Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência da infecção por clamídia e gonococo em gestantes de seis cidades brasileiras

Prevalence of Chlamydia and Neisseria gonorrhoeae infections in pregnant women in six Brazilian cities

Resumos

OBJETIVO: este trabalho buscou estimar a prevalência das infecções pela Chlamydia trachomatis e pela Neisseria gonorrhoeae em gestantes de seis cidades brasileiras e identificar sua associação com variáveis socioeconômicas e demográficas. MÉTODOS: este estudo faz parte de uma pesquisa multicêntrica, de âmbito nacional, transversal, com amostra de gestantes atendidas entre 2004 e 2005 nos serviços de pré-natal da atenção básica de seis cidades brasileiras (Manaus, Fortaleza, Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre). Amostras cérvico-vaginais foram coletadas de todas as gestantes e submetidas posteriormente à técnica de captura híbrida para identificação da clamídia e do gonococo. As informações sociodemográficas, médicas, sexuais e obstétricas foram coletadas por meio de questionários específicos. Para avaliar os fatores de risco associados à infecção por gonorréia e clamídia, foi utilizado o Odds Ratio (OR). A análise estatística foi feita com a utilização do teste t de Student, o χ2 e o teste exato de Fischer. RESULTADOS: foram recrutadas 3.303 gestantes, cuja idade média foi 23,8 anos (±6,9). As prevalências da infecção por clamídia e pelo gonococo foram, respectivamente, 9,4 e 1,5%. Dez por cento das gestantes com infecção por clamídia apresentaram presença simultânea do gonococo. O risco de apresentar uma dessas infecções foi duas vezes maior para as gestantes com menos de 20 anos. Os principais preditores da infecção foram: idade menor de 20 anos, raça/cor negra, ser solteira ou separada e relato de mais de um parceiro no último ano. CONCLUSÕES: este estudo observou prevalências elevadas da infecção pela Chlamydia trachomatis e pela Neisseria gonorrhoeae em gestantes brasileiras. O principal fator de risco para a infecção foi ter menos de 20 anos de idade.

Complicaçõs infecciosas na gravidez; Doenças sexualmente transmissíveis; Gonorréia; Gravidez; Infecções por Chlamydia; Neisseria gonorrhoeae; Prevalência; Brasil


PURPOSE: This paper has aimed at estimating the prevalence of infections by Chlamydia trachomatis and by Neisseria gonorrhoeae in pregnant women from six Brazilian cities, identifying its association with socio-economical and demographic variables. METHODS: This study has been part of a multicentric nationwide transversal research, with samples of pregnant women attended from 2004 to 2005 in basic attention pre-natal services from six Brazilian cities (Manaus, Fortaleza, Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo and Porto Alegre). Cervico-vaginal samples have been collected from all the pregnant women, and have afterwards been submitted to the hybrid capture technique in order to identify chlamydia and gonococcus. Socio-demographic, medical, sexual and obstetric information have been collected through specific questionnaires. The Odds Ratio (OR) has been used to evaluate risk factors associated to infection by gonorrhea and chlamydia. Statistical analysis has been done with the t-Student, χ2 and Fisher's exact tests. RESULTS: Three thousand and three pregnant women with an average age of 23.8 years old (±6.9) took part in the study. Infection prevalence by chlamydia and gonococcus were 9.4 and 1.5, respectively. Ten per cent of the pregnant women with chlamydia have presented gonococcus simultaneously. The risk of presenting one of those infections was two times higher for the women under 20. The infection main predictors have been: age under 20, race/black, single/separated and report of over one partner in the previous year. CONCLUSIONS: This study has observed high prevalence of infection by Chlamydia trachomatis and by Neisseria gonorrhoeae in Brazilian pregnant women. The main risk factor for the infection has been to be under 20 years old.

