Acessibilidade / Reportar erro

Frequência de leveduras em fluido vaginal de mulheres com e sem suspeita clínica de candidíase vulvovaginal

Frequency of yeasts in vaginal fluid of women with and without clinical suspicion of vulvovaginal candidiasis

Resumos

OBJETIVO: estudar a candidíase vulvovaginal em mulheres com e sem suspeita clínica a partir de fluido vaginal, identificando frequência de Candida spp. e associando a fatores de risco intrínsecos e extrínsecos. MÉTODOS: foram coletadas 286 amostras de pacientes atendidas em clínicas e postos de saúde entre Agosto de 2005 e Agosto de 2007. Foram 121 mulheres com suspeita e 165 sem suspeita clínica. Com zaragatoas estéreis, as amostras foram coletadas, transportadas ao laboratório em solução fisiológica 0,85%, semeadas em CHROMagar Candida e em meio ágar Sabouraud 4% com cloranfenicol. Foram realizados os procedimentos clássicos para identificação: macro e micromorfologia, zimograma e auxanograma. Os dados obtidos foram analisados através de testes de frequência e tabelas de contingência (χ2). RESULTADOS: Um total de 47,9% das mulheres com suspeita clínica obteve confirmação de candidíase pelos exames laboratoriais. Das pacientes sem suspeita clínica (Grupo Controle), 78,2% foram negativas para candidíase vulvovaginal pelos testes laboratoriais. Candida albicans foi a espécie prevalente com 74,5% dos casos. Foram encontradas diferenças significativas para os casos positivos, de acordo com as pacientes das duas cidades avaliadas (p<0,05). O vestuário foi um aspecto diferencial encontrado entre as duas populações estudadas. CONCLUSÕES: a presença de fatores predisponentes não define, seguramente, a candidíase vulvovaginal. A localização geográfica tem mostrado ser um fator relevante na distribuição dos eventos. O tipo de vestuário pode ser uma das razões. O cultivo de amostras do conteúdo vaginal, seguida de identificação do micro-organismo, é importante.

Candidíase vulvovaginal; Cândida; Doenças vaginais; Vaginite; Testes de sensibilidade microbiana; Leveduras


PURPOSE: to study vulvovaginal candidiasis from the vaginal fluid of women with and without clinical suspicion, identifying the frequency of Candida spp., and associating it with intrinsic and extrinsic risk factors. METHODS: a total of 286 samples from patients attended in private practices and public health units from August 2005 to August 2007 were collected, being 121 women under clinical suspicion and 165, without. The samples were collected with sterile swabs, taken to the laboratory in 0.85% physiological solution, and then seeded in CHROMagar Candida and in 4% agar Sabourad with chloramphenicol. Classical identification procedures were carried out: macro and micromorphology, zymogram and auxanogram. Data obtained were analyzed by frequency tests and contingency tables (χ2). RESULTS: a total of 47.9% of the women under clinical suspicion got confirmation of candidiasis by the laboratorial tests. Among the patients without clinical suspicion (Control Group), 78.2% were vulvovaginal candidiasis negative according to the laboratorial tests. Candida albicans was the prevalent strain in 74.5% of the cases. There were significant differences among the positive cases, according to the patients from the two cities evaluated (p<0.05). Clothing was one differential aspect found among the two populations studied. CONCLUSIONS: the presence of predisposing factors does not necessarily define vulvovaginal candidiasis. Geographical localization has shown to be a relevant factor in the distribution of events. The type of clothing may be one of the reasons for it. Culture of samples from the vaginal contents, followed by microorganisms' identification, can be important.

Candidiasis, vulvovaginal; Candida; Vaginal diseases; Vaginitis; Microbial sensitivity tests; Yeasts


ARTIGO ORIGINAL

Frequência de leveduras em fluido vaginal de mulheres com e sem suspeita clínica de candidíase vulvovaginal

Frequency of yeasts in vaginal fluid of women with and without clinical suspicion of vulvovaginal candidiasis

João Luciano AndrioliI; Gílvia Simone Andrade OliveiraII; Cilene Souza BarretoIII; Zulane Lima SousaIV; Maria Cristina Haun de OliveiraV; Irene Mauricio CazorlaVI; Renato FontanaVII

IProfessor Titular da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC - Ilhéus (BA), Brasil

IIPós-graduanda (Mestrado) do Programa de Pós-graduação em Biologia e Biotecnologia de Micro-organismos da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC - Ilhéus (BA), Brasil

