, the inclusion criteria were age from 40 to 65 years old and agreement in participating of the research, excluding previous history of bilateral oophorectomy, hormonal therapy in the last semester and uncontrolled illnesses. The sample size was calculated admitting a prevalence of climacteric symptoms of 4% and a precision of 2.5%. The variables were: general health and physical and mental components based on the MOS SF-36 Health Survey; quality of health based on the WHQ and climacteric symptoms according to the modified Blatt-Kupperman index. Data were analyzed by the Statistical Package for Social Sciences, version 13.0 software.

RESULTS: the quality of life was classified as bad. Based on the MOS SF-36 Health Survey, there was more damage in the mental component (18.53 versus 27.77% for physical components), higher losses in social functions (80.28%) and limitations for emotional problems (78.61%). According to WHQ, there were limitations due to sleep disturbances (69.77%), somatic (69.15%) and vasomotor symptoms (68.80%), considering regular sexual function and menstrual symptoms. Estrogenic deficiency symptoms were found in 53% of the women. The increase of hypoestrogenism symptoms were followed by worsening of general and menopausal health.

CONCLUSIONS: it seemed reasonable to assume that menopause, for the researched women, was really configured as a biopsychosocial event, more than organic, derived predominantly from estrogenic deficiency.

Keywords: Climacteric, Menopause, Quality of life

Introdução

É cada vez maior o número de mulheres que se preocupam em ter vida saudável, livre de incapacidades, doenças e sintomas desagradáveis que prejudicam o lazer, os relacionamentos interpessoais e o trabalho, mais do que apenas ter vida longa. As características de uma vida saudável são a essência do que significa qualidade de vida relacionada à saúde.

Na maioria das mulheres, o climatério desencadeia sintomas vasomotores, psicológicos, urogenitais, sexuais e de distúrbios do sono1-3, derivados do hipoestrogenismo, que comprometem sua qualidade de vida. Embora a relação entre esses sintomas e a qualidade de vida relacionada à saúde ainda seja assunto controverso e complexo, ela tem sido tema freqüente em pesquisas, porque seus resultados podem ajudar a definir condutas terapêuticas, assim como a avaliar a relação custo/benefício do cuidado prestado4.

Diversos instrumentos para avaliação da qualidade de vida relacionada ao climatério têm sido construídos desde 1970 e são agrupados em três categorias complementares: a) avaliação de medidas genéricas, relativas a diversos domínios de saúde geral, na qual se enquadra o Medical Outcome Study 36-item Short Form Health Survey (MOS SF-36 Health Survey), questionário que se baseia no pressuposto de que qualidade de vida é um construto subjetivo (percepção do indivíduo em questão), multidimensional e composto por dimensões positivas, tal como mobilidade, e negativas, como dor5,6; b) aferição de medidas específicas populacionais do climatério pelo Women's Health Questionnaire (WHQ)7; c) especificação dos sintomas de deficiência estrogênica e do bem-estar psicológico, empregando-se o índice de Blatt-Kupperman (ou índice de Kupperman)8,9.

Na revisão da literatura, só se localizou um trabalho empregando os três questionários na avaliação da qualidade de vida de mulheres climatéricas, realizado para validação do WHQ no Brasil, por Silva Filho et al.10, no qual são comparadas as médias de pontuações, sem, contudo, determinar o impacto do climatério na saúde dessas mulheres, como recomendam Zöllner et al.11. A associação desses questionários poderá permitir a identificação de necessidades específicas das mulheres climatéricas na cidade do Recife, Pernambuco, direcionando uma assistência mais adequada e possibilitando a implantação de políticas de saúde que lhes confiram melhor qualidade de vida.

O presente artigo objetiva avaliar a qualidade de vida de mulheres no climatério, atendidas em um hospital-escola na cidade do Recife, empregando o MOS SF-36 Health Survey, o WHQ e o índice de Kupperman modificado.

Métodos

Por meio de estudo descritivo, de corte transversal, foram analisadas 233 mulheres, atendidas no período de fevereiro a junho de 2006, encaminhadas pelo Ambulatório Geral ao Ambulatório de Climatério de um serviço universitário, com queixa de sintomas relacionados ao climatério, com idade de 40 a 65 anos, incluindo pré-, peri- e pós-menopausa, e que concordaram em participar da pesquisa após assinatura do termo de consentimento livre esclarecido. Foram excluídas as pacientes com história prévia de ooforectomia bilateral, histerectomia, uso de terapia hormonal nos seis meses antecedentes à coleta dos dados e presença de doenças concomitantes e descompensadas, tais como diabetes mellitus e hipertensão arterial.