Chlamydia infections; Gonorrhea; Neisseria gonorrhoeae; Pregnancy; Pregnancy complications, infectious; Prevalence; Sexually transmitted diseases; Brazil


ARTIGOS ORIGINAIS

Prevalência da infecção por clamídia e gonococo em gestantes de seis cidades brasileiras

Prevalence of Chlamydia and Neisseria gonorrhoeae infections in pregnant women in six Brazilian cities

Emilia Moreira JalilI; Valdir Monteiro PintoII; Adele Schwartz BenzakenIII; Denis RibeiroI; Eduardo Campos de OliveiraI; Enrique Galban GarciaIV; Fábio MoherdauiV; Marcelo Joaquim BarbosaI

IAssessores Técnicos da Unidade de Doenças Sexualmente Transmissíveis do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde – Brasília (DF), Brasil

IIAssessor Responsável pela Unidade de Doenças Sexualmente Transmissíveis do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde – Brasília (DF), Brasil

IIIDiretora da Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta – Manaus (AM), Brasil

IVDoutor , Professor da Escola de Medicina e Faculdade de Saúde Pública de Cuba – Havana, Cuba

VAssessor Técnico da Unidade de Assistência e Tratamento do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde – Brasília (DF), Brasil

Correspondência Correspondência: Emilia Moreira Jalil Unidade de Doenças Sexualmente Transmissíveis do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde Avenida W3 Norte, SEPN 511, Bloco C, 2º andar – Asa Norte CEP 70750-543 – Brasília/DF Fone: (61) 3448-8068 /Fax: (61) 3448-8183 E-mail: emjalil@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: este trabalho buscou estimar a prevalência das infecções pela Chlamydia trachomatis e pela Neisseria gonorrhoeae em gestantes de seis cidades brasileiras e identificar sua associação com variáveis socioeconômicas e demográficas.

MÉTODOS: este estudo faz parte de uma pesquisa multicêntrica, de âmbito nacional, transversal, com amostra de gestantes atendidas entre 2004 e 2005 nos serviços de pré-natal da atenção básica de seis cidades brasileiras (Manaus, Fortaleza, Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre). Amostras cérvico-vaginais foram coletadas de todas as gestantes e submetidas posteriormente à técnica de captura híbrida para identificação da clamídia e do gonococo. As informações sociodemográficas, médicas, sexuais e obstétricas foram coletadas por meio de questionários específicos. Para avaliar os fatores de risco associados à infecção por gonorréia e clamídia, foi utilizado o Odds Ratio (OR). A análise estatística foi feita com a utilização do teste t de Student, o χ2 e o teste exato de Fischer.

RESULTADOS: foram recrutadas 3.303 gestantes, cuja idade média foi 23,8 anos (±6,9). As prevalências da infecção por clamídia e pelo gonococo foram, respectivamente, 9,4 e 1,5%. Dez por cento das gestantes com infecção por clamídia apresentaram presença simultânea do gonococo. O risco de apresentar uma dessas infecções foi duas vezes maior para as gestantes com menos de 20 anos. Os principais preditores da infecção foram: idade menor de 20 anos, raça/cor negra, ser solteira ou separada e relato de mais de um parceiro no último ano.

CONCLUSÕES: este estudo observou prevalências elevadas da infecção pela Chlamydia trachomatis e pela Neisseria gonorrhoeae em gestantes brasileiras. O principal fator de risco para a infecção foi ter menos de 20 anos de idade.

Palavras-chave: Complicaçõs infecciosas na gravidez/diagnóstico, Doenças sexualmente transmissíveis, Gonorréia/diagnóstico, Gravidez, Infecções por Chlamydia/diagnóstico, Neisseria gonorrhoeae, Prevalência, Brasil

ABSTRACT

PURPOSE: This paper has aimed at estimating the prevalence of infections by Chlamydia trachomatis and by Neisseria gonorrhoeae in pregnant women from six Brazilian cities, identifying its association with socio-economical and demographic variables.

