Acessibilidade / Reportar erro

Significado clínico das calcificações vasculares na mamografia: devemos valorizá-las?

Clinical importance of vascular calcifications on mammography: should we valorize them?

EDITORIAL

Significado clínico das calcificações vasculares na mamografia: devemos valorizá-las?

Clinical importance of vascular calcifications on mammography: should we valorize them?

Ruffo Freitas-JúniorI; Eddie Fernando Candido MurtaII; Evelling Lorena Cerqueira OliveiraIII

IProfessor adjunto e Coordenador do Programa de Mastologia do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás - UFG - Goiânia (GO), Brasil

IIProfessor titular do Instituto de Pesquisa em Oncologia (IPON) da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM - Uberaba (MG), Brasil

IIIMédica do Serviço de Mastologia do Hospital Materno Infantil de Goiânia - Goiânia (GO), Brasil

Correspondência Correspondência: Ruffo Freitas-Junior Alameda das Rosas, 533, Setor Oeste CEP 74110-060 - Goiânia (GO), Brasil E-mail: ruffojr@terra.com.br

As calcificações vasculares vistas na mamografia

A mamografia é um exame complementar de grande importância para o rastreamento do câncer de mama, sendo recomendada anualmente para mulheres com idade superior a 40 anos1. Essa faixa etária também está relacionada a um maior risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, responsáveis por altos índices de morbimortalidade entre as mulheres2.

As calcificações vasculares mamárias (CVM) são alterações tipicamente benignas que não estão associadas a um maior risco de desenvolvimento de neoplasias malignas, sendo classificadas como categoria 2, segundo o léxico do Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS®)3. É um achado pouco frequente em mulheres com idade inferior a 40 anos, porém, são frequentemente vistas nas mamografias de mulheres submetidas ao rastreamento para o câncer de mama4. Sua prevalência é de 9 a 41% (Tabela 1)5-12, que aumenta com a idade, excedendo 50% na faixa etária acima dos 65 anos4.

As CVM são denominadas calcificações de Mönckeberg e envolvem a camada média das artérias. Geralmente são difusas, finas e tendem a envolver toda a circunferência das artérias periféricas, tornando os vasos rígidos e com pouca distensibilidade13,14. Estão associadas a um componente lipídico e são semelhantes às demais artérias, sendo que o mecanismo de deposição ainda não é conhecido14. Apesar de não terem relação com o câncer de mama, até pouco tempo seu significado para outras doenças permanecia desconhecido. Entretanto, nos últimos anos, um considerável número de trabalhos vêm associando as CVM a outras entidades clínicas, incluindo o diabetes, a hipertensão arterial sistêmica, as coronariopatias, a insuficiência renal, a neuropatia autonômica e a hipervitaminose D15-18.

A importância da doença coronariana

A aterosclerose constitui a principal causa de morbimortalidade nos países ocidentais, sendo a doença coronária sua complicação mais frequente2. Acredita-se que nos Estados Unidos mais de 12 milhões de pessoas tenham doença coronária, a doença que mais consome recursos na área de saúde nos países desenvolvidos19. Apesar de grande parte dos fatores de risco para doenças coronarianas serem conhecidos e evitáveis, o infarto agudo do miocárdio ainda é a principal causa de morte entre mulheres com mais de 40 anos20,21.

Associação entre doença coronariana e CVM

Com exceção do trabalho publicado por Maas et al.8, todos os demais estudos mostraram uma associação entre a presença de calcificações vasculares e a doença coronariana (Tabela 1)5-12. Assim, tem sido demonstrado que 16 a 31% das mulheres coronariopatas apresentam calcificações vasculares diagnosticadas pela mamografia5,9,18, sendo que as mulheres que apresentam CVM têm um risco até seis vezes maior para doença coronariana do que aquelas que não apresentam as calcificações vasculares no exame mamográfico11.

