Acessibilidade / Reportar erro

Treinamento e critérios padronizados aprimoram o diagnóstico de lesões pré-malignas da mama

Training and standardized criteria improve the diagnosis of premalignant breast lesions

Resumos

OBJETIVO: analisar a variabilidade interobservador no diagnóstico histopatológico de lesões mamárias consideradas pré-malignas antes e após o treinamento com o uso de critérios diagnósticos padronizados. MÉTODOS: foram utilizadas lâminas contendo cortes histológicos representativos de três tipos de lesões mamárias (hiperplasia ductal atípica, carcinoma ductal in situ e carcinoma ductal in situ com microinvasão) revistas por um especialista internacional em patologia mamária e cujos diagnósticos foram considerados como padrão de referência. As mesmas lâminas foram avaliadas em dois tempos por cinco patologistas da comunidade que receberam um protocolo específico para classificar as lesões. Na primeira avaliação, os casos foram analisados e classificados usando critérios específicos adotados em cada serviço. Num segundo tempo, os patologistas receberam um tutorial contendo critérios diagnósticos e imagens representativas e novamente classificaram as lesões empregando os critérios padronizados. Foi realizada análise interobservador usando concordância percentual e o índice de Kappa ponderado. RESULTADOS: houve grande variabilidade diagnóstica entre os patologistas na análise inicial sem o uso de critérios diagnósticos padronizados quanto ao diagnóstico, grau nuclear e grau histológico (os índices de Kappa ponderado quanto ao diagnóstico variaram de 0,15 a 0,40). Na segunda avaliação, utilizando-se critérios padronizados, houve significativa melhora na concordância diagnóstica entre os cinco patologistas quanto ao diagnóstico, grau nuclear e grau histológico (os índices de Kappa ponderado quanto ao diagnóstico variaram de 0,42 a 0,80). CONCLUSÕES: a concordância interobservador no diagnóstico e classificação das lesões pré-malignas da mama pode ser melhorada com o treinamento específico e o uso de critérios histopatológicos padronizados.

Doenças mamárias; Doenças mamárias; Carcinoma intraductal não infiltrante; Hiperplasia; Invasividade neoplásica


PURPOSE: to analyze interobserver variability in the histopathological diagnosis of premalignant breast lesions before and after training with diagnostic standardized criteria. METHODS: Slides containing histological sections representative of three kinds of breast lesions (atypical ductal hyperplasia, ductal carcinoma in situ and ductal carcinoma in situ with microinvasion), revised by an international specialist in breast pathology whose diagnoses were considered as golden standard, have been used. The same slides have been evaluated at two different times by five pathologists from the community according to a specific protocol for classifying the lesions. In the first evaluation, the cases were analyzed and classified according to the specific criteria adopted in each service. At the second time, the pathologists were given a tutorial containing diagnostic criteria and representative images, and the lesions were classified again, employing the standardized criteria. Interobserver analysis using percent agreement and weighted Kappa index has been performed. RESULTS: There has been a large diagnostic variation among the pathologists in the initial analysis without the use of standardized diagnostic criteria concerning the diagnostic, nuclear grade and histological grade (weighted Kappa indexes related to diagnosis varied from 0.15 to 0.40). In the second evaluation using standardized criteria, there has been a significant improvement in the diagnostic concordance among the five pathologists concerning the diagnosis, nuclear grade and histological grade (weighted Kappa indexes related to diagnosis have varied from 0.42 to 0.80). CONCLUSIONS: interobserver concordance related to diagnosis and classification of breast premalignant lesions may be improved with specific training and the use of standardized histopathological criteria.