METHODS: This study has been part of a multicentric nationwide transversal research, with samples of pregnant women attended from 2004 to 2005 in basic attention pre-natal services from six Brazilian cities (Manaus, Fortaleza, Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo and Porto Alegre). Cervico-vaginal samples have been collected from all the pregnant women, and have afterwards been submitted to the hybrid capture technique in order to identify chlamydia and gonococcus. Socio-demographic, medical, sexual and obstetric information have been collected through specific questionnaires. The Odds Ratio (OR) has been used to evaluate risk factors associated to infection by gonorrhea and chlamydia. Statistical analysis has been done with the t-Student, χ2 and Fisher's exact tests.

RESULTS: Three thousand and three pregnant women with an average age of 23.8 years old (±6.9) took part in the study. Infection prevalence by chlamydia and gonococcus were 9.4 and 1.5, respectively. Ten per cent of the pregnant women with chlamydia have presented gonococcus simultaneously. The risk of presenting one of those infections was two times higher for the women under 20. The infection main predictors have been: age under 20, race/black, single/separated and report of over one partner in the previous year.

CONCLUSIONS: This study has observed high prevalence of infection by Chlamydia trachomatis and by Neisseria gonorrhoeae in Brazilian pregnant women. The main risk factor for the infection has been to be under 20 years old.

Keywords: Chlamydia infections/diagnosis, Gonorrhea/diagnosis, Neisseria gonorrhoeae, Pregnancy, Pregnancy complications, infectious/diagnosis, Prevalence, Sexually transmitted diseases, Brazil

Introdução

As doenças sexualmente transmissíveis (DST) estão entre as principais causas de busca por assistência no mundo, com conseqüências econômicas, sociais e sanitárias importantes1. Algumas dessas doenças afetam significativamente a saúde sexual e reprodutiva dessas mulheres, das quais se destacam, por sua magnitude e transcendência, as infecções por Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae2,3, causadoras de elevadas taxas de infecções do trato genital superior feminino, como a endometrite, salpingite e abscesso tubovariano, e de suas conseqüências, é possível ressaltar a prenhez ectópica e infertilidade. São associadas também a esses patógenos, elevação do risco de morbidade e mortalidade perinatal devido ao aumento da incidência de prematuridade4 e a ocorrência de conjuntivite neonatal, pneumonia intersticial atípica, bronquite e otite média5.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a cada ano ocorram em torno de 92 milhões de novos casos de clamídia e 62 milhões de gonorréia, dos quais a maioria ocorre em países em desenvolvimento, afetando principalmente jovens6,7. O Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos da América estima que, anualmente, metade das novas infecções sexualmente transmissíveis ocorra entre 15 e 24 anos de idade, o que representa mais de nove milhões de jovens infectados, dos quais se estima haver 2,8 milhões de casos de clamidiose genital8.

Estudos epidemiológicos publicados sobre a infecção pela Chlamydia trachomatis e pela Neisseria gonorrhoeae têm documentado uma prevalência substancial do organismo em adultos jovens e sexualmente ativos2,6,8-12. O diagnóstico é dificultado pela inadequação laboratorial8 e pela falta de sintomas específicos, particularmente em mulheres, das quais aproximadamente 70% podem ser assintomáticas13. Entre os fatores que contribuem para a persistência da infecção por clamídia e da gonorréia como problemas de saúde pública, cabe ressaltar ainda a falta de percepção dos provedores de saúde sobre as graves implicações das mesmas, a existência de barreiras para o acesso aos serviços de saúde, além do estigma e da discriminação relacionadas às DST.

No Brasil são raros os serviços de saúde que oferecem sistematicamente a pesquisa dessas bactérias como parte de uma consulta ginecológica ou de pré-natal. Nos serviços privados de saúde, só se pesquisa Chlamydia trachomatis ou Neisseria gonorrhoeae em casos sintomáticos ou quando um dos parceiros sexuais relata a presença de uma destas bactérias. Mesmo nessas situações, a pesquisa laboratorial de ambas não faz parte da rotina da maioria dos serviços de saúde.

