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Cardiopatia fetal e estratégias de enfrentamento

Fetal heart disease and coping strategies

Resumos

OBJETIVOS: Avaliar as estratégias de enfrentamento (coping) das gestantes frente ao diagnóstico de cardiopatia fetal. MÉTODOS: Foram entrevistadas 50 gestantes que receberam o diagnóstico de cardiopatia fetal. Para a coleta de dados utilizou-se uma entrevista semidirigida e o Inventário de Estratégia de Coping. A entrevista foi realizada, em média, 22 dias após terem recebido o diagnóstico. RESULTADOS: Ao investigar como se sentiam em relação ao bebê, 56,0% relataram preocupação e fragilidade, enquanto que as demais (44,0%) afirmaram estarem felizes e bem. As estratégias mais utilizadas pelas gestantes foram: resolução de problemas (73,0%), suporte social (69,1%), fuga/esquiva (62,7%), e a estratégia menos utilizada foi a de afastamento (17,3%). Constatou-se que as mulheres com companheiro, utilizaram mais a estratégia de resolução de problemas (p<0,05), assim como as que tinham entre 1 e 2 filhos (p<0,05). CONCLUSÕES: As estratégias de enfrentamento ativas, voltadas para a resolução de problemas e pela busca de suporte social, associadas à responsabilidade e à necessidade de cuidados específicos para a sobrevivência e o bem-estar do bebê, propiciaram uma relação mais próxima com a gestação, fortalecendo o vínculo materno-fetal.

Adaptação psicológica; Gravidez de alto risco; Cardiopatia congênita; Cuidado pré-natal; Ecocardiografia; Anormalidades congênitas


PURPOSE: To evaluate the coping strategies of women facing a diagnosis of fetal heart disease. METHODS: We interviewed 50 women who had received a diagnosis of fetal heart disease. For data collection we used a semi-directed and Coping Strategy Inventory. The interview was conducted, on average, 22 days after the diagnosis. RESULTS: When asked how they felt about the baby, 56.0% reported concern and fragility, while the remaining 44.0% said they were happy and well. The strategies most used by women were problem solving (73.0%), social support (69.1%) and escape/avoidance (62.7%), and the least used strategy was removal (17.3%). It was found that women with partners, as well as those with 1 or 2 children, used more the problem-solving strategy (p<0.05). CONCLUSIONS: The active coping strategies, focused on problem solving and seeking social support, coupled with the responsibility and the need for specific care for the survival and welfare of the baby, brought about a closer relationship with the pregnancy, strengthening the maternal-fetal bond.

Adaptation; psychological; Pregnancy; high-risk; Heart defects; congenital; Prenatal care; Echocardiography; Congenital abnormalities


ARTIGO ORIGINAL

Cardiopatia fetal e estratégias de enfrentamento

Fetal heart disease and coping strategies

Gláucia Rosana Guerra BenuteI; Daniele NonnenmacherII; Luiz Flávio Mendes EvangelistaIII; Lilian Maria LopesIV; Mara Cristina Souza LuciaV; Marcelo ZugaibVI

IDiretora Técnica de Serviço de Saúde da Divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

IIPsicóloga da Divisão de Psicologia e da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

IIIPsicólogo colaborador da Divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

IVMédica Assistente Responsável pelo Setor de Cardiologia e Ecocardiografia Fetal da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

VDiretora da Divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

VIProfessor Titular do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Gláucia Rosana Guerra Benute Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 155 – PAMB – térreo CEP: 05403-000 São Paulo (SP), Brasil

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar as estratégias de enfrentamento (coping) das gestantes frente ao diagnóstico de cardiopatia fetal.

MÉTODOS: Foram entrevistadas 50 gestantes que receberam o diagnóstico de cardiopatia fetal. Para a coleta de dados utilizou-se uma entrevista semidirigida e o Inventário de Estratégia de Coping. A entrevista foi realizada, em média, 22 dias após terem recebido o diagnóstico.