IIIBiomédica formada pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC - Ilhéus (BA), Brasil

IVAcadêmica de Biomedicina da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC - Ilhéus (BA), Brasil; Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia - FAPESB - Salvador (BA), Brasil

VProfessora Auxiliar da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC - Salvador (BA), Brasil

VIProfessor Titular da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC - Ilhéus (BA), Brasil

VIIProfessor Titular da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC - Ilhéus (BA), Brasil

Correspondência Correspondência: João Luciano Andrioli Universidade Estadual de Santa Cruz Campus Prof. Soane Nazaré de Andrade, km 16 - Rodovia Ilhéus/Itabuna CEP 45662-000 - Ilhéus (BA), Brasil Fone: (73) 3680-5226/5105 E-mail: joaoluciano2002@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: estudar a candidíase vulvovaginal em mulheres com e sem suspeita clínica a partir de fluido vaginal, identificando frequência de Candida spp. e associando a fatores de risco intrínsecos e extrínsecos.

MÉTODOS: foram coletadas 286 amostras de pacientes atendidas em clínicas e postos de saúde entre Agosto de 2005 e Agosto de 2007. Foram 121 mulheres com suspeita e 165 sem suspeita clínica. Com zaragatoas estéreis, as amostras foram coletadas, transportadas ao laboratório em solução fisiológica 0,85%, semeadas em CHROMagar Candida e em meio ágar Sabouraud 4% com cloranfenicol. Foram realizados os procedimentos clássicos para identificação: macro e micromorfologia, zimograma e auxanograma. Os dados obtidos foram analisados através de testes de frequência e tabelas de contingência (χ2).

RESULTADOS: Um total de 47,9% das mulheres com suspeita clínica obteve confirmação de candidíase pelos exames laboratoriais. Das pacientes sem suspeita clínica (Grupo Controle), 78,2% foram negativas para candidíase vulvovaginal pelos testes laboratoriais. Candida albicans foi a espécie prevalente com 74,5% dos casos. Foram encontradas diferenças significativas para os casos positivos, de acordo com as pacientes das duas cidades avaliadas (p<0,05). O vestuário foi um aspecto diferencial encontrado entre as duas populações estudadas.

CONCLUSÕES: a presença de fatores predisponentes não define, seguramente, a candidíase vulvovaginal. A localização geográfica tem mostrado ser um fator relevante na distribuição dos eventos. O tipo de vestuário pode ser uma das razões. O cultivo de amostras do conteúdo vaginal, seguida de identificação do micro-organismo, é importante.

Palavras-chave: Candidíase vulvovaginal/epidemiologia, Cândida/isolamento & purificação, Doenças vaginais/diagnóstico, Vaginite/diagnóstico, Testes de sensibilidade microbiana, Leveduras

ABSTRACT

PURPOSE: to study vulvovaginal candidiasis from the vaginal fluid of women with and without clinical suspicion, identifying the frequency of Candida spp., and associating it with intrinsic and extrinsic risk factors.

METHODS: a total of 286 samples from patients attended in private practices and public health units from August 2005 to August 2007 were collected, being 121 women under clinical suspicion and 165, without. The samples were collected with sterile swabs, taken to the laboratory in 0.85% physiological solution, and then seeded in CHROMagar Candida and in 4% agar Sabourad with chloramphenicol. Classical identification procedures were carried out: macro and micromorphology, zymogram and auxanogram. Data obtained were analyzed by frequency tests and contingency tables (χ2).

RESULTS: a total of 47.9% of the women under clinical suspicion got confirmation of candidiasis by the laboratorial tests. Among the patients without clinical suspicion (Control Group), 78.2% were vulvovaginal candidiasis negative according to the laboratorial tests. Candida albicans was the prevalent strain in 74.5% of the cases. There were significant differences among the positive cases, according to the patients from the two cities evaluated (p<0.05). Clothing was one differential aspect found among the two populations studied.

CONCLUSIONS: the presence of predisposing factors does not necessarily define vulvovaginal candidiasis. Geographical localization has shown to be a relevant factor in the distribution of events. The type of clothing may be one of the reasons for it. Culture of samples from the vaginal contents, followed by microorganisms' identification, can be important.