Considerando as mulheres brasileiras, em estudo de coorte, que incluiu 131 mulheres, Ferreira et al.22, em 2007, encontraram uma Odds Ratio de 2,9 (IC=1,2-7,3)9. Outro estudo brasileiro demonstrou que as CVM estavam associadas a uma Odds Ratio de 8,1 (IC=2,6-24,6) para predição de doença cardiovascular.

Na nossa experiência, em estudo caso-controle incluindo 40 mulheres portadoras de doença coronariana comprovada e comparadas a outras 40, pareadas por idade e sem doença coronariana, observamos um Odds Ratio de 3,5 (IC=1,4-9,0) para a associação de calcificações vasculares e a doença coronariana12,23.

Um dado interessante é que, quando presente, as calcificações vasculares mamárias são bilaterais, mostrando que o processo aterosclerótico e, consequentemente, as calcificações vasculares acometem todo o sistema arterial12,23. A importância das calcificações vasculares é tanta que, na análise multivariada, observou-se que fatores sabidamente associados às doenças coronarianas20 perderam a significância estatística, entre eles o tabagismo e o diabetes12. Uma provável explicação para esse fato foi apresentado por Çetin et al.17, que mostraram que mulheres diabéticas também apresentam maior risco de CVM. Dessa forma, além de serem um fator indicador de doença coronária, as CVM também podem indicar a presença de diabetes17.

O impacto desse achado sugere que a mamografia pode ser um método de grande importância para o rastreamento de doença coronária em mulheres, o que torna esse exame um método de imagem de grande relevância não só para o câncer de mama, mas também para outras doenças crônico-degenerativas.

Implicações para cuidados da paciente

A mamografia abre uma perspectiva também na prevenção da doença coronariana. Este exame pode contribuir para a detecção mais precoce do dano vascular, permitindo que a prevenção secundária de doenças vasculares possa ser efetuada, particularmente quando detectadas em mulheres portadoras de diabetes clínico ou subclínico.

Apesar de ainda não existirem estudos intervencionais que nos mostrem o benefício da mamografia na prevenção de outras doenças crônicas além do câncer, diante da presença de CVM na mamografia, em virtude da evidência científica acumulada nos estudos observacionais, o ginecologista deve orientar essas pacientes quanto à prevenção primária das doenças cardiovasculares e do diabetes e, se necessário, encaminhá-las para profissionais especializados com a finalidade de realizar uma completa investigação para estas doenças.

