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Modificações do estilo de vida na síndrome dos ovários policísticos: papel do exercício físico e importância da abordagem multidisciplinar

Lifestyle modifications in the polycystic ovary syndrome: role of physical exercise and importance of multidisciplinary approach

Resumos

A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é uma desordem endócrina heterogênea com prevalência de 5 a 10% nas mulheres em idade reprodutiva. Na SOP, há associação com vários fatores de risco para desenvolvimento de doença cardiovascular, como resistência à insulina, dislipidemia, diabetes mellitus, hipertensão arterial, disfunção endotelial, obesidade central, síndrome metabólica e marcadores pró-inflamatórios crônicos. A prática de exercício físico, juntamente com orientação nutricional, tem sido recomendada como estratégia de primeira linha no tratamento da oligomenorréia, hirsutismo, infertilidade e obesidade nas mulheres com SOP. Nesse sentido, o objetivo da presente revisão foi analisar o papel específico do exercício e/ou atividade física nas modificações da composição corporal, sistema cardiovascular, níveis plasmáticos bioquímicos e hormonais e função reprodutiva de mulheres com SOP.

Exercício; Educação alimentar e nutricional; Síndrome do ovário policístico; Resistência à insulina; Doenças cardiovasculares


The polycystic ovaries syndrome (POS) is a heterogeneous endocrinal disorder prevalent in 5 to 10% of women in reproductive age. In POS, there is an association with risk factors linked to the development of cardiovascular disease such as insulin resistance, dislipidemia, diabetes mellitus, arterial hypertension, endothelial dysfunction, central obesity, metabolic syndrome and chronic pro-inflammatory markers. Physical exercise practice together with nutritional guidance have been recommended as first rate strategies in the treatment of oligomenorrhea, hirsutism, infertility and obesity in POS women. This way, the objective of the present review was to analyze the specific role played by exercise and/or physical activity in changes of the body shape, in biochemical and hormonal plasmatic levels, and in the POS women’s reproductive function.

Exercise; Food and nutrition education; Polycystic ovaries syndrome; Insulin resistance; Cardiovascular diseases


ARTIGO DE REVISÃO

Modificações do estilo de vida na síndrome dos ovários policísticos: papel do exercício físico e importância da abordagem multidisciplinar

Lifestyle modifications in the polycystic ovary syndrome: role of physical exercise and importance of multidisciplinary approach

George Dantas de AzevedoI; Eduardo Caldas CostaII; Maria Thereza Albuquerque Barbosa Cabral MicussiII; Joceline Cássia Ferezini de SáII

IDoutor, Professor Adjunto do Departamento de Morfologia e Orientador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde (PPGCSa) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil

IIPós-graduandos do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde (PPGCSa) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil

Correspondência Correspondência: George Dantas de Azevedo Departamento de Morfologia do Centro de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte BR 101, Lagoa Nova – Campus Universitário 59078-970 – Natal/RN Fone: (84) 3215-3431 E-mail: georgedantas@uol.com.br

RESUMO

A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é uma desordem endócrina heterogênea com prevalência de 5 a 10% nas mulheres em idade reprodutiva. Na SOP, há associação com vários fatores de risco para desenvolvimento de doença cardiovascular, como resistência à insulina, dislipidemia, diabetes mellitus, hipertensão arterial, disfunção endotelial, obesidade central, síndrome metabólica e marcadores pró-inflamatórios crônicos. A prática de exercício físico, juntamente com orientação nutricional, tem sido recomendada como estratégia de primeira linha no tratamento da oligomenorréia, hirsutismo, infertilidade e obesidade nas mulheres com SOP. Nesse sentido, o objetivo da presente revisão foi analisar o papel específico do exercício e/ou atividade física nas modificações da composição corporal, sistema cardiovascular, níveis plasmáticos bioquímicos e hormonais e função reprodutiva de mulheres com SOP.

