Acessibilidade / Reportar erro

Vigor neurológico de recém-nascidos a termo segundo tipo de parto e realização de manobras obstétricas

Neurologic vigor of term newborns according to the type of delivery and obstetric maneuvers

Resumos

OBJETIVO: avaliar o efeito do tipo de parto e dos procedimentos obstétricos usuais sobre o estado neurológico das primeiras 48 horas de vida, em uma amostra de recém-nascidos consecutivos a termo e saudáveis, usando um sistema de escores (NACS - Neurologic Adaptative Capacity Score). MÉTODOS: coorte prospectiva com 313 recém-nascidos de uma Unidade de Neonatologia e Alojamento Conjunto. As variáveis analisadas foram as obstétricas; o desfecho clínico - fase de baixo vigor neurológico, avaliada pelo NACS com 4, 24 e 48 horas de vida. Foram realizadas duas avaliações dos dados: uma com toda a amostra e outra comparando o Grupo Vigoroso, cujos recém-nascidos mantiveram-se com 35 ou mais pontos no NACS, versus Grupo de Baixo Vigor com menos de 35 pontos durante as três avaliações consecutivas. Foram realizadas análises bivariadas e multivariadas. Foram buscadas possíveis associações entre a fase de baixo vigor neurológico e o tipo de parto, bem como entre a fase de baixo vigor neurológico e as variáveis obstétricas. RESULTADOS: na análise bivariada, o tipo de parto e as variáveis obstétricas não estiveram associados com a fase de baixo vigor neurológico. Entretanto, a associação entre o aspecto do líquido amniótico e a fase de baixo vigor neurológico atingiu valores bem próximos da significância e, então, foi incluído na análise multivariada. Na análise multivariada, a única variável associada com baixo vigor neurológico foi a presença de líquido amniótico tinto de mecônio, que mostrou 8,1 vezes maior risco de baixa pontuação neurológica quando comparados o Grupo Vigoroso e o Grupo de Baixo Vigor. Na análise da amostra global, o mesmo risco foi de 1,7. CONCLUSÕES: nem o tipo de parto nem as manobras obstétricas usuais estiveram associados com fase de baixo vigor neurológico. Esta é uma informação útil, tanto do ponto de vista clínico quanto do médico-legal, especialmente para os obstetras. Pelos dados desta amostra, se o recém-nascido a termo é saudável, a via do nascimento e os procedimentos obstétricos usuais não têm impacto no estado neurológico.

Parto; Cesárea; Recém-nascido; Exame neurológico; Triagem neonatal


PURPOSE: to evaluate the effect of delivery type and usual obstetric procedures on the neurologic condition of a sample of consecutive term and healthy neonates, in the first 48 hours of life, using the Neurologic Adaptative Capacity Score (NACS) system. METHODS: cohort prospective study with 313 neonates, from a neonatology unit: Unidade de Neonatologia e Alojamento Conjunto. The variables analyzed were obstetric variables; clinical outcome: low neurologic vigor phase, evaluated by NACS, at 4, 24 and 48 hours of life. The data have been assessed twice: once with the whole sample and the other comparing the Vigorous Group, whose neonates kept a score of 35 or more during the three evaluations, and the Low Vigor Group, with less than 35 scores during the three consecutive evaluations. Bivariate and multivariate analyses have been done. Possible associations between low neurologic vigor phase and the type of delivery, as well between the low neurologic vigor phase and obstetric variables have been searched. RESULTS: in the bivariate analysis, the delivery type and the obstetric variables were not associated with the low neurologic vigor phase. Nevertheless, the association between the amniotic fluid and the low neurologic vigor phase reached values very close to significance and, then, it was included in the multivariate analysis. In the multivariate analysis, the only variable associated with low neurologic vigor was the presence of meconium stained amniotic fluid, which has shown to be 8.1 times more risky for the neurologic scoring, when Vigorous Group and Low Vigor Group were compared. In the analysis of the whole sample, the same risk was 1.7. CONCLUSIONS: neither the delivery type, nor the usual obstetric procedures were associated with low neurologic vigor phase. This is useful information, clinically or legally speaking, mainly for obstetricians. According to this sample data, when the term neonate is healthy, the delivery type and the usual obstetric procedures have no impact in the neurologic condition.