Breast diseases; Carcinoma; ductal; breast; Carcinoma; intraductal; noninfiltrating; Hyperplasia; Neoplasm invasiveness


ARTIGOS ORIGINAIS

Treinamento e critérios padronizados aprimoram o diagnóstico de lesões pré-malignas da mama

Training and standardized criteria improve the diagnosis of premalignant breast lesions

Marcio de Almeida SallesI; Agostinho Pinto GouvêaII; Daniela SaviIII; Marco Aurélio FigueiredoIV; Ramão Tavares NetoV; Rodrigo Assis de PaulaVI; Helenice GobbiVII

IPós-graduando em Saúde da Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil

IIMédico Patologista do Laboratório Núcleo Anatomia Patológica e Citopatologia Ltda. - Belo Horizonte (MG), Brasil

IIIMédica Patologista do Laboratório de Anatomia Patológica Virchow - Belo Horizonte (MG), Brasil

IVMédico Patologista do Laboratório de Anatomia Patológica Dr. Marco Antônio Dias - Belo Horizonte (MG), Brasil

VMédico Patologista do Laboratório de Anatomia Patológica Conlab - Belo Horizonte (MG), Brasil

VIMédico Patologista do Laboratório de Anatomia Patológica Dr. Hugo Silviano Brandão - Belo Horizonte (MG), Brasil

VIIDoutora, Professora-associada de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil

Correspondência Correspondência: Marcio de Almeida Salles Rua Paracatu, 1.300/1.103 - Santo Agostinho CEP 30180-091 - Belo Horizonte (MG), Brasil Fone: (31) 3337-9305 Fax: (31) 3241-2000 E-mail: ma.salles@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: analisar a variabilidade interobservador no diagnóstico histopatológico de lesões mamárias consideradas pré-malignas antes e após o treinamento com o uso de critérios diagnósticos padronizados.

MÉTODOS: foram utilizadas lâminas contendo cortes histológicos representativos de três tipos de lesões mamárias (hiperplasia ductal atípica, carcinoma ductal in situ e carcinoma ductal in situ com microinvasão) revistas por um especialista internacional em patologia mamária e cujos diagnósticos foram considerados como padrão de referência. As mesmas lâminas foram avaliadas em dois tempos por cinco patologistas da comunidade que receberam um protocolo específico para classificar as lesões. Na primeira avaliação, os casos foram analisados e classificados usando critérios específicos adotados em cada serviço. Num segundo tempo, os patologistas receberam um tutorial contendo critérios diagnósticos e imagens representativas e novamente classificaram as lesões empregando os critérios padronizados. Foi realizada análise interobservador usando concordância percentual e o índice de Kappa ponderado.

RESULTADOS: houve grande variabilidade diagnóstica entre os patologistas na análise inicial sem o uso de critérios diagnósticos padronizados quanto ao diagnóstico, grau nuclear e grau histológico (os índices de Kappa ponderado quanto ao diagnóstico variaram de 0,15 a 0,40). Na segunda avaliação, utilizando-se critérios padronizados, houve significativa melhora na concordância diagnóstica entre os cinco patologistas quanto ao diagnóstico, grau nuclear e grau histológico (os índices de Kappa ponderado quanto ao diagnóstico variaram de 0,42 a 0,80).

CONCLUSÕES: a concordância interobservador no diagnóstico e classificação das lesões pré-malignas da mama pode ser melhorada com o treinamento específico e o uso de critérios histopatológicos padronizados.

Palavras-chave: Doenças mamárias/diagnóstico Carcinoma ductal da mama/diagnóstico, Carcinoma intraductal não infiltrante/diagnóstico, Hiperplasia/diagnóstico, Invasividade neoplásica

ABSTRACT

PURPOSE: to analyze interobserver variability in the histopathological diagnosis of premalignant breast lesions before and after training with diagnostic standardized criteria.

METHODS: Slides containing histological sections representative of three kinds of breast lesions (atypical ductal hyperplasia, ductal carcinoma in situ and ductal carcinoma in situ with microinvasion), revised by an international specialist in breast pathology whose diagnoses were considered as golden standard, have been used. The same slides have been evaluated at two different times by five pathologists from the community according to a specific protocol for classifying the lesions. In the first evaluation, the cases were analyzed and classified according to the specific criteria adopted in each service. At the second time, the pathologists were given a tutorial containing diagnostic criteria and representative images, and the lesions were classified again, employing the standardized criteria. Interobserver analysis using percent agreement and weighted Kappa index has been performed.