Palavras-chave: Exercício, Educação alimentar e nutricional, Síndrome do ovário policístico, Resistência à insulina; Doenças cardiovasculares

ABSTRACT

The polycystic ovaries syndrome (POS) is a heterogeneous endocrinal disorder prevalent in 5 to 10% of women in reproductive age. In POS, there is an association with risk factors linked to the development of cardiovascular disease such as insulin resistance, dislipidemia, diabetes mellitus, arterial hypertension, endothelial dysfunction, central obesity, metabolic syndrome and chronic pro-inflammatory markers. Physical exercise practice together with nutritional guidance have been recommended as first rate strategies in the treatment of oligomenorrhea, hirsutism, infertility and obesity in POS women. This way, the objective of the present review was to analyze the specific role played by exercise and/or physical activity in changes of the body shape, in biochemical and hormonal plasmatic levels, and in the POS women’s reproductive function.

Keywords: Exercise, Food and nutrition education, Polycystic ovaries syndrome, Insulin resistance, Cardiovascular diseases

Introdução

A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é uma desordem endócrina heterogênea apresentada por 5 a 10% das mulheres em idade reprodutiva1,2. O diagnóstico dessa síndrome é firmado na presença de dois dos três fatores seguintes: anovulação crônica; sinais clínicos e/ou bioquímicos de hiperandrogenismo e presença de padrão ultra-sonográfico ovariano policístico3.

Além dos aspectos supracitados, é comum, na SOP, a presença de fatores de risco para desenvolvimento de doença cardiovascular (DCV), tais como resistência à insulina4, dislipidemia5, diabetes mellitus6, hipertensão arterial sistêmica6, disfunção endotelial7, obesidade central8 e marcadores pró-inflamatórios crônicos9, além de baixa aptidão física10.

No tocante às repercussões cardiovasculares, tem sido demonstrada elevada prevalência de síndrome metabólica (SM) nas mulheres com SOP, inclusive no Brasil, conforme demonstrado recentemente. Evidencia-se elevada prevalência de SM em mulheres com SOP (28,4%) na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, especialmente no subgrupo de mulheres obesas (52,3%)11. Uma vez que ainda não existem resultados de estudos com seguimento por tempo suficiente para avaliar a morbimortalidade por DCV nas mulheres com SOP, há necessidade de se desenvolver estudos de coorte especialmente desenhados para esse fim, com o intuito de verificar prováveis fatores de risco e possibilitar intervenções preventivas. Pelas características metodológicas inerentes a estudos dessa natureza, torna-se inviável a obtenção de resultados imediatos, motivo pelo qual se realizou previamente um estudo com metodologia de caso-controle, visando determinar a associação entre a ocorrência de irregularidade menstrual na idade reprodutiva e fatores de risco cardiovascular no período após a menopausa12.

No estudo citado, o antecedente de ciclos menstruais irregulares, que se constitui num dos principais indicadores de SOP, esteve associado ao aumento da razão de chance para ocorrência de hipertensão arterial [Odds Ratio ajustado (OR)=2,4; 95% de intervalo de confiança (IC)=1,395,41], hipercolesterolemia (OR=2,32; IC95%=1,174,59), hipertrigliceridemia (OR=2,09; IC95%=1,104,33) e angioplastia coronariana (OR=6,69; IC95%=1,4331,21). Após ajuste para potenciais fatores de confusão também relacionados com o risco cardiovascular, tais como idade, índice de massa corpórea (IMC), antecedente familiar de DCV, tabagismo e inatividade física, o grupo de mulheres com irregularidade menstrual prévia apresentou maior chance para a ocorrência de algum fator de risco cardiovascular na pós-menopausa (OR=2,14; IC95%=1,024,48), quando comparadas àquelas com histórico de ciclos regulares prévios12.

Com base nesses resultados e considerando a relevância do tema em questão, torna-se necessária a abordagem preventiva dos fatores de risco identificáveis durante a vida reprodutiva da mulher, no sentido de minimizar a ocorrência futura de eventos mórbidos relacionados ao sistema cardiovascular, visto que estes constituem a principal causa de mortalidade na população feminina em nosso meio13.