Keywords: Candidiasis, vulvovaginal/epidemiology, Candida/isolation & purification, Vaginal diseases /diagnosis, Vaginitis/diagnosis, Microbial sensitivity tests, Yeasts

Introdução

Leveduras do gênero Candida fazem parte da microbiota humana normal1-3, podendo ser encontradas na pele, em mucosas1,2 e no trato gastrintestinal4. Estes micro-organismos são patógenos oportunistas2, isolados da secreção vulvovaginal em aproximadamente 30% das mulheres saudáveis e completamente assintomáticas (portadoras sãs)5, portanto sem, necessariamente, terem ligação com quadros de vaginites fúngicas6.

A candidíase vulvovaginal (CVV) é um processo infeccioso do trato geniturinário inferior feminino7, importante na clínica médica, devido ao grande número de atendimentos nos consultórios da rede pública e privada2,7. Os possíveis sinais e sintomas clínicos apresentados por esta patologia são: prurido, dor, edema e hiperemia na vulva e vagina, além de uma secreção de cor esbranquiçada, em grumos, com aspecto de "leite coalhado"8,9.

Na prática diária, em consultórios, podem ser encontrados três tipos de mulheres com CVV: aquela em que a Candida sp. foi um achado eventual no exame de rotina (exame de Papanicolaou); mulheres que foram ao consultório por apresentarem sintomas, porém sem história de episódios recorrentes de candidíase e as que apresentam um histórico de episódios recorrentes de candidíase10. Para a confirmação da suspeita clínica, torna-se necessária a realização de testes laboratoriais para o isolamento e identificação do patógeno2,7, uma vez que a sintomatologia desta infecção não é patognomônica6,7.

Do ponto de vista taxonômico, são reconhecidas cerca de 200 espécies de leveduras pertencentes ao gênero Candida, das quais 10% podem causar infecções em seres humanos4. A Candida albicans é a espécie mais frequentemente descrita nos casos de CVV2,4-6, seguida por C. glabrata, C. tropicalis, C. parapsilosis e C. krusei3,7,11. Há poucas informações sobre a distribuição destas espécies na população brasileira.

O objetivo do presente estudo foi identificar a frequência de casos de CVV e a diversidade de espécies de Candida em pacientes com e sem suspeita clínica de CVV, bem como associar a sua ocorrência com alguns aspectos intrínsecos (idade e métodos contraceptivos) e extrínsecos (localização e vestuário) dessas mulheres.

Métodos

No período entre Agosto de 2005 e Agosto de 2007, foi realizado um estudo de natureza epidemiológica e descritiva, com delineamento transversal e observacional em 286 mulheres provenientes de duas clínicas da rede particular e/ou conveniada e de quatro Unidades Básicas de Saúde localizadas nos municípios de Ilhéus e Itabuna na Bahia. As pacientes foram subdivididas em dois grupos: pacientes com suspeita clínica de CVV (presença de fluxo vaginal grumoso, aderente às paredes vaginais) e pacientes sem suspeita clínica de CVV (ausência de secreção com as características citadas acima). Os critérios adicionais empregados na determinação de suspeita clínica foram prurido, edema e eritema na vulva e vagina.

Nesse estudo foram aceitas pacientes de qualquer raça e idade, uma vez que a condição indispensável para participar do estudo era a adesão voluntária, seguida de autorização documentada da paciente e/ou responsável através do termo de consentimento livre e esclarecido pelas mulheres que assentiram em colaborar com a pesquisa (Resolução CNS 196/96)12. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna sob o número 009/2005.

Os questionários foram aplicados por pesquisadores participantes do estudo ou pelo profissional atendente do local (médico ou enfermeiro habilitado) com a finalidade de conhecer detalhadamente os hábitos e o histórico das pacientes e associar aspectos que, por ventura, estejam envolvidos com a doença em questão. Alguns itens como o uso de métodos contraceptivos, o número de parceiros e o tipo de vestuário foram investigados.

O fluido vaginal das pacientes foi coletado, no momento da consulta, através de zaragatoa estéril. Após a coleta do material, pelo médico ou enfermeiro, as amostras foram encaminhadas ao laboratório submersas em solução salina estéril 0,85%, para que fossem semeadas em meio ágar Sabouraud 4% (Acumedia Manufacturers, Michigan, USA) acrescido de cloranfenicol (Sigma-Aldrich, China) (0,15g/L). As amostras foram processadas e incubadas a 37 ºC por até 72 horas. A interpretação das culturas foi baseada no seguinte ponto de coorte: sem nenhum crescimento detectável ou até quatro colônias, era considerado negativo; acima de quatro colônias era considerado positivo. Esse critério foi estabelecido com base nas observações de culturas de pacientes sem suspeita clínica (ausência de qualquer sinal ou sintomas clínicos) com aparecimento de pequeno número de colônias. Também foi considerado o fato de tratar-se de um micro-organismo presente na microbiota humana como fungo comensal. A triagem dos resultados foi realizada com a utilização auxiliar do CHROMagar Candida (Probac, Brasil), meio de cultura diferencial composto por substâncias cromogênicas.

