Acessibilidade / Reportar erro

Fatores associados à natimortalidade em uma maternidade escola em Pernambuco: estudo caso-controle

Factors associated with stillbirth in a school maternity in Pernambuco: a case control study

Resumos

OBJETIVO: investigar os principais fatores associados a óbitos fetais na cidade de Recife, no Pernambuco, Brasil. MÉTODOS: foi realizado um estudo observacional do tipo caso-controle, incluindo casos atendidos no período de 1 de Junho de 2004 a 31 de Março de 2005. Foram incluídos 116 casos (natimortos) e 472 controles (nativivos), com parto assistido no serviço. Os casos foram identificados no livro de registro da sala de parto. A partir do nome e número de registro, foram identificadas as puérperas numa enfermaria de puerpério. Para seleção dos controles, foi obedecido ao critério de vizinhança da enfermaria de puerpério, identificando-se os leitos com numeração imediatamente inferior (duas pacientes) e superior (duas pacientes), desde que tivessem parido nascidos vivos. Caso não concordassem em participar da pesquisa, eram abordadas sucessivamente as numerações de leito consecutivamente menores ou maiores. Para testar a associação entre as variáveis independente (preditoras) e dependente (natimortos), foi utilizado o teste do χ2 de associação e o exato de Fisher, quando indicado, considerando-se o nível de significância de 5%. Para determinação da força da associação, foi utilizada a estimativa do risco relativo para os estudos de caso-controle, Odds Ratio (OR), calculando seu intervalo de confiança (IC) a 95%. Foi realizada análise de regressão logística seguindo o modelo hierarquizado para controle dos fatores de confusão. RESULTADOS: a taxa de mortalidade fetal correspondeu a 24,4 por 1.000 nascimentos. Depois da análise multivariada, as variáveis que persistiram significativamente associadas ao óbito fetal foram: presença de malformações (OR=7,5; IC=3,2-17,4), número de consultas durante o pré-natal menor que seis (OR=4,4; IC=2,5-7,5), síndromes hemorrágicas (OR=2,9; IC=1,4-5,7), atendimento em outra unidade hospitalar nas 24 horas que antecederam a admissão da paciente na instituição (OR=2,9; IC=1,8-4,6), idade materna maior ou igual que 35 anos (OR=2,2; IC=1,0-4,9) e escolaridade menor que oito anos de estudo (OR=1,6; IC=1,02-2,6). CONCLUSÕES: foi encontrado um elevado coeficiente de mortalidade fetal, sendo os principais fatores associados aos óbitos: malformações, o número de consultas de pré-natal menor que seis, as síndromes hemorrágicas, história de atendimento anterior à admissão, idade materna ou igual que 35 anos e escolaridade menor que oito anos de estudo.

Morte fetal; Fatores de risco; Anormalidades congênitas; Feto; Assistência pré-natal; Estudos de casos e controle


PURPOSE: to investigate the main factors associated with fetal death in the city of Recife, Pernambuco, Brazil. METHODS: an observational, case-control study, including cases attended from June 1st 2004 to 31st March 2005. A number of 116 stillbirth cases and 472 live birth controls, with deliveries assisted at the service, were included. The cases were identified in the record book from the delivery room. The puerperium women were identified by the name and register number at a puerperium infirmary. The controls were selected, using the puerperium infirmary neighborhood criterion, identifying the beds with numbers immediately lower (two patients) and higher (two patients) than the patient's, as far as they had delivered live babies. In case they did not agree to participate in the research, the next beds with numbers consecutively lower or higher were approached. The χ2 association and Fisher's exact tests were used when necessary to test the association between the independent (predictive) and dependent (stillborn) variables, considering 5% as the significance level. To determine the association strength, the estimate of relative risk for case-control cases, Odds Ratio (OR) was used, with 95% as the confidence interval (CI). Logistic regression analysis according to the hierarchy model was done to control confounding factors. RESULTS: the fetal mortality rate corresponded to 24.4 by 1,000 births. After the multivariate analysis, the variables which kept significantly associated with fetal death were: malformation (OR=7.5; CI=3.2-17.4), number of pre-natal appointments lower than six (OR=4.4; CI=2.5-7.5), hemorrhagic syndromes (OR=2.9; CI=1.4-5.7), attendance in another hospital unit along the 24 hours which preceded the patient's admission in the institution (OR=2.9; CI=1.8-4.6), mothers' age over or equal to 35 years old (OR=2.2; CI=1.0-4.9) and schooling lower than eight years (OR=1.6; CI=1.02-2.6). CONCLUSIONS: it was found a high fetal mortality coefficient, the main factors associated with death were: malformation, number of pre-natal appointments lower than six, hemorrhagic syndromes, history of attendance previous to the hospital admission, mothers' age over or equal to 35 and schooling lower than eight years.

Fetal death; Risk factors; Congenital abnormalities; Fetus; Pre-natal care; Case-control studies


ARTIGOS ORIGINAL

Fatores associados à natimortalidade em uma maternidade escola em Pernambuco: estudo caso-controle

Factors associated with stillbirth in a school maternity in Pernambuco: a case control study

Lannuze Gomes AndradeI; Melania Maria Ramos de AmorimII; Adriana Scavuzzi Carneiro da CunhaIII; Sonia Regina Figueiredo LeiteIII; Suely Arruda VitalIV

ICoordenadora do Departamento de Enfermagem do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP - Recife (PE), Brasil

IIProfessora de Tocoginecologia da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Campina Grande (PB); Professora da Pós-graduação Stricto Sensu do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP - Recife (PE), Brasil

IIIPreceptoras da Residência Médica de Tocoginecologia do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP - Recife (PE), Brasil

IVCoordenadora do Ambulatório de Pediatria do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP - Recife (PE), Brasil

Correspondência Correspondência: Adriana Scavuzzi Departamento de Pesquisa do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, s/n - Boa Vista CEP 50070-450 - Recife (PE), Brasil Fone: (81) 2122-4140 Fax: (81) 2122-4722 E-mail: adrianascavuzzi@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: investigar os principais fatores associados a óbitos fetais na cidade de Recife, no Pernambuco, Brasil.