Na atualidade, os objetivos do tratamento na SOP não se restringem à abordagem das repercussões reprodutivas, como infertilidade, anovulação e hirsutismo, sendo também direcionados para a promoção e prevenção da saúde cardiovascular. Nesse sentido, grande destaque tem sido dado às medidas não-farmacológicas, especialmente a orientação nutricional e prática regular de exercício e/ou atividade física. Apesar das estratégias de tratamento de longa duração – mais efetivas para a SOP – não serem totalmente conhecidas14, parece ser fato que mudanças no estilo de vida, com modificações na dieta15-17, prática regular de exercício físico e perda de peso15-21 sejam mandatórias, somado à cessação do tabagismo, controle do estresse e consumo moderado de álcool15.

A prática regular de exercício físico tem sido recomendada como uma das estratégias de primeira linha no tratamento da obesidade, hiperandrogenismo e infertilidade das mulheres com SOP18,22. O exercício constitui-se num modulador positivo dos fatores de risco cardiovascular nessas mulheres23, tornando-se sua prática elemento indispensável no planejamento terapêutico15.

Apesar da relevância clínica, o exercício físico ainda tem sido pouco explorado como "ferramenta"terapêutica no tratamento da SOP, existindo apenas um discreto número de trabalhos científicos com esse foco específico. Além disso, não há aprofundamento acerca do tipo, intensidade, freqüência, duração e progressão dessa prática nas pacientes com SOP. Nesse sentido, o objetivo dessa revisão foi analisar o papel do exercício físico nas modificações da composição corporal, sistema cardiovascular, níveis bioquímicos e hormonais plasmáticos, assim como na função reprodutiva de mulheres com SOP.

Foi realizada revisão da literatura científica, por meio das bases de dados SciELO, Medline e Web of Science, selecionando-se estudos prospectivos de intervenção que envolveram a abordagem de exercício e atividade física em mulheres com SOP. A busca dos artigos foi realizada utilizando a palavra chave "polycystic ovary syndrome", que foi cruzada com os seguintes descritores: "exercise", "physical activity", "physical exercise", "exercise training", "physical training", "resistance training"e "lifestyle modification". Foram revisados os artigos de intervenção publicados até abril de 2008 e a seleção dos artigos incluiu como critério obrigatório uma duração mínima da intervenção de 12 semanas, independente do programa de exercícios físicos ter sido realizado isoladamente ou em associação com outra medida terapêutica, dietética e/ou medicamentosa.

A Tabela 1 sintetiza os principais estudos envolvendo a prática regular de exercício físico e seus efeitos sob diversos parâmetros de saúde em mulheres com SOP. Particularidades desses estudos serão discutidas a seguir.

Efeitos sobre a composição corporal

Mulheres com SOP e sobrepeso apresentam elevada prevalência de obesidade central, aspecto que se correlaciona diretamente com resistência aumentada à insulina24. Huber-Huber-Buchholz, Carey e Norman18 mostraram que, após seis meses de exercício e dieta, mulheres obesas com SOP obtiveram alteração positiva na composição corporal, com redução da circunferência da cintura, melhora na sensibilidade à insulina, diminuição da insulina basal e redução do nível de hormônio luteinizante (LH), mesmo com baixo nível de perda da massa corporal total (2 a 5%). Entretanto, esses achados só foram observados nas pacientes responsivas à intervenção, ou seja, as que se tornaram ovulatórias no decorrer e/ou no final da pesquisa.

A redistribuição da massa corporal gorda parece ser ainda mais importante do que sua perda, visto que a diminuição da obesidade central se acompanha de melhora na sensibilidade à insulina, com conseqüente impacto positivo na restauração da função ovariana18.

Confirmando os resultados do estudo anteriormente citado, Randeva et al.23 observaram resultados similares, após seis meses de prática regular de exercício aeróbico, com redução da relação cintura-quadril (RCQ), um parâmetro referente à obesidade central, mas sem evidenciarem alteração do IMC. Nesse estudo, foi utilizada a caminhada como forma de exercício; no primeiro trimestre, as voluntárias realizaram a atividade proposta três vezes por semana, somando 20 minutos por sessão; já no segundo trimestre de intervenção, houve incremento na duração e na freqüência dessa prática, sendo as caminhadas realizadas cinco vezes por semana, com acúmulo de aproximadamente 40 minutos por dia.