A partir das estatísticas de atendimento do Serviço de Climatério, identificou-se um total mensal mediano de atendimento a mulheres, em 2004, de 4.892, ou seja, 19.568 atendimentos em quatro meses, que foi considerado como o tamanho da população para efeito de cálculo. Admitindo-se, na fórmula de Pocock12, tamanho populacional igual a 19.568 pacientes, nível de significância de 5%, prevalência de sintomas climatéricos estimada em 75%13, precisão igual a 5,52% e efeito igual a 1, o tamanho da amostra foi estimado em 234 mulheres, mas uma foi excluída por ter se negado a responder ao questionário de saúde geral MOS SF-36 Health Survey.

Foram utilizados quatro instrumentos de coleta de dados. No primeiro, investigaram-se as características socioeconômicas, sociodemográficas e ginecológicas das mulheres pesquisadas, referentes a idade, estado civil, escolaridade, ocupação, história reprodutiva e classe social Brasil, determinada com base nos critérios da Classificação Econômica Brasil, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa14, obtida por meio da conversão da soma de pontos referentes ao grau de instrução da mulher pesquisada e à quantidade de bens de consumo existentes em sua casa, em uma das sete classes econômicas Brasil.

Os outros três questionários foram o MOS SF-36 Health Survey, validado, no Brasil por Ciconelli et al.15; o WHQ, validado no Brasil por Silva Filho et al.10; e o índice menopausal de Kupperman modificado9. Neste, cada sintoma climatérico foi transformado em uma pergunta adequada ao linguajar local. Essa alteração foi adotada também para padronização metodológica da coleta de dados, mas não se acompanhou de modificação do peso de cada sintoma na soma total de pontos, nem tampouco no ponto de corte da conversão dessa soma em escala de Likert16, para possibilitar a comparação desses resultados ao de outros estudos9.

Para o cálculo da pontuação de saúde geral, componente físico e componente mental do MOS SF-36 Health Survey procedeu-se a: a) conversão das respostas em pontos, com reversão nos itens relativos a dor, percepção do estado geral de saúde, vitalidade, funções sociais e saúde mental; b) conversão da soma de pontos de cada domínio em escala Z, empregando as médias e desvios padrão do padrão americano de 199817 a referência é de 1992; c) correspondência entre a maior pontuação e o melhor estado de saúde.

A pontuação de cada dimensão do WHQ foi obtida pela soma dos pontos dos itens que a compuseram, convertida em uma escala percentual, admitindo-se pontuação revertida das questões que abordam aspectos favoráveis da qualidade de vida. A maior pontuação correspondeu ao pior estado de saúde; assim, ótimo estado de saúde correspondeu à pontuação igual a 0; regular, à pontuação igual a 50%; ruim, entre 50 e 100%; e péssima, igual a 100%.

A sintomatologia do climatério, obtida por meio do índice menopausal de Kupperman com modificações do enunciado dos sintomas, convertida em escala de Likert16, foi considerada leve quando o índice foi menor que 19 pontos; moderada, quando entre 20 e 35 pontos; e acentuada, quando a soma de pontos foi igual ou maior que 35 pontos.

Os dados foram colhidos pelo próprio pesquisador, no momento do atendimento às mulheres, na qualidade de médico assistente no Serviço de Climatério do Ambulatório da Mulher, aplicando-se uma entrevista estruturada com base no questionário de levantamento de condições socioeconômicas, sociodemográficas e ginecológicas, seguindo-se a aplicação do índice menopausal de Kupperman e dos questionários WHQ e MOS SF-36 Health Survey, por meio da leitura de cada questão e anotação da resposta da paciente no formulário próprio.

Os dados de todos os questionários foram processados em banco de dados, por meio do programa Epi-Info, versão 6.04d, do Center for Disease Control and Prevention da Organização Mundial de Saúde (OMS). Após crítica da consistência dos dados, a análise foi feita por meio do programa Social Package for Social Sciences (SPSS), versão 13.0. Para as variáveis em escala nominal ou ordinal, empregaram-se os parâmetros da estatística descritiva referentes à distribuição de freqüências absolutas e relativas. Para as variáveis em escala intervalar, foram utilizados: mediana, média, desvio padrão e amplitude de variação. Quanto à categorização da soma de pontos por meio da escala de Likert16, empregando como pontos de corte os valores dos quartis, neste artigo, optou-se por adotar a metodologia proposta por Saris-Baglama et al.18 – uma vez que os valores médios das pontuações podem variar grandemente de um estudo para outro e podem ainda não ser estatisticamente representativo, quando houver grande variabilidade de pontuações.

