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Diversidade genética do vírus da imunodeficiência humana tipo 1 (HIV-1) em mulheres infectadas de uma cidade do nordeste do Brasil

Genetic diversity of human immunodeficiency virus type-1 (HIV-1) in infected women from a northeast city of Brazil

Resumos

OBJETIVO: descrever a diversidade genética dos isolados de HIV-1 de mulheres soropositivas acompanhadas em um centro de referência. MÉTODOS: estudo transversal, no qual foram incluídas 96 mulheres com dois testes sorológicos ELISA e um teste confirmatório Western Blot. Das amostras de sangue periférico, foram determinadas a carga viral pelo kit b-DNA e a contagem de linfócitos T CD4 e T CD8 pela citometria de fluxo excalibur. A extração e purificação do DNA pró-viral foi realizada pela reação em cadeia da polimerase (PCR), utilizando o kit QIAamp Blood (Qiagen Inc., Chatsworth, CA, USA). O sequenciamento da região pol foi realizado em 52 isolados com o (3100 Genetic Analyzer, Applied Biosystems Inc., Foster City, CA) e a genotipagem foi investigada pela ferramenta Rega (Rega Subtyping Tool). O padrão de resistência aos antirretrovirais (ARV) foi inferido pelo algoritmo do banco de dados Stanford HIV Resistance. Os estágios clínicos das participantes foram definidos como A, B ou C segundo os critérios do Center for Diseases Control (CDC). Para a análise estatística dos dados, foram utilizados os testes do χ2 para as variáveis categóricas e o teste t de Student para as variáveis numéricas. RESULTADOS: a média de idade da amostra, o tempo médio de doença e de tratamento foram: 33,7; 3,8 e 2,5 anos, respectivamente. A média da carga viral foi log10 2,3 cópias/mL; a dos linfócitos T CD4 e T CD8 foi 494,9 células/µL e 1126,4 células/µL. Sobre o estágio clínico, 30 mulheres estavam no estádio A, 47 no B e 19 no C. O sequenciamento dos 52 isolados encontrou 33 do subtipo B, quatro do F, um do C e 14 do recombinante BF. A análise da resistência aos ARV mostrou 39 (75,0%) isolados susceptíveis, 13 (25,0%) resistentes aos inibidores da transcriptase reversa (INTR) e três (5,7%) aos inibidores da protease (IP). CONCLUSÕES: Houve grande diversidade do HIV-1 e elevado percentual de isolados resistentes aos ARV na amostra estudada.

HIV-1; Variação genética; Genótipo; Resistência a medicamentos; Evolução clínica


PURPOSE: to describe the genetic diversity of HIV-1 isolates from serum positive women followed up at a reference center. METHODS: transversal study, including 96 women with two ELISA serological tests and a Western Blot confirmatory test. The viral charge was determined by the b-DNA kit, and the counting of T CD4 and T CD8 lymphocytes, by the Excalibur flow cytometry, from the samples of peripheral blood. The extraction and purification of pro-viral DNA was performed by the polymerase (PCR) chain reaction, using the QIAamp Blood kit (Qiagen Inc., Chatsworth, CA, U.S.A.). Sequencing of the pol region was done in 52 isolates with the 3100 Genetic Analyzer (Applied Biosystems Inc., Foster City, CA), and the genotyping was assessed by the Rega Subtyping Tool. The resistance pattern to anti-retrovirals (ARV) was inferred by the algorithm from the Stanford HIV Resistance data bank. Participants' clinical stages were defined as A, B or C, according to the criteria established by the Center for Diseases Control (CDC). For statistical analysis, the χ2 test was used for the categorical variables and the Student's t test, for the numerical variables. RESULTS: The average age of the sample, the disease and treatment average duration were respectively: 33.7 years old, 3.8 and 2.5 years. The viral charge average was log10 2.3 copies/mL; the T CD4 e T CD8 lymphocytes, 494.9 cells/µL and 1126.4 cells/µL. Concerning the clinical stage, 30 women were in stage A, 47 in B and 19 in C. Sequencing from the 52 isolates found 33 of B subtype, 4 of F, 1 of C and 14 of BF recombinant. The analysis of resistance to ARV has shown 39 (75.0%) susceptible isolates, 13 (25.0%) resistant to reversal transcriptase inhibitors (RTIN), and 3 (5.7%) resistant to protease inhibitor (PI). CONCLUSIONS: There has been a large variety of HIV-1 and a high percentage of isolates resistant to ARV in the studied sample.