Ao se comparar os efeitos da mudança do estilo de vida com dieta e exercício físico (Grupo 1), utilização de metformina (Grupo 2) e combinação entre dieta, exercício e metformina (Grupo 3) em mulheres com SOP, observou-se que, em todos os grupos, houve diminuição da massa corporal total, sendo a perda de peso mais significativa no Grupo 314. Os autores deste estudo utilizaram 150 minutos de atividade física por semana como recomendação padrão para essas pacientes14.

Utilizando desenho metodológico mais apropriado, Bruner, Chad e Chizen17 desenvolveram o primeiro estudo com uma prescrição de exercício mais refinada para pacientes com SOP, constando da combinação de exercício aeróbico (caminhada e ciclismo estacionário) com exercícios resistidos (musculação). Os autores avaliaram o efeito desse programa associado ao aconselhamento nutricional, em comparação ao aconselhamento nutricional isolado. Após 12 semanas de intervenção, não foram observados efeitos significativos na perda de massa corporal e IMC. Entretanto, no tocante à circunferência da cintura, foi observada evolução semelhante em ambos os grupos, com diminuição da ordem de 5%. Por outro lado, em relação ao somatório de dobras cutâneas, referência de percentual de gordura corporal total, somente o grupo que realizou exercício evoluiu de forma significativa, em comparação ao período pré-intervenção, com redução de 12%. Isso leva a crer que as voluntárias que se exercitaram ganharam massa muscular e houve redução do percentual de gordura corporal total, apesar de não haver redução da massa corporal total e do IMC.

Ainda nesse estudo, um achado interessante no que diz respeito à taxa metabólica de repouso (TMR): o grupo que realizou exercício obteve aumento de 9% nessa variável, ao contrário do grupo controle, que teve redução de 1%. Apesar da ausência de significância17, esse dado não deve ser ignorado do ponto de vista clínico, principalmente por se tratar de aspecto relevante na manutenção da massa corporal.

Outros estudos analisaram intensidades de exercício e parâmetros diferentes. Observou-se que, após três meses de um programa de exercício aeróbico, numa freqüência de três vezes por semana, 30 minutos de duração e intensidade entre 60 a 70% do VO2max, houve redução do IMC, circunferência da cintura e RCQ19. Em outro estudo, em que se empregou prescrição de exercício semelhante no que se refere ao tipo, intensidade, duração e freqüência, foram analisados os efeitos do treinamento físico seguido de destreinamento nas pacientes com SOP20. A amostra foi dividida em dois grupos: o Grupo 1 realizou 24 semanas de um programa de exercício aeróbico moderado, e o Grupo 2 realizou um período de 12 semanas do mesmo protocolo, seguido por 12 semanas sem exercícios, retornando ao estado sedentário. Em ambos os grupos, houve semelhante diminuição do IMC, circunferência da cintura e RCQ, após 12 semanas de intervenção. Por outro lado, na segunda avaliação, realizada 24 semanas após o início do estudo, o grupo que manteve o programa de exercícios físicos continuou evoluindo favoravelmente em todos os parâmetros descritos, ao contrário do grupo que sofreu destreinamento, o qual involuiu em todas as variáveis, retornando ao perfil do período pré-intervenção20.

Apesar das inconsistências existentes em relação ao tipo, intensidade e freqüência dos programas de exercícios físicos a serem utilizados em mulheres jovens com SOP, os resultados dos estudos disponíveis indicam que a prática regular de exercício físico deve ser incentivada e mantida por um período prolongado nas mulheres com SOP, tendo em vista que um curto período de cessação da atividade física pode provocar anulação dos benefícios previamente alcançados20.