A apresentação dos resultados foi feita por meio de tabelas e figuras, elaboradas conforme as normas de apresentação tabular do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP), em Recife, em obediência aos postulados do Código de Nuremberg e da Declaração de Helsinque, emendada em Hong-Kong, em 2000, e à resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

As 233 mulheres menopausadas tinham média de idade igual a 55±6,1 anos, com variação entre 40 e 65 anos, e eram de classe social E (58,8%). Quanto ao estado civil, 61,6% declararam-se casadas, mas 66,1% afirmaram ter companheiro fixo. Dentre as respondentes, predominou nível de escolaridade até a quarta série do ensino básico (65,4%), conforme demonstrado na Tabela 1.

A saúde geral, avaliada pelo MOS SF-36 Health Survey, correspondeu a 46,3% do total ideal padrão dos Estados Unidos da América de 199817. Admitindo-se que 50% da saúde geral dependem do componente físico (funções físicas, limitações devido à saúde física, dor, percepção do estado geral de saúde) e 50%, do componente de saúde mental (vitalidade, funções sociais, limitações por problemas emocionais, saúde mental), as mulheres pesquisadas os avaliaram como iguais a 27,8 e 18,5%, respectivamente. Significa dizer que foi no componente mental que indicaram o maior prejuízo (Figura 1).


A partir do detalhamento dos domínios da saúde geral, considerando também como padrão os percentuais da população feminina americana de 199817, constatou-se que, em todos os domínios, a qualidade de vida foi sempre menor que 21% do total ideal. Em percentuais, as maiores perdas de qualidade de vida ocorreram nos domínios de funções sociais (82,3%) e limitações por problemas emocionais (78%), seguindo-se os domínios de limitações devido à saúde física (72,4%), prejuízo à saúde mental (62,3%), presença de dor física (62,2%), perda de funções físicas (61,5%), redução da saúde geral (59,7%) e perda da vitalidade (45,2%), de acordo com a Figura 2.


Avaliação da saúde relacionada à menopausa pelo WHQ

Considerando que a qualidade da saúde relativa à menopausa é tão melhor quanto menor a pontuação atribuída pela paciente às dimensões do WHQ, a maioria das pacientes classificou sua saúde como ruim (entre 50 e 100%), exceção feita às dimensões de função sexual e sintomas menstruais, que puderam ser classificadas como regulares. Houve maior acometimento nas dimensões distúrbios do sono (69,8%), sintomas somáticos (69,2%) e sintomas vasomotores (68,8%), conforme a Figura 3.


Avaliação das alterações de saúde pelo índice de Kupperman

A intensidade dos sintomas de deficiência estrogênica foi classificada como acentuada por 52,8% das mulheres pesquisadas. Os sintomas artralgia ou mialgia, vasomotores e de nervosismo mais freqüentemente foram percebidos como de grau acentuado, enquanto que os sintomas referentes a insônia e parestesias foram classificados como moderados. O único sintoma mais freqüentemente referido como de grau leve foi fraqueza (Tabela 2).

Comparação das avaliações de qualidade de vida

Para que se pudessem comparar as três avaliações do estado de saúde, nesta análise, consideraram-se a média das pontuações dos instrumentos de avaliação e o complemento da pontuação de cada paciente para o WHQ, estabelecendo uma relação direta entre o valor da pontuação e o estado de saúde, tal como ocorre para MOS SF-36 Health Survey e o índice de Kupperman.

Observou-se que o aumento dos sintomas de hipoestrogenismo, avaliados pelo índice de Kupperman, se acompanhou de piora da saúde geral (MOS SF-36 Health Survey) e da saúde menopausal (WHQ). Na saúde geral, avaliada pelo MOS SF-36 Health Survey, a perda de qualidade deveu-se mais à piora do componente mental, que se reduziu em média em 5,5% (de 22,6%, no índice de Kupperman leve, para 17,1%, no acentuado), do que ao componente físico, cuja variação média igualou-se a 4,7% (de 30,7%, no índice de Kupperman leve, para 26%, no acentuado). Quanto à saúde menopausal (WHQ), identificou-se que seu comprometimento foi acompanhado pelo agravamento da sintomatologia devido ao hipoestrogenismo (29% no índice de Kupperman leve e 33,2% no acentuado), num percentual médio de 4,2% (Figura 4).