As leveduras isoladas foram identificadas de acordo com a metodologia clássica: características macromorfológicas, micromorfologia em ágar fubá - Corn Meal Ágar BBLTM (Sparks, Nevada, USA) - técnica do microcultivo, além de provas bioquímicas e fisiológicas como assimilação e fermentação de carboidratos e assimilação de fontes de nitrogênio.

Como todas as variáveis em estudo eram de cunho qualitativo, na análise univariada foram utilizadas tabelas de distribuição de frequências simples. Já para o estudo da associação entre essas variáveis, foram utilizadas tabelas de contingência, seguidas do teste do χ2. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05). Foi empregado o software Statistical Package for Social Science (SPSS) para Windows - versão 10.0.

Resultados

Nesse estudo, foram incluídas 286 pacientes, das quais 165 mulheres estavam sem suspeita clínica (57,7%) e 121 (42,3%) com suspeita clínica. Foram coletadas 145 amostras de pacientes atendidas no município de Ilhéus, na Bahia (50,7%) e 141 amostras (49,3%) em Itabuna, na Bahia, cidades distantes 30 km entre si.

Dos 121 casos em que as pacientes apresentavam os sinais e sintomas clínicos sugestivos de CVV, 58 casos (47,9%) foram confirmados por exames laboratoriais. Dos 165 casos em que as pacientes não apresentavam suspeita clínica de CVV, 129 (78,2%) foram confirmados como negativos e os 21,8% restantes apresentaram resultado positivo para Candida após a realização dos exames laboratoriais.

Na presente pesquisa, foram isoladas 95 cepas de leveduras. As frequências das espécies de leveduras identificadas foram: 74,5% C. albicans; 8,5% C. tropicalis; 5,3% C. parapsilosis; 3,2% C. krusei; 2,1% C. glabrata; 2,1% C. stellatoidea e 3,2% Trichosporon sp. Em uma paciente que apresentava suspeita clínica para CVV, foi encontrada associação entre duas leveduras, Trischosporon sp. e Rhodotorula sp.

A faixa etária da população participante nesta pesquisa variou entre 9 e 65 anos de idade, tendo a maior frequência de casos com cultura positiva entre 14 a 46 anos. Entretanto, os resultados obtidos neste trabalho não evidenciaram associação entre as espécies de leveduras identificas e a idade das pacientes (p=0,7).

A Tabela 1 descreve a relação entre o(s) método(s) contraceptivo(s) utilizado(s) pelas pacientes com suspeita clínica de CVV e os resultados laboratoriais das culturas. Os resultados não evidenciaram associação significativa com esta relação (p=0,3). Também não foi encontrada associação entre o número de parceiros sexuais e identificação de Candida spp. (p=0,8), como pode ser visto na Tabela 2.

Do total de pacientes estudadas, 51 estavam grávidas, das quais 21 apresentavam suspeita clínica. Porém, não houve associação entre gravidez e presença de Candida spp. (p=0,1) pelos dados obtidos nessa pesquisa.

A Tabela 3 mostra a distribuição das espécies de Candida nas pacientes atendidas nas cidades de Ilhéus e Itabuna - BA. Foi encontrada associação significativa a partir da comparação realizada. Em Itabuna, o número de amostras positivas para a levedura foi o dobro quando comparado com o resultado de amostras positivas identificadas na cidade de Ilhéus - BA (Tabela 3).

Fatores extrínsecos, tais como tipo de roupa íntima (p<0,05) e uso constante de calça jeans (p<0,05), quando analisados de acordo com a localização geográfica das mulheres que compuseram o estudo, também exibiram associação significativa, sendo que as mulheres de Itabuna relataram com mais frequência usar mais roupa íntima de tecido sintético, que as de Ilhéus.

