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Desenvolvimento das fissuras cerebrais fetais: avaliação com ultrassonografia tridimensional

Fetal brain fissures development a three-dimensional ultrasonography study

Resumos

OBJETIVO: avaliar a distância das fissuras cerebrais fetais à borda interna da calota craniana por meio da ultrassonografia tridimensional (US3D). MÉTODOS: realizou-se um estudo de corte transversal em 80 gestantes normais entre a 21ª e 34ª semanas de gestação. Avaliou-se a distância entre a tábua óssea interna da calota craniana fetal e as fissuras de Sylvius, parieto-occipital, hipocampo e calcarina. Para a obtenção desta distância para as três primeiras fissuras, realizou-se uma varredura tridimensional através do plano axial (nível dos ventrículos laterais). Para a obtenção da distância da fissura calcarina utilizou-se uma varredura coronal (nível dos lobos occiptais). Para avaliar a correlação entre as fissuras e a idade gestacional foram realizadas regressões de primeiro grau, sendo os ajustes calculados pelo coeficiente de determinação (R²). Foram determinados percentis 5, 50 e 95 para cada fissura. Avaliou-se ainda a correlação entre a distância destas fissuras com os diâmetros biparietal (DBP) e circunferência craniana (CC) utilizando o coeficiente de correlação de Pearson (r). RESULTADOS: todas as medidas das fissuras apresentaram correlação linear com a idade gestacional (Sylvius: R²=0,5; parieto-occipital: R²=0,7; hipocampo: R²=0,3 e calcarina: R²=0,3). A média da distância das fissuras variou de 7,0 a 14,0 mm, 15,9 a 28,7 mm, 15,4 a 25,4 mm e 15,7 a 24,8 mm para as fissuras de Sylvius, parieto-occipital, hipocampo e calcarina, respectivamente. As fissuras de Sylvius e parieto-occipital apresentaram as maiores correlações com o DBP (r=0,8 e 0,7, respectivamente) e a CC (r=0,7 e 0,8, respectivamente). CONCLUSÕES: a distância das fissuras cerebrais fetais à borda interna da calota craniana por meio da US3D apresentou correlação positiva com a idade gestacional.

Feto; Encéfalo; Encéfalo; Encéfalo; Idade gestacional; Valores de referência; Ultrassonografia pré-natal Imagem tridimensional


PURPOSE: to assess the distance of the fetal cerebral fissures from the inner edge of the skull by three-dimensional ultrasonography (3DUS). METHODS: this cross-sectional study included 80 women with normal pregnancies between 21st and 34th weeks. The distances between the Sylvian, parieto-occiptal, hippocampus and calcarine fissures and the internal surface of the fetal skull were measured. For the evaluation of the distance of the first three fissures, an axial three-dimensional scan was obtained (at the level of the lateral ventricles). To obtain the calcarine fissure measurement, a coronal scan was used (at the level of the occipital lobes). First degree regressions were performed to assess the correlation between fissure measurements and gestational age, using the determination coefficient (R²) for adjustment. The 5th, 50th and 95th percentiles were calculated for each fissure measurement. Pearson's correlation coefficient (r) was used to assess the correlation between fissure measurements and the biparietal diameter (BPD) and head circumference (HC). RESULTS: all fissure measurements were linearly correlated with gestational age (Sylvian: R²=0.5; parieto-occiptal: R²= 0.7; hippocampus: R²= 0.3 and calcarine: R²= 0.3). Mean fissure measurement ranged from 7.0 to 14.0 mm, 15.9 to 28.7 mm, 15.4 to 25.4 mm and 15.7 to 24.8 mm for the Sylvian, parieto-occiptal, hippocampus and calcarine fissures, respectively. The Sylvian and parieto-occiptal fissure measurements had the highest correlations with the BPD (r=0.8 and 0.7, respectively) and HC (r=0.7 and 0.8, respectively). CONCLUSION: the distance from the fetal cerebral fissures to the inner edge of the skull measured by 3DUS was positively correlated with gestational age.