Delivery; Cesarean section; Infant, newborn; Neurologic examination; Neonatal screening


ARTIGO ORIGINAL

Vigor neurológico de recém-nascidos a termo segundo tipo de parto e realização de manobras obstétricas

Neurologic vigor of term newborns according to the type of delivery and obstetric maneuvers

Rudimar dos Santos RiesgoI; Lygia OhlweilerII; Maria Isabel Bragatti WincklerII; Josiane RanzanII; Itamar dos Santos RiesgoIII; Newra Tellechea RottaIV

IChefe do Setor de Neuropediatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre; Professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil

IINeuropediatras do Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre, Brasil

IIIProfessor Adjunto da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria (RS), Brasil

IVProfessora Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil

Correspondência Correspondência: Rudimar dos Santos Riesgo Avenida Juca Batista, 8.000/415, 252/02 CEP 91780-070 - Porto Alegre (RS), Brasil Fax: (51) 3330-9700 E-mail: rriesgo@hcpa.ufrgs.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar o efeito do tipo de parto e dos procedimentos obstétricos usuais sobre o estado neurológico das primeiras 48 horas de vida, em uma amostra de recém-nascidos consecutivos a termo e saudáveis, usando um sistema de escores (NACS - Neurologic Adaptative Capacity Score).

MÉTODOS: coorte prospectiva com 313 recém-nascidos de uma Unidade de Neonatologia e Alojamento Conjunto. As variáveis analisadas foram as obstétricas; o desfecho clínico - fase de baixo vigor neurológico, avaliada pelo NACS com 4, 24 e 48 horas de vida. Foram realizadas duas avaliações dos dados: uma com toda a amostra e outra comparando o Grupo Vigoroso, cujos recém-nascidos mantiveram-se com 35 ou mais pontos no NACS, versus Grupo de Baixo Vigor com menos de 35 pontos durante as três avaliações consecutivas. Foram realizadas análises bivariadas e multivariadas. Foram buscadas possíveis associações entre a fase de baixo vigor neurológico e o tipo de parto, bem como entre a fase de baixo vigor neurológico e as variáveis obstétricas.

RESULTADOS: na análise bivariada, o tipo de parto e as variáveis obstétricas não estiveram associados com a fase de baixo vigor neurológico. Entretanto, a associação entre o aspecto do líquido amniótico e a fase de baixo vigor neurológico atingiu valores bem próximos da significância e, então, foi incluído na análise multivariada. Na análise multivariada, a única variável associada com baixo vigor neurológico foi a presença de líquido amniótico tinto de mecônio, que mostrou 8,1 vezes maior risco de baixa pontuação neurológica quando comparados o Grupo Vigoroso e o Grupo de Baixo Vigor. Na análise da amostra global, o mesmo risco foi de 1,7.

CONCLUSÕES: nem o tipo de parto nem as manobras obstétricas usuais estiveram associados com fase de baixo vigor neurológico. Esta é uma informação útil, tanto do ponto de vista clínico quanto do médico-legal, especialmente para os obstetras. Pelos dados desta amostra, se o recém-nascido a termo é saudável, a via do nascimento e os procedimentos obstétricos usuais não têm impacto no estado neurológico.

Palavras-chave: Parto; Cesárea; Recém-nascido; Exame neurológico; Triagem neonatal

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the effect of delivery type and usual obstetric procedures on the neurologic condition of a sample of consecutive term and healthy neonates, in the first 48 hours of life, using the Neurologic Adaptative Capacity Score (NACS) system.

METHODS: cohort prospective study with 313 neonates, from a neonatology unit: Unidade de Neonatologia e Alojamento Conjunto. The variables analyzed were obstetric variables; clinical outcome: low neurologic vigor phase, evaluated by NACS, at 4, 24 and 48 hours of life. The data have been assessed twice: once with the whole sample and the other comparing the Vigorous Group, whose neonates kept a score of 35 or more during the three evaluations, and the Low Vigor Group, with less than 35 scores during the three consecutive evaluations. Bivariate and multivariate analyses have been done. Possible associations between low neurologic vigor phase and the type of delivery, as well between the low neurologic vigor phase and obstetric variables have been searched.

RESULTS: in the bivariate analysis, the delivery type and the obstetric variables were not associated with the low neurologic vigor phase. Nevertheless, the association between the amniotic fluid and the low neurologic vigor phase reached values very close to significance and, then, it was included in the multivariate analysis. In the multivariate analysis, the only variable associated with low neurologic vigor was the presence of meconium stained amniotic fluid, which has shown to be 8.1 times more risky for the neurologic scoring, when Vigorous Group and Low Vigor Group were compared. In the analysis of the whole sample, the same risk was 1.7.

CONCLUSIONS: neither the delivery type, nor the usual obstetric procedures were associated with low neurologic vigor phase. This is useful information, clinically or legally speaking, mainly for obstetricians. According to this sample data, when the term neonate is healthy, the delivery type and the usual obstetric procedures have no impact in the neurologic condition.

