Acessibilidade / Reportar erro

A importância do teste de tolerância à glicose oral no diagnóstico da intolerância à glicose e diabetes mellitus do tipo 2 em mulheres com síndrome dos ovários policísticos

The importance of oral glucose tolerance test in diagnosis of glucose intolerance and type 2 diabetes mellitus in women with polycystic ovary syndrome

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a importância do teste de tolerância à glicose oral (TTGO) no diagnóstico da intolerância à glicose (IG) e diabetes mellitus do tipo 2 (DM-2) em mulheres com SOP. MÉTODOS: Estudo retrospectivo em que foram incluídas 247 pacientes portadoras de SOP, selecionadas de forma aleatória. O diagnóstico de IG foi obtido por meio do TTGO de duas horas com 75 gramas de glicose de acordo com os critérios do World Health Organization (WHO) (IG: glicemia plasmática aos 120 minutos >140 mg/dL e <200 mg/dL); e o de DM-2 tanto pelo TTGO (DM: glicemia plasmática aos 120 minutos >200 mg/dL) quanto pela glicemia de jejum segundo os critérios da American Diabetes Association (glicemia de jejum alterada: glicemia plasmática >100 e <126 mg/dL; DM: glicemia de jejum >126 mg/dL). Para comparar o TTGO com a glicemia de jejum foi aplicado o modelo de regressão logística para medidas repetidas. Para a análise das características clínicas e bioquímicas das pacientes com e sem IG e/ou DM-2 foi utilizada a ANOVA seguida do teste de Tukey. O valor p<0,05 foi considerado estatisticamente significante. RESULTADOS: As pacientes com SOP apresentaram média etária de 24,8±6,3 e índice de massa corpórea (IMC) entre 18,3 e 54,9 kg/m² (32,5±7,6). O percentual de pacientes obesas foi de 64%, de sobrepeso 18,6%, e peso saudável 17,4%. O TTGO identificou 14 casos de DM-2 (5,7%), enquanto a glicemia de jejum detectou somente três casos (1,2%), sendo que a frequência destes distúrbios foi maior com o aumento da idade e IMC. CONCLUSÕES: Os resultados do presente estudo demonstram a superioridade do TTGO em relação à glicemia de jejum em diagnosticar DM-2 em mulheres jovens com SOP e deve ser realizado neste grupo de pacientes.

Diabetes mellitus; Intolerância à glucose; Obesidade; Síndrome do ovário policístico


PURPOSE: To evaluate the importance of the oral glucose tolerance test for the diagnosis of glucose intolerance (GI) and type 2 diabetes mellitus (DM-2) in women with PCOS. METHODS: A retrospective study was conducted on 247 patients with PCOS selected at random. The diagnosis of GI was obtained from the two-hour oral glucose tolerance test with 75 g of glucose according to the criteria of the World Health Organization (WHO) (GI: 120 minutes for plasma glucose >140 mg/dL and <200 mg/dL), and the diagnosis of DM-2 was obtained by both the oral glucose tolerance test (DM: 120 minutes for plasma glucose >200 mg/dL) and fasting glucose using the criteria of the American Diabetes Association (impaired fasting glucose: fasting plasma glucose >100 and <126 mg/dL; DM: fasting glucose >126 mg/dL). A logistic regression model for repeated measures was applied to compare the oral glucose tolerance test with fasting plasma glucose. ANOVA followed by the Tukey test was used for the analysis of the clinical and biochemical characteristics of patients with and without GI and/or DM-2. A p<0.05 was considered statistically significant. RESULTS: PCOS patients had a mean age of 24.8±6.3, and body mass index (BMI) of 18.3 to 54.9 kg/m² (32.5±7.6). The percentage of obese patients was 64%, the percentage of overweight patients was 18.6% and 17.4% had healthy weight. The oral glucose tolerance test identified 14 cases of DM-2 (5.7%), while fasting glucose detected only three cases (1.2%), and the frequency of these disorders was higher with increasing age and BMI. CONCLUSIONS: The results of this study demonstrate the superiority of the oral glucose tolerance test in relation to fasting glucose in diagnosing DM-2 in young women with PCOS and should be performed in these patients.