Fetus; Brain; Brain; Brain; Gestational age; Reference values; Ultrasonography, prenatal Imaging, three dimensional


ARTIGO ORIGINAL

Desenvolvimento das fissuras cerebrais fetais: avaliação com ultrassonografia tridimensional

Fetal brain fissures development a three-dimensional ultrasonography study

Cynthia Maria Soares AlvesI; Edward Araujo JúniorII; Luciano Marcondes Machado NardozzaIII; Patrícia Soares de OliveiraIV; Suzan Menasce GoldmanV; Sérgio Aron AjzenVI; Antonio Fernandes MoronVII

IPós-graduanda (Mestrado) do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil

IIProfessor-Adjunto do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil

IIIProfessor Associado Livre-docente do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo, SP, Brasil

IVMédica do Setor de Ressonância Magnética do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo UNIFESP - São Paulo, SP, Brasil

VProfessora Afiliada do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo, SP, Brasil

VIProfessor Titular do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo, SP, Brasil

VIIProfessor Titular do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Departamento de Obstetrícia da Universidade Federa de São Paulo (UNIFESP) Edward Araujo Júnior Rua Napoleão de Barros, 875 - Vila Clementino CEP: 04024-002 - São Paulo - SP Tel./ Fax: (11) 5571-0761 E-mail: araujojred@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a distância das fissuras cerebrais fetais à borda interna da calota craniana por meio da ultrassonografia tridimensional (US3D).

MÉTODOS: realizou-se um estudo de corte transversal em 80 gestantes normais entre a 21ª e 34ª semanas de gestação. Avaliou-se a distância entre a tábua óssea interna da calota craniana fetal e as fissuras de Sylvius, parieto-occipital, hipocampo e calcarina. Para a obtenção desta distância para as três primeiras fissuras, realizou-se uma varredura tridimensional através do plano axial (nível dos ventrículos laterais). Para a obtenção da distância da fissura calcarina utilizou-se uma varredura coronal (nível dos lobos occiptais). Para avaliar a correlação entre as fissuras e a idade gestacional foram realizadas regressões de primeiro grau, sendo os ajustes calculados pelo coeficiente de determinação (R2). Foram determinados percentis 5, 50 e 95 para cada fissura. Avaliou-se ainda a correlação entre a distância destas fissuras com os diâmetros biparietal (DBP) e circunferência craniana (CC) utilizando o coeficiente de correlação de Pearson (r).

RESULTADOS: todas as medidas das fissuras apresentaram correlação linear com a idade gestacional (Sylvius: R2=0,5; parieto-occipital: R2=0,7; hipocampo: R2=0,3 e calcarina: R2=0,3). A média da distância das fissuras variou de 7,0 a 14,0 mm, 15,9 a 28,7 mm, 15,4 a 25,4 mm e 15,7 a 24,8 mm para as fissuras de Sylvius, parieto-occipital, hipocampo e calcarina, respectivamente. As fissuras de Sylvius e parieto-occipital apresentaram as maiores correlações com o DBP (r=0,8 e 0,7, respectivamente) e a CC (r=0,7 e 0,8, respectivamente).

CONCLUSÕES: a distância das fissuras cerebrais fetais à borda interna da calota craniana por meio da US3D apresentou correlação positiva com a idade gestacional.

Palavras-chave: Feto/crescimento & desenvolvimento Encéfalo/anormalidades Encéfalo/anatomia & histologia Encéfalo/embriologia Idade gestacional Valores de referência Ultrassonografia pré-natal Imagem tridimensional

ABSTRACT

PURPOSE: to assess the distance of the fetal cerebral fissures from the inner edge of the skull by three-dimensional ultrasonography (3DUS).