Keywords: Delivery, Cesarean section, Infant, newborn, Neurologic examination, Neonatal screening

Introdução

Mudanças adaptativas funcionais e fisiológicas afetam praticamente todos os órgãos e sistemas do recém-nascido durante o nascimento. Também ocorrem alterações transitórias no sistema nervoso central, particularmente no tônus muscular e nos reflexos, que receberam a denominação de choque do nascimento. Estas alterações neurológicas fisiológicas durariam aproximadamente 72 horas nos recém-nascidos a termo1.

É razoável admitir que a troca do ambiente intra para o extrauterino traz consequências sobre o estado neurológico dos recém-nascidos a termo, especialmente nas primeiras horas de vida. Evidentemente, elas não são duradouras. Esta fase precoce de adaptação neurocomportamental, outrora denominada choque do nascimento, necessita outra denominação, pois a palavra choque pode induzir a erros interpretativos. Além do mais, é de difícil indexação. É proposta a denominação fase de baixo vigor neurológico (FBVN), que é intrinsecamente transitória. Independente do termo usado para descrevê-la, por alguns anos, a constatação de que todo recém-nascido pode passar por uma FBVN fisiológica e transitória era empírica e introjetada na prática diária dos neonatologistas e neuropediatras, baseada apenas na semiologia clássica, aplicada nos exames de rotina dos recém-nascidos a termo normais e também nos patológicos2,3.

Esta é a razão pela qual o exame neurológico do recém-nascido a termo deve ser repetido nas primeiras 48 horas, para evitar falsas impressões clínicas, pois o tônus e os reflexos primitivos tendem a melhorar com o passar do tempo, logo após o nascimento3,4.

Os sistemas de escore para avaliação do estado neurológico só começaram a ser mais difundidos a partir da década de 19705-8. O uso de sistemas de escore para avaliação do estado neurológico do recém-nascido tornou muito mais prática a troca de informações entre os pesquisadores acerca de todos os eventos neurológicos da transição perinatal.

Atualmente, os exames complementares também têm sido usados, juntamente com os sistemas de escore e a semiologia clássica, para definir o estado neurológico dos recém-nascidos normais e patológicos, assim como eventuais parâmetros prognósticos8-17.

Entretanto, até meados da década de 1990, permaneciam algumas perguntas sem respostas definitivas. Por exemplo, qual a real influência das manobras obstétricas usuais sobre o estado neurológico do recém-nascido a termo saudável? Qual a influência que se pode atribuir exclusivamente ao tipo de parto, controlados os potenciais fatores de confusão? Será que esta fase de baixo vigor neurológico, fisiológica e transitória só ocorreria nos partos vaginais? Como seria a transição neurocomportamental nas cesarianas eletivas?

Houve algumas tentativas. Em um trabalho, tentou-se verificar se o tipo de parto influenciaria o estado neurológico. Entretanto, a amostra constava apenas de dez partos vaginais e dez cesarianas18. Poder-se-ia imaginar que o vigor neurológico do recém-nascido dependeria mais da duração do trabalho de parto do que da via do parto19, ou que nos partos sem episiotomia houvesse menor vigor neurológico, em decorrência da compressão da cabeça durante sua passagem no canal do parto20.

Como na pesquisa original, que introduziu o conceito de choque do nascimento, só foram avaliados recém-nascidos de partos vaginais, sem uso de sistemas de escore, tratamento estatístico e com uma amostra pequena1, os autores deste artigo julgaram importante analisar parte dos dados - apenas as variáveis obstétricas - de uma publicação prévia que incluía 43 variáveis21, por julgá-los importantes para neonatologistas, neuropediatras e obstetras.

Métodos

Neste estudo, foi analisada parte dos dados de publicação prévia, no qual se avaliou um total de 43 variáveis21. Foi obtida autorização do editor para esta publicação, para a qual apenas os dados obstétricos foram tabulados. Esta coorte prospectiva analisou o efeito do tipo de parto e das manobras obstétricas usuais sobre o estado neurológico de recém-nascidos a termo saudáveis. Os fatores em estudo foram variáveis obstétricas e o desfecho clínico foi a FBVN, definida pelo achado de menos que 35 pontos no Neurologic Adaptative Capacity Score (NACS)7. Este ponto de corte foi escolhido após o estudo piloto com 30 pacientes.

O NACS é um sistema de escores para avaliação neurocomportamental do recém-nascido de fácil e rápida aplicação. O maior escore possível é 40 pontos. Na sua concepção, para avaliar o efeito das medicações obstétricas sobre o estado neurológico dos recém-nascidos, foi utilizado em uma amostra com pouco mais de 60 pacientes7.