MÉTODOS: foi realizado um estudo observacional do tipo caso-controle, incluindo casos atendidos no período de 1 de Junho de 2004 a 31 de Março de 2005. Foram incluídos 116 casos (natimortos) e 472 controles (nativivos), com parto assistido no serviço. Os casos foram identificados no livro de registro da sala de parto. A partir do nome e número de registro, foram identificadas as puérperas numa enfermaria de puerpério. Para seleção dos controles, foi obedecido ao critério de vizinhança da enfermaria de puerpério, identificando-se os leitos com numeração imediatamente inferior (duas pacientes) e superior (duas pacientes), desde que tivessem parido nascidos vivos. Caso não concordassem em participar da pesquisa, eram abordadas sucessivamente as numerações de leito consecutivamente menores ou maiores. Para testar a associação entre as variáveis independente (preditoras) e dependente (natimortos), foi utilizado o teste do χ2 de associação e o exato de Fisher, quando indicado, considerando-se o nível de significância de 5%. Para determinação da força da associação, foi utilizada a estimativa do risco relativo para os estudos de caso-controle, Odds Ratio (OR), calculando seu intervalo de confiança (IC) a 95%. Foi realizada análise de regressão logística seguindo o modelo hierarquizado para controle dos fatores de confusão.

RESULTADOS: a taxa de mortalidade fetal correspondeu a 24,4 por 1.000 nascimentos. Depois da análise multivariada, as variáveis que persistiram significativamente associadas ao óbito fetal foram: presença de malformações (OR=7,5; IC=3,2-17,4), número de consultas durante o pré-natal menor que seis (OR=4,4; IC=2,5-7,5), síndromes hemorrágicas (OR=2,9; IC=1,4-5,7), atendimento em outra unidade hospitalar nas 24 horas que antecederam a admissão da paciente na instituição (OR=2,9; IC=1,8-4,6), idade materna maior ou igual que 35 anos (OR=2,2; IC=1,0-4,9) e escolaridade menor que oito anos de estudo (OR=1,6; IC=1,02-2,6).

CONCLUSÕES: foi encontrado um elevado coeficiente de mortalidade fetal, sendo os principais fatores associados aos óbitos: malformações, o número de consultas de pré-natal menor que seis, as síndromes hemorrágicas, história de atendimento anterior à admissão, idade materna ou igual que 35 anos e escolaridade menor que oito anos de estudo.

Palavras-chave: Morte fetal, Fatores de risco, Anormalidades congênitas, Feto/anormalidades, Assistência pré-natal, Estudos de casos e controle

ABSTRACT

PURPOSE: to investigate the main factors associated with fetal death in the city of Recife, Pernambuco, Brazil.

METHODS: an observational, case-control study, including cases attended from June 1st 2004 to 31st March 2005. A number of 116 stillbirth cases and 472 live birth controls, with deliveries assisted at the service, were included. The cases were identified in the record book from the delivery room. The puerperium women were identified by the name and register number at a puerperium infirmary. The controls were selected, using the puerperium infirmary neighborhood criterion, identifying the beds with numbers immediately lower (two patients) and higher (two patients) than the patient's, as far as they had delivered live babies. In case they did not agree to participate in the research, the next beds with numbers consecutively lower or higher were approached. The χ2 association and Fisher's exact tests were used when necessary to test the association between the independent (predictive) and dependent (stillborn) variables, considering 5% as the significance level. To determine the association strength, the estimate of relative risk for case-control cases, Odds Ratio (OR) was used, with 95% as the confidence interval (CI). Logistic regression analysis according to the hierarchy model was done to control confounding factors.

RESULTS: the fetal mortality rate corresponded to 24.4 by 1,000 births. After the multivariate analysis, the variables which kept significantly associated with fetal death were: malformation (OR=7.5; CI=3.2-17.4), number of pre-natal appointments lower than six (OR=4.4; CI=2.5-7.5), hemorrhagic syndromes (OR=2.9; CI=1.4-5.7), attendance in another hospital unit along the 24 hours which preceded the patient's admission in the institution (OR=2.9; CI=1.8-4.6), mothers' age over or equal to 35 years old (OR=2.2; CI=1.0-4.9) and schooling lower than eight years (OR=1.6; CI=1.02-2.6).

CONCLUSIONS: it was found a high fetal mortality coefficient, the main factors associated with death were: malformation, number of pre-natal appointments lower than six, hemorrhagic syndromes, history of attendance previous to the hospital admission, mothers' age over or equal to 35 and schooling lower than eight years.

Keywords: Fetal death, Risk factors, Congenital abnormalities, Fetus/abnormalities, Pre-natal care, Case-control studies

Introdução

A morte fetal representa um indicador bastante sensível das condições de saúde de uma população. Ela reflete tanto o estado global de saúde materna como a qualidade e a acessibilidade dos cuidados primários de saúde disponíveis para as gestantes e, ainda, a qualidade da assistência intraparto. Estima-se que ocorram anualmente em torno de quatro milhões de mortes fetais tardias, 98% das quais em países em desenvolvimento1. O coeficiente de mortalidade fetal é considerado uma boa medida da qualidade da atenção à saúde em um país e é calculado através do número de mortes fetais, dividido pela soma de todos os nascimentos (nascidos vivos e mortos) por 1.000 em determinado ano e região.

O número de óbitos fetais reflete o insucesso do processo gestacional, seja para a mulher ou para o profissional de saúde responsável por sua vigilância2. Além do inevitável ônus psicológico para a gestante, também pode se associar a incremento da morbidade e mortalidade materna, em decorrência de complicações como hemorragia, coagulopatia e infecção.