METHODS: this cross-sectional study included 80 women with normal pregnancies between 21st and 34th weeks. The distances between the Sylvian, parieto-occiptal, hippocampus and calcarine fissures and the internal surface of the fetal skull were measured. For the evaluation of the distance of the first three fissures, an axial three-dimensional scan was obtained (at the level of the lateral ventricles). To obtain the calcarine fissure measurement, a coronal scan was used (at the level of the occipital lobes). First degree regressions were performed to assess the correlation between fissure measurements and gestational age, using the determination coefficient (R2) for adjustment. The 5th, 50th and 95th percentiles were calculated for each fissure measurement. Pearson's correlation coefficient (r) was used to assess the correlation between fissure measurements and the biparietal diameter (BPD) and head circumference (HC).

RESULTS: all fissure measurements were linearly correlated with gestational age (Sylvian: R2=0.5; parieto-occiptal: R2= 0.7; hippocampus: R2= 0.3 and calcarine: R2= 0.3). Mean fissure measurement ranged from 7.0 to 14.0 mm, 15.9 to 28.7 mm, 15.4 to 25.4 mm and 15.7 to 24.8 mm for the Sylvian, parieto-occiptal, hippocampus and calcarine fissures, respectively. The Sylvian and parieto-occiptal fissure measurements had the highest correlations with the BPD (r=0.8 and 0.7, respectively) and HC (r=0.7 and 0.8, respectively).

CONCLUSION: the distance from the fetal cerebral fissures to the inner edge of the skull measured by 3DUS was positively correlated with gestational age.

Keywords: Fetus/growth & development Brain/abnormalities Brain/anatomy & histology Brain/embriology Gestational age Reference values Ultrasonography, prenatal Imaging, three dimensional

Introdução

O sistema nervoso desenvolve-se a partir da placa neural que aparece na terceira semana de desenvolvimento embrionário. A partir da placa neural, desenvolve-se o tubo neural, que se diferencia no sistema nervoso central (SNC) (encéfalo e medula espinhal) e na crista neural, que vai dar origem à maior parte do sistema nervoso periférico. Durante a 4ª semana, formam-se três vesículas encefálicas primárias: o encéfalo anterior ou prosencéfalo, o encéfalo médio ou mesenséfalo e o encéfalo posterior ou rombencéfalo1.

Os hemisférios cerebrais originam-se como evaginações das paredes laterais do prosencéfalo na 5ª semana de desenvolvimento embrionário. A superfície dos hemisférios cerebrais é lisa no início do desenvolvimento, mas com o seu crescimento, desenvolve-se um complexo padrão de sulcos e giros, que permitem um aumento considerável da superfície do córtex cerebral, sem exigir um grande aumento no tamanho do crânio1. Um dos sulcos mais importantes em cada hemisfério cerebral é o sulco lateral ou de Sylvius, uma fenda profunda que se inicia na base do cérebro, lateralmente à substância perfurada anterior, separando o lobo frontal do lobo parietal e dirigindo-se para a face superolateral do cérebro2. O lobo occipital é separado do lobo parietal pelo sulco parieto-occipital, que se encontra em ângulo agudo com o sulco calcarino2. Abaixo do esplênio do corpo caloso, inicia-se o sulco calcarino, apresentando um trajeto arqueado em direção ao polo occipital, marcando a localização do centro cortical da visão3. O sulco do hipocampo origina-se na região do esplênio do corpo caloso, continua com o sulco do corpo caloso e dirige-se para o polo temporal, separando o giro para-hipocampal do úncus3,4.