RESULTADOS: Ao investigar como se sentiam em relação ao bebê, 56,0% relataram preocupação e fragilidade, enquanto que as demais (44,0%) afirmaram estarem felizes e bem. As estratégias mais utilizadas pelas gestantes foram: resolução de problemas (73,0%), suporte social (69,1%), fuga/esquiva (62,7%), e a estratégia menos utilizada foi a de afastamento (17,3%). Constatou-se que as mulheres com companheiro, utilizaram mais a estratégia de resolução de problemas (p<0,05), assim como as que tinham entre 1 e 2 filhos (p<0,05).

CONCLUSÕES: As estratégias de enfrentamento ativas, voltadas para a resolução de problemas e pela busca de suporte social, associadas à responsabilidade e à necessidade de cuidados específicos para a sobrevivência e o bem-estar do bebê, propiciaram uma relação mais próxima com a gestação, fortalecendo o vínculo materno-fetal.

Palavras-chave: Adaptação psicológica; Gravidez de alto risco; Cardiopatia congênita; Cuidado pré-natal; Ecocardiografia; Anormalidades congênitas.

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate the coping strategies of women facing a diagnosis of fetal heart disease.

METHODS: We interviewed 50 women who had received a diagnosis of fetal heart disease. For data collection we used a semi-directed and Coping Strategy Inventory. The interview was conducted, on average, 22 days after the diagnosis.

RESULTS: When asked how they felt about the baby, 56.0% reported concern and fragility, while the remaining 44.0% said they were happy and well. The strategies most used by women were problem solving (73.0%), social support (69.1%) and escape/avoidance (62.7%), and the least used strategy was removal (17.3%). It was found that women with partners, as well as those with 1 or 2 children, used more the problem-solving strategy (p<0.05).

CONCLUSIONS: The active coping strategies, focused on problem solving and seeking social support, coupled with the responsibility and the need for specific care for the survival and welfare of the baby, brought about a closer relationship with the pregnancy, strengthening the maternal-fetal bond.

Keywords: Adaptation, psychological; Pregnancy, high-risk; Heart defects, congenital; Prenatal care; Echocardiography; Congenital abnormalities.

Introdução

Com a evolução tecnológica, as técnicas de avaliação pré-natal possibilitaram o diagnóstico fidedigno de patologias fetais. O exame de ecocardiografia fetal representa uma técnica acurada e precisa para avaliar a estrutura e a função cardíaca fetal1, além de ser importante na detecção de anomalias, uma vez que as cardiopatias congênitas estão entre as malformações mais comuns (apresentam incidência estimada de 3,5 a 12:1000 recém-nascidos) sendo responsáveis por cerca de 10% dos óbitos infantis e metade das mortes por malformações congênitas2,3.

A motivação que os pais têm para realizar o exame de ultrassonografia é primordialmente para concretizar a existência do bebê e verificar a normalidade fetal. Apesar da consciência materna sobre a gravidez, visualizar o feto e seus movimentos torna o bebê real e facilita o estabelecimento do vínculo materno-fetal4,5. O ecocardiograma fetal normal diminui a ansiedade, aumenta a satisfação e a proximidade da gestante com o feto; no entanto, a anormalidade quando detectada aumenta a ansiedade materna e faz com que os casais apresentem sentimentos de impotência, raiva, desespero e baixa autoestima6, fazendo com que se sintam menos felizes com a gravidez. Desse modo, o diagnóstico pré-natal de anomalia fetal pode precipitar um longo período de estresse, ansiedade e/ou desespero7.

A ecocardiografia fetal diminui a morbidade neonatal e possivelmente a mortalidade associada à doença cardíaca congênita. O diagnóstico pré-natal (DPN) de cardiopatia congênita possibilita o aconselhamento familiar com aspectos relacionados ao prognóstico pós-natal e as intervenções necessárias8,9; no entanto, pouca atenção tem sido dada ao impacto psicológico sofrido pelas gestantes na realização da ecocardiografia fetal (EF).

O diagnóstico de cardiopatia congênita em um filho posiciona a mulher frente a impasses que repercutem sobremaneira na vivência da gestação e em suas relações.