HIV-1; Genetic variation; Genotype; Drug resistance; Clinical evolution


ARTIGO ORIGINAL

Diversidade genética do vírus da imunodeficiência humana tipo 1 (HIV-1) em mulheres infectadas de uma cidade do nordeste do Brasil

Genetic diversity of human immunodeficiency virus type-1 (HIV-1) in infected women from a northeast city of Brazil

Edson de Souza SantosI; Adriano Fernando AraújoII; Bernardo Galvão-CastroIII; Luiz Carlos Junior AlcantaraIV

IMédico do Centro de Referência em DST/HIV/Aids da Secretaria de Saúde de Feira de Santana; Mestrando da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública - EBMSP - da Fundação Bahiana para o Desenvolvimento das Ciências - FBDC - Feira de Santana (BA), Brasil

IIPós-graduando (Doutorado) em Biotecnologia do Laboratório Avançado de Saúde Pública do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz da Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ - Salvador (BA), Brasil

IIICoordenador do Curso de Pós-Graduação em Medicina e Saúde Humana da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública - EBMSP - Feira de Santana (BA), Brasil; Coordenador de Ensino e Supervisor do Laboratório Avançado de Saúde Pública do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz da Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ - Salvador (BA), Brasil

IVProfessor do Curso de Pós-Graduação em Medicina e Saúde Humana da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública - EBMSP - Feira de Santana (BA), Brasil; Chefe do Laboratório Avançado de Saúde Pública do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz da Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ - Salvador (BA), Brasil

Correspondência Correspondência: Edson de Souza Santos Centro de Referência DST/HIV/Aids Rua Prof. Germiniano Costa, s/n CEP 44025-070 - Feira de Santana (BA), Brasil Tel./Fax: (75) 3221-2088/3625-2125 E-mail: edsongin@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: descrever a diversidade genética dos isolados de HIV-1 de mulheres soropositivas acompanhadas em um centro de referência.

MÉTODOS: estudo transversal, no qual foram incluídas 96 mulheres com dois testes sorológicos ELISA e um teste confirmatório Western Blot. Das amostras de sangue periférico, foram determinadas a carga viral pelo kit b-DNA e a contagem de linfócitos T CD4 e T CD8 pela citometria de fluxo excalibur. A extração e purificação do DNA pró-viral foi realizada pela reação em cadeia da polimerase (PCR), utilizando o kit QIAamp Blood (Qiagen Inc., Chatsworth, CA, USA). O sequenciamento da região pol foi realizado em 52 isolados com o (3100 Genetic Analyzer, Applied Biosystems Inc., Foster City, CA) e a genotipagem foi investigada pela ferramenta Rega (Rega Subtyping Tool). O padrão de resistência aos antirretrovirais (ARV) foi inferido pelo algoritmo do banco de dados Stanford HIV Resistance. Os estágios clínicos das participantes foram definidos como A, B ou C segundo os critérios do Center for Diseases Control (CDC). Para a análise estatística dos dados, foram utilizados os testes do χ2 para as variáveis categóricas e o teste t de Student para as variáveis numéricas.