No início do segundo trimestre de gestação, o cérebro fetal normal é liso, homogêneo e o desenvolvimento cortical anormal pode não ser suspeitado antes da 20ª semana5. Entre a 28ª e a 30ª semanas, o cérebro apresenta um rápido crescimento com o aparecimento e desenvolvimento da maior parte dos sulcos e giros cerebrais6. A fissura parieto-occipital e o sulco calcarino podem ser primeiramente identificados por meio da ultrassonografia bidimensional (US2D) com 18,5 semanas, sendo sempre visualizadas com 20,5 e 21,9 semanas, respectivamente. A fissura de Sylvius apresenta um modelo característico de desenvolvimento; inicialmente, é vista como uma suave depressão e após a 17ª semana desenvolve uma margem angular obtusa no local do desenvolvimento do sulco circular da ínsula, tornando-se aguda após a 24ª semana6. O desenvolvimento da fissura de Sylvius é um recurso de rotação do cérebro fetal facilmente detectada ao ultrassom pré-natal. Recentemente, descreveu-se um método para padronização do desenvolvimento da fissura de Sylvius entre a 22ª e 33ª semanas, tendo este método comprovada reprodutibilidade intra e interobervador7. Além do mais, em outro estudo com 15 fetos que apresentavam desenvolvimento anormal da fissura de Sylvius, houve comprovação pós-natal ou anatomopatológica de apenas cinco casos de displasia cortical8.

Quando comparados fetos com desenvolvimento cerebral normal e fetos que apresentam ventriculomegalia isolada e/ou associada a outras anormalidades do SNC, há um atraso de duas semanas no aparecimento das fissuras e sulcos nestes dois últimos grupos, sendo o maior atraso observado em fetos com agenesia do corpo caloso, ventriculomegalia com porencefalia e grandes encefaloceles9. A ausência ou o aparecimento anormal de um sulco em uma determinada idade gestacional pode levantar a suspeita de uma anormalidade ou um atraso no desenvolvimento cortical10.

A ultrassonografia tridimensional (US3D) é uma técnica que permite a avaliação de determinada estrutura nos modos multiplanar e superfície (renderizado). Apresenta como vantagens a análise de uma determinada estrutura e um número ilimitado de planos, análise dos dados na ausência da paciente (off-line) e capacidade de envio de volumes para análise em centros especializados11. Há apenas um estudo que descreveu o desenvolvimento da fissura de Sylvius por meio de sua medida à borda interna da calota craniana utilizando a US3D, não havendo relatos para as outras fissuras12. Recentemente, descreveu-se curvas de referência para a profundidade da ínsula e das fissuras de Sylvius, parieto-occipital e calcarina entre a 19ª e 30ª semanas de gestação13.

Como o desenvolvimento anormal das fissuras cerebrais fetais pode ter importantes consequências no desenvolvimento neuropsicomotor pós-natal, a avaliação de sua normalidade durante o pré-natal pode contribuir para a detecção precoces de casos anormais, permitindo um melhor manejo pré-natal e aconselhamento dos pais. Portanto, o objetivo deste estudo é avaliar a distância das fissuras cerebrais fetais (parieto-occipital, Sylvius, hipocampo e calcarina) à borda interna da calota craniana utilizando a US3D entre a 21ª e a 34ª semanas de gestação.

Métodos

Realizou-se um estudo prospectivo do tipo corte transversal de agosto a novembro de 2010 em 80 gestantes normais entre a 21ª e 34ª semanas. Este estudo foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e aprovado sob o número 1833/10. As pacientes que aceitaram participar de forma voluntária assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, e todos os dados, dispostos em protocolo específico.

As pacientes foram selecionadas de forma aleatória, sem controle de amostragem, provenientes dos Setores de Medicina Fetal e Pré-natal do Departamento de Obstetrícia da UNIFESP ou de Unidades Básicas de Saúde da região metropolitana da cidade de São Paulo. As pacientes foram avaliadas uma única vez (corte transversal), não sendo obtido seus resultados pós-natais. Os critérios de inclusão foram: gestação única com feto vivo; idade gestacional determinada pela data da última menstruação (DUM), se tiverem ciclos menstruais regulares. No caso de DUM incerta, utilizou-se uma datação baseada em ultrassonografia realizada até a 20ª semana (erro de +/- 1,0 semana). Os critérios de exclusão foram: fetos com malformações estruturais detectadas ao exame ultrassonográfico; gestantes portadoras de patologias crônicas (hipertensão arterial crônica, diabetes melittus e colagenoses); fetos com peso abaixo do percentil 10 ou acima do percentil 90 para idade gestacional no momento do exame ultrassonográfico, segundo tabela proposta por Hadlock et al.14; oligoâmnio [índice de líquido amniótico (ILA) abaixo do percentil 5] ou polidrâmnio (ILA acima do percentil 95), segundo tabela proposta por Moore e Cayle15.