De forma dicotomizada, Palomba et al.21 compararam os efeitos isolados da dieta alimentar (Grupo 1) e da prática de exercício físico (Grupo 2) na função reprodutiva de mulheres com SOP, incluindo também avaliação de parâmetros relativos à composição corporal. Nesse sentido, também utilizaram a mesma metodologia de treinamento proposta por Vigorito et al.19. Os autores verificaram mudanças significativas em ambas as intervenções no que diz respeito à massa corporal, IMC, circunferência da cintura e RCQ, mas apenas nas pacientes consideradas responsivas às intervenções, ou seja, aquelas que se tornaram ovulatórias no decorrer do estudo.

Parâmetros cardiovasculares

A SOP representa um complexo modelo biológico no que concerne à relação entre perfil hormonal e risco cardiovascular. Nas mulheres com SOP, a combinação entre resistência à insulina e um fenótipo de sedentarismo gera um perfil de risco cardiovascular ainda mais desfavorável, com tendência a aumento do IMC, baixa capacidade cardiopulmonar, redução da aptidão física e estado pró-inflamatório crônico aumentado19. Logo, torna-se importante conhecer o papel do exercício na modulação desses aspectos.

O trabalho de Randeva et al.23 revelou diminuição na concentração de homocisteína plasmática em mulheres jovens com sobrepeso e obesas com SOP, que aderiram ao programa de exercício proposto, resultado que não foi evidenciado no grupo controle. Um aspecto clinicamente importante nesse estudo é que as pacientes que apresentaram os maiores níveis basais de homocisteína foram as que mais se beneficiaram da prática de exercício físico, no que diz respeito à melhora deste parâmetro. Portanto, considerando que as mulheres com SOP apresentam níveis aumentados de homocisteína plasmática25, o exercício torna-se também uma ferramenta terapêutica importante nesse sentido, uma vez que níveis elevados de homocisteína constituem importante fator de risco cardiovascular26.

Adicionalmente à redução dos níveis de homocisteína plasmática, o estudo de Randeva et al.23 parece ter sido o primeiro a demonstrar o efeito positivo de um programa regular de exercício em parâmetros de funcionalidade cardiovascular, observando melhora no consumo máximo de oxigênio (VO2max) em pacientes com SOP. Posteriormente, Bruner Chad e Chizen17 também notificaram incremento substancial do VO2max no grupo que combinou prática regular de exercício com aconselhamento nutricional, sendo esse aumento da ordem de 42% após 12 semanas de treinamento. As voluntárias que receberam apenas aconselhamento nutricional não obtiveram melhora significante nesse parâmetro.

Esses resultados são significativos, pois destacam a influência do exercício físico sobre esse marcador de extrema relevância clínica (VO2max) e que se correlaciona negativamente com mortalidade cardiovascular e, indiretamente, com todas as demais causas27-31. O aumento do VO2max observado após treinamento aeróbico nas mulheres com SOP parece se relacionar com redução do IMC, circunferência da cintura, RCQ e área sob a curva de insulina, além de aumento na relação glicose-insulina19. Esses achados também confirmam estudos previamente publicados, que demonstraram uma importante correlação negativa entre resistência à insulina e VO2max32,33.

Nessa mesma linha de investigação, observou-se melhora na capacidade máxima de trabalho, aumento do consumo de oxigênio no limiar anaeróbico (LA), diminuição da freqüência cardíaca (FC) de repouso, da pressão arterial sistólica (PAS) de repouso, da pressão arterial diastólica (PAD) máxima e do nível basal de proteína C reativa após três meses de prática regular de exercício aeróbico19. Outros achados foram o incremento no nível de atividade física e o gasto calórico diário das pacientes, incluindo atividades recreacionais e domésticas, tendo esses aspectos se correlacionado positivamente com melhora no VO2max, área sob a curva de insulina e relação glicose-insulina.

No estudo anteriormente citado de Orio et al.20, foi observado aumento do VO2max, carga máxima de esforço e consumo de oxigênio no LA, após 12 semanas de treinamento aeróbico de moderada intensidade – efeitos que foram conservados apenas no grupo que manteve a prática de exercícios físicos. Por outro lado, as pacientes que sofreram destreinamento exibiram involução em todas as variáveis supracitadas, voltando para o nível pré-intervenção. Esse contexto denota que um maior tempo de engajamento nesse tipo de intervenção (prática de exercício regular) se relaciona com modificações ascendentes em parâmetros relacionados à saúde cardiovascular em mulheres com SOP.