Para que se possa reduzir a frequência de morte fetal, é indispensável o conhecimento de sua etiologia. No entanto, 40 a 50% dos casos são considerados como de causa não definida, mesmo em países com maiores recursos para diagnóstico2. De qualquer forma, vários fatores de risco têm sido descritos para o óbito fetal na literatura mundial, tendo sido concluído que a etiologia é multifatorial. Estão envolvidos múltiplos fatores inter-relacionados, que incluem tanto a condição socioeconômica como fatores culturais, biológicos e pertinentes à qualidade da assistência à saúde. Em relação ao período de ocorrência, as mortes fetais podem ser anteparto (70 a 90%) ou intraparto2.

No boletim sobre óbitos fetais intraparto e mortes neonatais relacionadas com o parto publicado em 2005, a Organização Mundial de Saúde mostrou resultados de sua pesquisa desenvolvida em 52 países, com um total de 46.779 nascidos mortos. A proporção entre a menor taxa de óbitos fetais intraparto (0,33/1.000 nascidos vivos) e a maior (17,4/1.000 nascidos vivos) chega a 50 vezes3. Entre 25 e 62% destas mortes são consideradas preveníveis e poderiam ser reduzidos com a melhoria dos cuidados durante o pré-natal, o pronto reconhecimento das complicações intraparto e o rápido encaminhamento da mulher ao hospital3.

Já foi demonstrado que várias intervenções são efetivas para reduzir a mortalidade fetal. Reconhecendo a importante associação entre morte fetal e condição socioeconômica, é fundamental uma estratégia para expandir os serviços de assistência pré-natal para gestantes pobres4. Por outro lado, políticas de saúde pública de impacto devem ser apoiadas por recursos adequados, por um bom sistema de vigilância epidemiológica e pela capacidade do setor em reconhecer intervenções prioritárias e implantá-las efetivamente.

Este estudo tem a finalidade de verificar os principais fatores associados aos óbitos fetais em Recife, e a associação destes óbitos com variáveis maternas, obstétricas e de utilização de serviços de saúde.

Métodos

Foi realizado um estudo epidemiológico observacional, analítico, de base hospitalar, do tipo caso-controle, avaliando a população de mulheres atendidas no Serviço de Obstetrícia do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP), em Recife, no período de 1 de Junho de 2004 a 31 de Março de 2005.

O IMIP é um hospital de referência em atendimento de gestantes de alto risco que atende a uma população predominantemente de baixa renda, da região metropolitana do Recife e do interior do estado de Pernambuco. A atenção à saúde da mulher e da criança é feita no Centro de Atenção à Mulher (CAM) e no Departamento de Pediatria e Neonatologia. O CAM dispõe de Serviço de Medicina Fetal e Unidade de Terapia Intensiva Obstétrica, além de enfermaria de gestação de alto risco e emergência obstétrica. Na maternidade são realizados cerca de 5.000 partos por ano. Recebendo pacientes não apenas de Recife e sua área metropolitana, mas de todo o interior do estado, o IMIP acolhe pacientes cujas características são bem representativas da população obstétrica do estado de Pernambuco.

A amostra foi calculada prevendo-se uma frequência da exposição (idade materna maior que 35 anos) de 5% nos controles e 15% nos casos, para uma proporção entre casos e controles de 1:4, seriam necessários 107 casos e 428 controles para evidenciar esta diferença (total=535). No final, foram incluídos 116 casos e 472 controles, correspondendo a dez meses de coleta de dados. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IMIP.

O critério de elegibilidade comum aos casos e controles foi o parto assistido na maternidade do IMIP. Os critérios de inclusão para os casos foram: feto morto (diagnóstico antes ou depois da admissão hospitalar), peso maior ou igual a 500 g e idade gestacional maior ou igual que 22 semanas. Para os controles, foram: nascidos vivos com peso maior ou igual a 500 g e internação materna na mesma enfermaria dos casos. Os critérios de exclusão para os dois grupos foram: gravidade do estado clínico ou incapacidade física e/ou mental das puérperas, impossibilitando a entrevista, e pacientes menores de 18 anos não casadas e não acompanhadas por seus responsáveis ou se estes não assinassem o termo de compromisso.

Os casos foram identificados no livro de registro da sala de parto. A partir do nome e número de registro, foram então procuradas as pacientes na enfermaria de puerpério do IMIP. Todas estas pacientes foram convidadas a participar do estudo, e caso concordassem em participar assinavam o termo de consentimento livre e esclarecido. Além do prontuário, foram realizadas entrevistas com as puérperas e consultas às declarações de óbito.

Para seleção dos controles, foi obedecido ao critério de vizinhança da enfermaria de puerpério, identificando-se os leitos com numeração imediatamente inferior (duas pacientes) e superior (duas pacientes), desde que tivessem parido nascidos vivos e concordassem em participar da pesquisa, assinando o termo de consentimento. Caso não concordassem, eram abordadas sucessivamente as numerações de leito consecutivamente menores ou maiores.

A variável dependente foi o óbito fetal (natimorto) e as independentes foram: biológicas (idade); demográficas (escolaridade, situação marital, ocupação habitual, procedência); clínicas (doenças anteriores à gestação, diagnóstico de admissão, complicações gestacionais); hábitos (tabagismo, uso de drogas, consumo de álcool); obstétricas (número de gestações de partos, número de filhos vivos, mortos e abortos, duração da gestação, tipo de gravidez, assistência pré-natal - realização e número das consultas -, tipo de parto, peso ao nascer); utilização do serviço de saúde (atendimento em outros serviços de saúde, número de atendimentos antes da admissão, intervalo entre admissão e parto); sexo fetal; época do óbito fetal (antes de ou durante o parto); causas diretas e básicas da morte fetal. As causas de morte foram anotadas de acordo com a informação da declaração de óbito (causa direta na alínea "a", causa básica nas alíneas "b", "c" ou "d"), sendo classificadas como: causas maternas e placentárias, causas feto-anexiais, infecções, malformações e causas indeterminadas/asfixia intraútero.