Todos os exames foram realizados no Setor de Neurologia Fetal do Departamento de Obstetrícia da UNIFESP. Foi utilizado um aparelho da marca Voluson 730 Expert® (General Eletric, Medical System, Kretz, Zipf, Áustria) equipado com transdutor convexo volumétrico multifrequencial (RAB 2 – 5). Os exames foram realizados por um único examinador (CMSA), com experiência de dois anos em US3D em Obstetrícia, sendo as análises realizadas na ausência da paciente (off-line) por meio do programa 4D Views® (versão 9.0, General Eletric, Medical System, Kretz, Zipf, Áustria).

Inicialmente, realizou-se uma avaliação bidimensional em tempo real de forma a avaliar a morfologia fetal, biometria, quantificação do volume de líquido amniótico, avaliação do grau de maturidade placentária e predição de peso fetal. Posteriormente, realizou-se a avaliação tridimensional, na qual utilizou-se a seguinte padronização: ângulo de abertura de 50º a 70º (variando de acordo com a idade gestacional), modo de velocidade normal, alta qualidade, profundidade máxima de volume de 16 cm, volume máximo de aquisição de 3,0 L. Com o feto em repouso e solicitando à gestante apneia por alguns segundos, ativou-se a tecla 3D aparecendo uma janela (BOX) que foi posicionada de forma a englobar todo o crânio fetal região de interesse (ROI, do inglês Region of Interest). Para a avaliação da distância das fissuras parieto-occipital, Sylvius e hipocampo à borda interna da calota craniana, padronizou-se como referencial um plano axial ao nível dos ventrículos laterais. Para a avaliação da fissura calcarina, utilizou-se como referencial um plano coronal através dos lobos occipitais. Após a varredura tridimensional, a imagem foi apresentada na tela do aparelho no modo multiplanar, ou seja, de três planos ortogonais perpendiculares entre si: axial (A), sagital (B) e coronal (C). Para a avaliação da distância das fissuras parieto-occipital, Sylvius e hipocampo à borda interna da calota craniana, após a varredura tridimensional, o plano axial (A) foi selecionado como referencial, sendo o ponto de referência deslocado para o ponto médio da linha inter-hemisférica. Com o uso da tecla ref slice, o plano axial foi deslocado ao longo de seu eixo no sentido craniocaudal e vice-versa. A fissura de Sylvius foi obtida no plano padrão de medida do diâmetro biparietal, como uma endentação em ângulo obtuso posterior no sítio de desenvolvimento do sulco circular. A fissura do hipocampo foi obtida no mesmo plano que a fissura de Sylvius, sendo visibilizada como uma estrutura ecogênica abaixo do giro do hipocampo. A fissura parieto-occipital foi obtida em um plano próximo à margem superior dos cornos occipitais dos ventrículos laterais, como uma estrutura em forma losangular. A fissura calcarina foi obtida no mesmo plano de aquisição (plano A), tendo como pontos de referência o cerebelo e a coluna cervical, sendo esta visibilizada como uma estrutura losangular. O plano axial (referencial) foi rodado em torno do eixo "z", de forma que esta fissura se dispusesse perpendicularmente à tábua óssea interna. Para a avaliação da distância das fissuras à borda interna da calota craniana, determinou-se a distância entre o ponto médio da face interna das fissuras e o ponto diametralmente oposto na face interna da calota craniana oposta ao feixe sonoro, em ângulo de 90º. Foram colhidos dois volumes de cada plano de aquisição (axial ao nível dos ventrículos laterais e coronal através dos lobos occipitais), sendo estes armazenados na memória do aparelho e, posteriormente, transferidos para um computador pessoal para as análises off-line. O volume que apresentou a melhor qualidade de imagem foi o selecionado para os cálculos de distância.

