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Contracepção em usuárias dos setores público e privado de saúde

Contraception in users of the public and private sectors of health

Resumos

OBJETIVO: Verificar os principais métodos anticoncepcionais adotados por mulheres usuárias dos setores público e privado de saúde no município de Aracaju (SE), com enfoque secundário para orientações de uso e razões para eventual interrupção destes. MÉTODOS: Estudo transversal, no qual foram incluídas 210 mulheres, 110 atendidas no serviço público e 100, no privado. Os dados foram obtidos através de aplicação de questionário às pacientes com vida sexual ativa e que concordaram em assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Para análise estatística utilizou-se o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 15.0, aplicando-se os testes do <img border=0 width=32 height=32 src="../../../../../img/revistas/rbgo/v33n7/a05x.jpg">, para variáveis categóricas, e t de Student, para amostras independentes. RESULTADOS: A prevalência global do uso de métodos anticoncepcionais neste estudo foi de 83,3%. Os principais métodos utilizados em ambos os setores, respectivamente público e privado, foram os hormonais (41 e 24%, p=0,008) e os definitivos (20 e 26%, p=0,1). O uso de preservativo masculino apresentou frequência de 17,3% para o setor público e 12% para o setor privado, não havendo diferença significativa (p=0,12). Receberam orientação médica quanto ao uso correto do método escolhido e/ou indicado 37,3% das usuárias do setor público e 48% do setor privado, sendo a interrupção do uso de métodos anticoncepcionais de 14,5%, no setor público e 12%, no privado, principalmente devido a efeitos colaterais e pelo desejo de engravidar. CONCLUSÕES: Os principais métodos anticoncepcionais adotados pelas usuárias dos setores públicos e privados foram anticoncepcionais hormonais e contracepção definitiva. Vale frisar a baixa frequência de uso de preservativo masculino nos dois grupos estudados.

Anticoncepção; Saúde da mulher; Planejamento familiar; Fatores socioeconômicos; Prevalência


PURPOSE: To determine the main contraceptive methods adopted by users of the public and private health sectors in the city of Aracaju (SE), Brazil, with a secondary focus on orientations for their use and reasons for interruption. METHODS: A cross-sectional study was conducted on 210 women, 110 from the public service and 100 from the private sector. The data were collected by applying a questionnaire to sexually active patients who agreed to sign a consent form. The software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) version 15.0 was used for statistical analysis, with the <img border=0 width=32 height=32 src="../../../../../img/revistas/rbgo/v33n7/a05x.jpg">test for categorical variables and the Student's t-test for independent samples. RESULTS: The overall prevalence of contraceptive use in this study was 83.3%. The main methods used in the public and private sectors, were the hormonal (41 and 24%, p=0.008) and permanent (20 and 26%, p=0.1) ones, respectively. The rate of condom use was 17.3% in the public sector and 12% in the private sector, with no significant difference (p=0.12). Medical orientation about the correct use of the method chosen and/or indicated was provided to 37.3% of users from the public sector and to 48% of users from the private sector. Discontinuation of the use of contraceptive methods was 14.5% in the public sector and 12.0% in the private sector, mainly because of side effects and the desire to become pregnant. CONCLUSIONS: The main contraceptive methods adopted by users of the public and private sectors were hormonal contraception and permanent contraception. It is important to highlights the low frequency of use of male condoms in the two groups studied.

Contraception; Women's health; Family planning; Socioeconomic factors; Prevalence


ARTIGO ORIGINAL

Contracepção em usuárias dos setores público e privado de saúde

Contraception in users of the public and private sectors of health

Daniela Siqueira PradoI; Danielle Loyola SantosII

IProfessora Assistente da Universidade Federal de Sergipe – UFS – Aracaju (SE), Brasil

IIAcadêmica do 6º Ano de Medicina da Universidade Federal de Sergipe – UFS – Aracaju (SE), Brasil

Correspondência Correspondência: Daniela Siqueira Prado Hospital Universitário Rua Claudio Batista, S/N CEP: 49060-100 – Aracaju (SE), Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Verificar os principais métodos anticoncepcionais adotados por mulheres usuárias dos setores público e privado de saúde no município de Aracaju (SE), com enfoque secundário para orientações de uso e razões para eventual interrupção destes.

