Acessibilidade / Reportar erro

Diabetes gestacional, o que mudou nos critérios de diagnóstico?

Gestational diabetes, what did change in the criteria for diagnosis?

EDITORIAL

Diabetes gestacional, o que mudou nos critérios de diagnóstico?

Gestational diabetes, what did change in the criteria for diagnosis?

Rossana Pulcineli Vieira FranciscoI; Thathianne Coutheux TrindadeII; Marcelo ZugaibIII

IProfessora-associada da Disciplina de Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

IIMédica Assistente da Divisão de Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

IIIProfessor Titular da Disciplina de Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Rossana Pulcineli Vieira Francisco Av. Doutor Enéas de Carvalho Aguiar, 255 – 10º andar – sala 10085 Cerqueira César – CEP: 05403-000 – São Paulo (SP), Brasil.

O diabetes gestacional (DG) é uma das intercorrências mais frequentes da gestação e, se não diagnosticado e tratado adequadamente, traz aumento considerável dos riscos perinatais. As principais complicações são: macrossomia fetal, tocotraumas, aumento do número de cesáreas, hipoglicemia nenonatal, hiperbilirrubinemia neonatal, síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido, hipocalcemia, prematuridade e óbito fetal1-4. Muitos estudos também verificam aumento de complicações na vida adulta dos recémnascidos de mães com DG, tais como: aumento da incidência de obesidade, hipertensão, síndrome metabólica e diabetes5. Mulheres que desenvolveram DG apresentam ainda um aumento considerável do risco de se tornarem diabéticas tipo 2 ao longo da vida, que pode ser minimizado ou postergado com orientações de mudança do estilo de vida6-8. Portanto, atualmente considera-se de grande relevância a identificação de pacientes com diabetes gestacional.

Nos últimos anos, muito tem sido discutido sobre qual o melhor teste para o diagnóstico do DG. O teste de tolerância oral à glicose com sobrecarga (TTGO) de 100 g, amplamente difundido, foi idealizado tendo como alvo a probabilidade de uma mulher ficar diabética em até dez anos após o diagnóstico de DG. É um teste com importância epidemiológica, porém não correspondia aos anseios dos obstetras no que se refere às complicações perinatais. Com o objetivo de responder a esses questionamentos, desenhou-se um estudo multicêntrico, mundialmente conhecido como HAPO Study (Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcome)3. Este estudo incluiu 16 centros hospitalares com aproximadamente 25.000 gestantes recrutadas de julho de 2000 a abril de 2006. As mulheres foram submetidas ao TTGO de 75 g de glicose entre a 24ª e a 32ª semanas de gestação, com análises no tempo zero (jejum), uma e duas horas após a sobrecarga de glicose. Os médicos que assistiram a estas gestantes não tiveram acesso ao resultado do TTGO durante o pré-natal, exceto nos casos de glicemia considerada como elevada (glicemia de jejum >105 mg/dL e/ou glicemia duas horas após a sobrecarga de glicose acima de 200 mg/d). Estes casos foram excluídos do estudo.

Na análise dos resultados neonatais do estudo HAPO (macrossomia, hipoglicemia e valores do peptídeo C do cordão), as glicemias de jejum, de uma e duas horas após a sobrecarga foram identificadas como preditoras independentes do resultado neonatal adverso. Isto permitiu que se concluísse que apenas um valor anormal seria suficiente para o diagnóstico de DG3. Esta é a justificativa para a modificação nos critérios de diagnóstico, os quais passam a considerar que um ou mais valores anormais no TTGO permitem o diagnóstico de DG.