Os dados coletados foram transferidos para uma planilha do programa Excel 2007 (Microsoft®, Redmond, WA, USA) e analisados por meio de um programa estatístico específico Statistical Package for the Social Sciences® (versão 15.0, SPSS Inc., Chicago, IL, USA). As variáveis quantitativas (distâncias das fissuras à borda interna da calota craniana) foram submetidas ao teste de Kolmogorov-Smirnov para verificar se apresentavam distribuição normal em relação à média. Para a descrição da amostra foram avaliadas as características maternas com uso de frequências absolutas e relativas para raça e paridade, além de média e desvio-padrão (DP) para a idade materna. Para avaliar a correlação da distância das fissuras à borda interna da calota craniana com a idade gestacional foram criados modelos de regressão linear simples com polinômio de 1º grau16. Foram verificadas as adequações dos modelos ajustados com uso de análises de resíduos e calculados os índices de determinação dos mesmos (R2). Foram criadas medidas de referência com os percentis 5, 50 e 95 para cada distância das fissuras à borda interna da calota craniana. Para avaliar a correlação do diâmetro biparietal (DBP) e a circunferência craniana (CC) com as distâncias das fissuras à borda interna da calota craniana, utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson (r). Em todas as análises utilizou-se nível de significância p< 0,05.

Resultados

Todas as 80 gestantes preencheram os critérios de inclusão e exclusão e foram alocadas na análise estatística final. Na caracterização da amostra observou-se que 68,8% das gestantes eram da raça branca e 31,2% não brancas. Em relação à paridade, 56,4% eram primigestas, 23,1% secundigestas e 20,5% tinham três ou mais partos prévios. A idade materna média foi de 30,8 ± 4,9 (DP) anos.

A medida da distância das fissuras à borda interna da calota craniana foi possível em todos os casos. Observou-se correlação positiva de todas as medidas com a idade gestacional, e todos os modelos ajustados foram polinômios de 1º grau. O modelo que melhor explicou a variabilidade dos dados foi o da fissura parieto-occipital (R2=0,7). Para todos os modelos, a análise de resíduos se mostrou adequada às suposições dos modelos, normalidade e homocedasticidade (igualdade de variâncias), estando, portanto, bem ajustados. As fórmulas estimadas para a medida da distância das fissuras à borda interna da calota craniana em função da idade gestacional são: Sylvius= -4,3 + 0,5xIG (R2=0,5) (Figura 1a); parieto-occipital= -4,6 + 0,9xIG (R2=0,7) (Figura 1b); hipocampo= -0,6 + 0,7xIG (R2=0,3) (Figura 1c) e calcarina=1,1 + 0,7xIG (R2=0,3) (Figura 1d).





A média da distância das fissuras à borda interna do crânio fetal variou de 7,0 a 14,0 mm, 15,9 a 28,7 mm, 15,4 a 25,4 mm e 15,7 a 24,8 mm para as fissuras de Sylvius, parieto-occipital, hipocampo e calcarina, respectivamente (Tabelas 1 e 2). Observou-se que todas as distâncias das fissuras foram correlacionadas com o DBP e CC (p<0,05). Para a fissura de Sylvius (DBP r=0,8 e CC r=0,7), parieto-occipital (DBP r=0,7 e CC r=0,8), hipocampo (DBP r=0,6 e CC=0,6) e calcarina (DBP r=0,6 e CC r=0,6).