Parâmetros bioquímicos e hormonais

Há evidências de que a redução da massa corporal em mulheres com SOP é efetiva para melhora da sensibilidade à insulina14,17,18. Sabendo que a resistência à insulina parece exercer um papel chave na fisiopatologia da SOP, torna-se interessante averiguar se o exercício per se é uma estratégia eficaz para produzir efeito semelhante à perda de massa corporal17.

De forma preliminar, verificou-se que a resistência à insulina apresentou relação direta com a circunferência da cintura, obesidade central e nível de insulina basal em mulheres com SOP18, embora este estudo tivesse incluído pequeno número de sujeitos. Hoeger et al.14 demonstraram que a combinação de metformina, dieta e prática regular de exercício foi eficiente na diminuição de 4,5% nos níveis de testosterona plasmática e de 15,2% nos de androgênios livres (FAI). Tais resultados não foram verificados no grupo que fez uso isolado de metformina, nem no qual se introduziu apenas mudanças de estilo de vida, com a dieta e prática regular de exercício. A redução dos níveis de testosterona plasmática, assim como os de FAI, e o aumento de SHBG (do inglês sex hormone-binding globulin) foram relatados em outro estudo, tanto em um grupo que passou a realizar exercícios físicos regulares quanto no grupo submetido à dieta alimentar hiperprotéica e hipocalórica21. Entretanto, o grupo que adotou apenas a dieta apresentou menor nível de FAI e maior nível SHBG. Além disso, os índices de sulfato de dehidroepiandrosterona (DHEA-S) e androstenediona plasmática só foram reduzidos no grupo que se submeteu a dieta. Estudos adicionais são necessários para esclarecer o impacto dos exercícios físicos sobre os parâmetros clínicos e hormonais de hiperandrogenismo.

Por favorecer a utilização periférica da glicose e melhorar a sensibilidade à insulina, a prática regular de exercícios físicos está associada à diminuição nos níveis de insulina de jejum em pacientes com SOP17. Vigorito et al.19 demonstraram modificações positivas no nível de insulina de jejum, na área sob a curva de insulina e na relação glicose-insulina, após três meses de prática de exercício aeróbico de moderada intensidade. Os mesmos resultados foram encontrados no estudo publicado por Orio et al.20, tendo o grupo que sofreu destreinamento apresentado o mesmo comportamento de involução após cessação do programa de exercício.

Em relação ao perfil lipídico, a prática regular de exercícios físicos é capaz de promover diminuição significante nos níveis de LDL-colesterol e aumento do HDL-colesterol, na dependência da duração do treinamento20. Logo, parece ser fato que a realização de exercício físico regular em pacientes com SOP promove impacto positivo sobre diversos parâmetros bioquímicos e hormonais, com destaque para a melhora da sensibilidade periférica à insulina.

Função reprodutiva

Um dos principais objetivos no tratamento da SOP é a restauração da função ovulatória. Em uma investigação na qual este desfecho foi analisado, pacientes que realizaram seis meses de prática regular de exercício físico associada à dieta apresentaram melhora do perfil ovulatório, tendo duas dessas pacientes engravidado durante o período experimental18. Os autores associam essas mudanças positivas principalmente ao aumento na sensibilidade à insulina, que precedeu a ovulação nas pacientes que melhoraram esse aspecto.

Hoeger et al.14 observaram uma tendência clínica a maior freqüência de ovulações regulares, documentadas pela excreção urinária de pregnanediol, nos grupos experimentais (dieta e exercício, metformina e combinação dos três), em comparação ao grupo controle, apesar da falta de significância nesta comparação. Nesse mesmo estudo, uma análise mais detalhada demonstrou que o grupo de mulheres que perdeu 3% ou mais de massa corporal apresentou nove vezes mais chance de ovular regularmente, quando comparado ao grupo que não atingiu essa perda relativa mínima de massa corporal (OR=8,9; IC95%=1,2-64,6). Associando essa abordagem ao uso de metformina, esse índice sobe para 16 vezes (OR=16,1; IC95%=4,3-64,2). Tais evidências associadas com observações de outros estudos19 são significativas para demonstrar o impacto positivo que tem o exercício físico (seja isolado ou em associação com dieta e/ou metformina) sobre a melhora da função reprodutiva de mulheres com SOP.