Ao receber o diagnóstico da cardiopatia congênita do filho, a mãe vivencia um período de transição que lhe exige decisões e atitudes frente à nova situação vivida. Este processo traz consigo o fato de ter, não somente um filho doente, mas um filho com uma doença com características graves e permeada de símbolos e significações incertos10.

As inúmeras mudanças desencadeadas a partir do diagnóstico de malformação fetal provocam alterações cognitivas, sejam de ordem física, psíquica ou social, ameaçando a constituição do vínculo materno-fetal. Dessa forma, podem ser considerados fatores estressantes na medida em que solicitam estratégias de ajustamento e produzem forte impacto emocional11. O estresse, desencadeado a partir do diagnóstico da anomalia, é preocupante na medida em que pode propiciar o agravamento do quadro clínico por também relacionar-se à etiologia das patologias. Deste modo, ressalta-se a importância das estratégias cognitivas e comportamentais de enfrentamento às situações estressantes (coping) para a manutenção do equilíbrio biopsicosocial12.

O nível de tolerância frente aos eventos estressantes varia de pessoa para pessoa, considerando inclusive a intensidade e o tempo de exposição a eles13. O estresse psicológico pode ser definido como a relação estabelecida entre a pessoa e o ambiente, quando essa relação é avaliada como excedendo os recursos de enfrentamento e ameaçando o bem-estar11. Dessa forma, a avaliação cognitiva pode ser encarada como um mediador não biológico capaz de intervir na resposta ao estresse. Essa avaliação é composta por duas etapas interdependentes: a avaliação primária, que se refere ao processo através do qual o indivíduo checa o risco envolvido em determinada situação de estresse; e a avaliação secundária, momento no qual o sujeito analisa os recursos disponíveis e as opções para lidar com o problema. Tais avaliações é que definem em que medida o relacionamento do indivíduo com o meio ambiente que o circunda é estressor. Trata-se de um esforço cognitivo e comportamental utilizado frente aos eventos estressantes. A forma com que o indivíduo escolhe sua estratégia de coping é determinada, pelas suas condições internas e externas, que incluem saúde, crenças, responsabilidades, habilidades sociais, suporte e recursos materiais11. Coping, portanto, se refere ao conflito entre demandas ambientais externas ou internas (medo, ansiedade, angústia) e os esforços pessoais utilizados para modular a experiência estressora.

As intervenções comportamentais relacionadas ao aprimoramento de estratégias de coping podem colaborar no tratamento a medida que capacitam os pacientes a participarem ativamente do processo de gerenciamento da condição de saúde.

Yali e Lobel14 estudaram, em 167 gestantes de alto risco, a associação entre coping, gestação e estresse. Observaram níveis de estresse moderadamente elevados relacionados ao parto prematuro; aos sintomas físicos; ao aumento de peso e na saúde do bebê. As estratégias frequentemente usadas frente às demandas e desafios da gravidez foram religião e reavaliação positiva.

As variáveis sociodemográficas como idade, escolaridade e estado civil foram significativamente associadas ao estilo das estratégias de coping. Estratégias como a fuga, a preparação para a maternidade e o uso de drogas foram associados a maior estresse e sofrimento, e a reavaliação positiva foi associada a menor estresse. Os resultados ressaltam a natureza única da gravidez de alto risco como um evento de vida estressante14. Assim, a forma de enfrentamento a ser utilizada pela mulher nesse período, influenciará o modo como ela finalizará seu período gestacional e ingressará no puerpério. Considerando que o coping relaciona-se à capacidade individual para lidar com eventos vitais e com fatores estressantes, as percepções da paciente a respeito de si, de sua doença e de seu momento de vida (gravidez) podem influenciar o modo como a gestante vai compreender sua realidade e consequentemente as atitudes que assumirá diante dela. A carência significativa de estudos com enfoque nos recursos disponíveis em gestantes que recebem diagnóstico de cardiopatia fetal, para o enfrentamento ou o manejo desta situação estressante, bem como sua reação ao diagnóstico, constituem fator relevante para a exploração do tema. Desse modo, este estudo tem a finalidade de avaliar as reações das gestantes frente ao diagnóstico de cardiopatia fetal e identificar as estratégias de enfrentamento (coping) utilizadas pelas gestantes após receberem o diagnóstico de cardiopatia fetal.