RESULTADOS: a média de idade da amostra, o tempo médio de doença e de tratamento foram: 33,7; 3,8 e 2,5 anos, respectivamente. A média da carga viral foi log10 2,3 cópias/mL; a dos linfócitos T CD4 e T CD8 foi 494,9 células/µL e 1126,4 células/µL. Sobre o estágio clínico, 30 mulheres estavam no estádio A, 47 no B e 19 no C. O sequenciamento dos 52 isolados encontrou 33 do subtipo B, quatro do F, um do C e 14 do recombinante BF. A análise da resistência aos ARV mostrou 39 (75,0%) isolados susceptíveis, 13 (25,0%) resistentes aos inibidores da transcriptase reversa (INTR) e três (5,7%) aos inibidores da protease (IP).

CONCLUSÕES: Houve grande diversidade do HIV-1 e elevado percentual de isolados resistentes aos ARV na amostra estudada.

Palavras-chave: HIV-1; Variação genética; Genótipo; Resistência a medicamentos; Evolução clínica

ABSTRACT

PURPOSE: to describe the genetic diversity of HIV-1 isolates from serum positive women followed up at a reference center.

METHODS: transversal study, including 96 women with two ELISA serological tests and a Western Blot confirmatory test. The viral charge was determined by the b-DNA kit, and the counting of T CD4 and T CD8 lymphocytes, by the Excalibur flow cytometry, from the samples of peripheral blood. The extraction and purification of pro-viral DNA was performed by the polymerase (PCR) chain reaction, using the QIAamp Blood kit (Qiagen Inc., Chatsworth, CA, U.S.A.). Sequencing of the pol region was done in 52 isolates with the 3100 Genetic Analyzer (Applied Biosystems Inc., Foster City, CA), and the genotyping was assessed by the Rega Subtyping Tool. The resistance pattern to anti-retrovirals (ARV) was inferred by the algorithm from the Stanford HIV Resistance data bank. Participants' clinical stages were defined as A, B or C, according to the criteria established by the Center for Diseases Control (CDC). For statistical analysis, the χ2 test was used for the categorical variables and the Student's t test, for the numerical variables.

RESULTS: The average age of the sample, the disease and treatment average duration were respectively: 33.7 years old, 3.8 and 2.5 years. The viral charge average was log10 2.3 copies/mL; the T CD4 e T CD8 lymphocytes, 494.9 cells/µL and 1126.4 cells/µL. Concerning the clinical stage, 30 women were in stage A, 47 in B and 19 in C. Sequencing from the 52 isolates found 33 of B subtype, 4 of F, 1 of C and 14 of BF recombinant. The analysis of resistance to ARV has shown 39 (75.0%) susceptible isolates, 13 (25.0%) resistant to reversal transcriptase inhibitors (RTIN), and 3 (5.7%) resistant to protease inhibitor (PI).

CONCLUSIONS: There has been a large variety of HIV-1 and a high percentage of isolates resistant to ARV in the studied sample.

Keywords: HIV-1; Genetic variation; Genotype; Drug resistance; Clinical evolution

Introdução

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) causada pela infecção pelo vírus da imunodeficiência humana tipo 1 (HIV-1) constitui um sério problema de Saúde Pública em todo o mundo. Convivem com o HIV-1 33,2 milhões de pessoas, das quais 15,4 milhões de mulheres e 2,5 milhões de crianças com menos de 13 anos. Entre as mulheres, observa-se um aumento de casos em todas as regiões do globo1.

No Brasil, existiam, em 2007, 159.793 mulheres infectadas, o que representa uma relação de 1,5 homens/mulher. Na faixa dos 13 aos 19 anos de idade, esta relação foi invertida desde 1998, porém a mais atingida foi de 25 a 39 anos. A via de transmissão viral mais importante foi a heterossexual e foi observada uma redução gradativa da transmissão por uso de drogas injetáveis2.

Há evidências de que as secreções vaginais de mulheres portadoras têm elevadas concentrações do vírus, o que favorece a contaminação durante o intercurso sexual e no momento do parto3. Outros fatores relacionados à mãe, como a carga viral plasmática elevada, a diversidade do vírus circulante e a resistência aos antirretrovirais (ARV) representam riscos adicionais responsáveis por 30 a 35% dos casos de transmissão vertical4. No entanto, há relatos com resultados controversos sobre o papel dos subtipos e recombinantes nesta forma de transmissão viral5-7.

