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Gravidez na adolescência: uma proposta para prevenção

Teenage pregnancy: a proposition to prevention

EDITORIAL

Gravidez na adolescência: uma proposta para prevenção

Teenage pregnancy: a proposition to prevention

Marta Edna Holanda Diogenes YazlleI; Rodrigo Coelho FrancoII; Daniela MichelazzoIII

IProfessora Doutora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIMédico Assistente do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIIMédica Assistente do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Marta Edna Holanda Diogenes Yazlle Departamento de Ginecologia e Obstetrícia Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo Avenida Bandeirantes, 3.900 CEP 14049-900 - Ribeirão Preto (SP), Brasil Fone: (16) 3602-2587 Fax: (16) 3633-0946 E-mail: mehyazll@fmrp.usp.br

No Brasil, a população adolescente (faixa etária entre 10 e 19 anos segundo a Organização Mundial da Saúde, e entre 12 e 18 anos segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente) tem se mantido estável, não devendo crescer muito nos próximos anos, conforme as projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1. Esse período da vida se caracteriza pelo crescimento rápido e desenvolvimento da personalidade, o que pode gerar estresse, conflitos e instabilidade emocional2,3. A iniciação sexual acontece frequentemente nesse período, o que tem sido motivo de preocupação, seja pela possibilidade de ocorrerem gestações indesejadas ou pela disseminação de doenças sexualmente transmissíveis4.

Informes do Ministério da Saúde, que fazem referência à vida sexual dos adolescentes, sugerem que está havendo aumento no número de jovens com vida sexual ativa. Em 1998, na população com idade entre 16 e 19 anos, 56,5% dos homens e 41,6% das mulheres referiram ter tido atividade sexual nos últimos 12 meses. Já em 2005, nessa mesma faixa etária, os valores passaram para 78,4 e 68,5%, respectivamente5.

Estes números têm causado preocupação entre os profissionais da saúde e têm sido motivação para a realização de estudos, no sentido de quantificar a magnitude do problema, oferecendo assim, subsídios para conscientização de outros profissionais da saúde e de outras áreas (da educação, por exemplo), além da população em geral, tornando possível a adoção de medidas de prevenção6,7. É possível que essas investigações possam contribuir para amenizar a questão e, por isso, estudos nesse sentido devem ser estimulados.

A gravidez nessa fase da vida tem sido considerada como fator de risco, do ponto de vista médico, tanto para mãe e para o filho e também, como fator agravante ou desencadeador de transtornos psicológicos e sociais. Vários estudos fazem referências a maior incidência de complicações durante a gestação de adolescentes, tais como abortamento espontâneo, restrição de crescimento intrauterino, diabetes gestacional, pré-eclâmpsia, parto prematuro, sofrimento fetal intraparto e parto por cesárea8,9. Por ocasião do parto normal, tem sido referida maior incidência de lesões vaginais e perineais. São citados, ainda, maior frequência de deiscência de suturas e dificuldade de amamentação1,8,10. No entanto, não tem sido relatada maior frequência de parto por cesárea nesta faixa etária8. Em relação às repercussões psicológicas, tem sido relatado aumento do número de casos de depressão pós-parto1. Dentre as complicações referentes ao recém-nascido, observa-se aumento na incidência de desnutrição, maus tratos e descuidos, o que pode se estender à criança com mais idade. Na infância, principalmente no primeiro ano de vida, tem sido referida maior incidência de desnutrição e acidentes domiciliares11.

Do ponto de vista social, alguns estudos concluem que a gravidez nesta época pode ocasionar repercussões sociais negativas, com reflexo na evolução pessoal e profissional, além de transtornos no núcleo familiar8. Tem sido referida a alta taxa de evasão escolar entre adolescentes grávidas, chegando a aproximadamente 30%, e o retorno à escola ocorre em pequenas proporções12. Existem referências ao fato de que os problemas observados na evolução da gestação entre adolescentes podem estar relacionados à condição social e econômica desfavorável da adolescente, e que, por outro lado, a assistência pré-natal adequada poderia minimizar esses problemas1,4, 8,10,13,14.