Métodos

Tratou-se de um estudo prospectivo. A amostra deste estudo foi realizada por conveniência, sendo convidadas a participarem as primeiras 50 gestantes que receberam o diagnóstico de cardiopatia fetal que se encontravam no ambulatório da Divisão de Clínica Obstétrica de Hospital Universitário na cidade de São Paulo. A entrevista foi realizada, em média, 22 dias após terem recebido o diagnóstico. Este estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética da instituição. Todas as participantes leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

A média de idade das gestantes entrevistadas foi de 28,8 anos (desvio padrão – DP=8,0) com idade mínima de 14 anos e máxima de 44 anos. Constatou-se que 66% tinham relação conjugal estável e 56% possuíam segundo grau completo; 44% eram primigestas, 50% estavam no segundo trimestre e 50% no terceiro trimestre de gestação. No que tange o planejamento da gravidez, 66% das mulheres relataram que não planejavam engravidar naquele momento da vida.

Para a coleta de dados, foi utilizada uma entrevista semidirigida com questões previamente formuladas, e o Inventário de Estratégia de Coping validado para o Brasil por Savoia13. Na entrevista semidirigida, foram abordados aspectos sociodemográficos, conhecimento do diagnóstico, possíveis limitações que o filho terá após o nascimento; os riscos do tratamento; significados atribuídos ao coração, vínculo com o bebê e se houve desejo de interromper a gestação após diagnóstico de cardiopatia fetal. O Inventário de Coping é constituído por 66 afirmações que têm por objetivo identificar as características individuais de estratégias de enfrentamento de estressores15. A partir das respostas concedidas, pode-se compreender quais são as técnicas de enfrentamento empregadas pelo sujeito. Todas as respostas foram dadas com base na escala de Likert, variando de 0 a 4. A escala é categorizada em oito diferentes fatores propostos pela análise fatorial baseados em elaboração cognitiva e de comportamento, sendo eles: confronto, afastamento, autocontrole, busca de suporte social, aceitação/responsabilidade, fuga/esquiva, resolução de problemas e reavaliação positiva.

Para a análise dos dados da entrevista, foi realizada a Técnica de Análise de Conteúdo, que tem como objetivo descrever, interpretar e compreender os dados. Bardin16 define essa técnica como um conjunto de técnica de análise da comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores quantitativos que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção dessas mensagens. Os dados das entrevistas foram codificados, transformando os dados brutos do texto em categorias e todos os resultados obtidos com a categorização foram, posteriormente, analisados com técnicas quantitativas.

Cada escore dos domínios do coping foi descrito segundo as características sociodemográficas e comparados entre as categorias com uso de testes Mann-Whitney, quando a variável possuía apenas duas categorias e testes Kruskal-Wallis seguidos de comparações múltiplas não paramétricas para as variáveis com mais de duas categorias17. Os testes foram realizados com nível de significância de 5%.

Resultados

Ao serem indagadas sobre qual o órgão do corpo humano consideravam mais importante, 86% das gestantes afirmaram ser o coração, ressaltando se tratar do órgão que mantém a vida, além de ser responsável pelo controle das emoções. Quanto à anomalia fetal apresentada, 40% das pacientes relataram que imaginavam, mesmo antes de fazer o ecocardiograma, que o filho poderia ter algum problema e 40% temiam a morte do bebê no decorrer da gestação ou após o nascimento. Quando indagadas se conheciam algum portador de cardiopatia, 52% das gestantes afirmaram conhecer alguma pessoa com problema cardíaco, sendo que destes, 65% referiram ser uma pessoa da família.

