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Complicações maternas associadas à via de parto em gestantes cardiopatas em um hospital terciário de Fortaleza, CE

Maternal complications related to the mode of delivery in pregnant women with heart disease in a specialist high risk delivery hospital in Fortaleza, CE

Resumos

OBJETIVO: Verificar a associação entre complicações maternas e tipo de parto em gestantes cardiopatas, assim como identificar os possíveis fatores clínicos e obstétricos, implicados na determinação da via de parto. MÉTODOS: Estudo retrospectivo e descritivo analisando prontuários médicos das gestantes cardiopatas internadas em Hospital de Referência terciário no município de Fortaleza, Ceará, no período de 2006 a 2007. A população do estudo incluiu todas as gestantes com diagnóstico anteparto de cardiopatias admitidas para realização do parto e excluiu as gestantes que tiveram o diagnóstico de cardiopatia após o parto, independente da idade e semana gestacional. Utilizou-se um questionário semiestruturado com variáveis demográficas, clínicas e obstétricas. Realizou-se, inicialmente, uma análise descritiva por meio de frequências simples e proporções das variáveis sociodemográficas, clínicas e obstétricas. Em seguida foram analisadas possíveis associações entre os aspectos clínicos, obstétricos e tipo de parto, verificando associação entre complicações maternas e tipo de parto. Para isso, foi aplicado o teste Exato de Fischer, considerando p<0,05 para o estabelecimento da significância estatística. Os dados coletados foram processados e analisados utilizando o software Epi-InfoTM, versão 6.04, Atlanta, USA. RESULTADOS: Foram incluídas 73 gestantes cardiopatas. Dentre as congênitas, a comunicação interatrial foi a mais observada (11,0%) e entre as adquiridas, a estone mitral a mais freqüente (24,6%). A proporção de partos cesáreos foi maior do que entre os vaginais, exceto para mulheres com cardiopatia adquirida. Foi encontrada associação entre tipo de cardiopatia e tipo de parto (p=0,01). Houve 13 complicações maternas (17,8%). Dentre as complicações, dez (76,9%) ocorreram por parto cesáreo e três por via vaginal. Não foi encontrada associação entre complicações maternas e tipo de parto em gestantes cardiopatas (p=0,74). CONCLUSÕES: Não houve associação entre a ocorrência de complicações maternas e a via de parto em gestantes cardiopatas.

Cardiopatias; Gestantes; Complicações da gravidez; Parto; Mortalidade materna


PURPOSE: To determine the association between maternal complications and type of delivery in women with heart disease and to identify the possible clinical and obstetrical factors implicated in the determination of the route of delivery. METHODS: This was a retrospective and descriptive study of the medical records of pregnant women with heart disease admitted to a tertiary reference hospital in the municipality of Fortaleza, Ceará, from 2006 to 2007. The study population included all pregnant women with an antepartum diagnosis of heart disease admitted for delivery, while women who received a diagnosis of heart disease after delivery were excluded, regardless of age and gestational week. A semi-structured questionnaire regarding sociodemographic, clinical and obstetrical variables was used. A descriptive analysis was first performed based on simple frequencies and proportions of the sociodemographic variables. Next, possible associations between clinical and obstetrical aspects and type of delivery were analyzed, with the verification of association between maternal complications and type of delivery. The Fisher exact test was applied for this analysis, with the level of significance set at p<0.05. The collected data were processed and analyzed using the Epi-InfoTM software version 6.04 (Atlanta, USA). RESULTS: Seventy-three pregnant women with heart disease were included in the study. Interatrial communication was the condition most frequently observed among congenital diseases (11.0%) and mitral calcification among the acquired ones (24.6%). The proportion of cesarean deliveries was higher than the proportion of vaginal deliveries, except for women with acquired heart disease. An association was detected between type of heart disease and type of delivery (p=0.01). There were 13 cases of maternal complications (17.8%). Among them, ten (76.9%) occurred during cesarean section and three during vaginal delivery. No association mas detected between maternal complications and type of delivery in pregnant women with heart disease (p=0.74). CONCLUSIONS: There was no association between the occurrence of maternal complications and route of delivery among pregnant women with heart disease.