Diabetes mellitus; Glucose intolerance; Obesity; Polycystic ovary syndrome


ARTIGO ORIGINAL

A importância do teste de tolerância à glicose oral no diagnóstico da intolerância à glicose e diabetes mellitus do tipo 2 em mulheres com síndrome dos ovários policísticos

The importance of oral glucose tolerance test in diagnosis of glucose intolerance and type 2 diabetes mellitus in women with polycystic ovary syndrome

Ana Gabriela PontesI; Marta Francis Benevides RehmeII; Maria Thereza Albuquerque Barbosa Cabral MicussiIII; Técia Maria de Oliveira MaranhãoIV; Walkyria de Paula PimentaV; Lídia Raquel de CarvalhoVI; Anaglória PontesVII

IPrograma de Pós-graduação em Ginecologia, Obstetrícia e Mastologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" – UNESP – Botucatu (SP), Brasil

IIDepartamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná – UFPR – Curitiba (PR), Brasil

IIIDepartamento de Fisioterapia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil

IVDepartamento de Tocoginecologia e Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil

VDepartamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" – UNESP – Botucatu (SP), Brasil

VIDepartamento de Bioestatística do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" – UNESP – Botucatu (SP), Brasil

VIIPrograma de Pós-graduação em Ginecologia, Obstetrícia e Mastologia do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" – UNESP – Botucatu (SP), Brasil

Correspondência Correspondência Ana Gabriela Pontes Santos Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu Distrito de Rubião Júnior s/n CEP 18618-970 Botucatu (SP), Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a importância do teste de tolerância à glicose oral (TTGO) no diagnóstico da intolerância à glicose (IG) e diabetes mellitus do tipo 2 (DM-2) em mulheres com SOP.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo em que foram incluídas 247 pacientes portadoras de SOP, selecionadas de forma aleatória. O diagnóstico de IG foi obtido por meio do TTGO de duas horas com 75 gramas de glicose de acordo com os critérios do World Health Organization (WHO) (IG: glicemia plasmática aos 120 minutos >140 mg/dL e <200 mg/dL); e o de DM-2 tanto pelo TTGO (DM: glicemia plasmática aos 120 minutos >200 mg/dL) quanto pela glicemia de jejum segundo os critérios da American Diabetes Association (glicemia de jejum alterada: glicemia plasmática >100 e <126 mg/dL; DM: glicemia de jejum >126 mg/dL). Para comparar o TTGO com a glicemia de jejum foi aplicado o modelo de regressão logística para medidas repetidas. Para a análise das características clínicas e bioquímicas das pacientes com e sem IG e/ou DM-2 foi utilizada a ANOVA seguida do teste de Tukey. O valor p<0,05 foi considerado estatisticamente significante.

RESULTADOS: As pacientes com SOP apresentaram média etária de 24,8±6,3 e índice de massa corpórea (IMC) entre 18,3 e 54,9 kg/m² (32,5±7,6). O percentual de pacientes obesas foi de 64%, de sobrepeso 18,6%, e peso saudável 17,4%. O TTGO identificou 14 casos de DM-2 (5,7%), enquanto a glicemia de jejum detectou somente três casos (1,2%), sendo que a frequência destes distúrbios foi maior com o aumento da idade e IMC.

CONCLUSÕES: Os resultados do presente estudo demonstram a superioridade do TTGO em relação à glicemia de jejum em diagnosticar DM-2 em mulheres jovens com SOP e deve ser realizado neste grupo de pacientes.

Palavras-chave:Diabetes mellitus, Intolerância à glucose/diagnóstico, Obesidade, Síndrome do ovário policístico

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate the importance of the oral glucose tolerance test for the diagnosis of glucose intolerance (GI) and type 2 diabetes mellitus (DM-2) in women with PCOS.

METHODS: A retrospective study was conducted on 247 patients with PCOS selected at random. The diagnosis of GI was obtained from the two-hour oral glucose tolerance test with 75 g of glucose according to the criteria of the World Health Organization (WHO) (GI: 120 minutes for plasma glucose >140 mg/dL and <200 mg/dL), and the diagnosis of DM-2 was obtained by both the oral glucose tolerance test (DM: 120 minutes for plasma glucose >200 mg/dL) and fasting glucose using the criteria of the American Diabetes Association (impaired fasting glucose: fasting plasma glucose >100 and <126 mg/dL; DM: fasting glucose >126 mg/dL). A logistic regression model for repeated measures was applied to compare the oral glucose tolerance test with fasting plasma glucose. ANOVA followed by the Tukey test was used for the analysis of the clinical and biochemical characteristics of patients with and without GI and/or DM-2. A p<0.05 was considered statistically significant.