A análise dos dados foi realizada utilizando o programa Epi-Info 3.5. A razão de mortalidade e a taxa de mortalidade fetal foram calculadas independentemente, considerando-se, respectivamente, o número total de nascidos vivos e o número total de nascimentos (nascidos vivos + nascidos mortos) no IMIP durante o período de estudo. Essas informações foram obtidas no serviço de estatística hospitalar da Instituição.

Para testar a associação entre as variáveis independentes (preditoras) e a dependente (óbito fetal), foram utilizados os testes do χ2 de associação e exato de Fisher, quando indicado, considerando-se o nível de significância de 5%. Para determinação da força da associação, foi utilizada a estimativa do risco relativo para os estudos de caso-controle, Odds Ratio, calculando-se seu intervalo de confiança a 95%.

Foi realizada, em seguida, análise multivariada (regressão logística múltipla), também no programa Epi-Info 3.5, para determinação dos fatores mais fortemente associados ao óbito fetal, calculando-se o Odds Ratio ajustado. Esta análise de regressão logística seguiu um modelo hierarquizado, selecionando-se as variáveis em blocos para entrada no modelo, conforme a sua estratificação em níveis.

Todas as variáveis foram recodificadas binariamente como: 1=sim ou 0=não, sendo o desfecho (natimorto) codificado como sim ou não. Em cada bloco realizou-se análise logística condicional, stepwise, com o processo retrógrado, retirando-se as variáveis que não persistissem significativamente associadas ao óbito fetal, ao nível de significância de 10%. As variáveis que persistiram associadas ao óbito fetal em cada bloco foram então analisadas no modelo final, e deste selecionaram-se aquelas com associação ao óbito ao nível de significância de 5%.

Resultados

No período de estudo, o número de nascidos vivos no IMIP foi de 4.632 e o de natimortos de 116, com uma razão de mortalidade fetal de 25,3 por 1.000 nascidos vivos. O número total de nascimentos, no mesmo período, foi de 4.748, de forma que a taxa de mortalidade fetal correspondeu a 24,4 por 1.000 nascimentos. A distribuição por sexo correspondeu a 58 natimortos do sexo masculino e 58 do sexo feminino.

Considerando-se a morte fetal em relação ao parto, foi verificado que 95,7% dos casos tinham morrido antes do parto e apenas 4,3% durante o trabalho de parto. Analisando-se a causa direta da morte fetal de acordo com a declaração de óbito, 53,3% dos óbitos ocorreram por causas indeterminadas e 20,6% por causas maternas e placentárias; dentre estas, são destacadas as síndromes hipertensivas (8,4%) e as síndromes hemorrágicas (7,5%). As malformações fetais corresponderam a 10,3%, as infecções a 9,3%, e as causas feto-anexiais (sofrimento fetal) estiveram presentes em 9,3% dos casos. Esses dados não são apresentados em tabelas.

A análise bivariada foi realizada para determinação dos fatores associados à natimortalidade (Tabelas 1 e 2). Encontrou-se associação significante entre óbito fetal e idade materna, verificando-se uma chance 2,5 vezes maior de os natimortos serem filhos de mulheres com 35 anos ou mais. Em relação ao nível de escolaridade da mãe, foi notada uma chance 2,3 vezes maior de os natimortos serem filhos de mulheres com escolaridade menor que oito anos de estudo. Quando se avaliou a procedência, encontrou-se uma chance 2,6 vezes maior de os natimortos serem filhos de mulheres oriundas do interior de Pernambuco e outros estados.

Quando foram analisados os diagnósticos de admissão, encontrou-se um maior risco de óbitos fetais em pacientes que apresentaram síndromes hemorrágicas, trabalho de parto prematuro e malformações fetais. Foi encontrada uma chance 4,2 vezes maior de os natimortos serem filhos de mulheres que tiveram as seguintes complicações durante a gestação: sífilis, síndromes hemorrágicas ou malformações fetais.

Comparando-se os casos e os controles, não se encontrou associação significante entre óbito fetal, situação marital materna e hábitos maternos: tabagismo, definido pelo consumo de cigarros (qualquer quantidade) durante a gravidez, conforme informação materna; consumo de álcool, definido pela referência ao uso de bebida alcoólica em qualquer nível de ingestão durante a gravidez; ou uso de drogas ilícitas.

Foi possível notar associação significativa entre óbito fetal e número de gestações, verificando-se uma chance 1,8 vezes maior de os natimortos serem filhos de mulheres com quatro ou mais gestações. Não houve associação significante entre óbito fetal; o número de partos; frequência de natimortos e de abortos; tipo de gravidez; tipo de parto e sexo; e o número de filhos vivos. A história de um ou mais filhos mortos em gestações anteriores mostrou-se como fator de risco, com uma chance 4,4 vezes maior de os natimortos serem filhos de mães com essa característica.

Uma importante associação foi encontrada entre natimortalidade e a variável duração da gestação, com uma chance 19,7 vezes maior de os natimortos serem filhos de mulheres com duração da gestação menor que 32 semanas e 5,3 vezes maior de os natimortos serem filhos de mulheres com duração da gestação entre 32 a 36 semanas de gestação. A ausência de pré-natal e o número de consultas pré-natal menor que seis foram identificados como fatores de risco significativos para o aumento da natimortalidade. Dentre todos os fatores de risco analisados, o peso ao nascer foi o que apresentou um maior peso estatístico, com uma chance 52,3 vezes maior de o natimorto ter peso ao nascer inferior a 1.500 g. Foi comprovada associação significante entre óbito fetal e a ocorrência de atendimento nas 24 horas anteriores à admissão da gestante no serviço, verificando-se uma chance 3,3 vezes maior (IC95%=2,17-5,03) de os natimortos serem filhos de mulheres que foram atendidas em outra unidade hospitalar 24 horas antes de sua admissão.