O tamanho da amostra desta pesquisa foi calculado após estudo piloto com 30 recém-nascidos, os neonatos não foram incluídos nesta análise, durante o qual foi feito um treinamento para aplicação do NACS (o pesquisador N.T.R. treinou R.S.R). O percentual de concordância entre examinadores, no estudo piloto, foi de 86%. Considerando uma diferença de pelo menos cinco pontos no NACS, o tamanho da amostra ficou estimado em 303 recém-nascidos para um poder estatístico de 90% e um nível de significância de 5%.

Foram incluídos todos os recém-nascidos a termo saudáveis, com 37 ou mais semanas de idade gestacional obstétrica ou neonatal. Foram excluídos os casos de apresentação não cefálica, os recém-nascidos com distocias e os pacientes que necessitaram internação. Os dados foram coletados num período de três meses, no ano de 1995. Durante estes meses, ocorreram 675 partos a termo, dos quais 332 recém-nascidos foram examinados e 343 não o foram, porque não era possível examinar consecutivamente todos os recém-nascidos com 4, 24 e 48 horas de vida. Por isso, a entrada na coorte foi aleatória. Antes do início da coleta, foi realizado um sorteio do turno semanal de coleta, se diurno (das 8h às 20h) ou noturno (das 20h às 8h).

A amostra iniciou com 443 recém-nascidos. Deles, 19 foram excluídos, porque foram hospitalizados nesta fase para observação ou tratamento, oito tiveram taquipneia transitória do recém-nascido; quatro foram internados devido à icterícia precoce; três devido à hipoglicemia neonatal; dois devido à sépsis neonatal; um por cianose e um por suspeita de síndrome de abstinência. A amostra ficou então constituída de 313 recém-nascidos a termo saudáveis.

Os recém-nascidos foram considerados vigorosos quando mantiveram 35 ou mais pontos nas três avaliações consecutivas. Estes fizeram parte do Grupo Vigoroso (GV). Quando o escore ficou abaixo dos 35 pontos nas três avaliações, os neonatos foram classificados dentro do Grupo de Baixo Vigor (GBV).

Na análise dos resultados, foram realizadas duas avaliações: uma com toda a amostra de 313 recém-nascidos e outra comparando o GV com o GBV. Todos os recém-nascidos foram examinados pelo mesmo pesquisador (R.S.R), que estava cego para as variáveis maternas e obstétricas. O NACS foi aplicado com 4, 24 e 48 horas de vida, uma hora antes ou depois da amamentação, numa sala com temperatura entre 22 a 25 ºC. Os dados acerca da mãe, do parto e do recém-nascido foram obtidos após o último exame. Os resultados foram analisados usando o software SPSS 14.0. Na análise bivariada, de acordo com o tipo de variável e análise a ser feita, foram usados: teste do χ2, teste exato de Fisher ou Mann-Whitney. Foram incluídas na análise multivariada todas as variáveis que apresentaram associações, bem como aquelas cujos valores chegassem bem próximos dos estatisticamente significativos. Nela, foi usada a regressão múltipla e a logística. Foi definido um nível de significância de 5%. Foram buscadas possíveis associações entre a FBVN e o modo de nascimento, bem como FBVN e variáveis obstétricas, tais como: duração do trabalho de parto e do segundo estágio, tempo de bolsa rota, peso da placenta, aspecto do líquido amniótico, episiotomia, indução, uso de fórceps e tipo de anestesia obstétrica. Para as variáveis quantitativas, foram utilizadas a média e o desvio padrão (DP). Para as categóricas, o valor absoluto e o percentual.

De acordo com as Normas de Pesquisa em Humanos do Conselho Nacional de Saúde do Brasil, a avaliação neurológica é considerada como risco mínimo. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, Brasil. Os pais assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

Foram avaliados dados sobre 311 gestações e partos consecutivos (245 vaginais e 66 cesarianas), dos quais, duas foram de recém-nascidos gêmeos. A duração do trabalho de parto variou de 0 a 32 horas (média=6,6 horas; DP=5,0); do segundo estágio, de 0 a 75 minutos (média=9,1 minutos; DP=7,7); e da ruptura das membranas variou de 0 a 76 horas (média=3,5 horas; DP=6,7). O peso da placenta variou de 300 até 1.075 g (média=608,3 g; DP=126,9). Dentre as 66 operações cesarianas, 31 ocorreram devido à desproporção céfalo-pélvica, 20 devido à cesárea prévia, 14 devido à apresentação pélvica e uma por gemelaridade. A indução do trabalho de parto foi realizada em 34 casos, o fórcipe em 22 e a episiotomia em 201 dos 245 partos vaginais.