Heart disease; Pregnant women; Pregnancy, complications; Parturition; Maternal mortality


ARTIGO ORIGINAL

Complicações maternas associadas à via de parto em gestantes cardiopatas em um hospital terciário de Fortaleza, CE

Maternal complications related to the mode of delivery in pregnant women with heart disease in a specialist high risk delivery hospital in Fortaleza, CE

Maria do Socorro CavalcanteI; Everardo de Macêdo GuanabaraII; Camila Pinto de NadaiIII

INúcleo Hospitalar de Epidemiologia do Hospital Geral Dr. César Cals – HGCC – Fortaleza (CE), Brasil

IIPrograma de Residência Médica em Tocoginecologia do Hospital Geral Dr. César Cals – HGCC – Fortaleza (CE), Brasil

IIIInternato de Tocoginecologia do Hospital Geral Dr. César Cals – HGCC – Fortaleza (CE), Brasil

Correspondência Correspondência Maria do Socorro Cavalcante Avenida Imperador 372 – Centro CEP 60015-052 Fortaleza (CE), Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a associação entre complicações maternas e tipo de parto em gestantes cardiopatas, assim como identificar os possíveis fatores clínicos e obstétricos, implicados na determinação da via de parto.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo e descritivo analisando prontuários médicos das gestantes cardiopatas internadas em Hospital de Referência terciário no município de Fortaleza, Ceará, no período de 2006 a 2007. A população do estudo incluiu todas as gestantes com diagnóstico anteparto de cardiopatias admitidas para realização do parto e excluiu as gestantes que tiveram o diagnóstico de cardiopatia após o parto, independente da idade e semana gestacional. Utilizou-se um questionário semiestruturado com variáveis demográficas, clínicas e obstétricas. Realizou-se, inicialmente, uma análise descritiva por meio de frequências simples e proporções das variáveis sociodemográficas, clínicas e obstétricas. Em seguida foram analisadas possíveis associações entre os aspectos clínicos, obstétricos e tipo de parto, verificando associação entre complicações maternas e tipo de parto. Para isso, foi aplicado o teste Exato de Fischer, considerando p<0,05 para o estabelecimento da significância estatística. Os dados coletados foram processados e analisados utilizando o software Epi-InfoTM, versão 6.04, Atlanta, USA.

RESULTADOS: Foram incluídas 73 gestantes cardiopatas. Dentre as congênitas, a comunicação interatrial foi a mais observada (11,0%) e entre as adquiridas, a estone mitral a mais freqüente (24,6%). A proporção de partos cesáreos foi maior do que entre os vaginais, exceto para mulheres com cardiopatia adquirida. Foi encontrada associação entre tipo de cardiopatia e tipo de parto (p=0,01). Houve 13 complicações maternas (17,8%). Dentre as complicações, dez (76,9%) ocorreram por parto cesáreo e três por via vaginal. Não foi encontrada associação entre complicações maternas e tipo de parto em gestantes cardiopatas (p=0,74).

CONCLUSÕES: Não houve associação entre a ocorrência de complicações maternas e a via de parto em gestantes cardiopatas.

Palavras-chave: Cardiopatias, Gestantes, Complicações da gravidez, Parto, Mortalidade materna

ABSTRACT

PURPOSE: To determine the association between maternal complications and type of delivery in women with heart disease and to identify the possible clinical and obstetrical factors implicated in the determination of the route of delivery.

METHODS: This was a retrospective and descriptive study of the medical records of pregnant women with heart disease admitted to a tertiary reference hospital in the municipality of Fortaleza, Ceará, from 2006 to 2007. The study population included all pregnant women with an antepartum diagnosis of heart disease admitted for delivery, while women who received a diagnosis of heart disease after delivery were excluded, regardless of age and gestational week. A semi-structured questionnaire regarding sociodemographic, clinical and obstetrical variables was used. A descriptive analysis was first performed based on simple frequencies and proportions of the sociodemographic variables. Next, possible associations between clinical and obstetrical aspects and type of delivery were analyzed, with the verification of association between maternal complications and type of delivery. The Fisher exact test was applied for this analysis, with the level of significance set at p<0.05. The collected data were processed and analyzed using the Epi-InfoTM software version 6.04 (Atlanta, USA).

RESULTS: Seventy-three pregnant women with heart disease were included in the study. Interatrial communication was the condition most frequently observed among congenital diseases (11.0%) and mitral calcification among the acquired ones (24.6%). The proportion of cesarean deliveries was higher than the proportion of vaginal deliveries, except for women with acquired heart disease. An association was detected between type of heart disease and type of delivery (p=0.01). There were 13 cases of maternal complications (17.8%). Among them, ten (76.9%) occurred during cesarean section and three during vaginal delivery. No association mas detected between maternal complications and type of delivery in pregnant women with heart disease (p=0.74).