Discussão

No presente estudo, buscou-se maior abrangência do tema climatério/menopausa, pesquisando mulheres na faixa etária de 40 a 60 anos, para incluir os períodos pré-, peri- e pós-menopausal, como sugerido por diversos autores19-21. Embora as modificações hormonais devidas à menopausa sejam similares, a experiência menopausal varia com a idade em que os sintomas começam a ser percebidos pela mulher21.

Buscou-se determinar um perfil da saúde da mulher climatérica com base no impacto que os sintomas menopausais exerceram. Disso derivou o emprego de três questionários, tal como recomendado por Zöllner et al.11.

O questionário MOS SF-36 Health Survey permitiu que as mulheres pesquisadas fizessem uma avaliação de si mesmas e de suas relações interpessoais, ou seja, determinassem sua qualidade de vida como um ser biopsicossocial. A predominância de qualidade de vida ruim pareceu estar mais relacionada aos itens aspectos físicos e estado geral do componente físico, assim como aos itens vitalidade, aspectos emocionais e saúde mental, do componente mental. Embora o envelhecimento possa ter contribuído para a percepção de uma qualidade de saúde geral ruim, esse resultado pode ter sido conseqüente ao predomínio de mulheres com ocupação exclusiva do lar ou aposentadas, que corresponderam a 81,1% da amostra, assim como a falta de hábito da prática de esportes. Esses fatores têm sido apontados como capazes de comprometer a percepção da qualidade de vida principalmente de mulheres com características socioeconômicas e de escolaridade semelhantes às deste estudo22,23.

Quanto à atividade física, esta é associada com saúde física, psicológica e social e tem um impacto positivo na qualidade de vida relacionada à saúde. Num estudo tipo caso-controle24, ao examinarem os efeitos da atividade física na qualidade de vida de 48 mulheres com idade entre 55 e 72 anos, menopausadas, os autores identificaram que o grupo submetido a exercícios físicos adequados para idade e estado de saúde, durante 12 meses, tiveram melhora significante na qualidade de vida, assim como apresentaram redução de 50 para 37,5% de mulheres com pontuação do índice menopausal de Kupperman maior que 35 pontos. Comparando o grupo submetido a exercícios com o sedentário, identificaram também um decréscimo da severidade de sintomas menopausais (58,3 contra 66,7%, respectivamente).

Estudo envolvendo 133 mulheres com idade de 44 a 60 anos, submetidas a atividades físicas durante 12 meses, concluiu que, além de melhora da percepção de severidade dos sintomas menopausais, o sentimento de vigor físico atua positivamente na sensação psicológica de bem-estar, na vitalidade, na saúde mental e nos aspectos emocionais, embora essa relação possa ser mediada por outros fatores25.

Esses resultados também foram identificados no presente estudo, porque a mulher que avaliou como ótimo o componente físico não considerou que os sintomas de deficiência estrogênica comprometiam sua qualidade de vida, ao passo que aquelas que consideraram ruim sua qualidade de vida mental mais freqüentemente, tinham sintomas menopausais severos.

No WHQ, a avaliação não contemplou os sentimentos derivados do convívio com as pessoas, mas restringiu-se à mulher voltada às alterações percebidas em seu corpo e que são atribuídas ao climatério; no índice de Kupperman modificado, avaliou-se exclusivamente o comprometimento da qualidade de vida por alterações fisiológicas derivadas da insuficiência estrogênica. A intensidade desses sintomas é mais severa em mulheres que perderam seu papel social e não redefiniram seus objetivos existenciais26, assim como dentre aquelas mais pobres e com baixo nível de escolaridade27, características identificadas na presente amostra, na qual as pacientes tinham baixo nível socioeconômico, eram predominantemente de classe social Brasil E e, em sua maioria, com escolaridade até ensino básico incompleto.

O maior comprometimento da saúde menopausal no domínio dos distúrbios do sono, verificado no presente estudo, tem sido relacionado à diminuição dos níveis de serotonina, promovendo redução da continuidade do sono, aumento dos períodos de movimentos oculares rápidos (REM) e lentificação das ondas cerebrais no sono3. No entanto, também têm sido atribuídos ao aumento da concentração noturna de melatonina2.