MÉTODOS: Estudo transversal, no qual foram incluídas 210 mulheres, 110 atendidas no serviço público e 100, no privado. Os dados foram obtidos através de aplicação de questionário às pacientes com vida sexual ativa e que concordaram em assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Para análise estatística utilizou-se o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 15.0, aplicando-se os testes do , para variáveis categóricas, e t de Student, para amostras independentes.

RESULTADOS: A prevalência global do uso de métodos anticoncepcionais neste estudo foi de 83,3%. Os principais métodos utilizados em ambos os setores, respectivamente público e privado, foram os hormonais (41 e 24%, p=0,008) e os definitivos (20 e 26%, p=0,1). O uso de preservativo masculino apresentou frequência de 17,3% para o setor público e 12% para o setor privado, não havendo diferença significativa (p=0,12). Receberam orientação médica quanto ao uso correto do método escolhido e/ou indicado 37,3% das usuárias do setor público e 48% do setor privado, sendo a interrupção do uso de métodos anticoncepcionais de 14,5%, no setor público e 12%, no privado, principalmente devido a efeitos colaterais e pelo desejo de engravidar.

CONCLUSÕES: Os principais métodos anticoncepcionais adotados pelas usuárias dos setores públicos e privados foram anticoncepcionais hormonais e contracepção definitiva. Vale frisar a baixa frequência de uso de preservativo masculino nos dois grupos estudados.

Palavras-chave: Anticoncepção, Saúde da mulher, Planejamento familiar, Fatores socioeconômicos, Prevalência

ABSTRACT

PURPOSE: To determine the main contraceptive methods adopted by users of the public and private health sectors in the city of Aracaju (SE), Brazil, with a secondary focus on orientations for their use and reasons for interruption.

METHODS: A cross-sectional study was conducted on 210 women, 110 from the public service and 100 from the private sector. The data were collected by applying a questionnaire to sexually active patients who agreed to sign a consent form. The software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) version 15.0 was used for statistical analysis, with the test for categorical variables and the Student's t-test for independent samples.

RESULTS: The overall prevalence of contraceptive use in this study was 83.3%. The main methods used in the public and private sectors, were the hormonal (41 and 24%, p=0.008) and permanent (20 and 26%, p=0.1) ones, respectively. The rate of condom use was 17.3% in the public sector and 12% in the private sector, with no significant difference (p=0.12). Medical orientation about the correct use of the method chosen and/or indicated was provided to 37.3% of users from the public sector and to 48% of users from the private sector. Discontinuation of the use of contraceptive methods was 14.5% in the public sector and 12.0% in the private sector, mainly because of side effects and the desire to become pregnant.

CONCLUSIONS: The main contraceptive methods adopted by users of the public and private sectors were hormonal contraception and permanent contraception. It is important to highlights the low frequency of use of male condoms in the two groups studied.

Keywords: Contraception, Women's health, Family planning, Socioeconomic factors, Prevalence

Introdução

A saúde reprodutiva é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não a mera ausência de doença ou enfermidade em todos os aspectos relacionados ao sistema reprodutivo, suas funções e processos. Em consequência, a saúde reprodutiva implica a capacidade de desfrutar de uma vida sexual satisfatória e sem riscos, bem como a capacidade de procriar e a liberdade de decidir quando e com que espaçamento se deseja ter filhos1.

Desde o Brasil Colonial e Império até o início da República, o planejamento familiar já se expressava, tendo mais força a partir dos anos 60, quando as mulheres brasileiras iniciavam a ruptura com o clássico e exclusivo papel social que lhes era atribuído desde sempre: o de mãe e "rainha do lar", para gradativamente chegarem ao mercado de trabalho; controlar a fecundidade passou a ser aspiração e desejo delas, apesar dos serviços públicos de saúde estarem despreparados para esta demanda2.