RESULTS: There has been a large diagnostic variation among the pathologists in the initial analysis without the use of standardized diagnostic criteria concerning the diagnostic, nuclear grade and histological grade (weighted Kappa indexes related to diagnosis varied from 0.15 to 0.40). In the second evaluation using standardized criteria, there has been a significant improvement in the diagnostic concordance among the five pathologists concerning the diagnosis, nuclear grade and histological grade (weighted Kappa indexes related to diagnosis have varied from 0.42 to 0.80).

CONCLUSIONS: interobserver concordance related to diagnosis and classification of breast premalignant lesions may be improved with specific training and the use of standardized histopathological criteria.

Keywords: Breast diseases/diagnosis; Carcinoma, ductal, breast/diagnosis; Carcinoma, intraductal, noninfiltrating/diagnosis; Hyperplasia/diagnosis; Neoplasm invasiveness

Introdução

Com os programas de triagem ou rastreamento mamográfico, houve aumento significativo do diagnóstico das lesões mamárias proliferativas pré-malignas e do carcinoma ductal in situ (CDIS)1-3. Mastologistas e patologistas passaram a lidar com estas lesões até então pouco freqüentes, referidas como lesões pré-malignas, que incluem as hiperplasias ductais atípicas e o CDIS3,4.

O CDIS é considerado uma neoplasia pré-invasiva histologicamente heterogênea, podendo constituir um espectro de lesões5,6. O diagnóstico, em algumas situações, pode ser difícil para o patologista, principalmente quando há necessidade de diagnóstico diferencial entre hiperplasia ductal atípica (HDA) e o CDIS de baixo grau, ou nos casos de CDIS com suspeita de microinvasão (MIC)5,7,8.

A divergência quanto ao diagnóstico histológico das HDA em relação ao CDIS e entre o CDIS e o CDIS com microinvasão tem importantes implicações clínicas. A conduta terapêutica para um paciente com HDA poderá ser apenas o acompanhamento clínico e mamográfico. Para as pacientes com CDIS, as opções terapêuticas variam desde ressecção ampla ou "lumpectomia", associada ou não à radioterapia, até mastectomia com abordagem axilar1,6,9. O diagnóstico destas lesões até o momento é feito exclusivamente com base na histopatologia, apesar da melhoria dos métodos de imagem e do surgimento de marcadores imuno-histoquímicos e moleculares10-12. Por isso, o diagnóstico histopatológico acurado tem sido considerado um dos parâmetros mais importantes para a decisão terapêutica, sendo o papel do patologista fundamental no tratamento das pacientes6,8,13.

Autores norte-americanos e europeus avaliaram a reprodução dos diagnósticos histopatológicos das lesões pré-malignas da mama e mostraram importante variação diagnóstica entre patologistas13-17. Um estudo anterior mostrou também grande variação entre patologistas no diagnóstico e graduação do CDIS quando não foram utilzados critérios diagnósticos uniformizados8.

O objetivo deste estudo foi avaliar a variação interobservador no diagnóstico histopatológico da HDA, CDIS e MIC da mama entre patologistas da comunidade, antes e após o treinamento e o uso de critérios diagnósticos padronizados.

Métodos

Foi realizado um estudo observacional do tipo coorte transversal. Foram selecionados 21 casos com diagnóstico inicial de HDA, CDIS e MIC recebidos em consultoria para confirmação diagnóstica no Laboratório de Patologia Mamária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais no período de agosto de 1999 a dezembro de 2006. A maioria das lesões analisadas apresentava algum grau de dificuldade diagnóstica e não representam uma série consecutiva de biópsias de mama. Os diagnósticos histopatológicos dos 21 casos foram reavaliados pelo Professor David L. Page, da Vanderbilt University, EUA, especialista em patologia mamária, com vários trabalhos e livros publicados nesta área para confirmação dos diagnósticos histopatológicos. Os diagnósticos dessa revisão especializada foram considerados como "padrão de referência" na análise da variação diagnóstica interobservador.