Pela realização da análise multivariada seguindo um modelo hierarquizado, foi constatado que as variáveis que persistiram significativamente associadas ao óbito fetal foram a presença de malformações (OR=7,5; IC95%=3,2-17,4), número de consultas de pré-natal menor que seis (OR=4,4; IC95%=2,5-7,5), síndromes hemorrágicas (OR=2,9; IC95%=1,4-5,7), atendimento anterior à admissão (OR=2,9; IC95%=1,8-4,6), idade materna maior ou igual que 35 anos (OR=2,2; IC95%=1,05-4,9) e escolaridade menor que oito anos de estudo (OR=1,6; IC95%=1,02-2,6), como pode ser visto na Tabela 3.

Discussão

O presente estudo teve por objetivo determinar a taxa de mortalidade fetal e os principais fatores de risco para óbito fetal em uma população obstétrica atendida em uma maternidade escola do Recife. A taxa de mortalidade fetal foi de 24,4 por 1.000 nascimentos.

Analisando o coeficiente de mortalidade fetal aqui encontrado, há que se ressaltar que o estudo foi conduzido em uma maternidade de referência, serviço terciário para onde são referenciados os casos de gestação de alto risco e também de óbito fetal atendidos originalmente em outras unidades de saúde, não apenas de Recife e da região metropolitana, mas também do interior e de outros estados do Nordeste. Assim, justifica-se uma taxa superior à média nacional e também às taxas referidas por outros autores em diversas regiões do país5,6. Estudos em hospitais de referência tendem a apresentar coeficientes também elevados, como um estudo realizado na Maternidade-Escola Assis-Chateaubriand, entre 1992-1993, que evidenciou uma taxa de natimortalidade de 42 por 1.000 nascimentos; na época, a referida instituição assistia em torno de 700 partos por mês, com uma proporção aproximada de 4% de natimortos6.

Em relação à análise dos fatores de risco mais fortemente associados ao óbito fetal, os resultados do presente estudo se assemelham àqueles descritos por outros autores. Considerando as variáveis que persistiram associadas ao óbito na análise multivariada, constatamos que o fator mais fortemente associado ao óbito foi a presença de malformações, o que coincide, por exemplo, com as observações de Tannirandorn e Jatuparisuth7. Contudo, vale ressaltar que as malformações estão associadas à morte fetal anteparto, sobretudo em países desenvolvidos8, e que o seu impacto sobre a natimortalidade observada neste estudo pode dever-se ao fato deste ser o serviço de referência em medicina fetal, não refletindo provavelmente as condições reais desta variável na população geral. Mesmo assim, estudos realizados em outras partes do Brasil também destacam o grande impacto das malformações nos casos de óbitos fetais. Em um estudo de coorte retrospectivo, conduzido em Belo Horizonte foi observada uma frequência de malformações de 8,4% dentre todas as morte perinatais no período estudado9.

Seguiu-se, em ordem de importância, a assistência pré-natal insuficiente, que também é um fator de risco para óbito fetal citado por vários autores. No estudo de Rouquayrol et al.6, os natimortos tinham uma chance mais de três vezes maior de serem filhos de mães com quatro ou menos consultas pré-natais. Em um estudo caso-controle realizado no México, analisando as variáveis determinantes do óbito fetal, foram encontrados três fatores de risco que, com o emprego de modelo de regressão logística permaneceram significantes como fatores de risco para óbito fetal: idade materna, assistência pré-natal e complicações do cordão umbilical. Os autores concluíram que, em seu meio, a assistência pré-natal deveria ser considerada a pedra fundamental para a prevenção da natimortalidade, uma vez que, com os cuidados pré-natais adequados, tanto as complicações em mulheres com idade avançada como os casos de complicações do cordão poderiam ser identificados e, portanto, adequadamente conduzidos10.

Quando analisadas as complicações maternas, é verificada uma importante associação entre óbito fetal e a presença de síndromes hemorrágicas durante a gestação (placenta prévia e descolamento prematuro de placenta). Esses dados estão de acordo com a literatura, uma vez que estes eventos muitas vezes associam-se a quadros de pré-eclâmpsia, o que frequentemente resulta em baixo peso e prematuridade11. Na análise bivariada, a idade gestacional e o peso fetal foram os fatores mais fortemente associados à natimortalidade, com uma chance 50 vezes maior de os natimortos terem peso inferior a 1.500 g.

Pode causar surpresa o fato de as síndromes hipertensivas não terem apresentado associação significante com o óbito fetal, associação frequente em outros estudos2,6. Acreditamos que isso se deva às características do IMIP como hospital de referência em gestação de alto risco, em que os casos de pré-eclâmpsia representam cerca de 20% dos internamentos. A disponibilidade de uma Unidade de Terapia Intensiva Obstétrica e Neonatal, de enfermaria de alto risco equipada com serviço de medicina fetal, exames complementares e suporte clínico cardiológico certamente reduz a incidência de complicações nestes casos, levando a um pronto reconhecimento das intercorrências com redução do número de mortes fetais atribuídas a essas síndromes11,12.

Em vários estudos a idade materna e a escolaridade estão associadas à natimortalidade, e assumem especial relevância por sua inter-relação com os outros fatores associados ao óbito fetal. Em um estudo realizado em 2002 no Sul do Brasil, a análise inicial revelou associação de três fatores com o evento da natimortalidade: atenção pré-natal inadequada, história prévia de natimortalidade e idade materna, porém após regressão logística, somente a idade materna manteve associação significativa com o óbito fetal13.

