Acessibilidade / Reportar erro

Concordância entre citologia, colposcopia e histopatologia cervical

Agreement between cytology, colposcopy and cervical histopathology

Resumos

OBJETIVO: avaliar a concordância da citologia convencional por Papanicolaou repetida no momento da colposcopia com os achados colposcópicos e a histopatologia. MÉTODOS: o estudo foi realizado no Laboratório Central de Saúde Pública do Estado de Pernambuco (LACEN), de janeiro a julho de 2008, em 397 mulheres com exame citopatológico alterado encaminhadas para avaliação colposcópica. No momento da colposcopia, repetiu-se a citologia em meio convencional, pesquisando-se os achados colposcópicos anormais. A nomenclatura citológica utilizada foi a de Bethesda e a histopatológica, da Organização Mundial de Saúde. A citologia no momento da colposcopia e a colposcopia foram comparadas entre si e com o resultado do histopatológico obtido por biópsia dirigida. A concordância entre os métodos foi avaliada pelo coeficiente Kappa (K), além do teste χ2 a um nível de significância de 5%. RESULTADOS: foi encontrada uma concordância fraca entre a citologia realizada no momento da colposcopia e a colposcopia, K=0,33 (IC95%=0,21-0,45) e entre a colposcopia e a histopatologia, K=0,35 (IC95%=0,39-0,51). Para a concordância entre citologia no momento da colposcopia e histopatologia, o Kappa foi de 0,41 (IC95%=0,29-0,530), considerado moderado. CONCLUSÕES: houve melhor concordância entre citologia e histopatologia do que entre colposcopia e citologia ou colposcopia e histopatologia.

Neoplasias do colo do útero; Colposcopia; Neoplasia intraepitelial cervical; Colo do útero; Esfregaço vaginal


PURPOSE: to evaluate the agreement between conventional cytology using the Papanicolaou test, repeated at the time of colposcopy, with colposcopic and histopathological findings. METHODS: the study was carried out at the central public health laboratory of the state of Pernambuco between January and July, 2008, involving 397 women referred for colposcopic evaluation following an abnormal cervical smear test. Cytology was repeated at the time of colposcopy using conventional method, with particular attention being paid to the presence of abnormal colposcopic findings. The nomenclature used for cytology was the 2001 Bethesda system terminology, while that used for histology was the World Health Organization 1994 classification. Cytology performed at the time of colposcopy was compared with colposcopy and with histopathology obtained by colposcopy-directed biopsy. The Kappa coefficient was used to evaluate the agreement between methods, as well as the χ2 test, with the level of significance set at 5%. RESULTS: poor agreement was found between cytology performed at the time of colposcopy and colposcopic findings (K=0.33; 95%CI=0.21-0.45) and between colposcopy and histopathology (K=0.35; 95%CI=0.39-0.51). Cytology performed at the time of colposcopy compared with histopathology revealed a Kappa of 0.41 (95%CI=0.29-0.530), which was considered to reflect moderate agreement. CONCLUSIONS: agreement was better between cytology and histopathology than between colposcopy and cytology or between colposcopy and histopathology.

Uterine cervical neoplasms; Colposcopy; Cervical intraepithelial neoplasia; Cervix uteri; Vaginal smears


ARTIGO ORIGINAL

Concordância entre citologia, colposcopia e histopatologia cervical

Agreement between cytology, colposcopy and cervical histopathology

Letícia Maria Correia KatzI; Alex Sandro Rolland SouzaII; Simone Oliveira FittipaldiIII; Gisele de Melo SantosIII; Melania Maria Ramos AmorimIV

IPós-graduanda (Mestrado) em Saúde Materno Infantil do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira – IMIP – Recife (RE), Brasil; Médica do Laboratório da Mulher do Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco – LACEN – Recife (PE), Brasil

IIPós-graduando (Doutorado) em Saúde Materno Infantil e Preceptor da Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira – IMIP – Recife (PE), Brasil

IIIAcadêmicas do Curso de Medicina da Faculdade Pernambucana de Saúde – FPS – Recife (PE), Brasil

IVProfessora da Pós-graduação em Saúde Materno Infantil do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira – IMIP – Recife (PE), Brasil; Médica Obstetra do Instituto de Saúde Elpídio de Almeida – ISEA – Campina Grande (PB), Brasil

Correspondência Correspondência: Melania Maria Ramos de Amorim Rua Neuza Borborema, 300 – Santo Antônio CEP 58103-313 – Campina Grande (PB), Brasil Fone: (83) 3321-2695/Fax: (81) 3221-5596 E-mail: melamorim@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a concordância da citologia convencional por Papanicolaou repetida no momento da colposcopia com os achados colposcópicos e a histopatologia.