No Brasil, a taxa de fecundidade permaneceu praticamente constante de 1930 até 1965, quando teve início seu declínio. A taxa de fecundidade total (TFT) caiu de 5,8 filhos em 19703 para 2,3 em 20034. Após 1970, foi evidenciado o aumento do uso de anticoncepcionais, da prática do aborto e da esterilização5,6, com diferenças regionais, sendo a esterilização mais frequente no Nordeste que em São Paulo, com maior ocorrência entre mulheres de nível mais baixo de instrução7.

Na Região Sul do município de São Paulo, um estudo feito sobre o conhecimento de métodos anticoncepcionais (MAC) demonstra que o preservativo/condom masculino e a pílula são os mais conhecidos e citados por todas as mulheres entrevistadas em proporção de 95,3 e 92,6%, respectivamente. Em seguida, a esterilização é citada por 78,4%; a tabelinha por 70,1%; a vasectomia por 66,6%; e, em último lugar, o dispositivo intrauterino (DIU), cujo conhecimento é de 64,8%8. O conhecimento a respeito do preservativo/condommasculino e pílula entre as adolescentes com idade menor ou igual a 15 anos é superior a 96%9.

Nas sociedades desenvolvidas culturalmente, o planejamento familiar é exercido de forma espontânea, natural. Prescinde de estímulos especiais. Quanto mais alto o nível de racionalidade que o ser humano atingir, maior será sua capacidade de exercer o controle de sua sexualidade e praticar o relacionamento sexual por interesses outros que não o de apenas reproduzir-se9. O baixo nível socioeconômico das mulheres interfere diretamente na adoção de métodos contraceptivos1,10.

A utilização de métodos contraceptivos, por sua vez, também está fortemente relacionada com o nível de instrução. Observa-se, por exemplo, que a taxa de fecundidade é maior entre as adolescentes e jovens que apresentam menor escolaridade10.

Diante do exposto, interessou-nos observar a utilização de métodos contraceptivos em usuárias do setor público e do setor privado, no município de Aracaju, com enfoque secundário para orientações de uso e razões para eventual interrupção do método utilizado.

Métodos

Realizou-se um estudo descritivo, observacional, do tipo transversal, no qual foram incluídas 210 mulheres, divididas em dois grupos. O primeiro foi composto por 110 mulheres atendidas nas Unidades Básicas de Saúde Ministro Costa Cavalcante e Eunice Barbosa (usuárias do setor público), e o segundo foi composto por 100 mulheres atendidas nos consultórios médicos das Clínicas Santa Helena e Integrada HOMO (usuárias do setor privado), em outubro de 2010. Este estudo foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética para Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Sergipe (CAAE 0128.0.107.000-10) e das instituições envolvidas.

Foram critérios de inclusão a existência de vida sexual ativa, estar na fase pré- menopausa e a concordância em participar do estudo com assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Das pacientes convidadas a participar do estudo, 5 se negaram no setor público por falta de compreensão adequada dos motivos do estudo ou timidez e 15, no setor privado, por pressa ou timidez. As que concordaram, responderam um questionário similar ao utilizado por estudo7 realizado em Maringá (PR), em 2006, com coleta de dados referentes à idade, estado civil, escolaridade, classe econômica, tabagismo, etilismo, idade de início de relação sexual, idade da menarca, paridade, idade da paciente quando da primeira gestação, uso de algum método anticoncepcional, quem indicou o método utilizado e ao recebimento de orientação quanto ao uso do método. Estratificou-se escolaridade em analfabeto, ensino fundamental, médio e superior. As mulheres receberam classificação econômica de acordo com a estratificação do Critério Brasil de Classificação Econômica11 em classes A, B, C, D e E.

O questionário é composto por 42 questões e dividido em 5 domínios: caracterização da entrevistada (questões 1 a 5), indicadores socioeconômicos (questões 6 a 18), antecedentes clínico- ginecológicos (questões 19 a 24), antecedentes obstétricos (questões 25 a 31) e métodos contraceptivos (questões 32 a 42).