CONCLUSIONS: There was no association between the occurrence of maternal complications and route of delivery among pregnant women with heart disease.

Keywords: Heart disease, Pregnant women, Pregnancy, complications, Parturition, Maternal mortality

Introdução

No Brasil, a incidência de cardiopatia na gravidez em centros de referência é de até 4,2% e universalmente é considerada a maior causa de morte materna indireta no ciclo gravídico-puerperal1. A gravidez representa um momento de grandes modificações no organismo materno. O sistema cardiovascular sofre alterações no débito cardíaco, frequência cardíaca, resistência vascular periférica e volemia, todas estas para possibilitar um fluxo útero-placentário satisfatório a nutrir e oxigenar o feto em desenvolvimento2,3. Estas mudanças solicitam um esforço maior do coração que, quando se apresenta com alguma disfunção, pode comprometer a evolução da gravidez, o parto e o puerpério3.

A classificação funcional da New York Heart Association (NYHA) é usada para avaliar o estado clínico de pacientes com doença cardíaca e auxiliar no prognóstico materno apontando as complicações maternas. A mortalidade materna é diretamente proporcional à classe funcional específica4,5. Pacientes cardiopatas com classes funcionais I e II costumam tolerar a gravidez, enquanto as que possuem classes funcionais III e IV têm maiores riscos de complicações cardiovasculares5.

Durante a gravidez de paciente cardiopata, a morbimortalidade materna e fetal aumenta, seja por complicações próprias da doença de base, como edema agudo de pulmão, fenômenos tromboembólicos, insuficiência cardíaca, seja como por complicações fetais6.

O risco de complicações entre as gestantes cardiopatas aumenta muito, principalmente no período periparto devido ao aumento da demanda cardíaca no parto e pós-parto decorrente das contrações uterinas, ansiedade, autotransfusão do útero e perdas sanguíneas2,5,7.

A determinação da via de parto, bem como do melhor momento para a resolução da gravidez, são ainda objetos de muitos questionamentos na gestação complicada pela cardiopatia materna8. Na literatura referente ao tema cardiopatia e gravidez existem poucos trabalhos focalizando complicações maternas e determinação da via de parto. Alguns autores associam o parto cesáreo ao maior risco de mortalidade e morbidade maternas8.

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi verificar a associação entre complicações maternas e via de parto em gestantes cardiopatas, assim como identificar os possíveis fatores clínicos e obstétricos implicados na determinação da via de parto em um Hospital de Referência para parto de alto risco no Nordeste do Brasil.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, descritivo e retrospectivo realizado em um hospital público, nível terciário com unidade de urgência e emergência em Ginecologia e Obstetrícia, referência para o atendimento à gestante de alto risco, no período de 2006 a 2007, no município de Fortaleza, Ceará.

A população do estudo incluiu todas as gestantes com diagnóstico anteparto de cardiopatias admitidas para realização do parto e excluiu as gestantes que tiveram o diagnóstico de cardiopatia após o parto, independente da idade e período gestacional. A idade gestacional variou da 27ª a 42ª semanas, média de 37,3 (±3 semanas). Entre 2006 e 2007 no Hospital de Referência terciário no município de Fortaleza, Ceará, foram admitidas para parto 15.098 gestantes e destas, 73 (0,5%) eram cardiopatas. A idade variou de 14 a 46 anos, com média de idade de 26,4 anos (±7 anos). A faixa etária mais frequente no estudo foi de 20 a 29 anos, correspondendo a 36 pacientes (49,3%). Mais da metade (58,9%) eram residentes em Fortaleza e possuíam entre 4 a 11 anos de estudo (76,7%); iniciaram o pré-natal no 2º trimestre gestacional e apenas 37,0% realizaram sete ou mais consultas de pré-natal. A cesárea foi o tipo de parto mais frequente, com 69,9%, e três (4,1%) foram a óbito (Tabela 1). Os dados foram coletados em duas etapas: primeiramente foram identificadas todas as gestantes cardiopatas internadas no hospital a partir dos livros de registros existentes na sala de parto. Na segunda etapa, após a identificação dos casos realizou-se a coleta das informações nos prontuários de todas as gestantes cardiopatas arquivados na instituição. As informações referentes às condições clínicas e obstétricas foram transcritas da evolução médica e de exames de imagem contidos nos prontuários. Utilizou-se um questionário semiestruturado com variáveis categorizadas em aspectos demográficos (idade, escolaridade, procedência), clínicos (tipos de cardiopatia, ocorrência de comorbidades) e obstétricos (início do pré-natal, número de consultas, presença de intercorrências, presença de complicações maternas, tipo de parto, óbito materno).