MÉTODOS: o estudo foi realizado no Laboratório Central de Saúde Pública do Estado de Pernambuco (LACEN), de janeiro a julho de 2008, em 397 mulheres com exame citopatológico alterado encaminhadas para avaliação colposcópica. No momento da colposcopia, repetiu-se a citologia em meio convencional, pesquisando-se os achados colposcópicos anormais. A nomenclatura citológica utilizada foi a de Bethesda e a histopatológica, da Organização Mundial de Saúde. A citologia no momento da colposcopia e a colposcopia foram comparadas entre si e com o resultado do histopatológico obtido por biópsia dirigida. A concordância entre os métodos foi avaliada pelo coeficiente Kappa (K), além do teste χ2 a um nível de significância de 5%.

RESULTADOS: foi encontrada uma concordância fraca entre a citologia realizada no momento da colposcopia e a colposcopia, K=0,33 (IC95%=0,21-0,45) e entre a colposcopia e a histopatologia, K=0,35 (IC95%=0,39-0,51). Para a concordância entre citologia no momento da colposcopia e histopatologia, o Kappa foi de 0,41 (IC95%=0,29-0,530), considerado moderado.

CONCLUSÕES: houve melhor concordância entre citologia e histopatologia do que entre colposcopia e citologia ou colposcopia e histopatologia.

Palavras-chave: Neoplasias do colo do útero/citologia; Colposcopia; Neoplasia intraepitelial cervical; Colo do útero/patologia; Esfregaço vaginal

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the agreement between conventional cytology using the Papanicolaou test, repeated at the time of colposcopy, with colposcopic and histopathological findings.

METHODS: the study was carried out at the central public health laboratory of the state of Pernambuco between January and July, 2008, involving 397 women referred for colposcopic evaluation following an abnormal cervical smear test. Cytology was repeated at the time of colposcopy using conventional method, with particular attention being paid to the presence of abnormal colposcopic findings. The nomenclature used for cytology was the 2001 Bethesda system terminology, while that used for histology was the World Health Organization 1994 classification. Cytology performed at the time of colposcopy was compared with colposcopy and with histopathology obtained by colposcopy-directed biopsy. The Kappa coefficient was used to evaluate the agreement between methods, as well as the χ2 test, with the level of significance set at 5%.

RESULTS: poor agreement was found between cytology performed at the time of colposcopy and colposcopic findings (K=0.33; 95%CI=0.21-0.45) and between colposcopy and histopathology (K=0.35; 95%CI=0.39-0.51). Cytology performed at the time of colposcopy compared with histopathology revealed a Kappa of 0.41 (95%CI=0.29-0.530), which was considered to reflect moderate agreement.

CONCLUSIONS: agreement was better between cytology and histopathology than between colposcopy and cytology or between colposcopy and histopathology.

Keywords: Uterine cervical neoplasms/cytology; Colposcopy; Cervical intraepithelial neoplasia; Cervix uteri/pathology; Vaginal smears

Introdução

O câncer do colo do útero constitui grave problema de saúde pública no mundo1,2. Em 2008, foi estimado que ocorreriam no mundo 500 mil novos casos, responsáveis pelo óbito de aproximadamente 230 mil mulheres1. No Brasil, a estimativa foi de 18.680 casos novos (19/100 mil mulheres), correspondendo à terceira neoplasia mais comum. Em Pernambuco, a incidência é superior à estimativa nacional, aproximadamente 22,73/100 mil mulheres1.

Desde 1943, o Papanicolaou tem sido utilizado para o rastreamento do câncer cervical3. No Brasil, o projeto Viva Mulher do Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de Mama foi criado com o objetivo de reduzir a mortalidade e as repercussões físicas, psíquicas e sociais desses cânceres nas mulheres brasileiras por meio da oferta de serviços para prevenção e detecção em estágios iniciais, tratamento e reabilitação4.

Porém, o melhor método de rastreamento do câncer do colo uterino ainda permanece incerto. Autores recomendam desde a simples citologia, a colposcopia, o teste DNA-HPV, ou até mesmo a repetição da citologia5-8. No Brasil, o rastreamento é realizado pelo teste Papanicolaou, sendo a mulher submetida à colposcopia quando o resultado da citologia se encontrar alterado4.