O HIV-1 tem um genoma relativamente pequeno, que mede aproximadamente 9 kilobytes (Kb) de comprimento ocupados em grande parte pelos três genes estruturais: gag (grupo antígeno), pol (polimerase) e env (envelope), que são delimitados por duas regiões contendo sequências repetitivas, denominadas LTR (longas regiões terminais repetidas)8. Sua principal característica é apresentar um alto grau de diversidade de sequências genéticas em decorrência de vários fatores biológicos, como as altas taxas de erros de transcrição da transcriptase reversa e de replicação viral que, atingindo uma frequência de mais de 300 ciclos por ano, dão origem às inúmeras mutações9.

Esta intensa mutabilidade do vírus afeta não só a interação com a célula hospedeira, mas também os genes que codificam as enzimas: transcriptase reversa, protease e integrase, que são os sítios de atuação dos ARV. A pressão seletiva exercida sobre o vírus induz o aparecimento de resistência, principalmente aos inibidores nucleosídicos da transcriptase reversa (INTR) e aos inibidores da protease (IP)10.

A análise de sequências conhecidas do HIV-1 permitiu classificá-lo em três grupos distintos denominados M, O e N. O grupo M (major) envolve a maioria das infecções em todo o mundo e é composto por nove subtipos filogeneticamente distintos, denominados A, B, C, D, F, G, H, J e K, cujas sequências de genes diferenciam entre si em cerca de 20%11. O subtipo C é o mais prevalente, sobretudo na Índia, enquanto o subtipo B é o mais difundido em todos os continentes. Foram descritas 43 formas recombinantes circulantes (CRF) que são responsáveis por 18% do total das infecções. O CRF BF surgiu na América do Sul, tendo como origem o subtipo F da África. No Brasil, predominam os Subtipos B, C, D e F e os CRF: BF, BD e BC12.

Na Bahia, estudos recentes revelam uma profunda modificação do perfil epidemiológico da difusão do HIV-1 no Estado devido à circulação de cepas virais recombinantes com alto potencial para desenvolverem resistência e progressão da doença13. Feira de Santana é a segunda cidade do estado, centro de grande fluxo migratório e entroncamento rodoviário o que pode favorecer o processo de interiorização da epidemia da Aids. Neste município, já haviam sido registradas, no Centro de Referência em DST/HIV/Aids, 616 pessoas soropositivas até o ano de 2007, das quais 180 eram mulheres e 32 eram crianças.

O objetivo deste estudo foi descrever a diversidade genética e a resistência aos ARV de isolados do HIV-1 e correlacionar os resultados com os dados epidemiológicos, estágios clínicos da doença e a transmissão vertical dos sujeitos envolvidos.

Métodos

Foi realizado um estudo de corte transversal, de caráter observacional, descritivo e analítico em uma amostra de conveniência de 96 mulheres adultas na faixa reprodutiva, acompanhadas no Centro de Referência em DST/HIV/Aids, da Secretaria Municipal de Saúde de Feira de Santana (BA), Brasil, no período de março de 2008 a junho de 2009.

Todas pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e o projeto foi aprovado pela comissão de ética do Centro de Referência em DST/HIV/Aids e pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP).

Os critérios para inclusão no estudo foram: mulheres que aceitaram participar, com idades entre 14 e 49 anos, notificadas como portadores do HIV-1 há pelo menos um ano. As pacientes foram submetidas a dois testes sorológicos de triagem pelo método ELISA (HIV-1 rp21, enhanced, EIA, Cambridge Biotech Corporation) e a um teste confirmatório Western Blot (HIV Blot 2.4, Genelabs Diagnostics, Singapure).