RESULTS: PCOS patients had a mean age of 24.8±6.3, and body mass index (BMI) of 18.3 to 54.9 kg/m2 (32.5±7.6). The percentage of obese patients was 64%, the percentage of overweight patients was 18.6% and 17.4% had healthy weight. The oral glucose tolerance test identified 14 cases of DM-2 (5.7%), while fasting glucose detected only three cases (1.2%), and the frequency of these disorders was higher with increasing age and BMI.

CONCLUSIONS: The results of this study demonstrate the superiority of the oral glucose tolerance test in relation to fasting glucose in diagnosing DM-2 in young women with PCOS and should be performed in these patients.

Keywords:Diabetes mellitus, Glucose intolerance/diagnosis, Obesity, Polycystic ovary syndrome

Introdução

A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é uma endocrinopatia comum durante o menacme, caracterizada pela anovulação crônica (oligomenorreia ou amenorreia), hiperandrogenismo e morfologia ovariana policística1. Mulheres com SOP apresentam risco elevado para intolerância à glicose (IG) e diabetes mellitus do tipo 2 (DM-2)2-4. Por este motivo, o rastreamento para as alterações do metabolismo da glicose é recomendado para todas as pacientes com SOP5,6. O DM é um problema de saúde pública, sendo que a SOP é considerada um fator predisponente para o desenvolvimento do DM-27. A American Diabetes Association (ADA)8 recomenda a glicemia de jejum para o rastreamento do DM na população geral, embora este exame não se aplique a mulheres com SOP, que subdiagnostica os casos de DM-22,8.

O exame padrão utilizado para o rastreamento do DM-2 na SOP é o teste de tolerância à glicose oral (TTGO) de duas horas6. Controvérsias existem quanto à utilização do TTGO no rastreamento do DM-2 na SOP, ou seja, se este deve ser realizado em todas as pacientes5, somente nas obesas9, ou na presença de fatores de risco como a idade >45 anos, obesidade, adiposidade abdominal, resistência à insulina e história familiar de DM10.

Levando-se em consideração estes dados, o objetivo do presente estudo foi avaliar a importância da utilização do TTGO para o diagnóstico da IG e DM-2 em mulheres com SOP.

Métodos

Foram analisadas, retrospectivamente, 247 mulheres selecionadas de forma aleatória, portadoras de SOP, seguidas no Ambulatório de Ginecologia Endócrina do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, no período de 1997 a 2007. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do referido hospital sob nº 639/2006.

Foram incluídas mulheres com idade compreendida entre 12 e 40 anos, que apresentavam menarca há pelo menos dois anos, e com o diagnóstico de SOP pelos critérios estabelecidos pelo consenso de Rotterdam1, que compreende a presença de pelo menos dois dos três critérios seguintes: oligomenorreia e/ou amenorreia, sinais clínicos (hirsutismo e/ou acne) e/ou bioquímicos (elevação dos níveis séricos de testosterona); e morfologia ovariana policística (presença de 12 ou mais folículos em cada ovário medindo entre 2 e 9 mm de diâmetro e/ou volume ovariano >10 mm3.

Foram excluídas pacientes que apresentassem outras doenças que cursavam com anovulação crônica e/ou hiperandrogenismo (hiperprolactinemia, distúrbios da tireoide, hiperplasia adrenal congênita de início tardio, síndrome de Cushing e tumores produtores de androgênios de origem adrenal ou ovariana), e as que estivessem em uso de qualquer medicação que interferisse no eixo hipotálamo-hipófise-ovário há menos de 90 dias.