Embora alguns estudos demonstrem um comportamento em "J" da associação entre idade materna e óbito fetal, com taxas um pouco mais elevadas em adolescentes, mais baixas em mulheres entre 20 e 25 anos e mais altas a partir dos 25 anos14,15, a maioria dos autores descreve um risco mais elevado de natimortalidade quanto maior for a idade materna. Já foi descrito um menor coeficiente de natimortalidade em mães mais jovens e um aumento progressivo a partir dos 35 anos, até atingir o máximo com 45 anos16. Em recente revisão sistemática, a qual avaliou todos os estudos publicados sobre natimortalidade em países em desenvolvimento no período de 1975 a 2005, a idade materna foi um fator de risco importante para óbito fetal. Na área rural da Índia, a taxa de natimortalidade em mulheres entre 20 a 24 anos foi de 121/1.000, enquanto que em mulheres acima de 40 anos esta taxa foi de 240/1.00016.

Diversas explicações são propostas para o aumento do risco de nascidos mortos com a idade, incluindo a maior frequência de malformações e doenças associadas (em especial hipertensão e diabetes). No entanto, vale destacar que mesmo quando esses fatores são controlados, a idade persiste independentemente relacionada ao óbito fetal13,16 .

Outro fator de risco frequentemente associado ao óbito fetal é representado pelas infecções, em especial a sífilis. Neste estudo, os natimortos tinham uma chance 4,2 vezes maior de serem filhos de mães que tiveram esta doença durante a gestação. Em uma revisão sistemática publicada em 2007, os autores analisaram 33 estudos com informações sobre os fatores de risco para natimortalidade em 31 países em desenvolvimento e calcularam para cada fator um índice correspondendo ao número de eventos ocorridos em uma população, os quais seriam evitados caso o fator de risco fosse removido. A sífilis foi um dos fatores com maior índice, mostrando quão eficazes seriam as estratégias de diagnóstico e rastreamento para reduzir esta importante causa de morte fetal17.

Em relação à escolaridade, também tem sido descrita na literatura uma importante associação entre baixa instrução materna e óbito fetal. No estudo de Rouquayrol et al.6, foi verificada uma chance maior de analfabetismo materno (OR=3,3) nos casos de natimortos, e os pontos de corte para avaliação de escolaridade variam entre os diversos estudos16. Mesmo em países desenvolvidos, como a Suécia e a Finlândia, é verificada associação entre menor escolaridade e morte fetal17. No presente estudo, quando realizamos análise bivariada, testamos diversos pontos de corte para escolaridade, adotando-se oito anos por ter sido o que evidenciou diferenças mais importantes em relação à frequência de natimortos.

Outros resultados de nosso estudo merecem discussão. A maioria dos óbitos ocorreu no período anteparto (96%), verificando-se apenas cinco casos de morte intraparto. Estes dados se mostram semelhantes aos encontrados em países desenvolvidos, nos quais cerca de 10% das mortes fetais acontecem no momento do trabalho de parto18. Embora não tenham sido variáveis analisadas em nosso estudo, uma adequada monitorização das parturientes, com utilização sistemática do partograma e a ausculta fetal intermitente, permite o diagnóstico de situações de risco fetal e, portanto, prevenção dos óbitos. São muitas as publicações nacionais e internacionais oferecendo informações para uma melhoria da assistência às mulheres em trabalho de parto. Desde 1994, a Organização Mundial da Saúde recomenda a utilização dos partogramas nas maternidades para melhor acompanhamento do trabalho de parto e facilidade em diagnosticar distocias19. Apesar de sua efetividade para diagnosticar desvios na evolução do trabalho de parto e, consequentemente, identificar problemas antes de acontecerem as complicações, o partograma não é universalmente adotado. Em pesquisa realizada avaliando a qualidade da assistência à mulher e ao recém-nascido no Sistema Único de Saúde de São Luís do Maranhão, foi encontrado partograma em apenas 39,3% dos partos e, destes apenas 13,1% estavam preenchidos20.

Merece destaque ainda a associação significante encontrada em nosso estudo entre óbito fetal e a ocorrência de atendimento nas 24 horas anteriores à admissão da gestante no serviço, verificando-se uma chance 3,3 vezes maior de os natimortos serem filhos de mulheres que foram atendidas em outra unidade hospitalar, 24 horas antes de sua admissão. Embora funcione em nosso estado uma central de regulação de leitos, que tem a finalidade de evitar as peregrinações destas mulheres em busca de leitos, agilizando os encaminhamentos e o atraso no atendimento das parturientes, esta tem mostrado associação com a natimortalidade. Em vários estudos a estrutura hospitalar dos serviços de saúde da rede pública que prestam atendimento às gestantes, tem implicação direta na mortalidade perinatal. Em estudo avaliando as condições hospitalares para atendimento perinatal na cidade de Belo Horizonte, foi evidenciada uma associação importante entre óbito e fetal e neonatal com o atendimento em hospitais do tipo 1 (considerados de baixa complexidade), mesmo quando controlados possíveis fatores de confusão21. Embora com graus variados de complexidade, os hospitais que atendem mulheres em trabalho de parto devem ser equipados do ponto de vista profissional e tecnológico para dar suporte às intercorrências deste período, que podem ocorrer em 10 a 15% dos casos, mesmo em gestantes de baixo risco22.

A associação entre doenças maternas, malformações fetais e óbito fetal tem sido amplamente descrita na literatura22,23. Em nosso estudo, quando avaliamos causa básica da natimortalidade, encontramos 20,6% de causas maternas e placentárias; dentre estas, é possível destacar as síndromes hipertensivas (8,4%) e hemorrágicas (7,5%). As malformações fetais corresponderam a 10,3%, as infecções a 9,3%, e as causas feto-anexiais (sofrimento fetal) estiveram presentes em 9,3% dos casos.