No final de 2009, os resultados do estudo HAPO e de outros estudos realizados com o objetivo de determinar o melhor teste para o diagnóstico de DG foram avaliados pela International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups (IADPSG), gerando consenso publicado em março de 20109. Neste consenso, ficou definido que o teste de tolerância oral com sobrecarga de 75 g de glicose é o teste de escolha para o diagnóstico do DG; que o teste deverá ser aplicado a todas as gestantes entre a 24ª e a 28ª de gestação e que deverá ser incluída análise das glicemias de jejum (oito horas) e uma e duas horas após a sobrecarga de 75 g de glicose. Estabeleceu-se assim o diagnóstico de DG, quando a paciente apresentar um ou mais valores maiores ou iguais aos valores de referência do TTGO 75 g, ou seja, glicemia de jejum ≥92 mg/dL, de uma hora após a sobrecarga ≥180 mg/dL e de duas horas após a sobrecarga ≥153 mg/dL. Estes valores de corte foram estabelecidos pela IADPSG e correspondem a 1,75 do desvio padrão da média dos valores de glicemia obtidos no estudo HAPO9.

No consenso, recomenda-se ainda que as gestantes, independente dos fatores de risco, deverão ter, na primeira consulta pré-natal, a dosagem da glicemia de jejum com o objetivo de identificar pacientes portadoras de diabetes não-diagnosticado previamente à gravidez (Overt Diabetes) e de DG9.

O diagnóstico de Overt Diabetes será firmado quando a glicemia de jejum for maior ou igual a 126 mg/dL, o que é semelhante ao parâmetro para mulheres não-gestantes. Nesse caso, a paciente terá seu seguimento pré-natal baseado nos mesmos princípios do tratamento de pacientes que previamente à gestação apresentavam diagnóstico de diabetes do tipo 1 ou 2. Será importante a investigação de complicações maternas e fetais, como risco aumentado de malformações. Além da utilização da glicemia de jejum para o diagnóstico de Overt Diabetes, pode-se ainda utilizar qualquer um dos critérios habitualmente considerados fora da gestação, ou seja, glicemia ocasional maior ou igual a 200 mg/dL acompanhada de sintomatologia ou hemoglobina glicada (HbA1C) maior ou igual a 6,5%. Caso a glicemia de jejum esteja entre 92 e 125 mg/dL, considerando-se que, segundo o estudo HAPO, esse é um exame preditor independente do resultado neonatal adverso, a paciente será considerada diabética gestacional e iniciará o tratamento. Se a glicemia de jejum for inferior 92 mg/dL, a paciente será considerada não-portadora de diabetes e deverá realizar o TTOG de 75 g entre a 24ª e a 28ª semanas de gestação.

Após a publicação do consenso em março de 2010, grande parte dos serviços e das sociedades adotou esses novos critérios para o diagnóstico de diabetes durante a gravidez. Em janeiro de 2011, a American Diabetes Association (ADA) modificou suas recomendações para o diagnóstico de DG, abandonando o TTGO com sobrecarga de 100 g, e recomendou que fossem seguidos os critérios estabelecidos pelo Consenso do IADPSG para o diagnóstico do DG10. A partir de abril de 2011, a Divisão de Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) tem utilizado os critérios definidos pelo IADPSG para o diagnóstico de tal doença.

Se os critérios para diagnóstico de DG estão se uniformizando – o que certamente é um avanço na atenção às gestantes de alto risco –, essa nova recomendação nos leva a refletir sobre o impacto de tal diagnóstico ser realizado em número significativamente maior de gestantes que necessitarão de tratamento11. Por outro lado, apesar de haver aumento do custo imediato para o tratamento dessas gestantes, a diminuição das complicações perinatais (prematuridade, internações em Unidades de Terapia Intensiva Neonatais), além da prevenção das comorbidades futuras (obesidade, hipertensão e diabetes), poderá gerar economia muito maior12.

Os próximos estudos deverão ter como objetivo determinar se o tipo de tratamento a ser oferecido será diferenciado, se os fatores de risco para utilização de insulina serão mantidos e qual a proporção de pacientes permanecerá diabética ou intolerante após o parto13,14. Assim, novas políticas assistenciais poderão ser estabelecidas para que o sistema de saúde, tanto público como privado, consiga se adequar à nova realidade e possa promover um tratamento de qualidade para estas gestantes de forma que consigamos diminuir as complicações a curto e longo prazo para essas mulheres e seus filhos.