O estudo de Palomba et al.21 investigou de forma ainda mais específica os efeitos de um programa de exercício físico sobre os parâmetros reprodutivos de mulheres com SOP, analisando também os mesmos dados em um grupo tratado apenas com dieta. Os resultados mostraram aumento da ciclicidade menstrual em ambos os grupos, sem diferença. Entretanto, a freqüência de menstruações, ou seja, razão de fluxos menstruais observados pelo número de fluxos menstruais esperados, foi significantemente maior no grupo que realizou exercício (26,2 versus 15,3%). Nesse mesmo estudo, após 24 semanas, tanto o índice de ovulação (número de ciclos ovulatórios/número de ciclos observados) quanto o índice de ovulação cumulativo (pacientes ovulatórias/número de pacientes) foi maior no grupo que realizou exercício físico em comparação ao grupo que fez apenas a dieta. Além disso, houve tendência a um maior índice de gravidez (número de gravidezes/número de ciclos observados) e índice de gravidez cumulativo (número de pacientes grávidas/número de pacientes) no grupo que realizou exercício. Esses achados, mais uma vez, parecem correlacionar positivamente a prática regular de exercício físico com melhora na função reprodutiva.

Conclusão

A prática regular de exercício físico em mulheres com SOP tem demonstrado importância terapêutica relevante, uma vez que as evidências indicam resultados positivos dessa modalidade nos aspectos relacionados à composição corporal, parâmetros metabólicos, cardiovasculares e hormonais, além da função reprodutiva.

Entretanto, o conhecimento é ainda incipiente no que diz respeito à relação dose-resposta para obtenção desses benefícios, assim como no tocante ao tipo, intensidade, duração, freqüência e progressão dos exercícios. O que parece ser fato é a grande utilização dos exercícios aeróbicos como base da prescrição dos programas de treinamento para mulheres com SOP. A utilização dos exercícios resistidos encontra-se ainda nebulosa nesse sentido, com ausência de trabalhos dando ênfase a essa modalidade específica de prática. Em nosso grupo de pesquisa, encontra-se em andamento um estudo especificamente desenhado para essa finalidade, de forma que, num futuro próximo, pretende-se dispor de subsídios para orientar decisões clínicas nesse sentido, tendo por base evidências científicas mais adequadas ao nosso perfil epidemiológico.

Para que se possam obter prognósticos favoráveis, as evidências atuais sugerem que a prática de exercício físico deve ser estimulada e mantida por longo prazo nas mulheres com SOP, uma vez que sua suspensão, mesmo que por curtos períodos, é capaz de gerar perdas relevantes, principalmente em relação aos aspectos metabólicos e cardiovasculares.

Por fim, ainda existem muitos fatores de confundimento nos estudos, os quais limitam conclusões mais concretas sobre o papel específico do exercício físico no tratamento da SOP. O que está claro é seu papel potencializador das estratégias terapêuticas dietéticas e/ou medicamentosas, visando à melhoria nas funções hormonal, metabólica, cardiovascular e reprodutiva.

Agradecimentos

Agradecemos as colaborações da Doutora Elvira Maria Mafaldo Soares e da Professora Doutora Técia Maria de Oliveira Maranhão na revisão final desse artigo.

Recebido: 3/5/08

Aceito com modificações: 28/5/08

Grupo de Pesquisa Saúde da Mulher da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil; Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde e Departamento de Morfologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil.

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  • Correspondência:
    George Dantas de Azevedo
    Departamento de Morfologia do Centro de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
    BR 101, Lagoa Nova – Campus Universitário
    59078-970 – Natal/RN
    Fone: (84) 3215-3431
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Maio 2008

    Histórico

    • Aceito
      28 Maio 2008
    • Recebido
      03 Maio 2008
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