Quanto aos sintomas vasomotores, o hipoestrogenismo da menopausa, sozinho, não os explica. Admite-se, atualmente, que o hipoestrogenismo promove desequilíbrio do sistema termorregulador hipotalâmico. A temperatura corporal normal varia entre uma resposta de aquecimento, desencadeada pela perda de calor (que se manifesta por calafrios), e uma resposta de resfriamento, desencadeada pelo aquecimento corpóreo fisiológico (pelo exercício físico) ou patológico (por febre). Entre esses limites extremos, o sistema termorregulador promove ajustes finos de temperatura numa zona neutra que é afetada por variações do fluxo sanguíneo. Na menopausa, o hipoestrogenismo promove o estreitamento da zona neutra da termorregulação, por redução do limite de tolerância de calor, de tal forma que o hipotálamo desencadeia reações de vasodilatação e de sudorese, cujas expressões são o fogacho e os suores noturnos, respectivamente1,2.

A concordância entre as avaliações feitas a partir dos domínios do WHQ e a severidade dos sintomas do índice menopausal de Kupperman modificado indicou a valorização dada pelas mulheres pesquisadas aos sintomas menopausais, desvalorizando outros aspectos que interferem sobre a qualidade de vida. Pelo fato de terem pontuado como ruim o humor deprimido, os sintomas vasomotores, as dificuldades cognitivas, a ansiedade e a atratividade, domínios que interferem diretamente com os inter-relacionamentos sociais, parece plausível supor que a menopausa, para essas mulheres, se configura realmente como um evento biopsicossocial, mais do que orgânico, derivado exclusiva ou predominantemente da deficiência estrogênica28,29.

O climatério abrange não apenas os sintomas decorrentes da deficiência estrogênica, mas, acima de tudo, um contexto amplo que contempla a mulher inserida num meio social, no qual mantém inter-relações de diversas naturezas, para que possa usufruir de todo seu potencial criativo e construtor. Dessa forma, sua percepção dos sintomas e dos sentimentos desencadeados pelo climatério determinará sua qualidade de vida28,30.

O médico, nesse contexto, participa como um confidente disposto a ouvir, interpretar e criar condições para suprir, pelo menos em parte, as necessidades básicas da mulher menopausada, ensinando-lhe o que é próprio de seu organismo nesse período fisiológico e o que deve ser aprendido como resiliência. No entanto, toda essa dimensão transcorre dentro de um ambiente social adverso, mormente para as pacientes pesquisadas, para as quais o climatério pareceu ter promovido mais que uma deficiência estrogênica. O resultado da presente pesquisa mostrou que as pacientes avaliadas vivenciavam o climatério não apenas como um conjunto de sintomas, mas, sobretudo, como processo que comprometia seu bem estar biopsicossocial, demonstrando reduzida auto-estima, tal como referido por outros autores28,31.

Um dos maiores aprendizados, na realização da presente pesquisa, foi a identificação de que a aplicação dos questionários, per si, já se constituía numa consulta médica, dada a riqueza de informações e de respostas das pacientes. Delas, exigiam-se franqueza e disponibilidade de se arriscarem a verbalizar sentimentos de foro íntimo, que habitualmente não são in vestigados; do médico, exigiu-se uma disposição de traduzir o conteúdo de tais informações para uma realidade que ultrapassava a informação fisiológica, enriquecendo a relação médico-paciente30,31.

Também foi um teste de habilidade de ambas as partes. As pacientes tiveram que vencer as dificuldades de refletir sobre sua qualidade de vida e o médico de perceber o quanto uma consulta médica se distancia das necessidades da paciente climatérica28. Habitualmente, a paciente expressa fácies aflita ao ouvir as opções de resposta que o questionário possibilita e tem dificuldade de escolher a que mais se assemelha a sua real percepção. Essa dificuldade aumenta o tempo de aplicação do questionário de dez7,17,18 para 15 minutos ou mais.

Desse aprendizado, surge a recomendação de que, se não por completo, no mínimo em parte, as questões abordadas no MOS SF-36 Health Survey e no WHQ devem compor a consulta de mulheres climatéricas25. Isso se justifica pela dificuldade que a aplicação completa desses questionários representou. Foi o desafio de mudar o comportamento frente a essas pacientes. No entanto, essas dificuldades não são obstáculos para admitir a possibilidade de contemplar a paciente como um todo30.

Recebido: 5/6/2007

Aceito com modificações: 15/2/2008

Trabalho realizado no Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira – IMIP – Recife (PE), Brasil.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      15 Fev 2008
    • Recebido
      05 Jun 2007
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