Discussão

As depressões localizadas na superfície dos hemisférios cerebrais são denominadas sulcos e, se mais profundas, fissuras. Aproximadamente 2/3 do córtex cerebral estão entre os sulcos que podem, também, ajudar na delimitação dos lobos cerebrais4. O córtex cerebral fetal se desenvolve em três estágios: proliferação celular, migração neuronal e organização cortical. Uma migração neuronal anormal no 3º-4º mês da gestação pode ocasionar a lisencefalia, na qual o cérebro afetado mostra ausência ou escassez dos giros cerebrais. Apenas as formas severas de lisencefalia podem ser detectadas pela ultrassonografia realizada no pré-natal, ao passo que graus menores de envolvimento cerebral (paquigiria) podem ser de difícil diagnóstico17. Recentemente, descreveu-se o relato de um caso de diagnóstico de síndrome de Miller-Dieker pela ultrassonografia realizada na 31ª semana em um feto com polidrâmnio e restrição do crescimento intrauterino. Os achados à ultrassonografia foram ventriculomegalia, desenvolvimento sulcal anormal com ausência de sulcos e giros e a fissura de Sylvius em forma de fenda rasa. O cariótipo por amniocentese mostrou deleção no cromossomo 17 (17p13.3), e a ressonância magnética (RM) pós-natal confirmou os achados ultrassonográficos18.

A detecção das fissuras e sulcos cerebrais em fetos normais por meio da US2D e RM apresentam um atraso se comparados com estudos anatômicos (post mortem). Em um estudo retrospectivo com sete casos confirmados de síndrome de Miller-Dieker, demonstrou-se que é possível a suspeita quando for detectado um atraso ou o desenvolvimento anormal dos sulcos na US2D antes da 24ª semana de gestação8.

A US3D é tecnologia relativamente recente na avaliação do SNC fetal, e os primeiros estudos datam de 1998, sendo poucas as publicações a respeito do desenvolvimento de sulcos e giros durante a gestação. Em artigo de revisão sobre a avaliação do SNC fetal no segundo trimestre, os autores referem como vantagens da US3D a possibilidade de apresentação em diversos planos que podem melhorar a detecção de determinada patologia e o uso de cortes tomográficos (Tomographic Ultrasound Imaging®- TUI, General Eletric, Medical System, Kretz, Zipf, Áustria) semelhantes à tomografia computadorizada e RM19. Em recente revisão sobre sulcos, giros e fissuras cerebrais fetais realizadas por nosso grupo, comparamos as técnicas US2D, US3D e RM. Comparamos os principais sulcos e giros fetais entre a 20ª e a 32ª semanas utilizando essas três técnicas, além de apresentar a US3D no modo de superfície (renderizado), técnica ainda inédita na avaliação de tais estruturas fetais. A US3D no modo de superfície apresentou imagens de melhor qualidade, quando comparada à US2D, e semelhante às obtidas pela RM.

Concluímos que as três técnicas podem ser utilizadas na detecção precoce de anormalidades do desenvolvimento e diferenciação cortical fetal20.

A avaliação do desenvolvimento das fissuras cerebrais fetais durante a gestação é importante, pois déficits neste desenvolvimento podem ter repercussões no período pós-natal, de permitir à gestante ser seguida em serviço de referência com equipe multidisciplinar e melhor aconselhamento do casal. A medida da distância das principais fissuras (Sylvius, parieto-occipital, hipocampo e calcarina) à borda interna da calota craniana é possível com a US2D, mas, neste estudo optamos pelo uso da US3D, uma vez que com apenas uma varredura no plano axial ao nível dos ventrículos laterais, que dura quatro segundos, conseguimos obter três fissuras cujas medidas eram realizadas na ausência da paciente, tornando o exame rápido, ágil e menos sujeito a variabilidades.