A neoplasia glandular endocervical detectada pela citologia é fator preditivo de doença cervical, mesmo quando a colposcopia for normal. Nessa situação, a alta taxa de anormalidade justifica a utilização da colposcopia com biópsia direta da ectocérvice. A citologia cervical é o único método de rastreamento para anormalidades glandulares cervicais, contudo apresenta uma baixa sensibilidade9.

Assim, considerando os pontos importantes evidenciados pela colposcopia, sugere-se que a definição da indicação de biópsia e do local onde deve ser realizada é mais importante do que a impressão das imagens colposcópicas encontradas. No entanto, a reprodutibilidade e a acurácia desses julgamentos são de difícil avaliação10. Um estudo descreveu a obtenção de diagnósticos de neoplasia intraepitelial de alto grau em biópsias realizadas aleatoriamente nos quatro quadrantes, quando anormalidades colposcópicas não foram observadas. A confiança e a acurácia da colposcopia, a determinação do melhor local para realização da biópsia e a histopatologia têm sido questionadas no diagnóstico das neoplasias intraepiteliais cervicais10.

Em uma meta-análise que avaliou a colposcopia no diagnóstico das lesões intraepiteliais escamosas, foram selecionados nove estudos que utilizaram a histopatologia da biópsia dirigida como padrão-ouro e a subdivisão da colposcopia em normal e alterada. Encontrou-se, para a colposcopia, uma sensibilidade de 96% e uma especificidade de 48%11.

O objetivo do presente estudo foi avaliar a concordância entre os métodos de rastreamento do câncer cervical: citologia convencional repetida no momento da colposcopia e colposcopia (presença ou ausência de achados colposcópicos anormais) com a histopatologia por biópsia dirigida.

Métodos

O estudo do tipo coorte transversal foi realizado no Laboratório da Mulher do Laboratório Central de Saúde Pública do Estado de Pernambuco (LACEN), referência em citopatologia e histopatologia em Pernambuco, Brasil, no período de Janeiro a Julho de 2008.

As mulheres incluídas no estudo foram todas aquelas encaminhadas para avaliação colposcópica no LACEN por resultado citológico anterior alterado (citologia em meio convencional). A citologia que motivou a realização da colposcopia foi realizada no LACEN ou em outro laboratório credenciado pelo sistema de saúde do Estado de Pernambuco. Todas as citologias realizadas no momento da colposcopia foram colhidas no LACEN. Dessa forma, nenhuma paciente foi excluída do estudo.

Foram incluídas 397 mulheres com idade entre 15 e 80 anos e média de 33 anos. Destas, a maioria era procedente do interior do Estado de Pernambuco (78,8%), sendo apenas 84 provenientes da cidade do Recife e região metropolitana (21,2%). O intervalo de tempo entre a coleta das duas citologias variou de 21 a 465 dias, mediana de 75 dias (3 meses) e 66,9% dos exames foram repetidos no prazo de 2 a 3 meses. Não houve diferença significativa entre o local da realização da citologia inicial, LACEN ou outro laboratório (p=0,758).

Por citologia alterada compreendem-se as atipias celulares apresentadas nos epitélios escamoso ou glandular. No epitélio escamoso, foram consideradas: células atípicas de significado indeterminado, possivelmente não-neoplásica, das quais não se pode afastar o diagnóstico de lesão de alto grau; lesões intraepiteliais de baixo grau; lesões intraepiteliais de alto grau; e carcinoma invasor. No epitélio glandular, foram consideradas: células atípicas de significado indeterminado, possivelmente não-neoplásica, das quais não se pode afastar a hipótese de lesão de alto grau; adenocarcinoma in situ; e adenocarcinoma invasor12.

No momento em que as pacientes foram submetidas à colposcopia, colheu-se uma nova citologia em meio convencional, utilizada para análise dos resultados. Esta foi obtida pela coleta da ectocérvice com a espátula de Ayre e da endocérvice com escova cytobrush (coleta dupla). O material foi fixado com o polietilenoglicol e corado pela técnica de Papanicolaou13. A nomenclatura citológica utilizada foi a brasileira para laudos cervicais12.