As informações sobre estágios clínicos, evolução da doença, tratamento com ARV e comorbidades foram obtidas dos registros de prontuários, objetivando-se correlacioná-las aos subtipos virais e ao padrão de resistência dos isolados. A classificação dos estágios clínicos obedeceu aos critérios do CDC e do Ministério da Saúde do Brasil. Foram enquadradas no estágio A, as mulheres com dois testes de triagem e um teste confirmatório positivos, porém assintomáticas. No estágio B, foram alocadas aquelas que apresentavam uma doença indicativa de Aids ou imunodeficiência moderada, enquanto aquelas com linfócitos T CD4 inferiores a 350 células/µL foram classificadas como estágio C.

Foram coletados 15 mL de sangue periférico de cada paciente por punção venosa a vácuo com seringa e anticoagulante EDTA, para determinação da carga viral pelo método b-DNA e contagem dos linfócitos T CD4 e CD8 pelo método de citometria de fluxo escalibur. Os exames de biologia molecular foram realizados no Laboratório Avançado de Saúde Pública (LASP) da FIOCRUZ (BA), obedecendo às seguintes etapas: reação em cadeia da polimerase (PCR) para extração, amplificação e purificação do DNA de células mononucleares utilizando 200 µL de concentrado provenientes de 2 mL de sangue periférico utilizando o kit QIAamp Blood (Qiagen Inc., Chatsworth, CA, USA). Em seguida, os produtos amplificados da região pol parcial, correspondentes a 817 nucleotídeos entre as posições 2.343 e 3.160 na sequência referência HXB2 de 52 novos isolados do HIV-1 em estudo, foram sequenciados automaticamente pelo (3100 Genetic Analyzer, Applied Biosystems Inc., Foster City, CA). O restante das coletas apresentava pouco material do DNA devido à baixa carga viral, e por isso não foi possível realizar o sequenciamento dessas amostras. Os subtipos do HIV-1 foram investigados através da ferramenta de subtipagem Rega (Rega Subtyping Tool); c) o nível de suscetibilidade das sequências aos antirretrovirais foi inferido através do algoritmo do banco de dados Stanford HIV Resistance. O arquivo contendo as sequências em formato fasta foi submetido ao sítio eletrônico http://hivdb.stanford.edu/.

A abordagem estatística do estudo contemplou a descrição das variáveis categóricas como: estado civil (solteira e estável, incluindo as casadas); escolaridade (fundamental médio e superior); classe social inferida pela profissão e renda salarial referida (baixa, média-baixa e alta); etnia definida pela cor da pele autorreferida (branca e não-branca); vias de transmissão (sexual e -sexual). As comorbidades, os subtipos virais e as mutações encontradas também foram descritas através de proporções e frequências e analisadas pelo teste do χ2. Foi considerado significativo p<0,05.

As variáveis numéricas, como idade, carga viral, razão T CD4/T CD8, tempo de doença e tempo de tratamento, foram expressas em médias, desvio padrão e variação.

A comparação das médias entre os grupos de mulheres portadoras do subtipo (MSB) e as portadoras de outros subtipos ou recombinantes (MSNB) foi feita pelo Teste t de Student para as variáveis de distribuição normal ou pelo teste não-paramétrico de Mann-Whitney para as variáveis de distribuição anormal. Foi considerado significativo p<0,05. Os dados foram alocados em uma planilha do programa Microsoft Office Excel 2007 (Windows XP) e analisados por intermédio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 12.0 para Windows.

Resultados

A idade da população em estudo variou de 14 a 49 anos; (média de 33,7 e desvio padrão de ±15). As características gerais da população estão descritas na Tabela 1. A maioria das mulheres da amostra era solteira (51%) de classe baixa (97%) e com escolaridade primária (79,2%). Quanto à etnia, a maioria (54%) era não-branca. Sobre a via de transmissão, 100% das mulheres declararam ser heterossexuais, porém houve relatos de uso de drogas injetáveis por duas delas e transfusão sanguínea por uma. Entre as mulheres estudadas, 12 delas tinham filhos soropositivos, nascidos de partos naturais e que haviam sido amamentados. Nenhuma destas fez uso do Protocolo do Aids Clinical Trial Group (PACTG 076), que previne a transmissão vertical do HIV-1.