Buscou-se compreender o conhecimento das gestantes sobre os riscos advindos de uma cardiopatia fetal. Constatou-se que 42% acreditavam existir algum risco para o bebê e 14% para a díade mãe-bebê. As demais (44%) relatavam acreditar não existir nenhum tipo de risco; entretanto, 86% das mulheres reconheciam que o acompanhamento médico para o bebê seria necessário. Ao investigar sobre como se sentiam em relação ao bebê, 56% relataram preocupação e fragilidade, enquanto que as demais (44%) afirmaram estarem felizes e bem. Das gestantes que afirmaram estarem felizes, 59% conheciam alguém cardiopata e destas, 77% consideravam que a mesma tinha boa qualidade de vida.

Quando questionadas se imaginavam que existiria alguma diferença na vida de uma criança saudável e de uma criança com problemas no coração, 53% acreditavam que exista diferença e ressaltaram a limitação (26%), a necessidade de cuidados especiais (24%) e o preconceito (3%). Com relação ao vínculo estabelecido com o bebê, 42% relataram que o diagnóstico de cardiopatia fetal não alterou em nada a relação estabelecida com o bebê, enquanto 54% referiram aproximação do mesmo. Apenas quatro gestantes (8%) pensaram em interromper gestação. Afirmaram ter, naquele momento, o desejo de encontrar uma solução instantânea para minimizar o sofrimento e a culpa. Na Tabela 1, encontram-se as estratégias de coping utilizadas pelas gestantes que receberam o diagnóstico de cardiopatia fetal. Observa-se que as estratégias mais utilizadas foram: resolução de problemas, suporte social, fuga/esquiva e a estratégia menos utilizada foi a de afastamento.

Foi realizada a associação entre os domínios de coping e a idade das gestantes. Para essa relação, as idades foram distribuídas em faixas etárias que corresponderam às seguintes categorias: até os 18 anos; dos 19 aos 35 anos e acima dos 36 anos. Não foi observada diferença significante entre as estratégias utilizadas pelas gestantes e a faixa etária em que se encontravam.

Quando relacionadas semanas gestacionais, estado civil e domínios de coping não foram encontradas associações significativas entre os resultados dos escores dos domínios de coping e as semanas gestacionais. Em relação ao estado civil, evidenciou-se que a estratégia de Resolução de Problemas (em relação às demais estratégias: confronto, afastamento, autocontrole, suporte social, aceitação/responsabilidade, fuga/esquiva e reavaliação positiva) é significativamente mais utilizada por mulheres que têm um companheiro (p<0,05) quando comparada às mulheres que não têm companheiro.

Quando associado os escores de coping com o número de filhos (Tabela 2), observou-se que gestantes com três ou mais filhos apresentam escore de Resolução de Problemas estatisticamente menor que as gestantes com um ou dois filhos (p<0,05). Os sentimentos autorreferidos pelas gestantes, no que diz respeito ao sentimento nutrido pelo bebê após o diagnóstico de cardiopatia fetal, foram categorizados como "maior proximidade com o bebê"; "afastamento" e "sem alteração". Quando associados aos domínios do coping, não foram encontradas diferenças estatísticas entre eles.

Discussão

Os símbolos são considerados fatores complementares para o entendimento do mundo que nos cerca. O coração, tal como representado simbolicamente, diz respeito ao centro da vida, da coragem e da razão. Decorre deste simbolismo o fato de que, o diagnóstico de cardiopatia fetal desencadeia excessiva apreensão, não apenas por alterar as idealizações e planejamentos feitos no desenvolvimento fetal, mas também pela representação atribuída ao "coração"18.

Os dados levantados na entrevista apontaram que, ao ser considerado por muitas gestantes como o órgão principal, responsável pela vida e pelo controle das emoções, o impacto da notícia de um problema no coração do feto tornou-se muito mais forte e temeroso, despertando receio e questionamentos diante das possibilidades de sobrevivência do bebê.

Não obstante, o medo de perder o bebê propiciou uma alteração no vínculo entre mãe e feto. A revelação de notícias desagradáveis provoca uma interrupção abrupta no processo psíquico normal da gestação, o que faz com que muitas mulheres deixem o envolvimento com o seu feto em suspenso, seja evitando contato com a barriga ou adiando a preparação do enxoval do bebê, entre outras atitudes que lhe afastam dessa relação, até a certeza de sua sobrevida5.