O conhecimento de dados comportamentais também é de grande importância, pois vários estudos mostram a associação da infecção pela Chlamydia trachomatis e pela Neisseria gonorrhoeae com o número de parceiros sexuais, com a baixa adesão ao uso de preservativos e com a idade precoce do início da atividade sexual, dentre outros. Ser jovem é um dos fatores mais consistentes para a infecção por esses microorganismos, sendo idade inferior a 25 anos o principal fator de risco para a maioria dos autores14.

A pesquisa de base populacional intitulada "Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira", coordenada pelo Programa Nacional de DST e Aids (PN-DST/Aids), em 200415, mostrou que mais de 70% da população com idade entre 15 e 24 anos eram sexualmente ativos e que 36% tiveram iniciação sexual com menos de 15 anos. Cerca de 16% dos indivíduos dessa faixa etária relatou mais de dez parcerias sexuais na vida, identificando em quase 7% da amostra mais de cinco parcerias sexuais no último ano. Se for considerada a população pesquisada de 15 a 54 anos, cerca de 12% das mulheres nunca haviam sido submetidas a um exame ginecológico e 4% dos homens tiveram corrimento uretral, mas não receberam tratamento. Com relação ao uso de preservativos, somente 38,4% relataram o uso na última relação sexual, sendo a adesão maior entre os homens. Porém, quando indagados sobre o uso com parceria fixa, apenas um quarto das pessoas referiu regularidade. Mesmo com parceria eventual, apenas metade dos participantes relatou uso regular de preservativos, dados que demonstram a vulnerabilidade da população às DST e à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)15.

Os dados existentes na literatura sobre a infecção pela clamídia e pelo gonococo no Brasil são referentes a amostras pequenas, específicas de um serviço ou de um município, carecendo de estudos envolvendo as diferentes regiões do país. A obtenção de dados mais amplos sobre essas infecções é essencial para identificar um cenário fidedigno da situação das DST no Brasil e para estabelecer estratégias dentro das políticas de saúde do país.

Este trabalho faz parte de um estudo planejado pelo PN-DST/Aids do Ministério da Saúde do Brasil e teve como objetivo estimar a prevalência da infecção por clamídia e pelo gonococo em uma população de gestantes de seis cidades brasileiras.

Métodos

Este estudo faz parte de uma pesquisa multicêntrica de âmbito nacional denominada "Prevalências e freqüências relativas de DST em populações selecionadas de seis capitais brasileiras, 2005". Estudo transversal, com amostra oriunda da população de gestantes assistidas em serviços de atendimento pré-natal da atenção básica em seis cidades brasileiras (Manaus, Fortaleza, Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre) no período de 2004 a 2005. Levando em consideração a diversidade socioeconômica, cultural e demográfica do país, a escolha das cidades buscou selecionar representantes das cinco regiões brasileiras (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), sendo uma cidade para cada macrorregião, exceto a Sudeste, em que duas cidades participaram.

O tamanho amostral foi calculado para estimar a prevalência da infecção pela clamídia e pelo gonococo na população de gestantes das seis cidades pesquisadas. Como base para o cálculo da amostra, foi adotado um valor arbitrário de 2,5% para a prevalência, com erro amostral aceitável de 0,5% e valor de α de 0,5%, sendo estimada uma amostra de 3.600 participantes, com distribuição de 600 gestantes para cada cidade selecionada.

A seleção da amostra foi consecutiva, iniciada a partir de um dia pré-determinado ao acaso, junto ao serviço de duas Unidades Básicas de Saúde (UBS) por cidade, previamente selecionadas aleatoriamente. As gestantes foram arroladas na sua primeira consulta pré-natal, independentemente da idade e do período gestacional. Foram excluídas as gestantes que tivessem sido tratadas com antibióticos ou usado qualquer substância química intravaginal nos 15 dias anteriores.

As amostras foram coletadas durante exame ginecológico de rotina e obtidas do canal cervical e dos fundos de saco vaginais posterior e lateral por meio de esfregaço com swab específico para a captura híbrida® (Digene, EUA), o qual era acondicionado em seguida em meio de transporte fornecido pelo fabricante. Tais amostras foram submetidas posteriormente à técnica de captura híbrida®, realizada como um teste combinado para a detecção de clamídia e gonococo, seguido da identificação do microorganismo infectante. A técnica foi realizada conforme as instruções do fabricante, como descrito previamente16.