Discussão

A CVV representa a segunda causa mais comum de vulvovaginite7. Todavia, a sintomatologia de infecções vaginais por Candida spp. não é patognomônica13 e os critérios para diagnóstico são subjetivos. Alguns profissionais adotam a presença de um sinal e um sintoma, outros acatam a presença de dois ou mais sinais e sintomas, tais como corrimento branco flocoso ou leitoso, associado à presença de outras manifestações clínicas relatadas (prurido, dispareunia, ardor e disúria)6,7. Os casos definidos como suspeitos clinicamente e não confirmados por meio da cultura sugerem que o diagnóstico baseado exclusivamente nos critérios descritos acima podem conduzir a terapias desnecessárias às pacientes13.

Nessa pesquisa, das 36/165 (21,8%) mulheres sem suspeita clínica, 28/165 (17%) eram saudáveis, apesar de colonizadas, concordando com informações da literatura (18,4%)2. O material de análise e os critérios de classificação foram semelhantes. As oito (4,8%) pacientes restantes pertencentes ao grupo sem suspeita clínica apresentaram apenas um sintoma característico (prurido) e, ainda assim, cultura positiva para Candida.

As divergências encontradas entre anamnese e diagnóstico são provenientes, muitas vezes, das limitações existentes para a determinação da etiologia da doença. O exame laboratorial mais comumente realizado para diagnóstico de candidíase é a microscopia, que busca identificar estruturas morfológicas, como as pseudo-hifas. No entanto, a(s) coloração(ões) usada(s) nos esfregaços vaginais para exames citológicos nem sempre revelam sensibilidade e especificidade adequadas para obtenção de um diagnóstico preciso14,15.

Com relação à identificação das espécies de Candida, as publicações continuam encontrando principalmente a levedura C. albicans na mucosa vaginal, apresentando 86,4, 77,8 e 87%, respectivamente11,16,17. A ascensão de espécies não-C. albicans, entretanto, pode ser reflexo do aumento proporcional na realização de culturas e provas de identificação, antes menos requisitadas. Porém, também não se pode descartar a possibilidade dessa elevação estar acontecendo em virtude do uso de terapias seletivas com doses de antifúngicos inadequadas18. C. glabrata, na maioria dos estudos realizados, tem sido a segunda espécie mais encontrada em amostras vulvovaginais, com porcentagens bem variadas: 20, 4,5 e 16,7%, respectivamente7,11,16. Nessa investigação, no entanto, C. tropicalis foi identificada como a segunda espécie mais prevalente. Leveduras não habituais também já foram identificadas: Rhodotorula sp. (8,3% em Maringá - PR)3 e Trichosporon sp. (4,2% na mesma cidade)3 e 2,9% em outro estudo para esta última levedura5. Apesar de algumas modificações entre as espécies não-C. albicans encontradas, tem sido observado que sua ocorrência global permanece similar entre os estudos, os quais sugerem uma frequência entre 10 a 20%19. Um levantamento prospectivo na Itália demonstrou um aumento das espécies não-C. albicans de 7,3% em comparação entre os anos 1988 (9,9%) e 1995 (17,2%)20.

É possível relacionar os altos níveis de estrógeno e a positividade para leveduras do gênero Candida6. Isso porque o estrógeno parece reduzir a habilidade que as células do epitélio vaginal têm para inibir a infecção por C. albicans8,21. Acredita-se, por conta dos níveis de estrógenos mais elevados, que a incidência de sintomatologia seja superior em mulheres que se encontram em idade reprodutiva21. Entretanto, de acordo com os dados obtidos nessa pesquisa, não houve associação significativa entre as variáveis idade e positividade para candidíase, seja por leveduras C. albicans ou por não-C. albicans (p=0,7).

Quanto aos anticoncepcionais (ACO) hormonais, alguns trabalhos ressaltam seu uso como importante fator de risco para vulvovaginites clínicas6. Em estudo anterior, houve associação de 26,1% entre culturas positivas para Candida spp. em mulheres sintomáticas e que faziam uso de anovulatórios, mesmo com doses de estrógeno inferiores a 35 μg11. Foi esperado, portanto, que mulheres usuárias de ACO tivessem maior propensão à infecção por candidíase, possivelmente, devido às doses de estrógeno administradas por esse método. Outros pesquisadores, porém, não identificaram relação entre o uso de contraceptivos orais com a presença de vulvovaginites causadas por Candida spp22. No presente estudo, não ficou evidenciada interferência entre métodos contraceptivos adotados e a ocorrência da infecção associação. Todavia, a diferenciação na dosagem de estrógeno do ACO não foi avaliada nesta pesquisa.