Para o cálculo do tamanho da amostra, utilizou-se o programa Win Pepi, levando-se em conta a prevalência de uso de método contraceptivo de cerca de 78% em pacientes de melhor nível socioeconômico e de 60% em pacientes de menor nível socioeconômico10, com um nível de significância de 5% e um poder de 80%, obtendo-se um número total de 206 pacientes.

As variáveis numéricas foram descritas como média, desvio padrão ou mediana quando mais adequado. Quanto às variáveis categóricas, utilizou-se para sumarizá-las frequências simples e relativas e intervalo de confiança de 95% quando necessário. Utilizou-se o teste de Shapiro-Wilk para avaliar o pressuposto de normalidade. Para o teste de hipóteses relativas às variáveis categóricas utilizou-se o teste do de Pearson.

A comparação entre os grupos foi realizada mediante teste tde Student para amostras independentes. O nível de confiança foi 0,05 para erro a e poder de 0,80.

Para realizar os cálculos estatísticos, utilizou-se o programa Statistical Package for Social Sciences(SPSS) versão 15.0.

Resultados

Houve diferença significativa entre as médias de idades das pacientes do setor privado (35,0±10,6 anos) e do setor público (29,2±9,6 anos) (p <0,0001) (Tabela 1).

Em relação ao estado civil, a maioria das mulheres do setor privado (52%) eram casadas, enquanto a maioria das mulheres do setor público (49,1%) viviam em situação de parceria estável, ou seja, sem união formal. Todas as pacientes entrevistadas, independentemente do seu estado civil, apresentavam vida sexual ativa (Tabela 1).

A distribuição da classe econômica diferiu significativamente entre os dois grupos. No setor privado, 70% das pacientes se encontravam na classe econômica B, 20% na classe econômica A e 10% na classe econômica C. Já no setor público, 37,2% encontravam-se na classe econômica C e 62,7% na classe econômica D (p<0,0001) (Tabela 1).

Também se observou uma diferença significativa no grau de escolaridade em relação aos setores público e privado. No grupo de mulheres atendidas no setor público, 21,8% frequentaram a escola até o ensino médio, 60,9% até o ensino fundamental e 17,3% eram analfabetas. No grupo do setor privado, 48% das mulheres cursaram o ensino médio, 42% concluíram o ensino superior e 10% estudaram até o ensino fundamental (p<0,0001) (Tabela 1).

Observou-se diferença significativa na média de idade do início das relações sexuais entre o setor privado e público (19,3±4,6 e 16,4±3,2 anos, respectivamente) (p<0,0001) (Tabela 1).

Entre a média da idade da menarca das pacientes houve diferença significativa para os pacientes do setor privado e público, apresentando respectivamente 12±2,2 e 11±3,3 anos (p=0,02). Os demais antecedentes ginecológicos e obstétricos podem ser observados na Tabela 1.

A prevalência global do uso de MAC foi de 83,3%. As usuárias do setor público apresentaram uma frequência de utilização de MAC de 88,2% e as do setor privado, de 78% (p=0,05) (Tabela 2).

O método mais utilizado no setor público foi o hormonal, havendo diferença significativa (p=0,008) entre as entrevistadas, quanto ao uso desse método, nos setores público e privado. No setor público, 41% das entrevistadas fazem uso de método hormonal, sendo que 25,5% sob a forma de pílula anticoncepcional (anticoncepcional oral) e 15,5% sob a forma de injeção mensal. No setor privado, 24% fazem uso de método hormonal, sendo que 20% destas fazem uso de anticoncepcional oral e 4% de injeção mensal. Nenhum outro tipo de método hormonal foi mencionado como utilizado pelas pacientes (Tabela 2).

O método definitivo foi o mais utilizado no setor privado, apresentando frequência de 26%, sendo 18% por ligadura tubária e 8% por vasectomia no parceiro. As usuárias do setor público apresentaram frequência de 18,2% de uso de método definitivo, sendo, no seu total, por ligadura tubária (p=0,1) (Tabela 2).

O uso de método de barreira, sendo o único mencionado o preservativo masculino, apresentou frequência de 17,3% para o setor público e 12% para o setor privado, não havendo diferença significativa (p=0,1) (Tabela 2).