Os critérios diagnósticos utilizados no presente estudo foram descritos por Ellis, Elston e Poller5, Page e Anderson7, Scott et al.14 e Dupont e Page18 e, amplamente aceitos e utilizados na literatura internacional. O CDIS é definido como proliferação epitelial de células atípicas, que envolve completamente dois "espaços" ou ductos, e mede em conjunto mais de 2 a 3 mm. A HDA é diagnóstico de exclusão e deve ser feita quando elementos que definem citologicamente e histologicamente CDIS de baixo grau estão presentes, porém incompletamente (Figura 1B e 1C). A HDA envolve menos que dois "espaços" ou ductos, ou mede em conjunto menos de 2 a 3 mm7,14,18 (Figura 1 A). O diagnóstico de microinvasão é feito quando existe CDIS predominante e infiltração de células neoplásicas além da membrana basal no tecido conjuntivo não-especializado ou extra-lobular até 1 mm na maior dimensão5 (Figura 1 D). O grau nuclear é determinado pelo tamanho do núcleo em relação a uma célula ductal normal, padrão da cromatina e de nucléolos evidentes. O grau histológico é determinado pelo grau de atipia nuclear acrescido da presença e extensão de necrose7,14,18.


Para a análise da concordância diagnóstica, foram convidados cinco patologistas da comunidade, cujos laboratórios foram responsáveis pelos diagnósticos originais dos casos revistos. Estes patologistas responderam a um questionário específico antes do estudo, no qual foi avaliada sua experiência em patologia mamária (número de espécimes mamários examinados por ano). Cada um deles afirmou analisar entre 250 e 1.500 espécimes mamários por ano. As lâminas utilizadas para este estudo foram as originais recebidas em consultoria, escolhendo-se para a análise uma lâmina de cada caso em que a lesão em questão era mais representativa. As mesmas lâminas foram enviadas para os cinco patologistas juntamente com um protocolo específico, com a finalidade de classificar as lesões em HDA, CDIS ou MIC (Figura 1). Se o diagnóstico fosse de CDIS ou MIC, o caso deveria ser classificado quanto ao grau nuclear (baixo, intermediário ou alto grau) e quanto ao grau histológico (baixo, intermediário ou alto grau).

Este estudo foi realizado em dois tempos. Num primeiro tempo (2005, fase pré-treinamento) fez-se avaliação de 15 casos, em que os cinco patologistas deveriam classificar as lesões de acordo com os critérios usados na rotina de seu laboratório, preenchendo um protocolo específico8. Num segundo tempo (2007, fase pós-treinamento), os mesmos patologistas reavaliaram os mesmos 15 casos. Para evitar que os resultados da primeira análise influenciassem a segunda, seis novos casos foram acrescentados, totalizando 21 casos. Nesta segunda etapa, juntamente com as lâminas, os patologistas receberam um tutorial contendo os critérios diagnósticos e imagens ilustrativas de cada tipo de lesão (HDA, CDIS e MIC) (Figura 1). Foi solicitado aos patologistas que lessem as definições, treinassem com as imagens fornecidas e a seguir classificassem as lesões seguindo a padronização dos critérios histopatológicos recebidos. As lâminas foram recodificadas por um dos autores deste estudo (MAS), que não participou de sua análise.