Foi utilizada anestesia local em 205 (83,6%) dos 245 partos vaginais. A anestesia regional foi usada em 65 operações cesarianas e a anestesia geral em apenas uma. O recém-nascido cuja mãe recebeu anestesia geral teve baixos escores neurológicos nas três avaliações. Foi associado agente vasoconstritor em 34 dos 65 casos de anestesia regional.

Os 313 recém-nascidos foram divididos em dois subgrupos: o GV, composto por 74 neonatos que obtiveram bons escores neurológicos nas três avaliações; e o GBV, com 23 recém-nascidos que tiveram menos de 35 pontos como escore nas três avaliações consecutivas. Estes dois grupos foram estudados separadamente (Tabela 1).

Quando o GV foi comparado ao GBV, no que se refere ao tipo de parto, não se constatou nenhuma associação com a FBVN (estar com menos de 35 pontos) nas três avaliações. A análise bivariada da associação entre FBVN e variáveis obstétricas também não mostrou nenhuma relevância estatística, nem quando todos os 313 recém-nascidos foram analisados em conjunto, ou quando os subgrupos GV e GVB foram analisados separadamente, mas a variável aspecto do líquido amniótico atingiu valores bem próximos dos estatisticamente significativos e por isso foi incluído na análise multivariada.

Na análise multivariada, foi demonstrado que o aspecto do líquido amniótico esteve ligado com a FBVN, quando o GV foi comparado com o GBV (p<0,05). O líquido amniótico não claro aumentou em 8,1 vezes a chance de baixo vigor neurológico nos recém-nascidos desta amostra. Da mesma forma, a análise de toda a amostra revelou que o aspecto do líquido amniótico também esteve associado à FBVN. Quando o líquido amniótico não estava límpido, aumentaram em 1,7 vezes as chances de baixo escore neurológico neonatal.

Discussão

O termo choque do nascimento foi introduzido na literatura por Escardó e Coriat no começo dos anos 19601. Tal denominação não foi largamente aceita, mas não há dúvidas acerca de uma FBVN fisiológica nas primeiras horas de vida dos recém-nascidos a termo, que decorre das adaptações neurocomportamentais logo após o parto, tendo em vista a mudança de um ambiente intra para o extrauterino2-4,21.

Desde a década de 1970, os sistemas de escores para avaliar o estado neurológico neonatal se tornaram mais conhecidos. Existem dezenas deles, mas os mais frequentemente usados são o Neonatal Behavioral Assessment Scale (NBAS)5, o Early Neonatal Neurobehavioral Scale (ENNS)6 e o NACS7. Apesar de melhor conhecido e mais utilizado, o NBAS requer treinamento prévio e pode levar até 45 minutos para ser aplicado22. O NACS, derivado dos outros dois supracitados, é um instrumento eficaz, fácil e rápido para ser aplicado.

Devido ao tamanho da amostra, é evidente que a coleta de dados consumiu bastante tempo. Felizmente, cada avaliação através do NACS não leva mais do que três a cinco minutos para ser realizada. Deve-se também levar em conta de que o presente estudo usou apenas as variáveis obstétricas de todo o banco de dados.

O NACS tem sido mais usado em ensaios clínicos23,24 do que em estudos observacionais tipo coorte prospectiva, como o presente estudo. Chamou atenção que o tamanho das amostras nas quais este sistema de escores foi usado foi muito menor do que a nossa, com exceção de uma metanálise que incluiu estudos randomizados, duplo-cegos e totalizou 403 pacientes25.

As avaliações neurológicas de rotina, quando feitas nas primeiras 48 horas de vida, devem ser repetidas logo após, para evitar a FBVN26. Todas as doenças neurológicas neonatais2, bem como os problemas cardíacos e circulatórios do recém-nascido27 foram excluídos do conceito de FBVN. Faz parte da boa semiologia neurológica neonatal levar em conta que existe uma fase de transição fisiológica. Esta fase deveria ser considerada quando é feita a primeira avaliação neurológica do recém-nascido a termo, independente da razão para tal avaliação4,12,21,28. Ela também deveria ser levada em consideração no seguimento destes neonatos26,29.