O cálculo do tamanho da amostra foi realizado no programa de domínio público OpenEpi versão 2, considerando-se os dados obtidos em estudo piloto realizado com as 100 primeiras participantes. O parâmetro utilizado foi a frequência de células escamosas atípicas14. Considerando-se uma frequência de células escamosas atípicas na primeira citologia de 12% e na segunda citologia de 1%, para um nível de confiança de 99% e um poder de 90%, seriam necessárias 326 mulheres. Prevendo-se eventuais perdas, o número foi aumentado em aproximadamente 20%, totalizando 397 mulheres.

Na avaliação colposcópica, a terminologia utilizada pela Federação Internacional de Patologia Cervical, independentemente da subclassificação ou da gradação existente nesses achados, foi dividida em colposcopia alterada, na presença de achados colposcópicos anormais, ou normal. A junção escamo-colunar foi classificada como visível e não-visível15.

Nos casos em que achados colposcópicos anormais estiveram presentes, a biópsia do colo do útero guiada pela colposcopia foi realizada, exceto em casos de processos inflamatórios intensos e pacientes gestantes, nas quais a biópsia só seria realizada se houvesse suspeita de microinvasão. O produto da biópsia foi submetido a exame histopatológico com preparação de rotina (Hematoxilina/Eosina), utilizando a nomenclatura da Organização Mundial de Saúde (OMS). Essa nomenclatura classifica as alterações histopatológicas cervicais em neoplasias intraepitelias cervicais (NIC) nos graus leve (NIC I), moderado (NIC II), acentuado (NIC III) e carcinoma invasor16.

Para análise estatística, utilizou-se o programa Epi-Info 3.5. Para comparação das frequências dos achados citológicos com a presença ou ausência de achados colposcópicos anormais e com o resultado histopatológico, utilizaram-se os testes χ2 de associação com nível de significância a 5%.

Os coeficientes Kappa (K) e respectivos intervalos de confiança (IC) a 95% foram calculados no Graphpad Software® (versão 3.00, San Diego, Estados Unidos). A concordância foi analisada entre os achados citológicos realizados no momento da colposcopia e a histopatologia, a presença de achados colposcópicos anormais e a citologia no momento da colposcopia, e os achados colposcópicos anormais presentes nas colposcopias satisfatórias (JEC visível) e a histopatologia. O Kappa é um índice de concordância que varia de 0 a 1, sendo que o valor 1 expressa a máxima concordância, e 0 corresponde à ausência completa de concordância. De acordo com os valores obtidos, a concordância é classificada em pobre (zero), discreta (0,01-0,2), fraca (0,21-0,4), moderada (0,41-0,6), substancial (0,61-0,8), quase perfeita (0,81-0,99) e perfeita (1)17. Em todas as etapas da análise, adotou-se um nível de significância de 5%.

Este projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP). Todas as pacientes envolvidas foram devidamente esclarecidas sobre os objetivos da pesquisa e somente foram incluídas depois que concordaram em participar e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (Protocolo nº 1104/2007).

Resultados

Dentre as 397 pacientes, o exame de citologia coletado no momento da colposcopia mostrou que 69,7% permaneceram com os resultados citopatológicos alterados e 30,3% tiveram laudo dentro dos limites da normalidade. Por outro lado, 347 (87,0%) apresentaram achados colposcópicos anormais. A biópsia dirigida pela colposcopia foi realizada em 334 (84,1%) mulheres com achados colposcópicos anormais, não tendo sido submetidas ao procedimento 11 gestantes e 2 mulheres com processo inflamatório intenso. Observou-se que 22,5% das biópsias apresentaram resultado normal (Figura 1).


Quando a citologia foi comparada à histopatologia, observou-se que a citologia foi alterada em 87,3% (n=226) das mulheres que apresentaram o exame histopatológico alterado e em 46,7% (n=35) daquelas com exame histopatológico normal. A citologia foi normal em 12,7% (n=33) das mulheres que apresentaram o histopatológico alterado e em 53,3% (n=40) dos casos com histopatológico normal. Observou-se, ainda, uma concordância moderada da citologia realizada no momento da colposcopia com o resultado do histopatológico (p<0,0001; K=0,41; IC95%=0,29-0,53) (Tabela 1).