Recebido 15/7/09

Aceito com modificações 4/8/09

  • 1. Smith RA, Cokkinides V, Brawley OW. Cancer screening in the United States, 2009: a review of current American Cancer Society guidelines and issues in cancer screening. CA Cancer J Clin. 2009;59(1):27-41.
  • 2. Rosamond W, Flegal K, Friday G, Furie K, Go A, Greenlund K, et al. Heart disease and stroke statistics-2007 update: a report from the American Heart Association Statistics Committee and Stroke Statistics Subcommittee. Circulation. 2007;115(5):e69-e171.
  • /BIRADSAtlasexcerptedtext/BIRADSMammographyFourthEdition.aspx
  • 4. Reddy J, Son H, Smith SJ, Paultre F, Mosca L. Prevalence of breast arterial calcifications in an ethnically diverse population of women. Ann Epidemiol. 2005;15(5):344-50.
  • 5. Kemmeren JM, Beijerinck D, van Noord PA, Banga JD, Deurenberg JJ, Pameijer FA, et al. Breast arterial calcifications: association with diabetes mellitus and cardiovascular mortality. Work in progress. Radiology. 1996;201(1):75-8.
  • 6. Crystal P, Crystal E, Leor J, Friger M, Katzinovitch G, Strano S. Breast artery calcium on routine mammography as a potential marker for increased risk of cardiovascular disease. Am J Cardiol. 2000;86(2):216-7.
  • 7. Kataoka M, Warren R, Luben R, Camus J, Denton E, Sala E, et al. How predictive is breast arterial calcification of cardiovascular disease and risk factors when found at screening mammography? AJR Am J Roentgenol. 2006;187(1):73-80.
  • 8. Maas AH, Schouw YT, Beijerinck D, Deurenberg JJ, Mali WP, Graaf Y. Arterial calcifications seen on mammograms: cardiovascular risk factors, pregnancy, and lactation. Radiology. 2006;240(1):33-8.
  • 9. Fiuza Ferreira EM, Szejnfeld J, Faintuch S. Correlation between intramammary arterial calcifications and CAD. Acad Radiol. 2007;14(2):144- 50.
  • 10. Rotter MA, Schnatz PF, Currier AA Jr, O'Sullivan DM. Breast arterial calcifications (BACs) found on screening mammography and their association with cardiovascular disease. Menopause. 2008;15(2):276-81.
  • 11. Dale PS, Mascarhenas C, Richards M, Mackie G. Mammography as a screening tool for coronary artery disease. J Surg Res. 2008;148(1):1-6.
  • 12. Oliveira EL, Freitas-Junior R, Afiune-Neto A, Murta EF, Ferro JE, Melo AF. Vascular calcifications seen on mammography: an independent factor indicating coronary artery disease. Clinics (São Paulo). 2009;64(8):763-7.
  • 13. Kim H, Greenberg JS, Javitt MC. Breast calcifications due to Mönckeberg medial calcific sclerosis. Radiographics. 1999;19(5):1401-3.
  • 14. Schoppet M, Al-Fakhri N, Franke FE, Katz N, Barth PJ, Maisch B, et al. Localization of osteoprotegerin, tumor necrosis factor-related, apoptosis- inducing ligand, and receptor activator of nuclear factor-kappaB ligand in Monckeberg's sclerosis and atherosclerosis. J Clin Endocrinol Metabol. 2004;89(8):4104-12.
  • 15. Moe SM, O'Neill KD, Duan D, Ahmed S, Chen NX, Leapman SB, et al. Medial artery calcification in ERSD patients is associated with deposition of bone matrix proteins. Kidney Int. 2002;61(2):638-47.
  • 16. Maas AH, van der Schouw YT, Mali WP, van der Graaf Y. Prevalence and determinants of breast arterial calcium in women at high risk of cardiovascular disease. Am J Cardiol. 2004;94(5):655-9.
  • 17. Çetin M, Çetin R, Tamer N, Kelekçi S. Breast arterial calcifications associated with diabetes and hypertension. J Diabetes Complications. 2004;18(6):363-6.
  • 18. Topal U, Kaderli A, Topal NB, Ozdemir B, Yesilbursa D, Cordan J, et al. Relationship between the arterial calcification detected in mammography and coronary artery disease. Eur J Radiol. 2007;63(3):391-5.
  • 19. Selwyn AP, Braunwald E. Ischemic heart disease. In: Kasper DL, Braunwald E, Fauci AS, Hauser SL, Longo DL, Jameson JL, editors. Harrison's principles of internal medicine. 16th ed. New York: McGraw-Hill; 2004. p. 1434-44.
  • 20. Mosca L, Banka CL, Benjamin EJ, Berra K, Bushnell C, Dolor RJ, et al. Evidence-based guidelines for cardiovascular disease prevention in women: 2007 update. Circulation. 2007;115(11):1481-501.
  • 21. Favarato MLCS, Favarato D, Hueb WA, Aldrighi JM. Qualidade de vida em portadores de doença arterial coronária: comparação entre gêneros. Rev Assoc Med Bras. 2006;52(4):236-41.
  • 22. Ferreira JA, Pompei LM, Fernandes CE, Azevedo LH, Peixoto S. Breast arterial calcification is a predictive factor of cardiovascular disease in Brazilian postmenopausal women. Climacteric. 2009;28:1-6.
  • 23. Oliveira ELC, Freitas-Júnior R, Afiune Neto A, Murta EFC, Ferro JE, Melo AFB. Calcificações vasculares na mamografia: achado insignificante ou indicador de doenças crônicas? Femina. 2008;36(6):379-83.
  • Correspondência:

    Ruffo Freitas-Junior
    Alameda das Rosas, 533, Setor Oeste
    CEP 74110-060 - Goiânia (GO), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br