Alguns estudos sugerem que o vigor neurológico do recém-nascido dependeria mais da duração do trabalho de parto do que da via do parto, e que os escores neurológicos seriam mais baixos quando o trabalho de parto fosse mais demorado19. Na presente amostra, não houve diferenças significativas na duração média do trabalho de parto, tanto quando o GV foi comparado com o GBV ou quando toda a amostra foi analisada, o que está de acordo com alguns autores20, mas em desacordo com outros30. Entretanto, as metodologias foram diferentes, o que torna difícil cotejar nossos dados com os supracitados. Pela uniformidade dos grupos e também pelo tamanho desta amostra, foi imaginado que a duração do trabalho de parto não influenciava o vigor do recém-nascido a termo saudável.

Quando o segundo estágio é muito longo ou muito curto, pode haver maior chance de lesão traumática no sistema nervoso central, particularmente nos recém-nascidos a termo. No nosso estudo, a duração média do segundo estágio foi mais curta no GBV do que no GV, mas a diferença não atingiu níveis de significância. O mesmo foi observado quando os dados de toda amostra foram analisados nas três avaliações.

Alguns autores18 observaram que a via do parto - parto vaginal versus operação cesariana -, não afetou o vigor neurológico avaliado pelo NBAS5. Entretanto, seus resultados foram obtidos a partir de uma amostra com apenas 20 nascimentos, sendo dez partos e dez cesarianas18, o que concorda com nossos achados, agora confirmados em um tamanho amostral muito maior. Igualmente, acreditamos que o NACS7, instrumento que usamos na nossa pesquisa é bem mais prático do que o NBAS5, usado no trabalho citado18. Ainda no que se refere à possível influência do tipo de parto sobre o estado neurológico do recém-nascido, outro estudo concordou com os presentes achados, se bem que naquele não se usou sistemas de escore para avaliação neurológica. Tratou-se de um estudo prospectivo, multicêntrico, que envolveu 24 maternidades e 18.653 partos. Os autores concluíram, dentre outras, que o tipo de parto eletivo não trouxe diferenças significativas em termos de baixo Apgar ou sintomas neurológicos31. Na nossa amostra, o tipo de parto não afetou o estado neurológico dos recém-nascidos a termo saudáveis, seguidos nas primeiras 48 horas de vida, em todas as análises, tanto quando o GBV foi comparado com o GV quanto na análise da amostra como um todo. Nossos achados estão em concordância com os reportados por alguns autores18,31, já discutidos, mas diferem dos resultados de outros20.

A morbidade pode ser maior na cesariana do que nos partos vaginais32, contudo, o estudo prospectivo multicêntrico supracitado não encontrou nenhuma diferença significativa em baixos valores de Apgar ou sintomas neurológicos anormais quando partos vaginais eletivos foram comparados com cesarianas eletivas31.

A frequência da eliminação de mecônio nos recém-nascidos a termo varia de 10 a 15% dos partos33. Na nossa amostra, a análise bivariada chegou próxima, mas não atingiu níveis de significância, quando foi avaliada a associação entre o aspecto do líquido amniótico e a FBVN. Contudo, quando todas as variáveis (maternas, fetais e obstétricas) foram incluídas numa análise multivariada, o aspecto do líquido amniótico foi a única das variáveis obstétricas que mostrou significância.

Na nossa série, foi encontrada uma maior percentagem de partos sem episiotomia no GBV, mas os valores não atingiram níveis de relevância estatística. Esta tendência para baixos escores de vigor neurológico nos partos sem episiotomia podem ser associados com eventos que podem ser desencadeados pela compressão da cabeça, na progressão do nascimento, como descrito por alguns autores20.

Na nossa prática, o mais frequente modo de indução é o uso de ocitocina intravenosa. No presente estudo, a indução não mostrou nenhuma associação com a FBVN, o que está de acordo com estudos prévios34.

No hospital do estudo, a instrumentação do parto tem sido feita unicamente com fórceps. Alguns autores sugerem que o procedimento ideal para um bom estado neurológico neonatal seria, evidentemente, um parto sem instrumentação30. Não há como discutir nossos achados, porque na Tabela 1 pode-se observar que tivemos apenas cinco casos de uso de fórceps, com distribuição uniforme entre os dois subgrupos.

O efeito das medicações obstétricas sobre o estado neurológico dos recém-nascidos tem sido alvo de controvérsia. Este estudo encontrou uma maior percentagem de recém-nascidos com baixo vigor neurológico nos partos sem anestesia local, embora sem significância. Não foi localizada nenhuma informação de literatura que pudesse ser cotejada com este achado.

Encontramos dois estudos que avaliaram o efeito dos agentes vasoconstritores usados durante a anestesia regional, sobre o estado neurológico de recém-nascidos19,35. Ambos concluíram que os agentes vasoconstritores não afetam os escores neurológicos, em recém-nascidos a termo saudáveis. Esta informação foi confirmada em nosso estudo. O uso de vasoconstritores na anestesia regional não esteve associado com baixos escores em nenhum dos grupos analisados.