Entretanto, quando analisamos os achados anormais da colposcopia e os comparamos à histopatologia, verificamos que foram encontrados achados colposcópicos anormais em 100% (n=194) das mulheres com o histopatológico alterado e em 22,5% (n=75) das mulheres com histopatológico normal, não se levando em consideração a visualização da junção escamo-colunar. A concordância entre colposcopias satisfatórias (JEC visível) com achados colposcópicos anormais (colposcopia alterada) e o resultado do histopatológico foi considerada fraca (p<0,001; K=0,35; IC95%=0,39-0,51) (Tabela 1).

No momento da realização da colposcopia, a taxa de achados anormais foi de 95,7% (n=265) quando a citologia se mostrou alterada e de 67,5% (n=82) quando a citologia estava dentro dos limites da normalidade. A concordância entre a citologia realizada no momento da colposcopia comparada aos achados da colposcopia foi fraca (p<0,0001; K=0,33; IC95%=0,21-0,45) (Tabela 2).

Discussão

Estudos sugerem uma grande variação nos parâmetros de acurácia, sensibilidade e especificidade da citologia corada pelo método de Papanicolaou. Uma revisão sistemática com meta-análise, que incluiu 94 estudos observacionais com a citologia convencional e 3 estudos em meio líquido envolvendo de 73 até 8 mil mulheres, avaliou a acurácia do teste de Papanicolaou para rastreamento e seguimento das anormalidades citológicas. Os autores concluíram que os estudos de acurácia para teste de Papanicolaou têm muitos vieses e que os melhores estudos selecionados evidenciaram apenas uma concordância moderada, sem alta acurácia, sensibilidade e especificidade. Descreveu-se uma sensibilidade variando entre 30 e 70% e uma especificidade de 86 a 100%18.

Em outra meta-análise que incluiu nove estudos, comparou-se a citologia convencional com a realizada em meio líquido. Foram descritas sensibilidade e especificidade da citologia convencional para as lesões de alto grau de 55,2 e 75,6%, respectivamente, e para as lesões de baixo grau de 96,7 e 81,2%, respectivamente19.

No presente estudo, ao se repetir a citologia no momento da colposcopia, foi observada uma concordância moderada entre citologia e histopatologia e uma concordância fraca entre citologia e colposcopia. Em estudo brasileiro realizado em 2002, a citologia se mostrou mais eficaz do que a colposcopia na detecção das lesões de alto grau, com sensibilidade para a citologia de 41% e especificidade de 77%. Para a colposcopia, a sensibilidade encontrada foi de 96% e a especificidade, de 19%20.

De acordo com um estudo que avaliou a concordância dos resultados histopatológicos com o índice colposcópico de Reid, que utiliza quatro sinais colposcópicos para graduar as lesões em metaplasia, lesão de baixo grau e lesão de alto grau, a concordância entre os colposcopistas do grupo de atipia de células escamosas de significado indeterminado – lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (ASCUS – LSIL) – no Triage Study (ALTS) foi fraca (K=0,21; IC95%=0,16-0,26), não sendo alterada pela experiência do observador. Em contrapartida, a acurácia desse índice para identificar o melhor local da sua realização foi muita boa. Neste estudo, não houve comparação interobservador, mas se comparou a presença de achados colposcópicos anormais com a histopatologia independentemente da sua gradação e do índice colposcópico, encontrando-se uma concordância fraca21.

Achados colposcópicos anormais estavam presentes em 77,5% dos casos com histopatológicos alterados e em 22,5% dos histopatológicos normais, não havendo especificidade para essa variável. Concluiu-se que a colposcopia vem sendo utilizada mais para identificar o melhor local de realização da biópsia do que para acrescentar ao diagnóstico das neoplasias intraepiteliais. Destaca-se que a colposcopia com biópsia dirigida detecta a neoplasia intraepitelial grau III em 2/3 dos casos, sendo a sua sensibilidade maior quando duas ou mais biópsias são realizadas22.

Uma meta-análise que incluiu oito estudos longitudinais observou uma acurácia alta da colposcopia (89%) com uma concordância em 61% dos casos quando comparada ao exame histopatológico. No entanto, houve uma proporção igual de falsos-positivos e falsos-negativos, apesar de os falsos-positivos serem mais frequentes nas lesões de baixo grau23. O presente estudo limitou-se a avaliar a presença ou ausência de achados anormais em mulheres encaminhadas por um exame citológico alterado, não sendo possível, portanto, avaliar falsos-positivos e negativos. Além disso, a biópsia não foi realizada em todas as pacientes incluídas, apenas nas pacientes com achados colposcópicos anormais, não sendo possível o cálculo dos testes de validação diagnóstica (acurácia, sensibilidade e especificidade), já que não dispomos do padrão-ouro (histopatologia) de todas as mulheres (achados colposcópicos normais e anormais).