Reações semelhantes foram observadas em outro estudo19 que evidenciou um apego menos seguro em mães que receberam o diagnóstico de alguma anomalia fetal. No entanto, no estudo realizado, os resultados demonstram que embora as vivências diante do diagnóstico dos exames, tenha despertado fragilidade e preocupação frente à gestação, houve uma aproximação das mães em relação ao feto. Muitas anomalias não alteram a movimentação e a capacidade de interação dos fetos com suas mães19, o que faz com que as mesmas vivenciem experiências tão intensas quanto às mães de fetos normais, tais percepções contribuem para o fortalecimento do vinculo materno-fetal19.

As reações maternas diante da descoberta de uma anomalia fetal não são uniformes e podem ir desde a exclusão até a superproteção20. O que confirma outros estudos onde se evidenciou que as mães exercem um cuidado diferenciado e superprotetor diante de um filho cardiopata18,21.

Desse modo, tem-se que a ecocardiografia fetal, como técnica diagnóstica, possibilita um momento importante para a relação materno-fetal, seja em situações de normalidade ou de anormalidade. Estudos têm demonstrado que a ecocardiografia normal em gestação de alto-risco proporciona segurança e conforto emocional à gestante, mediante a redução de sua ansiedade6. Além de contribuir para a transição da parentalidade, intensificando o vínculo com o feto e ampliando a adesão das mesmas ao tratamento22. Por outro lado, o diagnóstico fetal anormal produz uma experiência emocional impactante e acompanhada por múltiplos estressores, desafios e rompimentos23, merecendo atenção especial dos profissionais da saúde, tanto na dimensão médica quanto psicológica.

Receber o diagnóstico de cardiopatia fetal constitui-se um fator estressante, com repercussões emocionais intensas, que tanto podem ajudar a mulher a se preparar emocionalmente para os próximos momentos da gestação e após o nascimento, como podem exceder seus recursos psíquicos diante da situação, ameaçando seu bem-estar.

As estratégias cognitivas utilizadas no enfrentamento às situações estressantes (coping) são de grande importância nesse momento, por visarem à modulação da experiência estressante e, consequentemente, a manutenção do equilíbrio biopsicossocial. A maneira como o sujeito irá reagir diante de determinada situação depende das estratégias de enfrentamento a ser utilizada. O processo de coping depende de uma avaliação cognitiva que é realizada pelo sujeito frente ao evento, e diz como esse fenômeno é percebido, interpretado e representado pelo mesmo. Essa avaliação sofre interferências de variáveis físicas e psicológicas24.

Os resultados evidenciam que a maior parte das gestantes que receberam o diagnóstico de cardiopatia fetal utilizou-se de estratégias de resolução de problemas, onde esforços são destinados sobre o evento estressor com o intuito de alterar a situação. Pode-se perceber que estas mães procuraram enfrentar o conflito, buscando formas de solucioná-lo. Conforme Schmidt et al.25, o uso dessa estratégia contribui para uma melhor percepção e adaptação à situação.

Da mesma forma, o uso de estratégias que visam apoio e suporte social parece ter contribuído para o enfretamento da situação. Os esforços parentais destinados à procura de apoio social estão vinculados ao fortalecimento familiar, permitindo o uso de estratégias de coping mais efetivas no manejo da situação estressora26, o que pode ser observado nos resultados, onde o uso de estratégias de resolução de problemas foi significativamente maior em gestantes com companheiro.

O bom relacionamento da mulher com o parceiro contribui para a superação do medo e do sofrimento. O estreitamento da relação conjugal serve como um recurso importante, pois o casal pode compartilhar a sobrecarga vivida com a doença, bem como os cuidados com os demais membros da família27. A rede de apoio torna-se fundamental quando esta gestante já possui outros filhos. Para a mãe muitas vezes é difícil conviver com um filho cardiopata, o que a faz recair sobre um cuidado extremo, diferenciado e muitas vezes, supervalorizado, sendo frequente a distinção entre esse filho (cardiopata) e os demais. Extrema dedicação, somada às demandas de outros filhos, podem dificultar o uso de estratégias de resolução de problemas, quando essas não possuem uma rede de suporte com quem possam compartilhar a sobrecarga do momento, conforme evidenciado em mulheres que possuem mais de dois filhos.