Em todas as pacientes foram avaliados: o padrão menstrual (a amenorreia foi definida por ausência de menstruação por no mínimo três meses e a oligomenorreia, menstruações com intervalo menor que 35 dias e inferior a 90 dias); o histórico familiar de diabetes; o índice de Ferriman-Gallwey modificado11 (a paciente foi considerada hirsuta quando o somatório das áreas foi maior ou igual a 8); a acantosis nigricans foi pesquisada em regiões de dobras como a nuca, axila, região inframamária e raiz de coxas12; na presença de acne, a paciente foi classificada em três graus13. Para circunferência da cintura (CC), foi considerada a medida da cintura na menor circunferência entre o rebordo costal e a crista ilíaca com limite de corte de 80 cm14; o Índice de Massa Corpórea (IMC) foi calculado por meio do índice de Quetelet15, cujo valor é obtido pela razão peso/estatura2, considerando peso normal nos valores entre 18,5 e 24,9, sobrepeso entre 25 e 29,9 e obesidade acima de 30 kg/m2.

A Testosterona total e a dehidroepiandrosterona sulfato (DHEA-S) foram dosadas pelo método de quimioluminescência no equipamento Immulite 2000® (Diagnostic Products Corporation – Los Angeles CA, EUA) e com valor de normalidade de até 80 ng/dL e 600 µ/dL, respectivamente, para testosterona total e DHEA-S.

O diagnóstico de IG e DM tipo 2 foi realizado pelo teste de tolerância à glicose com 75 gramas de glicose anidra, sem restrição calórica, por via oral, dissolvida em 300 mL de água, entre 8 e 9 horas da manhã, após jejum noturno de 12 horas. A solução foi ingerida em um tempo máximo de cinco minutos. Amostras de sangue para dosagem de glicemia foram obtidas imediatamente, antes e após 120 minutos da ingestão de glicose por via oral. A concentração plasmática de glicose foi determinada pelo teste enzimático calorimétrico da glicose – oxidase no equipamento Vitrus modelo 950 (Johnson e Johnson®), e o resultado expresso em mg/dL. Os distúrbios do metabolismo da glicose foram classificados de acordo com critérios do World Health Organization (WHO)16 (IG: glicemia plasmática aos 120 minutos >140 e <200 mg/dL; DM: glicemia plasmática aos 120 minutos >200 mg/dL) e de acordo com as recomendações da American Diabetes Association (ADA)8, que utiliza a glicemia de jejum (glicemia de jejum alterada: glicemia plasmática >100 e <126 mg/dL; DM: glicemia plasmática de jejum >126 mg/dL).

Dentre as dosagens bioquímicas, foi investigado o colesterol total (CT), HDL-colesterol (HDL-C), LDL-colesterol (LDL-C) e triglicerídeos (TG), realizados pelo método de química seca, no Vitrus 950. Considerou-se como valores normais, CT igual ou abaixo a 200 mg/dL, HDL-C maior ou igual a 50 mg/dL, LDL-C abaixo de 100 mg/dL e TG abaixo de 150 mg/dL 17.

As variáveis que apresentaram distribuição normal pelo teste de Kolmogorov-Smirnov foram expressas em médias, desvio-padrão (±), e em frequências (%), e o triglicerídeo (TG) que não teve distribuição normal foi apresentado em mediana e quartis. Para comparar o TTGO com a glicemia de jejum foi aplicado o modelo de regressão logística para medidas repetidas. Para análise das características clínicas e bioquímicas das pacientes com e sem IG e/ou DM-2 foi utilizada a análise de variância (ANOVA) seguida do teste de Tukey para as variáveis normais, e para o TG foi ajustado um modelo linear generalizado assumindo distribuição gama e função de ligação logarítmica, seguido de teste de comparações múltiplas (LSmeans test). O p<0,05 foi considerado estatisticamente significante. Foi utilizado o programa Statistical Analysis System (SAS), for Windows, versão 9.2 (SAS, Inc.North-Caroline-Cary).

Resultados

As características clínicas e bioquímicas das pacientes com SOP estão apresentadas na Tabela 1. A média de idade das 247 mulheres com SOP foi de 24,8±6,3 (12–40 anos) e do IMC de 32,5±7,6 kg/m2 (18,3–54,9). Destas, 64% (158/247) eram obesas, 18,6% (46/247) tinham sobrepeso e 17,4% (43/247) apresentavam peso saudável. A história familiar de diabetes mellitus foi relatada em 57% (141/247) dos casos, e este percentual foi maior nas pacientes com IG (60,0%) e DM-2 (71,4%) do que nas euglicêmicas (30,4%).