Mais estudos que possibilitem a determinação de sensibilidade e especificidade da colposcopia se fazem necessários para uma melhor avaliação da importância da colposcopia como método de detecção de neoplasias intraepiteliais cervicais e não apenas como subsídio para a localização do melhor local para realização da biópsia. Autores avaliaram a associação entre colposcopia e histopatologia obtida por biópsia dirigida com a colposcopia e concluíram que a associação era significativa (p<0,001), mas a concordância era fraca (K=0,2)24.

Em estudo que avaliou a variabilidade do diagnóstico colposcópico interobservador de acordo com os resultados histológicos, a presença de achados colposcópicos anormais apresentou uma sensibilidade para as neoplasias intraepiteliais cervical de 90,2% e uma especificidade de 48,6%25. No entanto, neste estudo foram incluídas apenas as mulheres encaminhadas por um exame citológico alterado, não sendo possível avaliar esses parâmetros de acurácia. Mesmo assim, em 77,5% dos casos, a colposcopia não melhorou o diagnóstico das neoplasias intraepiteliais, tendo em vista a sua concordância com os resultados histopatológicos. Em 22,5% dos casos, apesar de a colposcopia apresentar achados anormais, a histopatologia não revelou anormalidades, o que sugere uma fraca concordância das colposcopias satisfatórias.

Os achados colposcópicos anormais apresentaram uma concordância inferior à citologia e à histopatologia em relação à citologia realizada no momento da colposcopia com os achados histopatológicos. Assim, sugere-se que o valor da colposcopia nessas pacientes, encaminhadas a um centro de referência, serviu principalmente para localizar o melhor local para se proceder à biópsia, e não para melhorar o diagnóstico das lesões intraepiteliais cervicais.

Referências

1. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer [Internet]. Estimativas 2008: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2007 [citado 2010 Jun 9]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/estimativa_incidencia_cancer_2008.pdf>

2. Flores K, Bencomo C. Preventing cervical cancer in the Latina population. J Womens Health (Larchmt). 2009;18(12):1935-43.

3. Anttila A, Ronco G, Clifford G, Bray F, Hakama M, Arbyn M, et al. Cervical cancer screening programmes and policies in 18 European countries. Br J Cancer. 2004;91(5):935-41.

4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Viva Mulher: Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de Mama: câncer do colo do útero: informações técnico-gerenciais e ações desenvolvidas. Rio de Janeiro: INCA; 2002.

5. Smith RA, Cokkinides V, Eyre HJ; American Cancer Society. American Cancer Society guidelines for the early detection of cancer, 2004. CA Cancer J Clin. 2004;54(1):41-52.

6. ACOG on Practice Bulletins. ACOG Practice Bulletin: clinical management guidelines for obstetrician-gynecologists. Number 45, August 2003. Cervical cytology screening (replaces committee opinion 152, March 1995). Obstet Gynecol. 2003;102(2):417-27.

7. Agency for Healthcare Research and Quality [Internet]. Guide to Clinical Preventive Services, 2008. Recommendations of the U.S. Preventive Services Task Force. 2009 [cited 2009 Nov 24]. Available from: <https://www.univhc.com/providers/2009%20guide%20to%20clinical%20preventive%20services.pdf>

8. Jordan J, Arbyn M, Martin-Hirsch P, Schenck U, Baldauf JJ, Da Silva D, et al. European guidelines for quality assurance in cervical cancer screening: recommendations for clinical management of abnormal cervical cytology, part 1. Cytopathology. 2008;19(6):342-54.

9. Ullal A, Roberts M, Bulmer JN, Mathers ME, Wadehra V. The role of cervical cytology and colposcopy in detecting cervical glandular neoplasia. Cytopathology. 2009;20(6):359-66.

10. Jeronimo J, Schiffman M. Colposcopy at a crossroads. Am J Obstet Gynecol. 2006;195(2):349-53.

11. Mitchell MF, Schottenfeld D, Tortolero-Luna G, Cantor SB, Richards-Kortun R. Colposcopy for the diagnosis of squamous intraepithelial lesions: a meta-analysis. Obstet Gynecol. 1998;91(4):626-31.

12. Nomenclatura brasileira para laudos cervicais e condutas preconizadas: recomendações para profissionais de saúde. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006;28(8):486-504.