Sabe-se também que o número de parceiros sinaliza a ocorrência ou não de promiscuidade das mulheres entrevistadas e se havia atividade sexual no período avaliado. É possível que a participação sexual atue como vetora e disseminadora de infecção por Candida spp7. Uma pesquisa realizada com 219 adolescentes ativas sexualmente associou sexo orogenital e crescimento de Candida spp. e encontrou correlação. Não há concordância, no entanto, em afirmar que CVV trata-se de uma doença sexualmente transmissível, uma vez que o tratamento dos parceiros portadores de Candida não elimina as recidivas de vaginite em suas companheiras, além disto, é relatada a ocorrência de candidíase em mulheres virgens23.

Outros estudos já encontraram associação entre crescimento de Candida spp. e gravidez11. Neste estudo, haveria a necessidade de mais amostras para evidenciar uma possível relação. Fazendo a associação estatística entre a condição de gravidez e a positividade para infecção por Candida spp., não houve interferência significativa deste fator.

Em um estudo comparativo em duas cidades do Sul do Brasil, foi identificada C. albicans como a espécie predominante e uma considerável diferença na proporção de linhagens não-C. albicans, propondo, assim, mudanças de acordo com a localidade geográfica quanto ao isolamento das espécies3 e confirmando as diferenças regionais na incidência da infecção. A cidade de Itabuna - BA apresentou o dobro da ocorrência de infecções por Candida spp. em relação ao município de Ilhéus (BA), enfatizando não só a possível ocorrência de diferenças epidemiológicas em termos qualitativos (espécies identificadas), mas também em termos quantitativos. A razão dessa variação pode estar relacionada a fatores exógenos, tais como tipo de roupa íntima utilizada e uso frequente de calça jeans8, pois estas duas condições exibiram caráter significativo quando analisadas de acordo com as cidades, sugerindo possível interferência de tais aspectos na frequência e distribuição de CVV.

Diante do exposto, é conveniente que pesquisas com esse enfoque continuem sendo realizadas. A localização geográfica tem mostrado ser um fator relevante na distribuição dos eventos de candidíase e, nesses casos, a associação positiva deve estar mais relacionada a fatores exógenos.

Agradecimentos

Agradecemos aos médicos Adriana Matos Benjamim Leal, Carlos Alberto de Lira, Ana Cléa Silva Leopoldino. A Helma Barreto Valiense Matos e a Rosenilda Conceição Ferreira Matos. À professora doutora Janisete Gomes da Silva Miller pelos comentários em uma das últimas versões desse manuscrito.

Recebido 19/9/08

Aceito com modificações 15/6/09

Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB - e Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC - Salvador (BA), Brasil

Laboratório de Microbiologia da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC - Ilhéus (BA), Brasil.