O TTGO mostrou significativamente maior frequência de DM-2 (5,7%) do que a glicemia plasmática de jejum (1,2%), e diagnosticou 10,1% de IG. A glicemia de jejum detectou 89,5% (221/247) de mulheres euglicêmicas, enquanto o TTGO diagnosticou 84,2% (208/247), ou seja, maior número de alterações do metabolismo da glicose nestas pacientes com SOP (Tabela 2). Entre as pacientes obesas (158/247) observou-se 23 casos de IG e 13 de DM-2. Uma com sobrepeso (46/247) apresentou IG, e outra, DM-2. Em uma paciente com peso saudável (43/247) detectou-se IG.

As características clínicas e bioquímicas analisadas em relação à ausência ou presença de anormalidades do metabolismo da glicose, de acordo com o TTGO, estão representadas na Tabela 3. As mulheres com IG e DM-2 apresentaram maior idade, IMC e circunferência da cintura e valores de triglicerídeos significativamente maiores (p<0,0001) do que aquelas com tolerância normal à glicose. Não houve diferença significativa entre as pacientes com ou sem IG e/ou DM-2 quanto aos valores de testosterona total, CT e LDL-C.

Discussão

Os resultados do presente estudo demonstram a superioridade do TTGO em relação à glicemia de jejum em detectar IG e DM-2 em mulheres jovens com SOP. Estes dados são consistentes com estudos prévios que mostram a necessidade de realização do TTGO em mulheres com SOP2,5,18,19, e demonstram que a glicemia de jejum subdiagnóstica e é relativamente insensível na SOP, pois as pacientes com SOP e IG podem apresentar glicemia de jejum normal2,8.

Apesar de observarmos que as mulheres obesas com SOP apresentaram maior frequência de IG 14,5% (23/158) e DM-2 8,2% (13/158), não podemos deixar de levar em consideração um caso de IG detectado em uma paciente com peso saudável, e em outra, com sobrepeso, além de um caso de DM-2 em uma mulher com sobrepeso. Estes dados ressaltam a importância de se realizar o TTGO em mulheres com SOP, uma vez que a IG é considerada um importante preditor de DM-220.

As frequências de IG (10,1%) e DM-2 (5,7%) utilizando-se o TTGO observada no presente estudo, são superiores às encontradas para a população geral (2,7 e 3,0%) em mulheres brasileiras da mesma faixa etária21,22. Porém, são inferiores à descrita em um grupo de pacientes com SOP obesas que apresentaram 30,5% de IG e 13,3% de DM-2 versus SOP não obesas (12,2x4,4%) de Ribeirão Preto – (SP)23, mas comparáveis à frequência de DM-2 (4,8%) em mulheres com SOP na cidade de São Paulo18, e também as verificadas em pacientes australianas com SOP (15,6% IG e 4,0% de DM-2)3.

As alterações do metabolismo da glicose na SOP variam de acordo com a população estudada e com o critério utilizado para realizar o diagnóstico de diabetes. É conhecida a influência dos fatores genéticos, ambientais e estilo de vida na frequência destes distúrbios 24,25. Nossos resultados também mostram que a IG e DM-2 aumentam com a idade e o IMC, conforme descritos anteriormente em populações com SOP de origem americana, australiana, brasileira, italiana e espanhola2,3,23,26,27. É conhecido que a obesidade e o aumento da idade são fatores clássicos para o desenvolvimento do DM-2, decorrente da exacerbação da resistência à insulina que predispõe ao aparecimento das anormalidades do metabolismo da glicose28. A história familiar de DM elevada neste grupo de mulheres jovens com SOP demonstra a relevância deste fator no desenvolvimento do DM.

O aumento do TG e a diminuição do HDL-C verificada neste estudo, associada ao aumento do IMC, são consonantes com outros autores29,30. A obesidade e a resistência à insulina presente na maioria das portadoras de SOP está associada à disfunção endotelial, que apresenta como um dos mecanismos fisiopatogênicos, a elevação dos ácidos graxos livres e dos triglicerídeos, predispondo estas mulheres a um aumento de risco cardiovascular31.