Para a análise da variação interobservador do diagnóstico histopatológico das lesões selecionadas foram utilizadas a concordância percentual e o índice de Kappa ponderado, interpretado de acordo com os valores sugeridos por Landis e Koch19: <0,20 (ruim), 0,21 a 0,40 (fraca), 0,41 a 0,60 (moderada), 0,61 a 0,80 (boa), 0,81 a 1,0 (excelente). O índice Kappa ponderado permite calcular a reprodutibilidade, quando as variáveis são ordinais e os resultados podem ser expressos por mais de duas categorias. Desta forma, o índice Kappa ponderado difere do teste Kappa por serem utilizadas três ou mais categorias para se expressarem os resultados. Confere, assim, maior importância à discordância, atribuindo-lhe maior peso quando se procede ao cálculo da reprodutibilidade19.

O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), parecer ETIC 103/01 e ETIC 52/08.

Resultados

Na comparação interobservador entre o especialista internacional (A) e os cinco patologistas da comunidade (B a F) avaliados em dois períodos, análise inicial em 2005 (15 casos) e após treinamento em 2007 (21 casos), quanto ao diagnóstico (Quadro 1), foi observada concordância interobservador completa em 2/15 casos (13,3%) inicialmente, e em 5/21 casos (23,8%) após treinamento. Na análise inicial observa-se maior discordância diagnóstica interobservador. Houve casos em que todos os diagnósticos possíveis foram encontrados, desde HDA e CDIS, até MIC (caso "1" em 2005 e casos "7" e "19" em 2007). O índice de Kappa ponderado comparando o observador A com os demais observadores (B a F) mostrou índices variando de 0,15 a 0,40, concordância interobservador considerada ruim a fraca em 2005. Na segunda análise após treinamento (2007), houve melhora da concordância entre todos os patologistas, com índices variando de 0,42 a 0,80, concordância interobservador considerada moderada a boa (Tabela 1).


Na análise do grau nuclear, foi observada concordância interobservador completa em 4/15 casos (30,8%) em 2005 e em 5/21 casos (23,8%) em 2007. O índice de Kappa ponderado comparando o observador A com os demais observadores (B a F) mostrou índices variando de 0,37 a 0,80, concordância interobservador considerada fraca a boa em 2005. Houve melhora nos índices de Kappa após treinamento (2007), variando de 0,55 a 0,82, concordância interobservador considerada moderada a excelente em 2007.

Na análise do grau histológico, observamos concordância interobservador completa em 3/15 casos (23,1%) e em 5/21 casos (23,8%) em 2005 e 2007, respectivamente. O índice de Kappa ponderado comparando o observador A com os demais observadores (B a F) mostrou índices variando de 0,32 a 0,76, concordância interobservador considerada fraca a boa em 2005. Houve melhora nos índices de Kappa após treinamento (2007), variando de 0,61 a 0,71 com concordância interobservador considerada boa.

Houve melhora nos valores do índice Kappa ponderado entre três observadores quanto ao grau nuclear e entre dois observadores quanto ao grau histológico comparando a análise inicial e aquela após o treinamento. Entre os demais observadores, a variação diagnóstica, tanto na graduação nuclear quanto na histológica, manteve-se estável (Tabela 1).

Discussão

No presente trabalho foi analisada a variabilidade do diagnóstico histopatológico de lesões pré-malignas da mama antes e após treinamento utilizando critérios diagnósticos padronizados. Dados mostraram maior discordância diagnóstica interobservador na análise, quando os patologistas utilizaram inicialmente critérios histopatológicos não-padronizados. Observou-se concordância completa entre os cinco observadores e o especialista internacional, quanto ao diagnóstico das lesões, em apenas 2/15 casos (13,3%). Em seis casos, houve concordância entre quatro observadores e o especialista (40,0%) nesta primeira análise. Um observador tendeu para diagnósticos mais benignos, diagnosticando HDA em sete casos, ao passo que o especialista o fez em apenas dois casos. Outro observador tendeu para diagnósticos mais malignos, diagnosticando CDIS com microinvasão em seis casos, ao passo que o especialista não fez esse diagnóstico em nenhum dos 15 casos.