Há apenas dois estudos que avaliaram o desenvolvimento de fissuras cerebrais por meio da US3D12,13, e um deles avaliou apenas a fissura de Sylvius12. Neste estudo transversal, com 202 gestantes americanas, normais, entre a 12ª e a 40ª semanas, a medida da fissura foi realizada da mesma forma que em nosso estudo, do ponto médio da fissura à borda interna do crânio fetal em ângulo de 90º. As médias obtidas por estes autores, no período da 21ª a 34ª semanas, que foi o período utilizado em nosso estudo, foram um pouco subestimadas às obtidas em nossa população (7,0 a 14,0 mm), com média variando de 5,9 a 11,3 mm12. Uma possível explicação pode ser a grande miscigenação étnica da nossa população, que influi diretamente nas dimensões do crânio e encéfalo fetal, o que poderia justificar estas médias maiores. Da mesma forma que no estudo americano, também observamos uma correlação positiva, não apenas da fissura de Sylvius, bem como as outras três fissuras com a idade gestacional, o que comprova o desenvolvimento dessas estruturas ao longo da gestação. Observamos que a maior correlação com a idade gestacional foi com a medida da fissura parieto-occipital. Apesar de todas as fissuras terem sido identificadas em todos os casos, essa fissura é de mais fácil visibilização ao longo do período gestacional avaliado, apresentando sempre a sua clássica forma losangular e sua localização próximo à margem superior dos cornos occipitais dos ventrículos laterais. Em recente estudo espanhol, determinou-se valores de referência para a profundidade da ínsula e fissuras de Sylvius, parieto-occipital e calcarina entre a 19ª e 30ª semanas em 200 gestantes. A profundidade da ínsula e fissuras parieto-occipital e calcarina foram determinadas do ápice dessas estruturas à linha média em um ângulo de 90º. Para a profundidade da fissura de Sylvius, utilizou-se a mesma técnica empregada em nosso estudo. No estudo espanhol, a média da medida da fissura de Sylvius variou de 5,8 a 24,5 mm, resultado muito semelhante ao obtido em nosso estudo13. Uma possível explicação pode ter sido o plano de referência utilizado neste estudo (plano transventricular), que foi o plano axial padronizado para a obtenção das distâncias das fissuras de Sylvius, parieto-occipital e hipocampo. No estudo espanhol, da mesma forma que em nosso, o sucesso na obtenção da medida da fissura de Sylvius foi de 100%.

Determinamos medidas das fissuras cerebrais fetais à borda interna da calota craniana em nossa população, como uma forma de avaliarmos o desenvolvimento das fissuras de Sylvius, parieto-occipital, hipocampo e calcarina. Essas medidas podem servir de referência a serem aplicadas em fetos com suspeita de distúrbios de maturação cortical, tais como a síndrome de Miller-Dieker. Em estudo realizado com 7 fetos portadores desta síndrome, o atraso no desenvolvimento cortical pode ser suspeitado quando for detectado atraso ou desenvolvimento anormal dos sulcos na ultrassonografia pré-natal antes da 24ª semana de gestação, com achados como ausência da fissura parieto-occipital e calcarina e uma fissura de Sylvius anormal8.

Observamos ainda forte correlação do DBP e CC com as medidas das quatro fissuras, sendo as maiores correlações para as fissuras de Sylvius e parieto-occipital. Novamente, acreditamos que estas correlações melhores se devem à fácil idade para visualização destas fissuras, no período gestacional avaliado. Em estudo prévio, sobre o desenvolvimento objetivo da fissura de Sylvius, comprovou-se que em 99% da amostra (202 casos) esta fissura já era visível a partir da 12ª semana, além de sua medida ter mostrado boa reprodutibilidade intra e interobservador. Esta fissura apresenta um modelo característico de desenvolvimento. Após a 17ª semana há desenvolvimento de um ângulo em suas margens, que inicialmente é obtuso, e torna-se agudo na maioria dos fetos após 24,5 semanas5.

Em síntese, este foi o primeiro estudo que avaliou o desenvolvimento das quatro principais fissuras cerebrais fetais (Sylvius, parieto-occipital, hipocampo e calcarina), por meio da distância destas fissuras à borda interna da calota craniana. As medidas determinadas em nosso estudo podem ser aplicadas em fetos de nossa população com risco aumentado de distúrbios da maturação cortical durante o pré-natal.

Recebido 15/02/2011

Aceito com modificações 25/03/2011

Setor de Neurologia Fetal do Departamento de Obstetrícia e Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      15 Fev 2011
    • Aceito
      25 Mar 2011
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