A variável complicação materna foi dividida em clínica e obstétrica, e definida como qualquer paciente que apresentasse um dos seguintes sintomas: descompensação do quadro clínico ou ocorrência de eventos cardiovasculares (disfunção de prótese, choque cardiogênico, parada cardiorrespiratória); anemia com necessidade de transfusão sanguínea; tromboembolismo pulmonar; edema agudo de pulmão; endocardite infecciosa. Quanto ao quadro obstétrico foram consideradas complicações: sangramento aumentado no parto decorrente de hipotonia uterina; traumatismo do canal de parto; presença de hematomas intraperitoneais e em parede abdominal ou ainda de vulva ou períneo; infecção puerperal.

Realizou-se, inicialmente, uma análise descritiva por meio de frequências simples e proporções das variáveis sociodemográficas, clínicas e obstétricas. Em seguida foram analisadas possíveis associações entre os aspectos clínicos, obstétricos e tipo de parto, verificando-se associação entre complicações maternas e tipo de parto. Para isso foi aplicado o teste exato de Fischer, considerando p<0,05 para o estabelecimento da significância estatística. As informações obtidas foram processadas e analisadas no software Epi-infoTM, versão 6.04, Atlanta, USA.

Este trabalho foi avaliado e aprovado em reunião do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Geral Dr. César Cals, local do estudo, com parecer de nº 209/2008.

Resultados

A Tabela 2 mostra os aspectos clínicos e obstétricos em relação ao tipo de parto. Observou-se que, para todos os tipos de cardiopatia, a proporção de partos cesáreos foi maior do que entre os vaginais, exceto na cardiopatia adquirida. Foi encontrada associação entre tipo de cardiopatia e tipo de parto (p=0,01). Entre o grupo das comorbidades clínicas, destaca-se a hipertensão arterial e anemia, tendo a cesárea como via de parto mais frequente. Dentre as intercorrências obstétricas, não foram encontradas diferenças nas proporções em relação ao tipo de parto.

Neste estudo foram encontradas 13 complicações maternas (17,8%). Dentre as complicações, dez (76,9%) ocorreram pós-parto cesáreo e três pós via vaginal. Não foi encontrada associação entre tipo de parto e complicações maternas em gestantes cardiopatas (p=0,7).

As complicações obstétricas observadas neste estudo foram: hipotonia uterina com sangramento transvaginal intenso com necessidade de transfusão sanguínea (dois casos) e hematoma de parede abdominal (dois casos). As complicações clínicas encontradas foram: infecção de sítios extrauterinos (vias aéreas), edema agudo de pulmão, choque cardiogênico, tromboembolismo pulmonar, endocardite infecciosa, oclusão arterial aguda e morte materna em três casos (dados não apresentados em tabela).

Discussão

Existem poucos trabalhos na literatura sobre o tema discutido neste estudo, o qual apresenta algumas limitações, dentre as quais se destaca a falta de registro da classe funcional em alguns prontuários, que prediz o prognóstico da gravidez em cardiopatas, o que impossibilitou a avaliação desta variável. Portanto, o fato de este estudo ser retrospectivo e depender de informações registradas em prontuários dificultou uma melhor análise das complicações maternas.

As gestantes cardiopatas eram jovens, com baixo nível de escolaridade e com dificuldade de acesso aos serviços de atendimento pré-natal. Este estudo mostra que, de acordo com o preconizado pelo Ministério da Saúde, pouco mais de um terço das gestantes frequentaram o serviço de pré-natal e tiveram o número de consultas consideradas adequadas (seis consultas), e quase metade das gestantes iniciaram o pré-natal no segundo trimestre. É importante lembrar que a assistência pré-natal iniciada em fase precoce da gestação desempenha um papel fundamental para o sucesso da condução da gestante cardiopata. Portanto, associando um número de consultas de pré-natal satisfatório com uma atenção de qualidade iniciada no momento certo, pode-se reduzir consideravelmente os riscos de complicações. Também foi observado que boa parte das pacientes tinha apenas o ensino fundamental incompleto (4 a 7 anos de estudo). A este respeito, o Ministério da Saúde9 cita a baixa escolaridade como fator desfavorável à gravidez, implicando na deficiência das gestantes ao entendimento, aceitação e seguimento das orientações prestadas pelos profissionais de saúde.