13. Liu W. A simplified cytologic staining technic. Am J Clin Pathol. 1970;54(5):767-8.

14. Thuler LCS, Zardo LM, Zeferino LC. Perfil dos laboratórios de citopatologia do Sistema Único de Saúde. J Bras Patol Med Lab. 2007;43(2):103-14.

15. Walker P, Dexeus S, De Palo G, Barrasso R, Campion M, Girardi F, et al. International terminology of colposcopy: an updated report from the International Federation for Cervical Pathology and Colposcopy. Obstet Gynecol. 2003;101(1):175-7.

16. Scully RE, Bonfiglio TA, Kurman RJ, Silverberg SG, Wilkinson EJ. Histological typing of female genital tract tumours [World Health Organization. International Histological Classification of Tumours]. 2nd ed. Berlin: Springer-Verlag; 1994.

17. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74.

18. Nanda K, McCrory DC, Myers ER, Bastian LA, Hasselblad V, Hickey JD, et al. Accuracy of the Papanicolaou test in screening for and follow-up of cervical cytologic abnormalities: a systematic review. Ann Intern Med. 2000;132(10):810-9.

19. Arbyn M, Bergeron C, Klinkhamer P, Martin-Hirsch P, Siebers AG, Bulten J. Liquid compared with conventional cervical cytology: a systematic review and meta-analysis. Obstet Gynecol. 2008;111(1):167-77.

20. Tuon FFB, Bittencourt MS, Panichi MA, Pinto AP. Avaliação da sensibilidade e especificidade dos exames citopatológico e colposcópico em relação ao exame histológico na identificação de lesões intra-epiteliais cervicais. Rev Assoc Med Bras. 2002;48(2):140-4.

21. Ferris DG, Litaker MS; ALTS Group. Prediction of cervical histologic results using an abbreviated Reid Colposcopic Index during ALTS. Am J Obstet Gynecol. 2006;194(3):704-10.

22. Gage JC, Hanson VW, Abbey K, Dippery S, Gardner S, Kubota J, et al. Number of cervical biopsies and sensitivity of colposcopy. Obstet Gynecol. 2006;108(2):264-72.

23. Olaniyan OB. Validity of colposcopy in the diagnosis of early cervical neoplasia: a review. Afr J Reprod Health. 2002;6(3):59-69.

24. Massad LS, Collins YC. Strength of correlations between colposcopic impression and biopsy histology. Gynecol Oncol. 2003;89(3):424-8.

25. Sideri M, Spolti N, Spinaci L, Sanvito F, Ribaldone R, Surico N, et al. Interobserver variability of colposcopic interpretations and consistency with final histologic results. J Low Genit Tract Dis. 2004;8(3):212-6.

Recebido 14/12/09

Aceito com modificações 26/5/10

Centro de Atenção à Mulher do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira – IMIP – Recife (PE), Brasil; Laboratório da Mulher do Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco – LACEN – Recife (PE), Brasil.