A predominância de causas maternas permite a discussão sobre a qualidade da assistência pré-natal e sobre as condições de vida da população. Uma adequada assistência pré-natal às gestantes, referenciando rapidamente aos serviços terciários os casos considerados como alto risco, com certeza reduziria a ocorrência de óbito intrauterino. Em relação às síndromes hemorrágicas, o descolamento prematuro da placenta corresponde geralmente a uma complicação das síndromes hipertensivas, sendo o descolamento traumático um evento bastante raro24. Portanto, é esperado que o controle da hipertensão reduza a frequência de descolamento. Já a hemorragia por placenta prévia remete aos fatores de risco para placenta prévia, também potencialmente preveníveis (multiparidade, cicatriz de cesariana), bem como à identificação precoce e ao rápido encaminhamento a serviços de referência dos casos diagnosticados.

Outro fato importante a ser considerado em relação aos casos de óbitos fetais é a grande quantidade das chamadas mortes de "causa indeterminada", chegando a 53,3% dos natimortos neste estudo. Esse achado suscita reflexões importantes sobre a qualidade do preenchimento das declarações de óbitos, mesmo em um serviço de referência, hospital escola. Um dos maiores problemas no estado de Pernambuco é que o serviço de verificação de óbitos realiza apenas avaliação macroscópica dos natimortos, quando estes são enviados porque os obstetras não conseguiram elucidar a causa da morte. A relativa escassez de informações clínicas pertinentes a cada caso pode também representar um problema, que poderia ser sanado com um melhor preenchimento dos cartões de pré-natal e dos formulários de encaminhamento de outros hospitais.

Ainda em relação às causas indeterminadas de morte fetal, alguns estudos mostram que mesmo em locais que dispõem de todos os recursos para uma adequada investigação da causa mortis destes fetos, é grande o número de óbitos fetais que são classificados como inexplicáveis12. Os óbitos que não podem ser atribuídos a problemas fetais, placentários, maternos ou obstétricos são de fato os tipos mais frequentes e correspondem de 25 a 60% de todas as mortes fetais12,25,26. Este problema cresce com o aumento da idade gestacional, chegando a duplicar nas gestações de 40 semanas. O maior estudo realizado até hoje sobre esta causa de morte encontrou como fatores de risco para os óbitos fetais sem causa determinada: idade materna maior que 40 anos, baixo nível educacional, alterações no crescimento fetal, fetos acima do percentil 87, primiparidade, paridade maior que três filhos e a presença de circular de cordão25.

Em uma revisão sistemática publicada recentemente, incluindo 70 artigos com informações sobre óbitos fetais em 50 países, foi encontrado que a comparação dos dados das diversas sub-regiões é difícil em virtude da grande heterogeneidade dos dados. De acordo com os autores, a prevalência de mortes fetais é menor que 1% em regiões mais desenvolvidas, enquanto chega a 3% nos países mais pobres. A taxa de óbitos fetais seria, portanto, um importante indicador de acesso pré-natal e da qualidade da assistência ao parto26.

O fato da maternidade do CAM do IMIP ser um centro de referência na área de atenção à saúde da mulher e da criança, admitindo diariamente um grande número de gestantes com doenças associadas à gravidez, pode ter gerado um viés de seleção, uma vez que tanto casos como controles têm probabilidade de apresentar complicações obstétricas. Este fato pode ter reduzido a magnitude da associação entre o óbito fetal e estas complicações, reduzindo o Odds Ratio. Quando se trata de um estudo caso-controle, a pesquisa de algumas variáveis pode ter sido influenciada por um viés de recordação ou informação, como o número de consultas de pré-natal (que foi, entretanto, confrontado com a informação no cartão da gestante) ou a existência de doenças anteriores à gravidez.

Outra possível limitação da nossa pesquisa foi o fato de ter sido realizada em um hospital terciário, de forma que esses dados não podem ser extrapolados para a população geral. O IMIP é referência em tratamento de gestações de alto risco e recebe também muitos casos de óbitos fetais para indução de trabalho de parto com misoprostol. Essas mulheres muitas vezes são encaminhadas de outros serviços que não dispõem da medicação. Estas circunstâncias tornam a população estudada diferente daquela encontrada em outros serviços de baixa complexidade.

Neste estudo não foram avaliadas algumas variáveis como a presença do partograma no prontuário médico, o preenchimento do partograma, o preenchimento correto do partograma, monitorização e qualidade da ausculta fetal intraparto. Embora o número de mortes fetais intraparto tenha sido semelhante ao de países desenvolvidos, essas informações seriam úteis para a melhor avaliação do atendimento prestado às nossas parturientes. Apesar de uma revisão sistemática recentemente publicada na Biblioteca Cochrane questionar a efetividade do partograma para melhora do prognóstico materno e perinatal27, acreditamos que este representa um instrumento valioso para monitoração materna e fetal, aumentando a qualidade, a frequência e o registro das observações. Entretanto, essa hipótese precisa ser adequadamente avaliada em estudos futuros.

Não obstante as limitações metodológicas mencionadas, devemos ressaltar a importância deste estudo no contexto do conhecimento dos fatores de risco para o óbito fetal em nossa população, uma vez que é grande a heterogeneidade dos registros entre as diferentes regiões26. Criar informações utilizando os indicadores mais aceitos na literatura é útil para enriquecer o conhecimento sobre nossa realidade e, ainda, permite a comparação dos estudos, ajudando a enriquecer as fontes de evidências de um tema universalmente importante: a natimortalidade.

Os resultados deste estudo sugerem que a redução do número de óbitos fetais no Brasil necessita de esforços concentrados, especialmente na melhoria da assistência pré-natal e da assistência ao parto. Não há necessidade de grandes investimentos e recursos tecnológicos, porque a implementação de medidas básicas de atenção à saúde, como assistência pré-natal de boa qualidade, estruturação das maternidades, capacitação e humanização dos profissionais envolvidos no atendimento da parturiente possivelmente seriam suficientes para a redução da grande maioria das causas de morte fetal em nossa região.

