Acessibilidade / Reportar erro

Frequência de mola hidatiforme em tecidos obtidos por curetagem uterina

Frequency of hydatidiform mole in tissue obtained by curettage

Resumos

OBJETIVO: Determinar a frequência de mola hidatiforme em tecidos obtidos por curetagem uterina. MÉTODOS: Estudo transversal, prospectivo e descritivo que incluiu pacientes submetidas à curetagem uterina por diagnóstico de aborto ou mola hidatiforme cujo material obtido foi encaminhado para exame anatomopatológico. Foram excluídas aquelas que não aceitaram participar da pesquisa, recusando-se a assinar o Termo de Consentimento Informado Livre e Esclarecido. Foram analisadas as seguintes variáveis: achados anatomopatológicos, idade, raça/cor, número de gestações e abortos prévios, idade gestacional no momento do diagnóstico, níveis séricos quantitativos da fração beta da gonadotrofina coriônica humana e achados ultrassonográficos. As variáveis foram empregadas para a verificação com o diagnóstico histológico, considerado o padrão-ouro. Os dados foram armazenados e analisados no software Microsoft Excel® e no programa Epi-Info, versão 6.0 (STATCALC) e os resultados apresentados como frequência (porcentagem) ou média±desvio padrão. Para a associação entre variáveis qualitativas foi usado o teste do χ², e admitiu-se significância estatística quando p<0,05. RESULTADOS: No período, foram realizadas 515 curetagens, das quais 446 compuseram a amostra. A frequência de mola hidatiforme foi de 2,2% (dez casos). A média de idade das pacientes com mola foi 31±10 anos, a maioria era da raça branca e multípara e não tinha antecedente de aborto prévio, mas não houve associação significativa entre essas variáveis. A perda gestacional foi precoce nas pacientes com e sem mola, e as queixas mais comuns em ambos os grupos foram: sangramento vaginal e dor em cólica em hipogástrio. A dosagem sérica quantitativa da fração beta da gonadotrofina coriônica humana foi obtida em 422 casos (413 sem mola hidatiforme e 9 com mola hidatiforme). Os níveis do hormônio foram superiores a 100.000 mUI/mL em 1,9% das pacientes sem mola hidatiforme, e em 44,45% das pacientes com a doença (p=0,00004). Todas as pacientes com esse nível de hormônio tinham suspeita ultrassonográfica de gestação molar e uma delas apresentava também suspeita clínica. Trezentas e trinta e três pacientes foram submetidas a exame ultrassonográfico. Das pacientes com achados ultrassonográficos sugestivos de gestação molar, houve confirmação diagnóstica em cinco (41,7%) casos. Os outros sete (58,3%) eram falso-positivos. Houve associação significativa entre achado ultrassonográfico suspeito de gestação molar e confirmação da doença pela análise anatomopatológica (p=0,0001). Em metade dos casos de mola hidatiforme não havia suspeita da doença pelo quadro clínico, níveis da fração beta da gonadotrofina coriônica humana ou achados ultrassonográficos. CONCLUSÕES: A frequência de mola hidatiforme é baixa e a doença pode não ser suspeitada pelo quadro clínico, pela ultrassonografia e pelo nível sérico da fração beta da gonadotrofina coriônica humana, exigindo análise anatomopatológica dos tecidos obtidos pelo esvaziamento uterino para o seu diagnóstico.

Mola hidatiforme; Aborto; Gonadotropina coriônica; Curetagem


PURPOSE: To determine the frequency of hydatiform mole in tissues obtained by curettage. METHODS: A cross-sectional, prospective and descriptive conducted on patients who underwent curretage due to a diagnosis of abortion or hydatiform mole whose material was sent for pathological examination. We excluded women who did not accept to participate and refused to sign the free informed consent form. We studied the following variables: pathological findings, age, race, number of pregnancies and previous abortions, gestational age at diagnosis, quantitative serum beta fraction of human chorionic gonadotropin and ultrasound findings. The data were compared to the to histological diagnosis, considered to be the gold standard. Data were stored and analyzed in Microsoft Excel® software and the Epi-Info program, version 6.0 (STATCALC) and the results are presented as frequency (percentage) or mean±standard deviation. The χ2 test was used to determine the association between qualitative variables and the level of significance was set at p<0.005. RESULTS: A total of 515 curettage procedures were performed, 446 of which comprised the sample. The frequency of hydatiform mole was 2.2% (ten cases). The mean age of the patients with a mole was 31±10 years, most patients were white and multiparous and had no history of previous abortions, but there was no significant association between these variables. The pregnancy loss occurred early in patients with and without a mole and the most common complaints in both groups were vaginal bleeding and cramps in the lower abdomen. Quantitative determination of human chorionic gonadotropin was performed in 422 cases (413 with and 9 without a hydatiform mole). The levels of the hormone were higher than 100,000 mIU/mL in 1.9% of the patients without a hydatiform mole and in 44.45% of the patients with the disease (p=0.00004). All patients with this hormonal level had an ultrasound suspicion of hydatiform mole and one of them also had a clinical suspicion. A total of 333 patients underwent ultrasound examination. Of the patients with sonographic findings suggestive of molar pregnancy, there was confirmation in five (41.7%) cases. The other seven (58.3%) were false positives. A significant association was found between ultrasound suspected molar pregnancy and disease confirmation by histopathological analysis (p=0.0001). In 50% of cases of hydatiform mole there was no suspicion of the disease according to clinical signs and symptoms, levels of beta fraction of human chorionic gonadotropin or sonographic findings. CONCLUSIONS: The frequency of hydatidiform mole is low and the disease may not be suspected by clinical examination, ultrasonography or the serum level of the beta fraction of human chorionic gonadotropin, requiring pathological examination of tissue obtained by uterine evacuation for diagnosis.