O suporte social protege as pessoas do efeito nocivo do estresse28. O sentimento de pertença a uma rede de relações tem efetivas implicações sobre os processos cognitivos e emocionais, estando vinculadas ao bem-estar, a qualidade de vida do sujeito e a utilização de estratégias mais adaptativas.

O uso de estratégias de suporte social e resolução de problemas constituem-se em estratégias ativas que se direcionam ao controle do problema11. Esse tipo de estratégia contribui para um enfretamento eficaz frente ao mesmo o que, através da avaliação de resultados, permite um incremento na autoeficácia do sujeito.

Considerando a relevância do conhecimento materno diante do diagnóstico e das possibilidades e limites que a cardiopatia implica, pode-se observar que embora a maior parte das gestantes reconheça esses riscos tanto para a sua saúde, como para a saúde do bebê, um número elevado (44%) não relatou a existência dos mesmos, embora acreditem na necessidade de acompanhamento médico constante, o que nos remete a pensar que a ausência de informações que esclareçam o diagnóstico, também podem afetar a relação da mulher com sua gestação, através de uma contínua expectativa de que tudo está bem, adiando o contato com a realidade, prejudicando seu tratamento e causando dificuldades o enfrentamento da situação. Dessa forma, torna-se necessário avaliar como as informações estão sendo recebidas pelas gestantes, pois nem sempre elas estão compreendendo a situação, tendo em vista o impacto que o diagnóstico de anomalia no bebê causa no seu psiquismo21. Muitas vezes, esse impacto é tão intenso, que para manter o equilíbrio, as mães precisam fazer uso de estratégias voltadas para um conforto emocional que alivie a intensidade afetiva da estimulação aversiva, como as estratégias de evitação.

Os resultados apontam também para o uso de estratégias de fuga e esquiva por parte das gestantes, onde esforços cognitivos e comportamentais são utilizados com o intuito de escapar ou evitar o problema. No caso do diagnóstico da cardiopatia fetal, pode-se compreender que tais esforços sejam realizados com o objetivo de amenizar o impacto emocional, refletindo uma tentativa de manter o controle da situação. Para alguns autores29 a estratégia de evitação pode ser uma maneira construtiva de lidar com a situação de estresse em um determinado momento, evitando assim, que a situação de conflito se agrave. No entanto, quando prolongado, o uso dessa estratégia pode prejudicar planos futuros, como a busca por tratamento e cuidados26, sendo, portanto, menos adaptativa.

Embora a escolha por estratégias de coping estejam vinculadas a forma particular de como cada sujeito avalia o evento estressor, sabe-se que as mesmas são flexíveis, podendo ser modificadas de acordo com as experiências dos sujeitos naquele determinado momento. Assim, a participação ativa da equipe de saúde pode facilitar o processo de enfrentamento da gestante à situação estressora, auxiliando-a na busca por cuidados já no pré-natal, desmistificando medos, fantasias e fortalecendo a relação materno-fetal, mediante uma adequada adaptação a situação estressora.

O presente estudo possibilitou a compreensão das estratégias utilizadas pelas gestantes ao receberem o diagnóstico de cardiopatia fetal. Pode-se concluir que as estratégias de enfrentamento ativas, voltadas para a resolução de problemas e pela busca de suporte social, associadas à responsabilidade e à necessidade de cuidados específicos para a sobrevivência e o bem-estar do bebê, propiciaram uma relação mais próxima com a gestação, fortalecendo o vínculo materno-fetal.

Recebido 21/06/2011

Aceito com modificações 22/08/2011

Divisão de Clínica Obstétrica do Hospital Universitário, Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

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  • Correspondência:

    Gláucia Rosana Guerra Benute
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 155 – PAMB – térreo
    CEP: 05403-000
    São Paulo (SP), Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      21 Jun 2011
    • Aceito
      22 Ago 2011
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