Recebido 9/2/09

Aceito com modificações 8/6/09

Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira - IMIP - Recife (PE), Brasil.

  • 1. Fonseca SC, Coutinho ESF. Pesquisa sobre mortalidade perinatal no Brasil: revisão da metodologia e dos resultados. Cad Saúde Pública. 2004;20 Supl 1:S7-S19.
  • 2. Cecatti JG, Aquino MMA. Causas e fatores associados ao óbito fetal. Rev Ci Med. 1998;7(2):43-8.
  • 3. Lawn J, Shibuya K, Stein C. No cry at birth: global estimates of intrapartum stillbirths and intrapartum-related neonatal deaths. Bull World Health Organ. 2005;83(6):409-17.
  • 4. Lorenzi DRS, Tanaka ACD, Bozzetti MC, Ribas FE, Weissheimer L. A natimortalidade como indicador de saúde perinatal. Cad Saúde Pública. 2001;17(1):141-6.
  • 5. Schramm JMA, Szwarcwald CL. Diferenciais nas taxas de mortalidade neonatal e natimortalidade hospitalares no Brasil: um estudo com base no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS). Cad. Saúde Pública. 2000;16(4):1031-40.
  • 6. Rouquayrol MZ, Correia LL, Barbosa LMM, Xavier LGM, Oliveira JW, Fonseca W. Fatores de risco de natimortalidade em Fortaleza: um estudo de caso-controle. J Pediatr. 1996;72(6):374-8.
  • 7. Tannirandorn Y, Jatuparisuth N. Incidence of stillbirths and associated factors in Thailand. Int J Gynaecol Obstet. 2004;85(1):56-8.
  • 8. Künzel W, Misselwitz B. Unexpected fetal death during pregnancy-a problem of unrecognized fetal disorders during antenatal care? Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2003;110 Suppl 1:S86-92.
  • 9. Lansky S, França E, Leal MC. Mortes perinatais evitáveis em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1999. Cad Saúde Pública. 2002;18(5):1389-400.
  • 10. Romero-Gutiérrez G, Martínez-Ceja CA, Abrego-Olvira E, Ponce-Ponce de León AL. Multivariate analysis of factors for stillbirth in Leon, Mexico. Acta Obstet Gynecol Scand. 2005;84(1):2-6.
  • 11. Fretts RC, Boyd ME, Usher RH, Usher HA. The changing pattern of fetal death, 1961-1988. Obstet Gynecol. 1992;79(1):35-9.
  • 12. Fretts RC. Etiology and prevention of stillbirth. Am J Obstet Gynecol. 2005;193(6):1923-35.
  • 13. Vardanega K, De Lorenzi DRS, Spiandorello WP, Zapparoli MF. Fatores de risco para natimortalidade em um hospital universitário da região Sul do Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2002;24(9):617-22.
  • 14. Aquino MMA, Cecatti JG, Mariani Neto C. Risk factors associated to fetal death. São Paulo Med J. 1998;116(6):1852-7.
  • 15. Little RE, Weinberg CR. Risk factors for antepartum and intrapartum stillbirth. Am J Epidemiol. 1993;137(11):1177-89.
  • 16. McClure EM, Nalubamba-Phiri M, Goldenberg RL. Stillbirth in developing countries. Int J Gynaecol Obstet. 2006;94(2):82-90.
  • 17. Di Mario S, Say L, Lincetto O. Risk factors for stillbirth in developing countries: a systematic review of the literature. Sex Transm Dis. 2007;34(7 Suppl):S11-21.
  • 18. Lansky S, França E, César CC, Monteiro Neto LC, Leal MC. Mortes perinatais e avaliação da assistęncia ao parto em maternidades do Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1999. Cad Saúde Pública. 2006;22(1):117-30.
  • 19. World Health Organization. World Health Organization partograph in management of labour. Lancet. 1994;343(8910):1399-404.
  • 20. Alves MTS, Silva AAM. Avaliação da qualidade de maternidades: assistência à mulher e ao recém-nascido no Sistema Único de Saúde. São Luís: UFMA/UNICEF; 2000.
  • 21. Costa JO, Xavier CC, Proietti FA, Delgado MS. Avaliação dos recursos hospitalares para assistęncia perinatal em Belo Horizonte, Minas Gerais. Rev Saúde Pública. 2004;38(5):701-8.
  • 22. Bale JR, Stoll J, Lucas AO, editors. Improving birth outcomes: meeting the challenge in the developing world. Washington, D.C.: The National Academies Press; 2003.
  • 23. Stanton C, Lawn JE, Rahman H, Wilczynska-Ketende K, Hill K. Stillbirth rates: delivering estimates in 190 countries. Lancet. 2006;367(9521):1487-94.
  • 24. Plunkett J, Borecki I, Morgan T, Stamilio D, Muglia LJ. Population-based estimate of sibling risk for preterm birth, preterm premature rupture of membranes, placental abruption and pre-eclampsia. BMC Genet. 2008;9:44.
  • 25. Huang DY, Usher RH, Kramer MS, Yang H, Morin L, Fretts RC. Determinants of unexplained antepartum fetal deaths. Obstet Gynecol. 2000;95(2):215-21.
  • 26. Say L, Donner A, Gülmezoglu AM, Taljaard M, Piaggio G. The prevalence of stillbirths: a systematic review. Reprod Health. 2006;3:1.
  • 27. Lavender T, Hart A, Smyth RM. Effect of partogram use on outcomes for women in spontaneous labour at term. Cochrane Database Syst Rev. 2008;(4):CD005461.
  • Correspondência:
    Adriana Scavuzzi
    Departamento de Pesquisa do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira
    Rua dos Coelhos, s/n - Boa Vista
    CEP 50070-450 - Recife (PE), Brasil
    Fone: (81) 2122-4140
    Fax: (81) 2122-4722
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      08 Jun 2009
    • Recebido
      09 Fev 2009
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br