Quanto ao uso de método comportamental (Ogino-Knaus ou coito interrompido), as usuárias do setor privado apresentaram frequência de uso do método de 12% e as usuárias do setor público apresentaram frequência de 11,9% (p=0,9) (Tabela 2).

O uso de DIU apresentou diferença significativa entre as usuárias entrevistadas, sendo que 4% das usuárias do setor privado fazem uso do método e no setor público não foi mencionado o uso (p=0,03) (Tabela 2).

Receberam orientação médica quanto ao uso correto do método escolhido e/ou indicado 37,3% das usuárias do setor público e 48% do setor privado.

Das entrevistadas, 13,3% do total interrompeu, há mais de seis meses, o uso do método que utilizavam (14,5% do setor público e 12% do setor privado; p=0,5), sendo que das que interromperam no setor público, 81,3% mencionaram a existência de efeito colateral associado ao uso, e 18,7% interromperam para engravidar. Similar ao observado no setor privado, onde 83,3% das mulheres interromperam uso por efeitos colaterais e 16,7% por desejo de gestação.

No tocante à forma de uso do método escolhido, não o utilizavam corretamente 22% das usuárias do setor privado e 28,2% do setor público. Não tendo havido orientação médica nestes casos (p=0,3).

Ao avaliarmos o subgrupo formado por adolescentes, com idades entre 13 e 18 anos, encontramos 28 (13,3%) entrevistadas do total, sendo 23 pacientes do setor público (10,9%) e 5 do setor privado (2,3%). Dentre o total de adolescentes, 18 (64,2%) eram usuárias de algum método anticoncepcional, sendo destas 17 (73,9%) do setor público e uma (20%) do setor privado (Tabela 3).

Dentre as usuárias adolescentes do setor público que foram entrevistadas, seis (26,1%) usavam camisinha masculina, cinco (21,7%) usavam injeção mensal, quatro (17,4%) usavam método comportamental e duas (8,7%) usavam anticoncepcional oral. No setor privado, das adolescentes entrevistadas, uma (20%) usava anticoncepcional oral, as demais não utilizavam tipo algum de método contraceptivo (Tabela 3).

Discussão

O acesso aos serviços de saúde dos vários segmentos populacionais reflete um grau de desigualdade social bastante elevado no Brasil, apesar dos avanços sociais e econômicos vivenciados nas últimas décadas5. De um lado, há os planos de saúde, usualmente acessíveis às classes mais abastadas financeiramente, e do outro lado o Sistema Único de Saúde (SUS) oferecido a todos os cidadãos e que, na prática, é utilizado predominantemente por aqueles que possuem menor poder aquisitivo12.

As mulheres precisam conhecer e ter acesso a todos os MAC cientificamente aprovados e disponíveis13 para que escolham o método mais adequado ao seu comportamento sexual e às suas condições de saúde, bem como, utilizem o método escolhido de forma correta14.

A frequência total do uso de algum MAC neste estudo foi de 83,3%. Segundo a Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde, realizada em 1996, 77% das mulheres em idade reprodutiva faziam uso de algum método contraceptivo15. Embora maior que a frequência nacional da época, cumpre frisar que os dados referentes ao uso de MAC apresentam uma grande diversidade entre si, talvez pela grande quantidade de métodos existentes, por serem tão diversificadas as regiões do país, e pela diversidade dos grupos populacionais envolvidos na pesquisa de 199616.

Apesar de não ter havido diferença significativa, houve maior prevalência de uso de MAC nas pacientes do setor público que nas do setor privado, o que difere do encontrado por estudo realizado com jovens de três capitais brasileiras que demonstrou que a prevalência do uso de métodos de contracepção cresceu com o aumento da renda familiar per capita10.