O fentanil é uma droga narcótica potente e de rápida ação, que produz intensa analgesia e atravessa a placenta e atinge o feto. No presente estudo, o fentanil só foi usado nas operações cesarianas, e não foi encontrada nenhuma associação entre seu uso e a FBVN.

De acordo com os dados desta amostra, nem o modo de nascimento - se foi parto vaginal ou cesariana eletiva -, ou as manobras obstétricas usuais estiveram associadas com baixo vigor neurológico nos recém-nascidos a termo saudáveis. A única variável obstétrica associada foi líquido amniótico não claro. Esta é uma informação útil, tanto do ponto de vista clínico como do médico-legal, especialmente para os obstetras. Foi observado que, se o recém-nascido a termo é saudável, a via do nascimento e os procedimentos obstétricos usuais não têm influência sobre o estado neurológico. Até onde sabemos, este foi o maior estudo que usou o NACS para avaliar o estado neurológico em recém-nascidos a termo.

Recebido 2/12/08

Aceito com modificações 16/6/09

Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil.

  • 1. Escardó F, Coriat LF. Development of postural and tonic patterns in the newborn infant. Pediatr Clin North Am. 1960;7(3):511-25.
  • 2. Rotta NT, Lago IS. Patologia neurológica do recém-nascido. Arq Neuropsiquiatr. 1984;42(4):346-55.
  • 3. Pedroso FS, Rotta NT. Neurological examination in the healthy term newborn. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(2A):165-9.
  • 4. Pedroso FS, Rotta NT. From the foot-mouth reflex to the hand-mouth reflex. A continuum of responses to appendicular compression. Arq Neuropsiquiatr. 1997;55(2):186-92.
  • 5. Brazelton TB. Neonatal behavioral assessment scale [Clinics in developmental medicine]. London: MacKeith; 1973.
  • 6. Scanlon JW, Brown WU Jr, Weiss JB, Alper MH. Neurobehavioral responses of newborn infants after maternal epidural anesthesia. Anesthesiology. 1974;40(2):121-8.
  • 7. Amiel-Tison C, Barrier G, Shnider SM, Levinson G, Hughes SC, Stefani SJ. A new neurologic and adaptive capacity scoring system for evaluating obstetric medications in full-term newborns. Anesthesiology. 1982;56(5):340-50.
  • 8. Adde L, Rygg M, Lossius K, Oberg GK, Stoen R. General movement assessment: predicting cerebral palsy in clinical practise. Early Hum Dev. 2007;83(1):13-8.
  • 9. Robinson MN, Peake LJ, Ditchfield MR, Reid SM, Lanigan A, Reddihough DS. Magnetic resonance imaging findings in a population-based cohort of children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2009;51(1):39-45.
  • 10. Chen Y, Wang ZP, Zhang ZF, Shen ZY. Prognostic value of electroencephalographic background patterns in full-term neonates with asphyxia. Zhongguo Dang Dai Er Ke Za Zhi. 2007;9(5):425-8.
  • 11. Christine C, Dolk H, Platt MJ, Colver A, Prasauskiene A, Krageloh-Mann I. Recommendations from the SCPE collaborative group for defining and classifying cerebral palsy. Dev Med Child Neurol Suppl. 2007;109:35-8.
  • 12. Dammann O. Paediatric neurology: the many faces of development. Lancet Neurol. 2007;6(1):12-4.
  • 13. Pinto AL, Costa FC. The value of brainstem evoked potential in clinical decision of a patient with hypoxic-ischemic encephalopathy. Arq Neuropsiquiatr. 2007;65(3A):689-92.
  • 14. Romeo DM, Cioni M, Guzzetta A, Scoto M, Conversano M, Palermo F, et al. Application of a scorable neurological examination to near-term infants: longitudinal data. Neuropediatrics. 2007;38(5):233-8.
  • 15. Aylward GP, Verhulst SJ. Comparison of caretaker report and hands-on neurodevelopmental screening in high-risk infants. Dev Neuropsychol. 2008;33(2):124-36.
  • 16. Ili N, Obradovi S, Dindi J, Kosti G, Laban O, Vuleti B. Correlation between neurological finding and gestational maturity of newborns determined by neurosonography. Med Pregl. 2008;61(5-6):281-5.
  • 17. Glass HC, Pham TN, Danielsen B, Towner D, Glidden D, Wu YW. Antenatal and intrapartum risk factors for seizures in term newborns: a population-based study, California 1998-2002. J Pediatr. 2009;154(1):24-8 e1.