Um estudo da literatura semelhante ao realizado submeteu 17 casos de lesões epiteliais proliferativas da mama à reavaliação por cinco patologistas experientes em patologia mamária17. Não houve concordância diagnóstica completa entre os cinco observadores em nenhum caso. Houve concordância diagnóstica entre quatro patologistas em três casos (18%). Em seis casos (33%), houve todos os diagnósticos possíveis, variando de hiperplasia sem atipia até carcinoma in situ. Semelhantemente ao observado no nosso estudo, os resultados mostraram um patologista que tendia para benignidade, enquanto outro tendia para malignidade nos seus diagnósticos17. A falta de padronização e treinamento com os critérios histopatológicos no diagnóstico das lesões proliferativas e do CDIS é considerada fator que dificulta a reprodução dos diagnósticos e a concordância interobservador.

No presente estudo, os mesmos patologistas fizeram treinamento empregando critérios histopatológicos padronizados e avaliaram em um segundo tempo os mesmos casos. Foi possível observar melhoras significativas na concordância entre os patologistas, obtendo-se maiores valores do índice de Kappa ponderado. Assim como na primeira avaliação, um patologista tendeu para benignidade, diagnosticando HDA em dez casos, ao passo que o especialista fez este diagnóstico em apenas cinco casos. Outro patologista manteve na segunda análise sua tendência para diagnósticos mais malignos e diagnosticou CDIS com microinvasão em cinco casos, enquanto o especialista fez este diagnóstico em apenas um caso.

Em outro estudo semelhante, 24 casos de lesões proliferativas foram avaliadas por seis patologistas, que as classificaram em hiperplasia sem atipia, hiperplasia atípica ou carcinoma in situ16. Os patologistas também receberam critérios diagnósticos e imagens representativas das lesões para treinamento antes da avaliação dos casos. Os autores observaram concordância diagnóstica completa entre os seis patologistas em 14 casos (58%), concordância diagnóstica entre cinco ou ma Antes de iniciar a avaliação das lesões, os is patologistas em 17 casos (71%) e concordância diagnóstica entre quatro ou mais patologistas em 22 casos (92%). Semelhante ao nosso estudo, estes resultados mostraram que o treinamento e o uso de critérios bem definidos para classificar as lesões epiteliais proliferativas da mama não eliminaram todas as possíveis discordâncias, mas melhoraram significativamente os índices da concordância diagnóstica interobservador.

No presente trabalho observou-se maior concordância interobservador na graduação nuclear e histológico após treinamento e o uso de critérios padronizados. Outros estudos mostraram também que o treinamento e uso de critérios diagnósticos padronizados facilitam a reprodução da classificação histológica e do grau nuclear dos carcinomas in situ e invasor da mama20-22. Mostrou-se maior concordância na graduação dos CDIS de alto grau nuclear. Achado semelhante foi descrito por outros autores que realizaram estudo sobre variação interobservador na graduação nuclear do CDIS. Neste estudo, seis patologistas avaliaram 125 casos de CDIS e a maior concordância diagnóstica interobservador foi encontrada na graduação nuclear do CDIS de alto grau23.

Avaliou-se a reprodução dos diagnósticos de lesões pré-malignas selecionadas a partir de arquivos de um serviço de consultoria em patologia mamária. Os casos incluídos já haviam sido avaliados previamente por outros patologistas e a maioria das lesões analisadas apresentavam algum grau de dificuldade diagnóstica. Nossos casos não representam uma série consecutiva de biópsias de mama ou casos rotineiros, como os avaliados em outros estudos24-26.

Além da dificuldade inerente aos casos avaliados, a variabilidade diagnóstica pode refletir, em parte, algumas dificuldades vividas pelos patologistas em sua prática diária. Os casos foram analisados nos dois tempos deste estudo sem informações clínicas ou de exames de imagens. Esta situação é comum em nosso meio, em que dados clínicos, de imagem e de tratamento prévios não são fornecidos ao patologista nas requisições de exame histopatológico. Além disto, são utilizadas as lâminas originais recebidas em consultoria, algumas delas com menor qualidade técnica. Cada caso era representado por uma lâmina selecionada e não um conjunto de lâminas. Estes fatores podem dificultar o diagnóstico e reduzir a reprodutibilidade dos diagnósticos histopatológicos, como mostrado também em outros estudos24-27. Informes clínicos e de exames de imagens dos pacientes, bem como a utilização de bons preparados histológicos, são fundamentais para adequada correlação histopatológica.