Os grupos envolvidos nesta pesquisa (público e privado) apresentaram diferença significativa no tocante à idade, estado civil, classe econômica e grau de escolaridade, sendo de grande importância essa caracterização, pois, segundo a literatura, é evidente que as diferenças socioeconômicas e culturais da população do país podem influenciar na anticoncepção: com maior escolaridade e melhor nível socioeconômico, as mulheres têm melhor conhecimento e acesso a um leque mais amplo de MAC17,18. Em um contexto de vulnerabilidade de recursos, é essencial reconhecer a natureza e extensão destas disparidades, e promover políticas de saúde reprodutiva que visem abordar estas desigualdades sociais 19.

A maioria das entrevistadas utilizava o método escolhido corretamente (89,7%). Dentre as que não faziam uso correto, observou-se que a orientação de uso do método não havia sido realizada por médicos, o que reforça a importância da indicação e orientação de uso de métodos contraceptivos ser realizada por tais profissionais.

Os MAC mais utilizados neste estudo foram os métodos hormonais (32,8%) e os métodos definitivos (21,9%) em ambos os setores: público (respectivamente 41,0 e 18,2%) e privado (respectivamente 24 e 26%). Houve predomínio de método definitivo no setor privado, apresentando frequência de 18% para laqueadura e 8% para vasectomia, método não mencionado no setor público como utilizado pelas pacientes. Esse predomínio do método definitivo sobre o hormonal pode se dever ao fato de a maioria das mulheres do setor privado serem casadas e à maior faixa etária das entrevistadas no grupo privado, o que ocorreu em virtude da inibição das mais jovens em falar sobre sua vida sexual, particularmente quando acompanhadas por familiares, negando o início da mesma ou se recusando a responder ao questionário.

A literatura brasileira revela que a esterilização e pílula respondem por aproximadamente 80% da prevalência de métodos contraceptivos15. Outro estudo realizado no Paraná, constatou também como métodos mais utilizados a pílula anticoncepcional (50,3%) e a laqueadura (32%), seguidos ainda pelo condom(28,1%)7. Os altos índices da laqueadura tubária demonstram uma tendência nacional, realizada muitas vezes sem critério e sem a devida consideração de sua irreversibilidade20,21 .

Houve predomínio do uso de método injetável mensal no setor público (15,5%) em relação ao privado (4%). Esse resultado pode ser explicado pela eventual dificuldade que as usuárias do setor público apresentam em utilizar corretamente o anticoncepcional oral, diariamente e com pausa correta, devido ao baixo nível de escolaridade e de consequente entendimento, apesar dos possíveis efeitos indesejáveis como atraso do retorno da fertilidade, depressão, ganho de peso, acne, sangramento irregular, mastalgia e queda de cabelo22.

O terceiro método mais utilizado, condizente com a literatura23, foi o preservativo masculino (condom), representando 17,7% do total, não havendo diferença entre os setores público (17,3%) e privado (12%). Chama atenção a baixa frequência do uso de preservativo nos dois setores, inclusive entre as adolescentes entrevistadas, se configurando em um alarme de que a sociedade ainda dá pouca importância à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST)23. Estudos recentes mostram que os principais fatores impeditivos de usar proteção, principalmente entre os jovens, são a falta de conhecimento sobre a prevalência de DST, ambiguidade sobre contracepção e sexo seguro, além da dificuldade de negociar com parceiros sexuais para a utilização de proteção24. O condomainda é um método nem sempre bem aceito, pois alguns parceiros alegam diminuição do prazer, mas deve ser sempre indicado, por ser de baixo custo, apresentar relativa facilidade de uso e ausência de complicações, além de ser, reconhecidamente, o único método disponível para prevenção de moléstias sexualmente transmissíveis24.

O método comportamental apresentou frequência de uso de 14,2%, sem diferença entre os setores privado (12,0%) e público (11,0%). O coito interrompido não deve ser recomendado, pois pela possibilidade de emissão do sêmen antes da ejaculação, torna-se muito falível e do ponto de vista da atividade sexual, pode ser fator predisponente ou desencadeante de ejaculação prematura ou de impotência masculina e da anorgasmia feminina25.