Os resultados relativos aos aspectos clínicos e laboratoriais da amostra em estudo são descritos na Tabela 2. A média da carga viral foi log10 2,3 cópias/mL, desvio padrão ±1,9 e variação de 0,1 a 5,6. A contagem dos linfócitos T CD4 variou de 50 a 1.784 cél/µL, com média de 494 cél/µL, desvio padrão de ±184,3. A média da proporção entre o TCD4/TCD8 foi 0,64. O tempo médio presumido de doença foi 3,7 anos, desvio padrão ±2,5 e variação de 1 a 9. A média do tempo de terapia com antirretroviral (ARV) da amostra foi 2,5 anos, desvio padrão ±2,0 e variação de 0 a 9 anos.

Sobre a evolução clínica das mulheres estudadas, 30 (31,3%) foram enquadradas como estágio A do CDC; outras 47 (48,9%) como estágio B, enquanto 19 (19,8%) foram consideradas estágio C. A gravidade do quadro esteve relacionado com maior tempo de doença, maior carga viral e menor proporção TCD4/TCD8. As coinfecções mais encontradas na história pregressa foram: infecções respiratórias (62 ocorrências), intestinais (47), tuberculose (9), hepatites (8) e HTLV (4 casos). As patologias genitais mais encontradas foram: vulvo-vaginites (25 casos), sífilis (14 casos), herpes (12 casos) e HPV (12 casos), sendo que quatro casos estiveram associados com neoplasia intraepitelial do colo uterino (NIC) (Tabela 2).

Nos estudos de variabilidade genética dos 52 isolados, foram encontrados 19 (36,5%) subtipos não-B em circulação. As frequências das espécies virais encontradas foram: 63,5% do subtipo B (33 sequências), 7,6% do subtipo F (4 sequências), 1,9% do subtipo C (1 sequência) e 26,9% da forma recombinante BF (14 sequências).

Comparando o grupo de mulheres portadoras do subtipo B (MSB) ao grupo de mulheres portadoras de subtipos não-B (MSNB), não foram observadas diferenças significativas concernentes à idade, etnia, escolaridade, classe de renda, estado civil ou vias de transmissão viral (Tabela 1). Não houve diferença entre os grupos na determinação da carga viral e na contagem dos linfócitos T CD4 e T CD8. No entanto, houve diferença significativa, com p<0,05 quando foram comparados o tempo de doença, o tempo de tratamento, a evolução para Aids (estágio C) e a prevalência de doenças genitais no grupo MSB (Tabela 2).

A análise de resistência destes 52 isolados mostrou que 39 (75,0%) deles portavam diversas mutações nas cadeias do gen pol que, no entanto, não alteravam a suscetibilidade aos ARV. Dos 13 isolados (25,0%) que apresentaram resistência aos ARV, três amostras foram exclusivamente ao lamivudina (3TC), duas à zidovudina (AZT), duas à nevirapina (NVP), uma à didanosina (ddI) e uma ao efavirenz (EFV). Três isolados tinham resistência múltipla a mais de um ARV em três isolados. Um isolado mostrou resistência primária à didanosina (ddI). Dos três isolados (5,7%) resistentes aos inibidores da protease (IP), dois foram ao nelfinavir (NFV) e um ao fosamprenavir (FPV). Todos eles também tinham resistência aos INTR.

A análise estatística que comparou as mulheres com filhos soropositivos àquelas sem filhos soropositivos não constatou diferenças significativas nas variáveis estudadas, com exceção da resistência aos ARV, o que é limitado pelo número examinado (Tabela 3).

Discussão

Os resultados obtidos mostram uma tendência atual da dispersão do HIV-1, às cidades do interior, atingindo preferencialmente as mulheres e as camadas sociais mais pobres, como foi verificado no Estado do Rio de Janeiro, onde foi encontrada uma proporção elevada de mulheres infectadas (1,1 homem/ mulher)14. Em nosso Centro, ainda encontramos uma proporção de 2,3 homens/ mulher infectada.