Hydatidiform mole; Abortion; Chorionic gonadotropin; Curettage


ARTIGO ORIGINAL

Frequência de mola hidatiforme em tecidos obtidos por curetagem uterina

Frequency of hydatidiform mole in tissue obtained by curettage

Andressa BiscaroI; Sheila Koettker SilveiraI; Giovani de Figueiredo LocksII; Lívia Ribeiro MileoI; João Péricles da Silva JúniorIII; Péricles PrettoIV

IServiço de Ginecologia e Obstetrícia da Maternidade Carmela Dutra - Florianópolis (SC), Brasil

IIServiço de Anestesia da Maternidade Carmela Dutra - Florianópolis (SC), Brasil

IIIServiço de Patologia vinculado à Maternidade Carmela Dutra - Florianópolis (SC), Brasil

IVInstituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro - IECAC - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Correspondência Correspondência: Andressa Biscaro Rua Irmã Benwarda, 208 - Centro CEP: 88015-270 Florianópolis (SC), Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a frequência de mola hidatiforme em tecidos obtidos por curetagem uterina.

MÉTODOS: Estudo transversal, prospectivo e descritivo que incluiu pacientes submetidas à curetagem uterina por diagnóstico de aborto ou mola hidatiforme cujo material obtido foi encaminhado para exame anatomopatológico. Foram excluídas aquelas que não aceitaram participar da pesquisa, recusando-se a assinar o Termo de Consentimento Informado Livre e Esclarecido. Foram analisadas as seguintes variáveis: achados anatomopatológicos, idade, raça/cor, número de gestações e abortos prévios, idade gestacional no momento do diagnóstico, níveis séricos quantitativos da fração beta da gonadotrofina coriônica humana e achados ultrassonográficos. As variáveis foram empregadas para a verificação com o diagnóstico histológico, considerado o padrão-ouro. Os dados foram armazenados e analisados no software Microsoft Excel® e no programa Epi-Info, versão 6.0 (STATCALC) e os resultados apresentados como frequência (porcentagem) ou média±desvio padrão. Para a associação entre variáveis qualitativas foi usado o teste do χ2, e admitiu-se significância estatística quando p<0,05.

RESULTADOS: No período, foram realizadas 515 curetagens, das quais 446 compuseram a amostra. A frequência de mola hidatiforme foi de 2,2% (dez casos). A média de idade das pacientes com mola foi 31±10 anos, a maioria era da raça branca e multípara e não tinha antecedente de aborto prévio, mas não houve associação significativa entre essas variáveis. A perda gestacional foi precoce nas pacientes com e sem mola, e as queixas mais comuns em ambos os grupos foram: sangramento vaginal e dor em cólica em hipogástrio. A dosagem sérica quantitativa da fração beta da gonadotrofina coriônica humana foi obtida em 422 casos (413 sem mola hidatiforme e 9 com mola hidatiforme). Os níveis do hormônio foram superiores a 100.000 mUI/mL em 1,9% das pacientes sem mola hidatiforme, e em 44,45% das pacientes com a doença (p=0,00004). Todas as pacientes com esse nível de hormônio tinham suspeita ultrassonográfica de gestação molar e uma delas apresentava também suspeita clínica. Trezentas e trinta e três pacientes foram submetidas a exame ultrassonográfico. Das pacientes com achados ultrassonográficos sugestivos de gestação molar, houve confirmação diagnóstica em cinco (41,7%) casos. Os outros sete (58,3%) eram falso-positivos. Houve associação significativa entre achado ultrassonográfico suspeito de gestação molar e confirmação da doença pela análise anatomopatológica (p=0,0001). Em metade dos casos de mola hidatiforme não havia suspeita da doença pelo quadro clínico, níveis da fração beta da gonadotrofina coriônica humana ou achados ultrassonográficos.