Os métodos vasectomia e DIU foram mencionados apenas no setor privado (8 e 4% respectivamente), demonstrando que o acesso aos serviços privados, com consultas periódicas com ginecologista, resulta em um aumento na probabilidade de escolha de outros métodos26. Ainda assim, não houve uma grande diversidade de métodos, particularmente dentre os hormonais, não houve usuárias de implante, adesivo ou anel vaginal. A indicação e orientação médica deve levar em conta as características da paciente estendendo as políticas de uso para abordagens individualmente orientadas27.

Apesar do DIU (de cobre ou hormonal) ter uma ação basicamente local, com poucos efeitos sistêmicos28, sua frequência de uso foi baixa, o que pode se dever ao fato de que mais de 50% das mulheres, de ambos os setores, não tiveram indicação/orientação de uso do método contraceptivo por médicos. Entre os homens, ainda é baixa a aceitação da vasectomia devido ao receio, particularmente por indivíduos de baixo grau de instrução, de que o procedimento os torne impotentes. Pesquisa feita com homens, em 2001, mostrou que 72% destes permitiriam que sua mulher fizesse ligadura tubária, porém igual percentagem não faria a vasectomia29.

Ao avaliarmos o subgrupo formado por adolescentes envolvidas na pesquisa, apenas 18 (64,2%) eram usuárias de algum método anticoncepcional. No setor público, as adolescentes mostraram preferência pela camisinha masculina, seguida de injeção mensal, método comportamental e pílula anticoncepcional. No setor privado, houve preferência pelo uso de pílula. Das adolescentes entrevistadas no nosso estudo, 35% mencionaram não utilizar qualquer tipo de método anticoncepcional apesar de haverem iniciado vida sexual, o que gera preocupações relativas à gravidez na adolescência. Estudo efetuado nos Estados Unidos, com adolescentes, mostrou que 19% dos jovens sexualmente ativos não haviam feito uso de método algum para evitar gravidez nos três meses anteriores à entrevista6. Dados do Ministério da Saúde apontam que 55% das adolescentes solteiras e sexualmente ativas, no Brasil, nunca haviam usado nenhum MAC, número que se eleva para 79% nas áreas rurais30 . Estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostrou, em três capitais brasileiras, que a gravidez indesejada é mais incidente entre adolescentes de 15 a 17 anos31. Um número substancial de jovens da escola pública, com menor renda, recebe menos informação e tem informações gerais sobre contracepção insuficiente, sabe menos sobre o papel dos preservativos na prevenção das DST e acreditava não haver necessidade de consulta médica antes de iniciar uso de anticoncepcionais orais32.

Existe a necessidade de se implementar o que está garantido pela Constituição Brasileira de 1988 e regulamentado pela Lei do Planejamento Familiar promulgada em 1996, com reconhecido avanço no que se refere às políticas populacionais do país. No entanto, poucos serviços de planejamento familiar foram implementados para proporcionar um atendimento de fácil acesso, com informação, disponibilidade e oferta de diferentes métodos contraceptivos e com um atendimento universal à população brasileira16, para que a mulher possa decidir com autonomia sobre a sua própria fecundidade e ter à sua disposição mecanismos para exercer esse direito de controle.

Uma limitação do presente estudo é a estratégia utilizada para seleção da amostra, realizada por conveniência. Seleção de amostra por conveniência impede a generalização dos resultados já que pode não ser uma amostra representativa da população estudada.

Mais pesquisas sobre o tema, abrangendo um número maior de mulheres, de diferentes regiões do país, criam a possibilidade de incrementar os nossos conhecimentos sobre o uso de métodos anticoncepcionais, quais fatores influenciam na escolha e na interrupção do uso entre outros fatores, para que haja uma melhor abordagem pelos profissionais de saúde desta questão tão importante para a qualidade de vida da mulher.

Recebido: 14/04/2011

Aceito com modificações: 26/05/2011

Universidade Federal de Sergipe – UFS – Aracaju (SE), Brasil.

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  • Correspondência:

    Daniela Siqueira Prado
    Hospital Universitário
    Rua Claudio Batista, S/N
    CEP: 49060-100 – Aracaju (SE), Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Jul 2011

    Histórico

    • Aceito
      26 Maio 2011
    • Recebido
      14 Abr 2011
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