Informações sociodemográficas, médicas, inclusive antecedentes de DST, sexuais e obstétricas, além dos dados do exame tocoginecológico, foram coletadas por meio de questionários elaborados especificamente para esse fim, aplicados durante a consulta de pré-natal por profissionais de saúde previamente treinados. Foi utilizada a autoclassificação quanto ao quesito raça/cor. O valor do salário mínimo na época da coleta de dados variou entre R$260,00 e R$300,00.

Os dados, juntamente com os resultados de exames laboratoriais de cada uma das participantes, foram tabulados em dupla entrada em banco de dados criado no software Epi-Info 6.04 (Centers of Disease Control and Prevention, EUA). Para avaliar os fatores de risco associados à infecção por gonorréia e clamídia, foi utilizado o Odds Ratio (OR).

Para a comparação da distribuição das variáveis idade e idade da primeira relação sexual, foi utilizado o teste t de Student, com os resultados expressos em média e desvio padrão. As variáveis idade (superior e inferior a 20 anos), escolaridade, renda familiar, estado conjugal, raça/cor, número de parceiros nos últimos 12 meses, parceria eventual, uso de preservativo, prática de relações anais, uso atual ou anterior de drogas injetáveis, parceiro que usa ou usou drogas ilícitas, antecedente de DST sintomáticas e antecedente de parceiro sexual com DST sintomática foram expressas por meio de porcentagem e, para análise, foi utilizado o χ2 e o teste exato de Fischer.

Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa e pelos comitês de cada instituição participante. Todas as pacientes e/ou responsáveis aceitaram participar da pesquisa, sendo que todos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, conforme Resolução n° 196 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Foram arroladas 3.303 gestantes, com média de idade 23,8 anos (±6,9). Do total das integrantes, aproximadamente 30% tinham menos de 20 anos e quase 80%, menos de 30 anos. Na Tabela 1 está descrita a distribuição percentual das gestantes pesquisadas segundo variáveis socioeconômicas. Aproximadamente 80% das mulheres se consideraram pardas ou brancas. Cerca de três quartos das mulheres viviam em união estável e metade das gestantes tinha cursado a segunda fase do ensino fundamental. Segundo renda familiar percebida na época, quase 80% das pacientes referiram até quatro salários mínimos.

A média da idade da primeira relação sexual foi de 15,5 anos. Do total de gestantes, aproximadamente 17% referiu ter tido mais de um parceiro nos últimos 12 meses e 15% relatou parceria eventual (Tabela 2). O uso do preservativo foi referido por 6% das gestantes com parceiro fixo e por 45,5% daquelas que relataram parceria eventual. Cerca de um quarto das gestantes referiu prática de relações sexuais anais nos últimos 12 meses. Uso prévio ou atual de drogas foi relatado por 1,5% das gestantes, ao passo que 3,7% delas referiram esse hábito em parceiros sexuais.

Quanto ao antecedente de DST, o corrimento vaginal dito anormal, definido como secreção com características diferentes das produzidas nos períodos cíclicos de mudanças hormonais, foi o mais freqüente dentre eles (57,9%). Os antecedentes de verrugas genitais, de "feridas" (como indicador de úlcera genital) e de vesículas foram referidos por 6,5, 4,4 e 4,3% das gestantes, respectivamente (Tabela 2).

As prevalências da infecção pela clamídia e pelo gonococo foram, respectivamente, 9,4% (IC95%=8,4-10,5) e 1,5% (IC95%=1,2-2,0). Nas 273 gestantes com infecção por clamídia, foi detectada presença simultânea do gonococo em 27 delas (10%). As maiores taxas de infecção por gonorréia e clamídia foram identificadas na faixa etária de 15 a 19 anos. Quando avaliadas gestantes com idade menor e maior ou igual a 20 anos, houve diferença significante entre as prevalências desses microorganismos. O risco de apresentar uma dessas infecções foi duas vezes maior para as gestantes com menos de 20 anos (Tabelas 3 e 4).