A incidência de cardiopatia no hospital no período analisado foi de 0,5%, semelhante aos resultados apresentados por Avila et al.10. Diante do exposto, conclui-se que o hospital de referência onde se deu a realização deste estudo conseguiu captar parte das gestantes cardiopatas do Estado. Para Reimold e Rutherford11, apesar de a incidência de cardiopatia ser baixa na gravidez, a sua presença aumenta o risco de resultados adversos maternos e perinatais.

Observou-se que o parto cesáreo foi empregado para a maioria das pacientes e esteve relacionado à presença de cesárea anterior, intercorrências obstétricas, apresentação pélvica, diagnóstico de cardiopatia congênita e alguns casos que não foram discriminados. O Brasil está entre os países com mais alta taxa de cesárea (alcançando aproximadamente 40%), mas o recomendado pela Organização Mundial da Saúde é de apenas 15%8. A taxa de cesárea entre as mulheres portadoras de doença cardíaca tende a ser mais elevada do que entre as mulheres saudáveis, seja devido a questões clínicas, seja decorrente de repercussões perinatais2. Comparando a taxa obtida com aquelas relatadas em outros estudos, verificou-se que a prevalência de cesáreas nesta população foi alta, mas esteve dentro da faixa esperada para gestantes cardiopatas atendidas em hospital terciário.

Quanto à etiologia, os casos foram divididos em: arritmias, cardiopatias adquiridas e congênitas. Dentre as adquiridas, a doença cardíaca reumática foi a mais prevalente, o que confirma os dados encontrados em outros estudos5,10. A cardiopatia reumática predomina nos países em desenvolvimento, enquanto em países como Canadá e Estados Unidos predominam as pacientes com cardiopatia congênita10. O parto cesáreo predominou em todos os tipos de cardiopatia.

Quanto à presença de comorbidades clínicas, a anemia foi a mais comumente observada, podendo, assim, precipitar as complicações cardiovasculares. Mais uma vez, ressalta-se aqui a importância de uma assistência pré-natal eficaz para reduzir estes achados adversos. Deve-se atentar, também, que o próprio trabalho de parto induz a paciente grávida a um maior esforço com demanda maior de oxigênio, e em situações de anemia, pode gerar uma situação compensatória de alto débito, mas que esbarraria em situações de débito cardíaco fixo, como as valvopatias reumáticas estenóticas do tipo mitral, com repercussões como edema agudo de pulmão, aumentando o risco de complicações no parto e puerpério.

Dentre as intercorrências obstétricas, a amniorrexe prematura foi a mais prevalente. Foram também encontrados neste estudo casos de crescimento intrauterino restrito (CIUR). Borges et al.12 relataram que as modificações hemodinâmicas e cardíacas que ocorrem durante a gestação guardam íntima relação com o resultado perinatal.

A maioria dos partos não estavam associados às comorbidades clínicas, intercorrências obstétricas e complicações maternas. Foram observados três casos de morte materna, um no intraparto e dois no puerpério imediato, nas primeiras 72 horas. A mortalidade materna neste estudo foi de 4,1%. De acordo com Viñas Oliva et al.13, em estudo cubano abrangendo 233 gestantes cardiopatas, a taxa de mortalidade materna foi de 1,2%. A frequência de complicações maternas observadas neste estudo não está muito acima dos números referidos na literatura, apesar da alta prevalência de partos cesáreos neste estudo. Os partos cesáreos devem ser realizados com indicação obstétrica por estarem associados a maior perda sanguínea, alto risco de tromboembolismo e risco de infecções2.

Concluiu-se, neste estudo, que o parto cesáreo foi predominante entre as gestantes cardiopatas, apesar de o parto vaginal com fórceps ser o recomendado. Considerando que este tipo de parto expõe a mulher a maior risco de complicações e morte, torna-se imprescindível melhorar a qualidade do pré-natal, formar equipes multidisciplinares para prestar assistência pré-natal e parto, para acompanhar com maior segurança a gravidez da gestante cardiopata e escolher a melhor via de parto.

Recebido 22/08/2011

Aceito com modificações 25/01/2012

Trabalho realizado no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Geral Dr. César Cals – HGCC – Fortaleza (CE), Brasil.

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  • Correspondência
    Maria do Socorro Cavalcante
    Avenida Imperador 372 – Centro
    CEP 60015-052
    Fortaleza (CE), Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      22 Ago 2011
    • Aceito
      25 Jan 2012
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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