É importante salientar que a maioria das pacientes incluídas no presente estudo apresentaram a forma clássica da SOP (oligoanovulação e hiperandrogenismo) e eram obesas, e estas características podem ter influenciado no aparecimento precoce da IG e DM-2 neste grupo de pacientes com SOP.

Apesar das divergências sobre o TTGO ser realizado em todas mulheres com SOP 9,10,19, o presente estudo demonstra que o TTGO identifica maior número de anormalidades do metabolismo da glicose do que a glicemia de jejum, e deve ser realizado em pacientes com SOP. A oportunidade de se diagnosticar IG e DM-2 em pacientes jovens com SOP pode beneficiar estas mulheres com modificações do estilo de vida e intervenções médicas e contribuir para a prevenção do DM a longo prazo.

Recebido 24/10/2011

Aceito com modificações 20/01/2012

Trabalho realizado no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" – UNESP – Botucatu (SP), Brasil.

  • 1. Rotterdam ESHRE/ASRM-Sponsored PCOS Consensus Workshop Group. Revised 2003 consensus on diagnostic criteria and long-term health risks related to polycystic ovary syndrome. Fertil Steril. 2004;81(1):19-25.
  • 2. Legro RS, Kunselman AR, Dodson WC, Dunaif A. Prevalence and predictors of risk for type 2 diabetes mellitus and impaired glucose tolerance in polycystic ovary syndrome: a prospective, controlled study in 254 affected women. J Clin Endocrinol Metab. 1999;84(1):165-9.
  • 3. Dabadghao P, Roberts BJ, Wang J, Davies MJ, Norman RJ. Glucose tolerance abnormalities in Australian women with polycystic ovary syndrome. Med J Aust. 2007;187(6):328-31.
  • 4. Moran LJ, Misso ML, Wild RA, Norman RJ. Impaired glucose intolerance, type 2 diabetes and metabolic syndrome in polycystic ovary syndrome: a systematic review and meta-analysis. Hum Reprod Update. 2010;16(4):347-63.
  • 5. Salley KE, Wickham EP, Cheang KI, Essah PA, Karjane NW, Nestler JE. Glucose intolerance in polycystic ovary syndrome: a position statement of the Androgen Excess Society. J Clin Endocrinol Metab. 2007;92(12):4546-56.
  • 6. ACOG Committee on Practice Bulletins-Gynecology. ACOG Practice Bulletin No. 108: polycystic ovary syndrome. Obstet Gynecol. 2009;114(4):936-49.
  • 7. American Diabetes Association. Standards of medical care in diabetes-2008. Diabetes Care. 2008;31( Suppl 1):S12-S54.
  • 8. American Diabetes Association. Standards of medical care in diabetes. Diabetes Care. 2010;33 Suppl 1:S11-S61.
  • 9. Stovall DW, Bailey AP, Pastore LM. Assessment of insulin resistance and impaired glucose tolerance in lean women with polycystic ovary syndrome. J Womens Health (Larchmt). 2011;20(1):37-43.
  • 10. Moran LJ, Strauss BJ, Teede HJ. Diabetes risk score in the diagnostic categories of polycystic ovary syndrome. Fertil Steril. 2011;95(5):1742-8.
  • 11. Hatch R, Rosenfield RL, Kim MH, Tredway D. Hirsutism: implications, etiology, and management. Am J Obstet Gynecol. 1981;140(7):815-30.
  • 12. Hermmans-Lê T, Hermanns JF, Piérard GE. Juvenile acanthosis nigricans and insulin resistance. Pediatr Dermatol. 2002;19(1):12-4.
  • 13. Rosenfield RL, Lucky AW. Acne, hirsutism, and alopecia in adolescents girls. Clinical expressions of androgen excess. Endocrinol Metab Clin North Am. 1993;22(3):507-32.
  • 14. Han TS, van Leer EM, Seidell JC, Lean ME. Waist circumference action levels in the identification of cardiovascular risk factors: prevalence study in a random sample. BMJ. 1995; 311(7017):1401-5.
  • 15
    World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO Consultation on Obesity. Geneva: WHO; 1997.
  • 16
    World Health Organization. Diabetes mellitus. Report of WHO Study Group. Geneva: WHO; 1985.
  • 17. Sociedade Brasileira de Cardiologia. IV diretriz brasileira sobre dislipidemias e prevenção da aterosclerose. Arq Bras Cardiol. 2007;88 Suppl 1:2-19.