A pauperização e a baixa escolaridade predominante nessa amostra foram associadas à transmissão heterossexual e vertical do HIV-1 devido à falta de seguimento efetivo no serviço de pré-natal e acesso ao protocolo do Aids Control Trial Group (PACTG) adotado pelo Ministério da Saúde. Esta medida, em nosso país, vem reduzindo a transmissão vertical a taxas inferiores a 4%, de acordo com relatos recentes15.

A prevalência das doenças do trato genital inferior associada ao HIV-1 (24%) foi menor em nosso estudo em relação a outro realizado em Salvador16. Isto é decorrente da sistemática diagnóstica e do nível de assistência adotado neste município. A prevalência do vírus linfotrópico humano (HTLV) foi muito elevada (4/96=4,1%) provavelmente devido à sua difusão a partir de Salvador, a capital de maior prevalência (1,8 %) deste vírus no país17. Em nosso estudo, ele esteve associado às portadoras do Subtipo B, o que pode ser explicado pelas condições socioeconômicas, baixa escolaridade, evolução mais lenta da doença e baixa imunidade encontrada nestas pacientes, portadoras da infecção dual HIV-1/HTLV.

O perfil da diversidade genética e do padrão de resistência aos ARV encontrado no presente estudo difere dos primeiros estudos de sequenciamento do HIV-1 na Bahia que mostraram uma proporção maior do subtipo B e bem inferior do recombinante BF, não tendo sido identificados os subtipos C e F18. Estudo recente realizado em Salvador mostrou uma maior diversidade e elevadas taxas de resistência primária aos ARV19.

O elevado percentual de 25,0% de isolados com resistência secundária encontrado em nosso estudo é muito superior aos relatos nacionais de 7,0% para os inibidores da transcriptase reversa (INTR) e 1,5% para os inibidores da protease (IP). A taxa de resistência primária de 2% porém foi inferior aos mesmos relatos20.

Este padrão de resistência teve uma associação maior ao subtipo B do que ao recombinante BF e aos subtipos C e F. Isto provavelmente se deve ao tempo de inserção desta variedade na população estudada, sua evolução lenta para Aids e sua exposição a diversos esquemas terapêuticos que induzem o surgimento da resistência.

A baixa escolaridade, a questão do preconceito e as condições socioecônomicas que levam à não-adesão e interrupção do tratamento fecham o ciclo vicioso que causa a falência terapêutica e o desenvolvimento de novas mutações adaptativas do vírus. A dispersão de cepas virais mutantes pelo fluxo migratório e intercâmbio comercial torna cada vez mais difícil o controle da epidemia e erradicação do HIV-121.

O tempo presumido de doença, o maior tempo de tratamento, o estágio clínico mais grave e a maior prevalência de doenças ginecológicas também foram associados às portadoras do subtipo B, provavelmente pelos mesmos motivos anteriormente referidos.

Por se tratar de uma população ainda sexualmente ativa, esta proporção elevada de cepas recombinantes e subtipos oriundos de outras regiões pode causar no futuro um profundo impacto na evolução da doença e no prognóstico reprodutivo destas mulheres.

Agradecimentos

Ao Doutor Ênio Oliveira, do Centro de Referência DST/HIV/Aids, ao Laboratório Central do Estado (LACEN), ao Laboratório Avançado em Saúde Pública (LASP) e à FIOCRUZ (BA), que colaboraram com a realização deste estudo.

Recebido 29/6/09

Aceito com modificações 19/11/09

Centro de Referência em DST/HIV/Aids da Secretaria de Saúde de Feira de Santana (BA), Brasil.

Não houve conflitos de interesse na realização deste trabalho.

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  • Correspondência:
    Edson de Souza Santos
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    CEP 44025-070 - Feira de Santana (BA), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      29 Jun 2009
    • Aceito
      19 Nov 2009
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