  • 1. Akinbiyi AA, Watson R, Feyi-Waboso P. Prevalence of Candida albicans and bacterial vaginosis in asymptomatic pregnant women in South Yorkshire, United Kingdom. Outcome of a prospective study. Arch Gynecol Obstet. 2008;278(5):463-6.
  • 2. Silva CRG, Melo KE, Leão MVP, Ruis R, Jorge AOC. Presença de Candida nas mucosas vaginal e bucal e sua relação com IgA salivar. Rev Bras Ginecol Obstet. 2008;30(6):300-5.
  • 3. Ferrazza MHSH, Maluf MLF, Consolaro MEL, Shinobu CS, Svidzinski TIE, Batista MR. Caracterização de leveduras isoladas da vagina e sua associação com candidíase vulvovaginal em duas cidades do Sul do Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27(2):58-63.
  • 4. Álvares CA, Svidzinski TIE, Consolaro MEL. Candidíase vulvovaginal: fatores predisponentes do hospedeiro e virulência das leveduras. J Bras Patol Med Lab. 2007;43(5):319-27.
  • 5. Consolaro MEL, Albertoni TA, Yoshida CS, Mazucheli J, Peralta RM, Svidzinski TIE. Correlation of Candida species and symptoms among patients with vulvovaginal candidiasis in Maringá, Paraná, Brazil. Rev Iberoam Micol. 2004;21:202-5.
  • 6. Rosa MI, Rumel D. Fatores associados à candidíase vulvovaginal: estudo exploratório. Rev Bras Ginecol Obstet. 2004;26(1):65-70.
  • 7. Boatto HF, Moraes MS, Machado AP, Girão MJBC, Fischman O. Correlação entre os resultados laboratoriais e os sinais e sintomas clínicos das pacientes com candidíase vulvovaginal e relevância dos parceiros sexuais na manutenção da infecção em São Paulo, Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2007;29(2):80-4.
  • 8. Holanda AAR, Fernandes ACS, Bezerra CM, Ferreira MAF, Holanda MRR, Holanda JCP, et al. Candidíase vulvovaginal: sintomatologia, fatores de risco e colonização anal concomitante. Rev Bras Ginecol Obstet. 2007;29(1):3-9.
  • 9. Rylander E, Berglund A, Krassny C, Petrini B. Vulvovaginal candida in a young sexually active population: prevalence and association with oro-genital sex and frequent pain at intercourse. Sex Transm Infect. 2004;80(1):54-7.
  • 10. Simões JA. Sobre o diagnóstico da candidíase vaginal. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27(5):233-4.
  • 11. Linhares IM, Witkin SS, Miranda SD, Fonseca AM, Pinotti JA, Ledger WJ. Differentiation between women with vulvovaginal symptoms who are positive or negative for Candida species by culture. Infect Dis Obstet Gynecol. 2001;9(4):221-5.
  • 12
    Conselho Nacional de Saúde. Resolução n.º 196, de 10 de outubro de 1996. In: Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Manual operacional para comitês de ética em pesquisa [Série A. Normas e Manuais Técnicos, 133]. Brasília: Ministério da Saúde; 2002. p. 83-99.
  • 13. Souza PC, Storti-Filho A, Souza RJ, Damke E, Mello IC, Pereira MW, et al. Prevalence of Candida sp. in the cervical-vaginal cytology stained by Harris-Shorr. Arch Gynecol Obstet. 2009;279(5):625-9.
  • 14. Silva Filho AR. Citologia vaginal a fresco na gravidez: correlação com a citologia corada pela técnica de Papanicolaou. Rev Bras Ginecol Obstet. 2004;26(7):509-15.
  • 15. Nwokolo NC, Boag FC. Chronic vaginal candidiasis: management in the postmenopausal patient. Drugs Aging. 2000;16(5):335-9.
  • 16. Aleixo Neto A, Hamdan JS, Souza RC. Prevalência de cândida na flora vaginal de mulheres atendidas num serviço de planejamento familiar. Rev Bras Ginecol Obstet. 1999;21(8):441-5.
  • 17. Novikova N, Rodrigues A, Mardh PA. Can the diagnosis of recurrent vulvovaginal candidosis be improved by use of vaginal lavage samples and cultures on chromogenic agar? Infect Dis Obstet Gynecol. 2002;10(2):89-92.
  • 18. Galle LC, Gianinni MJSM. Prevalência e susceptibilidade de leveduras vaginais. J Bras Patol Med Lab. 2004;40(4):229-36.
  • 19. Barrenetxea Ziarrusta G. Vulvovaginitis candidiásica. Rev Iberoam Micol. 2002;19:22-4.
  • 20. Spinillo A, Capuzzo E, Gulminetti R, Marone P, Colonna L, Piazzi G. Prevalence of and risk factors for fungal vaginitis caused by non-albicans species. Am J Obstet Gynecol. 1997;176(1 Pt 1):138-41.
  • 21. Fidel PL Jr, Cutright J, Steele C. Effects of reproductive hormones on experimental vaginal candidiasis. Infect Immun. 2000;68(2):651-7.
  • 22. Sobel JD, Wiesenfeld HC, Martens M, Danna P, Hooton TM, Rompalo A, et al. Maintenance fluconazole therapy for recurrent vulvovaginal candidiasis. N Engl J Med. 2004;351(9):876-83.
  • 23. Carr PL, Felsenstein D, Friedman RH. Evaluation and management of vaginitis. J Gen Intern Med. 1998;13(5):335-46.
  • Correspondência:
    João Luciano Andrioli
    Universidade Estadual de Santa Cruz
    Campus Prof. Soane Nazaré de Andrade, km 16 - Rodovia Ilhéus/Itabuna
    CEP 45662-000 - Ilhéus (BA), Brasil
    Fone: (73) 3680-5226/5105
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Recebido
      19 Set 2008
    • Aceito
      15 Jun 2009
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br