A diminuição das taxas de gravidez tem acontecido em outras faixas etárias da população brasileira. Conforme dados do IBGE referentes ao período de 1970 a 2000, o número médio de filhos por mulher em 1970 era de 5,8 e, em 2000, de 2,3. Essa diminuição foi mais evidente entre as mulheres com mais de 30 anos. No período referido, o único grupo que apresentou aumento na taxa de fecundidade foi o que corresponde à faixa de 15 a 19 anos (Tabela 1)1. No entanto, observações mais recentes mostraram uma tendência de declínio na taxa de gravidez entre adolescentes no período de 2002 a 2004, nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste do Brasil13. Além disto, segundo o Ministério da Saúde houve de 2007 para 2008, redução adicional de 7,9% no número de partos entre adolescentes em todos os estados da Federação, com exceção do Amapá, onde foi registrado um aumento de 39,2%15.

Embora existam dados sugerindo que está havendo uma tendência de redução nas taxas de gravidez entre adolescentes em algumas regiões, existem relatos referindo a repetição da gravidez nessa faixa etária, o que pode contribuir para o agravamento da questão16,17. Foram observadas algumas características comuns às adolescentes que apresentavam com repetição de gestação18. Dentre essas se destacam: menarca precoce, primeiro coito logo após a menarca, repetição escolar, abandono da educação formal, ocupação não remunerada, família em condições de pobreza, envolvimento com parceiro mais velho, coabitação com o parceiro, baixa utilização de preservativo, pai ausente, aborto prévio, reação positiva da família à gestação anterior, ausência de consulta de puerpério e antecedente familiar de gestação na adolescência18. A estas condições podem ser acrescentadas outras, como não voltar aos estudos depois do parto e ter amigos com parto na mesma faixa etária17. Essas informações devem ser consideradas quando da proposta de programas de atenção à população de adolescentes, visando à prevenção da gravidez bem como sua repetição.

A este respeito ressaltamos a importância do estudo "Reincidência de gravidez em adolescentes", publicado neste fascículo, por Bruno et al.19. Este estudo trata da avaliação de um número considerável de adolescentes, utilizando metodologia confiável, possibilitando tirar conclusões que podem servir de base para programas de atendimento as adolescentes, visando tanto a prevenção da gravidez, bem como sua repetição. O estudo evidenciou associação de algumas condições sociais com gravidez na adolescência, tais como: baixo grau de escolaridade e adolescente sem união estável. Chamou atenção o fato de que 68,4% das adolescentes referiram estarem casadas ou com união estável, porém 66,8% continuavam morando com os pais, o que pode sugerir continuação da dependência familiar. Foi também relatada a maior reincidência de gravidez entre aquelas que mudaram de parceiro e, ainda, o número de adolescentes que tiveram mais de uma gestação no período avaliado.

Considerando que a gravidez na adolescência e a sua recorrência podem ser prevenidas, é necessário considerar a inclusão da população de adolescentes nos programas de assistência à saúde da mulher com ênfase em anticoncepção e orientações sexuais, e considerar a assistência a esta faixa etária como uma das prioridades na atenção primaria à saúde. Estes programas devem focar, além dos aspectos citados, também motivação para estudo e trabalho e aspectos relacionados a comportamento, relação familiar, entre outros16,20,21. Neste sentido, Schaffer et al.7 propõem um programa de saúde na escola, reunindo grupos de adolescentes para discussão de aspectos relacionados à saúde reprodutiva, com participação efetiva e diária de profissional de saúde.

Pelo exposto, consideramos que os ambulatórios de Ginecologia e Obstetrícia nas Unidades Básicas de Saúde deverão estar preparados para o atendimento da população de adolescentes, contando com o apoio de outros profissionais que atuam na área da saúde, e buscando entrosamento com os profissionais da área da Educação, serviço social e psicologia, além do apoio de entidades governamentais e não governamentais, presentes na comunidade e que possam contribuir com um programa de prevenção da gravidez na adolescência e sua repetição.

Com esse objetivo, é importante conhecer a magnitude do problema e, para isso, é possível utilizar revisões bibliográficas. Assim, deve-se estimular estudos e viabilizar a publicação de artigos relacionados ao tema, principalmente quando diz respeito à população brasileira.

Recebido 25/8/09

Aceito com modificações 5/10/09

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  • 5
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  • Correspondência:

    Marta Edna Holanda Diogenes Yazlle
    Departamento de Ginecologia e Obstetrícia
    Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
    Universidade de São Paulo
    Avenida Bandeirantes, 3.900
    CEP 14049-900 - Ribeirão Preto (SP), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Out 2009
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