Foi identificado risco significativamente maior para infecção por clamídia e gonococo entre as gestantes que referiram situação conjugal solteira/separada, raça/cor negra e mais de um parceiro no último ano (Tabelas 3 e 4). Parceria eventual esteve significativamente associada à infecção por clamídia (Tabela 4). Prática de sexo anal não modificou significativamente as prevalências para gonorréia (1,5 versus 1,5%) e para clamídia (11,9% versus 9%).

Houve diferença entre as prevalências das infecções nas gestantes que referiram uso de drogas injetáveis em relação às que negavam este antecedente (4,6 versus 1,4%, respectivamente, para gonorréia, e 12 versus 9,3%, respectivamente, para clamídia), entretanto tais dados não atingiram nível significante para nenhum dos dois agravos (OR=3,36; IC95%=0,38-13,73; p=0,131 para gonorréia e OR=1,58; IC95%=0,59-3,95; p=0,28 para clamídia).

Discussão

A infecção pela Chlamydia trachomatis e pela Neisseria gonorrhoeae acarretam danos importantes à saúde sexual e reprodutiva da mulher, onerando significativamente o sistema de saúde com suas diversas complicações. Este trabalho identificou prevalências elevadas das infecções pesquisadas em gestantes, particularmente para a clamídia, presente em 9,4% da amostra.

Os resultados deste estudo são semelhantes aos relatados em outros países, mesmo nos mais desenvolvidos, refletindo, portanto, o cenário mundial. A infecção por clamídia apresenta taxas de positividade acima de 5% nos EUA, atingindo valores próximos de 15% em determinados estados desse país1. Em estudo realizado na China, Chen et al.17 detectaram infecção por clamídia e pelo gonococo em 10% e 0,8% das gestantes pesquisadas. Pesquisa recente envolvendo gestantes da Botsuana identificou freqüência da infecção por clamídia semelhante à deste estudo, porém mais elevada para o gonococo18.

Estudos prévios têm mostrado resultados variáveis sobre as prevalências desses microorganismos no Brasil. Pesquisa realizada em Campinas, São Paulo, identificou infecção por clamídia em 2,1% das gestantes avaliadas, entretanto foi utilizada a imunofluorescência direta para diagnóstico, o que pode justificar o resultado encontrado11. Miranda et al.19 identificaram prevalências semelhantes às deste estudo para clamídia e gonococo em adolescentes grávidas de Vitória, Espírito Santo. Outros autores obtiveram aproximadamente 20% de positividade para a infecção por clamídia em adolescentes e mulheres jovens da região Centro-oeste20.

Os principais preditores para infecção pela clamídia e pelo gonococo identificados foram: idade inferior a 20 anos, estado conjugal solteiro/separado, raça/cor negra e ter mais de um parceiro no último ano. Idade inferior a 20 anos é considerada o principal fator de risco para a infecção pela clamídia e pelo gonococo1,12,21,22. Múltipla parceria sexual também tem sido associada à positividade para clamídia e gonococo12,21. Estudos norte-americanos têm identificado prevalências de clamídia mais elevadas em mulheres afroamericanas1,21,23.

Apesar de as gestantes serem usualmente consideradas uma parcela da população com baixo risco para as DST, percentual significativo das mulheres arroladas neste estudo referiram parceria eventual no último ano e apresentaram positividade para as infecções pesquisadas. Em recente revisão de medidas de prevenção para as DST, publicada pela Força Tarefa de Prevenção dos EUA (US Preventive Services Task Force), foi reforçada a importância da introdução da investigação da infecção pela clamídia durante o pré-natal de adolescentes e mulheres jovens22. Embora a estratégia da abordagem sindrômica das DST, atualmente recomendada pelo Ministério da Saúde, tenha excelente relação custo-efetividade, o algoritmo de corrimento vaginal/cervical é complexo e possui menor sensibilidade.