  • 1. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer [Internet]. Estimativas 2008: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2007 [citado 2010 Jun 9]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/estimativa_incidencia_cancer_2008.pdf>
  • 2. Flores K, Bencomo C. Preventing cervical cancer in the Latina population. J Womens Health (Larchmt). 2009;18(12):1935-43.
  • 3. Anttila A, Ronco G, Clifford G, Bray F, Hakama M, Arbyn M, et al. Cervical cancer screening programmes and policies in 18 European countries. Br J Cancer. 2004;91(5):935-41.
  • 4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Viva Mulher: Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de Mama: câncer do colo do útero: informações técnico-gerenciais e ações desenvolvidas. Rio de Janeiro: INCA; 2002.
  • 5. Smith RA, Cokkinides V, Eyre HJ; American Cancer Society. American Cancer Society guidelines for the early detection of cancer, 2004. CA Cancer J Clin. 2004;54(1):41-52.
  • 6. ACOG on Practice Bulletins. ACOG Practice Bulletin: clinical management guidelines for obstetrician-gynecologists. Number 45, August 2003. Cervical cytology screening (replaces committee opinion 152, March 1995).
  • Obstet Gynecol. 2003;102(2):417-27.
  • 7. Agency for Healthcare Research and Quality [Internet]. Guide to Clinical Preventive Services, 2008. Recommendations of the U.S. Preventive Services Task Force. 2009 [cited 2009 Nov 24]. Available from: <https://www.univhc.com/providers/2009%20guide%20to%20clinical%20preventive%20services.pdf>
  • 8. Jordan J, Arbyn M, Martin-Hirsch P, Schenck U, Baldauf JJ, Da Silva D, et al. European guidelines for quality assurance in cervical cancer screening: recommendations for clinical management of abnormal cervical cytology, part 1. Cytopathology. 2008;19(6):342-54.
  • 9. Ullal A, Roberts M, Bulmer JN, Mathers ME, Wadehra V. The role of cervical cytology and colposcopy in detecting cervical glandular neoplasia. Cytopathology. 2009;20(6):359-66.
  • 10. Jeronimo J, Schiffman M. Colposcopy at a crossroads. Am J Obstet Gynecol. 2006;195(2):349-53.
  • 11. Mitchell MF, Schottenfeld D, Tortolero-Luna G, Cantor SB, Richards-Kortun R. Colposcopy for the diagnosis of squamous intraepithelial lesions: a meta-analysis. Obstet Gynecol. 1998;91(4):626-31.
  • 12. Nomenclatura brasileira para laudos cervicais e condutas preconizadas: recomendações para profissionais de saúde. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006;28(8):486-504.
  • 13. Liu W. A simplified cytologic staining technic. Am J Clin Pathol. 1970;54(5):767-8.
  • 14. Thuler LCS, Zardo LM, Zeferino LC. Perfil dos laboratórios de citopatologia do Sistema Único de Saúde. J Bras Patol Med Lab. 2007;43(2):103-14.
  • 15. Walker P, Dexeus S, De Palo G, Barrasso R, Campion M, Girardi F, et al. International terminology of colposcopy: an updated report from the International Federation for Cervical Pathology and Colposcopy. Obstet Gynecol. 2003;101(1):175-7.
  • 16. Scully RE, Bonfiglio TA, Kurman RJ, Silverberg SG, Wilkinson EJ. Histological typing of female genital tract tumours [World Health Organization. International Histological Classification of Tumours]. 2nd ed. Berlin: Springer-Verlag; 1994.
  • 17. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74.
  • 18. Nanda K, McCrory DC, Myers ER, Bastian LA, Hasselblad V, Hickey JD, et al. Accuracy of the Papanicolaou test in screening for and follow-up of cervical cytologic abnormalities: a systematic review. Ann Intern Med. 2000;132(10):810-9.
  • 19. Arbyn M, Bergeron C, Klinkhamer P, Martin-Hirsch P, Siebers AG, Bulten J. Liquid compared with conventional cervical cytology: a systematic review and meta-analysis. Obstet Gynecol. 2008;111(1):167-77.
  • 20. Tuon FFB, Bittencourt MS, Panichi MA, Pinto AP. Avaliação da sensibilidade e especificidade dos exames citopatológico e colposcópico em relação ao exame histológico na identificação de lesões intra-epiteliais cervicais. Rev Assoc Med Bras. 2002;48(2):140-4.
  • 21. Ferris DG, Litaker MS; ALTS Group. Prediction of cervical histologic results using an abbreviated Reid Colposcopic Index during ALTS. Am J Obstet Gynecol. 2006;194(3):704-10.
  • 22. Gage JC, Hanson VW, Abbey K, Dippery S, Gardner S, Kubota J, et al. Number of cervical biopsies and sensitivity of colposcopy. Obstet Gynecol. 2006;108(2):264-72.
  • 23. Olaniyan OB. Validity of colposcopy in the diagnosis of early cervical neoplasia: a review. Afr J Reprod Health. 2002;6(3):59-69.
  • 24. Massad LS, Collins YC. Strength of correlations between colposcopic impression and biopsy histology. Gynecol Oncol. 2003;89(3):424-8.
  • 25. Sideri M, Spolti N, Spinaci L, Sanvito F, Ribaldone R, Surico N, et al. Interobserver variability of colposcopic interpretations and consistency with final histologic results. J Low Genit Tract Dis. 2004;8(3):212-6.
  • Correspondência:

    Melania Maria Ramos de Amorim
    Rua Neuza Borborema, 300 – Santo Antônio
    CEP 58103-313 – Campina Grande (PB), Brasil
    Fone: (83) 3321-2695/Fax: (81) 3221-5596
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2010

    Histórico

    • Recebido
      14 Dez 2009
    • Aceito
      26 Maio 2010
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br