Recebido 01/08/2011

Aceito com modificações 30/08/2011

Trabalho realizado no Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil.

  • 1. Langer O, Yogev Y, Most O, Xenakis EM. Gestational diabetes: the consequences of not treating. Am J Obstet Gynecol. 2005;192(4):989-97.
  • 2. Kjos SL, Schaefer-Graf U, Sardesi S, Peters RK, Buley A, Xiang AH, et al. A randomized controlled trial using glycemic plus fetal ultrasound parameters versus glycemic parameters to determine insulin therapy in gestational diabetes with fasting hyperglycemia. Diabetes Care. 2001;24(11):1904-10.
  • 3. Metzger BE, Lowe LP, Dyer AR, Trimble ER, Chaovarindr U, Coustan DR, et al. Hyperglycemia and adverse pregnancy outcomes. N Engl J Med. 2008;358(19):1991-2002.
  • 4. Persson B, Hanson U. Neonatal morbidities in gestational diabetes mellitus. Diabetes Care. 1998;21 (Suppl 2):B79-84.
  • 5. Barker DJ, Bull AR, Osmond C, Simmonds SJ. Fetal and placental size and risk of hypertension in adult life. BMJ. 1990;301(6746):259-62.
  • 6. Catalano PM, Vargo KM, Bernstein IM, Amini SB. Incidence and risk-factors associated with abnormal postpartum glucose-tolerance in women with gestational diabetes. Am J Obstet Gynecol. 1991;165(4 Pt 1):914-9.
  • 7. Lee H, Jang HC, Park HK, Metzger BE, Cho NH. Prevalence of type 2 diabetes among women with a previous history of gestational diabetes mellitus. Diabetes Res Clin Pract. 2008;81(1):124-9.
  • 8. Ratner RE, Christophi CA, Metzger BE, Dabelea D, Bennett PH, Pi-Sunyer X, et al. Prevention of diabetes in women with a history of gestational diabetes: effects of metformin and lifestyle interventions. J Clin Endocrinol Metab. 2008;93(12):4774-9.
  • 9. International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups Consensus Panel. International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups recommendations on the diagnosis and classification of hyperglycemia in pregnancy. Diabetes Care. 2010;33(3):676-82.
  • 10. American Diabetes Association. Standards of medical care in diabetes-2011. Diabetes Care. 2011;34(Suppl 1):S11-61.
  • 11. Flack JR, Ross GP, Ho S, McElduff A. Recommended changes to diagnostic criteria for gestational diabetes: impact on workload. Aust N Z J Obstet Gynaecol. 2010;50(5):439-43.
  • 12. Lee S, Pettker C, Funai E, Norwitz E, Thung S. Is lowering the diagnostic threshold for gestational diabetes (GDM) cost-effective? Implications from the hyperglycemia and adverse pregnancy outcomes (HAPO) trial. Am J Obstet Gynecol. 2008;199(6 Suppl A):S199.
  • 13. de Barros MC, Lopes MA, Francisco RP, Sapienza AD, Zugaib M. Resistance exercise and glycemic control in women with gestational diabetes mellitus. Am J Obstet Gynecol. 2010;203(6):556.e1-6.
  • 14. Sapienza AD, Francisco RP, Trindade TC, Zugaib M. Factors predicting the need for insulin therapy in patients with gestational diabetes mellitus. Diabetes Res Clin Pract. 2010;88(1):81-6.
  • Correspondência:
    Rossana Pulcineli Vieira Francisco
    Av. Doutor Enéas de Carvalho Aguiar, 255 – 10º andar – sala 10085
    Cerqueira César – CEP: 05403-000 – São Paulo (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      01 Ago 2011
    • Aceito
      30 Ago 2011
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br