Ainda, apesar de o estudo não ser representativo de todo o Brasil, os resultados obtidos permitem realizar inferências sobre a infecção pela clamídia e pelo gonococo em gestantes e, conseqüentemente, na população sexualmente ativa das seis cidades envolvidas, as quais podem representar a população urbana das cinco macrorregiões brasileiras.

Estratégias de rastreamento envolvendo a introdução de técnicas laboratoriais mais sofisticadas e sensíveis são sempre motivo de intenso debate por apresentarem maior custo imediato ao sistema de saúde. Há que se observar, no entanto, que o investimento em diagnóstico precoce e em tratamento adequado das infecções por clamídia e gonococo representará redução do impacto financeiro de despesas com agravos à saúde da população, particularmente em mulheres e crianças. Como testes de biologia molecular para o diagnóstico desses patógenos já fazem parte do elenco de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), é mister promover o debate quanto ao uso sistemático em serviços de pré-natal para o rastreio da infecção clamídica.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer a todos os coordenadores e colaboradores locais do estudo nas seis capitais brasileiras e à Agência de Cooperação Alemã (Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit – GTZ).

Recebido: 27/11/08

Aceito com modificações: 23/12/08

Financiamento: PN-DST/Aids - SVS/MS, com apoio da Agência de Cooperação Alemã (Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit - GTZ).

Instituições: Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids do Ministério da Saúde; Fundação Alfredo da Matta (FUAM); Coordenação Estadual de DST/Aids do Ceará; Centro de Referência e Treinamento DST/Aids de São Paulo; Secretaria de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SESDEC-RJ); Centro de Estudos de Aids do Rio Grande do Sul (CEARGS); Universidade Católica de Goiás.