  • 18. Barcellos CRG, Rocha MP, Hayashida SAY, Nery M, Marcondes JAM. Prevalence of abnormalities of glucose metabolism in patients with polycystic ovary syndrome. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2007;51(4):601-5.
  • 19. Hurd WW, Abdel-Rahman MY, Ismail SA, Abdellah MA, Schmotzer CL, Sood A. Comparison of diabetes mellitus and insulin resistance screening methods for women with polycystic ovary syndrome. Fertil Steril. 2011;96(4):1043-7.
  • 20. Legro RS, Gnatuk CL, Kunselman AR, Dunaif A. Changes in glucose tolerance over time in women with polycystic ovary syndrome: a controlled study. J Clin Endocrinol Metab. 2005;90(6):3236-42.
  • 21. Malerbi DA, Franco LJ. The Brazilian Cooperative Group on the Study of Diabetes Prevalence. Multicenter study of the prevalence of diabetes mellitus and impaired glucose tolerance in the urban Brazilian population aged 30-69 yr. The Brazilian Cooperative Group on the Study of Diabetes Prevalence. Diabetes Care. 1992;15(11):1509-16.
  • 22. Torquato MT, Montenegro Júnior RM, Viana LA, Souza RA, Lanna CM, Lucas JC, et al. Prevalence of diabetes mellitus and impaired glucose tolerance in the urban population aged 30-69 years in Ribeirão Preto (São Paulo), Brazil. São Paulo Med J. 2003;121(6):224-30.
  • 23. Romano LGM, Bedoschi G, Melo AS, Albuquerque FO, Silva ACJSR, Ferriani RA, et al. Anormalidades metabólicas em mulheres com síndrome dos ovários policísticos: obesas e não obesas. Rev Bras Ginecol Obstet. 2011;33(6):310-6.
  • 24. Hamman RF. Genetic and environmental determinants of non-insulin dependent diabetes mellitus (NIDDM). Diabetes Metab Rev. 1992;8(4):287-338.
  • 25. Taniguchi A, Fukushima M, Sakai M, Kataoka K, Nagata I, Doi K, et al. The role of the body mass index and triglyceride levels in identifying insulin-sensitive and insulin-resistant variants in Japanese non-insulin-dependent diabetic patients. Metabolism. 2000;49(8):1001-5.
  • 26. Gambineri A, Pelusi C, Manicardi E, Vicennati V, Cacciari M, Morselli-Labate AM, Pagotto U, et al. Glucose intolerance in a large cohort of mediterranean women with polycystic ovary syndrome: phenotype and associated factors. Diabetes. 2004;53(9):2353-8.
  • 27. Luque-Ramírez M, Alpañés M, Escobar-Morreale HF. The determinants of insulin sensitivity, β-cell function, and glucose tolerance are different in patients with polycystic ovary syndrome than in women who do not have hyperandrogenism. Fertil Steril. 2010;94(6):2214-21.
  • 28. Everhart J, Knowler WC, Bennett PH. Incidence and risk factors for non-insulin-dependent diabetes. In: National Diabetes Data Group. Diabetes in America. Bethesda: National Institute of Health; 1985. p. 1-35.
  • 29. Premoli ACG, Moura MD, Ferriani RA, Silva de Sá MF, Reis RM. Perfil lipídico em pacientes portadoras da síndrome dos ovários policísticos. Rev Bras Ginecol Obstet. 2000;22(2):89-94.
  • 30. Martins WP, Soares GM, Vieira CS, Reis RM, Silva de Sá MF, Ferriani RA. Resistência à insulina em mulheres com síndrome dos ovários policísticos modifica fatores de risco cardiovascular. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31(3):111-6.
  • 31. Chapman MJ, Sposito AC. Hypertension and dyslipidaemia in obesity and insulin resistance: pathophysiology, impact on atherosclerotic disease and pharmacotherapy. Pharmacol Ther. 2008;117(3):354-73.
  • Correspondência
    Ana Gabriela Pontes Santos
    Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu
    Distrito de Rubião Júnior s/n
    CEP 18618-970
    Botucatu (SP), Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      24 Out 2011
    • Aceito
      20 Jan 2012
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br