  • 18. Simion F, Dondi M, Ferlini I, Valenza E, Zanco F. Influence of the delivery on neonatal competence. Pediatr Med Chir. 1992;14(3-6 Suppl):29-32.
  • 19. Irestedt L, Lagercrantz H, Hjemdahl P, Hagnevik K, Belfrage P. Fetal and maternal plasma catecholamine levels at elective cesarean section under general or epidural anesthesia versus vaginal delivery. Am J Obstet Gynecol. 1982;142(8):1004-10.
  • 20. Kuhnert BR, Harrison MJ, Linn PL, Kuhnert PM. Effects of maternal epidural anesthesia on neonatal behavior. Anesth Analg. 1984;63(3):301-8.
  • 21. Riesgo Rdos S, Rotta AT, Rotta AT. Shock of birth. Evaluation of neurologic status of term newborn in the first 48 hours of life. Arq Neuropsiquiatr. 1996;54(3):361-8.
  • 22. Pressler JL, Hepworth JT. Newborn neurologic screening using NBAS reflexes. Neonatal Netw. 1997;16(6):33-46.
  • 23. Sener EB, Guldogus F, Karakaya D, Baris S, Kocamanoglu S, Tur A. Comparison of neonatal effects of epidural and general anesthesia for cesarean section. Gynecol Obstet Invest. 2003;55(1):41-5.
  • 24. Backe SK, Kocarev M, Wilson RC, Lyons G. Effect of maternal facial oxygen on neonatal behavioural scores during elective Caesarean section with spinal anaesthesia. Eur J Anaesthesiol. 2007;24(1):66-70.
  • 25. Writer WD, Stienstra R, Eddleston JM, Gatt SP, Griffin R, Gutsche BB, et al. Neonatal outcome and mode of delivery after epidural analgesia for labour with ropivacaine and bupivacaine: a prospective meta-analysis. Br J Anaesth. 1998;81(5):713-7.
  • 26. Dias BR, Piovesana AMSG, Montenegro MA, Guerreiro MM. Desenvolvimento neuropsicomotor de lactentes filhos de mães que apresentaram hipertensão arterial na gestação. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63(3A):632-6.
  • 27. Noori S, Seri I. Diagnosis and treatment of neonatal hypotension outside the transitional period. Early Hum Dev. 2005;81(5):405-11.
  • 28. Olhweiler L, Silva AR, Rotta NT. Estudo dos reflexos primitivos em pacientes recém-nascidos pré-termo normais no primeiro ano de vida. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63(2A):294-7.
  • 29. Snider LM, Majnemer A, Mazer B, Campbell S, Bos AF. A comparison of the general movements assessment with traditional approaches to newborn and infant assessment: concurrent validity. Early Hum Dev. 2008;84(5):297-303.
  • 30. Touwen BC, Huisjes HJ, Jurgens-van der Zee AD, Bierman-van Eendenburg ME, Smrkovsky M, Olinga AA. Obstetrical condition and neonatal neurological morbidity. An analysis with the help of the optimality concept. Early Hum Dev. 1980;4(3):207-28.
  • 31. Kolas T, Saugstad OD, Daltveit AK, Nilsen ST, Oian P. Planned cesarean versus planned vaginal delivery at term: comparison of newborn infant outcomes. Am J Obstet Gynecol. 2006;195(6):1538-43.
  • 32. Gould JB, Danielsen B, Korst LM, Phibbs R, Chance K, Main E, et al. Cesarean delivery rates and neonatal morbidity in a low-risk population. Obstet Gynecol. 2004;104(1):11-9.
  • 33. Volpe JJ. Hypoxic-ischemic encephalopathy: intrauterine assessment. In: Volpe JJ. Neurology of the newborn. 3rd ed. New York: W.B. Saunders; 1995. p. 260-78.
  • 34. Ounsted MK, Hendrick AM, Mutch LM, Calder AA, Good FJ. Induction of labour by different methods in primiparous women. I Some perinatal and postnatal problems. Early Hum Dev. 1978;2(3):227-39.
  • 35. Leonard SA, Flynn R, Kelleher N, Shorten GD. Addition of epinephrine to epidural ropivacaine during labour-effects on onset and duration of action, efficacy, and systemic absorption of ropivacaine. Int J Obstet Anesth. 2002;11(3):180-4.
  • Correspondência:
    Rudimar dos Santos Riesgo
    Avenida Juca Batista, 8.000/415, 252/02
    CEP 91780-070 - Porto Alegre (RS), Brasil
    Fax: (51) 3330-9700
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      16 Jun 2009
    • Recebido
      02 Dez 2008
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br