Autor do protocolo do estudo: Fábio Moherdaui

  • 1
    Centers for Diseases Control and Prevention (CDC). Tracking the hidden epidemics. Trends in STDs in the United States 2000 [document on the Internet]. 2000 [cited 2008 Jun 15]. Available from: http://www.cdc.gov/nchstp/dstd/Stats_Trends/Trends2000.pdf
  • 2. Stamm WE. Chlamydia tracomatis infections of the adult. In: Holmes KK, Mardh PA, Sparling PF, Wiesner PJ, Cates WJ, Lemon SM, et al., editors. Sexually transmitted diseases. 2nd ed. New York: Mc Graw-Hill; 1999. p. 593-614.
  • 3. Schachter J, Moncada J, Whidden R, Shaw H, Bolan H, Burczak JD, et al. Noninvasive tests for diagnosis of Chlamydia trachomatis infection: application of ligase chain reaction to first-catch urine specimens of women. J Infect Dis. 1995;172(5):1411-4.
  • 4. Araújo MCK, Feferbaum R, Vaz FAC, Ramos JLA. Infecção neonatal, rotura prematura de membranas amnióticas e corioamnionite. Pediatria (USP). 1994;16(3):94-101.
  • 5. Duarte G. DST durante a gravidez e o puerpério. In: Passos MRL, editor. Deessetologia, DST 5. 5a ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2005. p. 685-705.
  • 6
    World Health Organization. Global prevalence and incidence of selected curable sexually transmitted infections: overview and estimates [document on the Internet]. Geneva: WHO; 2001 [cited 2008 May 28]. Available from: http://www.who.int/hiv/pub/sti/who_hiv_aids_2001.02.pdf
  • 7. Shakarishvili A, Dubovskaya LK, Zohrabyan LS, St Lawrence JS, Aral SO, Dugasheva LG, et al. Sex work, drug use, HIV infection, and spread of sexually transmitted infections in Moscow, Russian Federation. Lancet. 2005;366(9479):57-60.
  • 8
    World Health Organization. Sexually transmitted infections [Internet]. Fact Sheet 110. Oct 2007 [cited 2008 May 28]. Available from: http://www.who.int/ mediacentre/factsheets/fs110/en/
  • 9
    Centers for Diseases Control and Prevention (CDC). Reporting of laboratory-confirmed chlamydial infection and gonorrhea by providers affiliated with three large managed care organizations – United States, 1995-1999. JAMA. 2002;287(15):1933-4.
  • 10. Raddi MS, Vidal AF, Santana DM. Characteristics of gram-stained cervical smear from patients with Chlamydia trachomatis infection. Rev Latinoam Microbiol. 1993;35(2):159-61.
  • 11. Simões JA, Giraldo PC, Faúndes A. Prevalence of cervicovaginal infections during gestation and accuracy of clinical diagnosis. Infect Dis Obstet Gynecol. 1998;6(3):129-33.
  • 12. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Sexually transmitted diseases surveillance [ Internet]. 2006 [cited 2008 Jun 7]. Available from: http:// www.cdc.gov/std/stats/toc2006.htm
  • 13. Ortiz L, Demick KP, Petersen JW, Polka M, Rudersdorf RA, Van der Pol B, et al. Chlamydia trachomatis major outer membrane protein (MOMP) epitopes that activate HLA class II-restricted T cells from infected humans. J Immunol. 1996;157(10):4554-67.
  • 14. Workowski KA, Suchland RJ, Pettinger MB, Stamm WE. Association of genital infection with specific Chlamydia trachomatis serovars and race. J Infect Dis. 1992;166(6):1445-9.
  • 15
    Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Pesquisa de conhecimento, atitudes e práticas na população brasileira de 15 a 54 anos, 2004. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
  • 16. Schachter J, Hook EW 3rd, McCormack WM, Quinn TC, Chernesky M, Chong S, et al. Ability of the digene hybrid capture II test to identify Chlamydia trachomatis and Neisseria gonorrhoeae in cervical specimens. J Clin Microbiol. 1999;37(11): 3668-71.
  • 17. Chen XS, Yin YP, Chen LP, Thuy NT, Zhang GY, Shi MQ, et al. Sexually transmitted infections among pregnant women attending an antenatal clinic in Fuzhou, China. Sex Transm Dis. 2006;33(5):296-301.
  • 18. Romoren M, Sundby J, Velauthapillai M, Rahman M, Klouman E, Hjortdahl P. Chlamydia and gonorrhoea in pregnant Batswana women: time to discard the syndromic approach? BMC Infect Dis. 2007;7:27.
  • 19. Miranda AE, Szwarcwald CL, Peres RL, Page-Shafer K. Prevalence and risk behaviors for chlamydial infection in a population-based study of female adolescents in Brazil. Sex Transm Dis. 2004;31(9):542-6.
  • 20. Araújo RS, Guimarães EM, Alves MF, Sakurai E, Domingos LT, Fioravante FC, et al. Prevalence and risk factors for Chlamydia trachomatis infection in adolescent females and young women in central Brazil. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2006;25(6):397-400.
  • 21. Meyers DS, Halvorson H, Luckhaupt S; U.S. Preventive Services Task Force. Screening for chlamydial infection: an evidence update for the U.S. Preventive Services Task Force. Ann Intern Med. 2007;147(2):135-42.
  • 22. Nelson HD, Helfand M. Screening for chlamydial infection. Am J Prev Med. 2001;20(3 Suppl):95-107.
  • 23. Geisler WM, James AB. Chlamydial and gonococcal infections in women seeking pregnancy testing at family-planning clinics. Am J Obstet Gynecol. 2008;198(5):502.e1-4.
  • Correspondência:
    Emilia Moreira Jalil
    Unidade de Doenças Sexualmente Transmissíveis do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde
    Avenida W3 Norte, SEPN 511, Bloco C, 2º andar – Asa Norte
    CEP 70750-543 – Brasília/DF
    Fone: (61) 3448-8068 /Fax: (61) 3448-8183
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      23 Dez 2008
    • Recebido
      27 Nov 2008
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br