A relevância prática do estudo é ressaltar a importância do treinamento dos patologistas no diagnóstico das lesões pré-malignas da mama. Com o aumento do uso da mamografia de rastreamento, está ocorrendo maior detecção destas lesões pré-malignas de difícil diagnóstico histopatológico diferencial4,8,9. Ginecologistas, mastologistas, radiologistas e patologistas compartilham a responsabilidade no diagnóstico e tratamento dos pacientes com estas lesões.

Os resultados do presente estudo e de outros trabalhos mostram que é possível reduzir a variabilidade diagnóstica entre os patologistas na avaliação de lesões pré-malignas mamárias com o treinamento e o uso de critérios diagnósticos padronizados e assim melhorar a confiabilidade dos exames anatomopatológicos que determinam as condutas terapêuticas.

Agradecimento

Ao doutor David L. Page, da Vanderbilt University, Nashwille, Estados Unidos, que gentilmente aceitou participar deste trabalho como revisor dos 21 casos estudados.

Recebido: 9/9/08

Aceito com modificações: 24/10/08

Laboratório de Patologia Mamária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil.

  • 1. O'Sullivan MJ, Morrow M. Ductal carcinoma in situ: current management. Surg Clin North Am. 2007;87(2):333-51.
  • 2. Joslyn SA. Ductal carcinoma in situ: trends in geographic, temporal, and demographic patterns of care and survival. Breast J. 2006;12(1):20-7.
  • 3. Lagios MD, Silverstein MJ. Ductal carcinoma in situ: through a glass, darkly. Ann Surg Oncol. 2008;15(1):16-7.
  • 4. Salles MA, Matias MARF, Perez AA, Gobbi H. Carcinoma ductal in situ da mama: critérios para diagnóstico e abordagem em hospitais públicos de Belo Horizonte. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006;28(12):721-7.
  • 5. Ellis IO, Elston CW, Poller DN. Ductal carcinoma in situ. In: Elston CW, Ellis IO, editors. The breast. 3rd ed. Edinburgh: Churchill Livingstone; 1998. p. 249-82.
  • 6. Mokbel K, Cutuli B. Heterogeneity of ductal carcinoma in situ and its effects on management. Lancet Oncol. 2006;7(9):756-65.
  • 7. Page DL, Anderson TJ. Diagnostic histopathology of the breast. Edinburgh: Churchill Livingstone; 1987.
  • 8. Salles MA, Matias MARF, Resende LMP, Gobbi H. Variação interobservador no diagnóstico histopatológico do carcinoma ductal in situ da mama. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27(1):1-6.
  • 9. Salles MA, Matias MARF, Soares PCM, Resende LMP, Gobbi H. Abordagem atual do carcinoma ductal in situ da mama. Femina. 2007;35(1):19-27.
  • 10. Tafuri LS, Rocha GF, Gobbi H. Cell cycle related proteins in hyperplasia of usual type in breast specimens of patients with and without breast cancer. BMC Cell Biol. 2006;7:29.
  • 11. Gobbi H, Dupont WD, Parl FF, Schuyler PA, Plummer WD, Olson SJ, et al. Breast cancer risk associated with estrogen receptor expression in epithelial hyperplasia lacking atypia and adjacent lobular units. Int J Cancer. 2005;113(5):857-9.
  • 12. Gobbi H, Arteaga CL, Jensen RA, Simpson JF, Dupont WD, Olson SJ, et al. Loss of expression of transforming growth factor beta type II receptor correlates with high tumour grade in human breast in-situ and invasive carcinomas. Histopathology. 2000;36(2):168-77.