CONCLUSÕES: A frequência de mola hidatiforme é baixa e a doença pode não ser suspeitada pelo quadro clínico, pela ultrassonografia e pelo nível sérico da fração beta da gonadotrofina coriônica humana, exigindo análise anatomopatológica dos tecidos obtidos pelo esvaziamento uterino para o seu diagnóstico.

Palavras-chave: Mola hidatiforme/patologia, Aborto, Gonadotropina coriônica, Curetagem

ABSTRACT

PURPOSE: To determine the frequency of hydatiform mole in tissues obtained by curettage.

METHODS: A cross-sectional, prospective and descriptive conducted on patients who underwent curretage due to a diagnosis of abortion or hydatiform mole whose material was sent for pathological examination. We excluded women who did not accept to participate and refused to sign the free informed consent form. We studied the following variables: pathological findings, age, race, number of pregnancies and previous abortions, gestational age at diagnosis, quantitative serum beta fraction of human chorionic gonadotropin and ultrasound findings. The data were compared to the to histological diagnosis, considered to be the gold standard. Data were stored and analyzed in Microsoft Excel® software and the Epi-Info program, version 6.0 (STATCALC) and the results are presented as frequency (percentage) or mean±standard deviation. The χ2 test was used to determine the association between qualitative variables and the level of significance was set at p<0.005.

RESULTS: A total of 515 curettage procedures were performed, 446 of which comprised the sample. The frequency of hydatiform mole was 2.2% (ten cases). The mean age of the patients with a mole was 31±10 years, most patients were white and multiparous and had no history of previous abortions, but there was no significant association between these variables. The pregnancy loss occurred early in patients with and without a mole and the most common complaints in both groups were vaginal bleeding and cramps in the lower abdomen. Quantitative determination of human chorionic gonadotropin was performed in 422 cases (413 with and 9 without a hydatiform mole). The levels of the hormone were higher than 100,000 mIU/mL in 1.9% of the patients without a hydatiform mole and in 44.45% of the patients with the disease (p=0.00004). All patients with this hormonal level had an ultrasound suspicion of hydatiform mole and one of them also had a clinical suspicion. A total of 333 patients underwent ultrasound examination. Of the patients with sonographic findings suggestive of molar pregnancy, there was confirmation in five (41.7%) cases. The other seven (58.3%) were false positives. A significant association was found between ultrasound suspected molar pregnancy and disease confirmation by histopathological analysis (p=0.0001). In 50% of cases of hydatiform mole there was no suspicion of the disease according to clinical signs and symptoms, levels of beta fraction of human chorionic gonadotropin or sonographic findings.

CONCLUSIONS: The frequency of hydatidiform mole is low and the disease may not be suspected by clinical examination, ultrasonography or the serum level of the beta fraction of human chorionic gonadotropin, requiring pathological examination of tissue obtained by uterine evacuation for diagnosis.

Keywords: Hydatidiform mole/pathology, Abortion, Chorionic gonadotropin, Curettage

Introdução

A mola hidatiforme (MH) é um tumor originário da placenta que, em sua condição benigna, divide-se em completa ou incompleta (parcial)1,2. A forma completa resulta da fecundação de um óvulo com núcleo ausente ou inativo por um espermatozoide 23X ou mais raramente por dois espermatozoides, originando uma célula 46XX ou 46XX/46XY, respectivamente. Não há elementos fetais3-6. Já o cariótipo da mola incompleta é triploide, 69XXY (mais comum) ou tetraploide, 92XXXY, resultado da fertilização de um óvulo normal por dois espermatozoides ou um espermatozoide diploide. Pode haver feto, porém é inviável e apresenta crescimento intrauterino restrito e/ou múltiplas malformações1,3,5. A epidemiologia da doença varia conforme a distribuição geográfica e, no Ocidente, ocorre na proporção de um caso para cada 1-2 mil gestações5. A apresentação clínica da MH alterou-se drasticamente nas últimas décadas, e em grande parte dos casos o diagnóstico é feito em mulheres assintomáticas. Nos casos sintomáticos a queixa mais comum é o sangramento vaginal associado à amenorreia5,7,8.

São relatados como fatores de risco para a doença a idade materna (mais comum em adolescentes e entre mulheres com mais de 40 anos), a história pregressa de aborto espontâneo e os níveis séricos elevados da gonadotrofina coriônica humana (produzido em excesso pelo trofoblasto hiperplasiado)2,7-9.

O diagnóstico precoce da MH é um desafio para ginecologistas/obstetras e esbarra em inúmeras dificuldades, como um quadro clínico frusto e a baixa taxa de detecção em seus estágios iniciais por meio dos exames de imagem. Na prática, apenas 40 a 60% das gestações molares são detectadas pela ultrassonografia, e a histopatologia continua sendo o padrão-ouro para o diagnóstico da MH10.