  • 13. Rakovitch E, Mihai A, Pignol JP, Hanna W, Kwinter J, Chartier C, et al. Is expert breast pathology assessment necessary for the management of ductal carcinoma in situ? Breast Cancer Res Treat. 2004;87(3):265-72.
  • 14. Scott MA, Lagios MD, Axelsson K, Rogers LW, Anderson TJ, Page DL. Ductal carcinoma in situ of the breast: reproducibility of histological subtype analysis. Hum Pathol. 1997;28(8):967-73.
  • 15. Bianchi S, Palli D, Galli M, Arisio B, Cappa A, Dal Forno S, et al. Reproducibility of histological diagnoses and diagnostic accuracy of non palpable breast lesions. Pathol Res Pract. 1994;190(1):69-76.
  • 16. Schnitt SJ, Connolly JL, Tavassoli FA, Fechner RE, Kempson RL, Gelman R, et al. Interobserver reproducibility in the diagnosis of ductal proliferative breast lesions using standardized criteria. Am J Surg Pathol. 1992;16(12):1133-43.
  • 17. Rosai J. Borderline epithelial lesions of the breast. Am J Surg Pathol. 1991;15(3):209-21.
  • 18. Dupont WD, Page DL. Risk factors for breast cancer in women with proliferative breast disease. N Engl J Med. 1985;312(3):146-51.
  • 19. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74.
  • 20. O'Malley FP, Mohsin SK, Badve S, Bose S, Collins LC, Ennis M, et al. Interobserver reproducibility in the diagnosis of flat epithelial atypia of the breast. Mod Pathol. 2006;19(2):172-9.
  • 21. Tsuda H, Akiyama F, Kurosumi M, Sakamoto G, Watanabe T. The efficacy and limitations of repeated slide conferences for improving interobserver agreement when judging nuclear atypia of breast cancer. The Japan National Surgical Adjuvant Study of Breast Cancer (NSAS-BC) Pathology Section. Jpn J Clin Oncol. 1999;29(2):68-73.
  • 22. Bethwaite P, Smith N, Delahunt B, Kenwright D. Reproducibility of new classification schemes for the pathology of ductal carcinoma in situ of the breast. J Clin Pathol. 1998;51(6):450-4.
  • 23. Sneige N, Lagios MD, Schwarting R, Colburn W, Atkinson E, Weber D, et al. Interobserver reproducibility of the Lagios nuclear grading system for ductal carcinoma in situ Hum Pathol. 1999;30(3):257-62.
  • 24. Verkooijen HM, Peterse JL, Schipper MEI, Buskens E, Hendriks JH, Pijnappel RM, et al. Interobserver variability between general and expert pathologists during the histopathological assessment of large-core needle and open biopsies of non-palpable breast lesions. Eur J Cancer. 2003;39(15):2187-91.
  • 25. Wells WA, Carney PA, Eliassen MS, Tosteson AN, Greenberg ER. Statewide study of diagnostic agreement in breast pathology. J Natl Cancer Inst. 1998;90(2):142-5.
  • 26. Palli D, Bianch S, Linell F, Russo A, Cariddi A, Rank F, et al. Histopathologic classification of breast cancer in Sweden and Italy: a comparison between two pathologists. Tumori. 1992;78(4):247-9.
  • 27. Ellinger F, Franco M. Consultoria em patologia de partes moles: visão crítica de um consultor. J Bras Patol Med Lab. 2004;40(1):49-52.
  • Correspondência:
    Marcio de Almeida Salles
    Rua Paracatu, 1.300/1.103 - Santo Agostinho
    CEP 30180-091 - Belo Horizonte (MG), Brasil
    Fone: (31) 3337-9305
    Fax: (31) 3241-2000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Nov 2008

    Histórico

    • Aceito
      24 Out 2008
    • Recebido
      09 Set 2008
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br