Este trabalho teve como objetivo determinar a frequência de MH em tecidos obtidos por curetagem uterina e descrever os métodos utilizados para o diagnóstico da doença em uma série de pacientes tratadas por curetagem uterina em uma cidade do Sul do Brasil.

Métodos

Trata-se de um estudo prospectivo realizado na Maternidade Carmela Dutra, em Florianópolis (SC), no período de 20 de abril de 2010 a 19 de abril de 2011. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do próprio serviço, sob o Protocolo nº 0019.0.233.000-10.

Foram incluídas todas as pacientes admitidas com diagnóstico clínico e/ou ultrassonográfico de aborto ou suspeita de MH que assinaram o Termo de Consentimento Informado Livre e Esclarecido. Foram excluídas as que se recusaram a participar do estudo e aquelas cujo material obtido pela curetagem não foi enviado para avaliação anatomopatológica.

Foram coletados dados demográficos (idade; faixa etária dividida em abaixo de 20 anos, entre 20 e 40 anos e acima de 40 anos; raça ou cor branca e não branca) e antecedentes obstétricos (número de gestações e abortos prévios).

As informações referentes à gestação atual também foram analisadas: idade gestacional no momento do diagnóstico calculada pela data da última menstruação ou exame ultrassonográfico e classificada como perda gestacional precoce se inferior ou igual a 12 semanas e tardia se mais de 12 semanas11. O quadro clínico foi considerado suspeito para gestação molar se houvesse útero aumentado para a idade gestacional, hiperêmese ou pré-eclâmpsia precoce).

No momento da admissão foi coletada amostra sanguínea para dosagem sérica quantitativa da fração beta da gonadotrofina coriônica humana (beta-hCG), a qual foi dosada pelo método de quimioluminescência. O nível foi expresso em mUI/mL e foi considerado elevado se estivesse acima de 100.000 mUI/mL.

Quando indicado, foi realizado exame ultrassonográfico e os achados classificados em: a) óbito embrionário/fetal: embrião maior que 5 mm ou feto sem atividade cardíaca; b) aborto incompleto: eliminação parcial dos produtos da concepção; c) gestação anembrionada: presença de saco gestacional maior que 18 mm sem evidência de tecidos embrionários (vesícula vitelínica ou embrião); d) imagem suspeita de MH: cavidade uterina preenchida por uma massa heterogênea com espaços anecoicos de tamanho e formas variáveis - aspecto de "tempestade de neve" - com ou sem cistos tecaluteínicos12-14.

As pacientes que no momento da admissão apresentaram colo uterino aberto no exame físico foram classificadas como aborto em curso ou inevitável para o qual não há indicação de ultrassonografia12.

O material curetado foi inspecionado pelo médico de plantão e definido como suspeito de gestação molar caso apresentasse vesículas. O material foi armazenado em formol e enviado para análise por um patologista que desconhecia o quadro clínico da paciente. Foram consideradas e incluídas na análise as seguintes categorias de achados hostológicos: a) restos placentários ou deciduais: aborto propriamente dito; b) Arias-Stella: reação decidual própria da gestação com poliploidia das células causada pelo estímulo progesterônico; c) restos com degeneração hidrópica: hidropsia das vilosidades coriônicas com hiperplasia trofoblástica polar ou lateral; d) degeneração molar: hidropsia parcial ou total das vilosidades coriônicas associada à proliferação trofoblástica focal, multifocal ou circunferencial15,16.

Os dados foram armazenados e analisados nos programas Microsoft Excel® 2007 e Epi-Info, versão 6.0 (STATCALC). Os resultados estão apresentados de forma descritiva como frequência (porcentagem) ou média±desvio padrão. Para análise da associação entre variáveis qualitativas, foi usado o teste do χ2 e admitiu-se significância quando p<0,05.

Resultados

No período do estudo, 515 pacientes foram submetidas à curetagem uterina por aborto ou suspeita de gestação molar, das quais 446 compuseram a amostra. Cinquenta e quatro pacientes não aceitaram participar da pesquisa, e 15 foram excluídas porque o material obtido pelo esvaziamento uterino não foi enviado para exame anatomopatológico.

A frequência de MH foi de 2,2% (10 casos). O restante correspondeu a restos placentários e deciduais (90,6%; 404 casos), restos ovulares com degeneração hidrópica (5,2%; 23 casos) e Arias-Stella (2,0%; 9 casos).

As características demográficas e as variáveis obstétricas estão apresentadas na Tabela 1. A média de idade das pacientes com MH foi de 31±10 anos, a maioria era da raça branca, multípara, estava na faixa etária dos 20 aos 40 anos e não tinha história de aborto prévio, porém não houve associação significativa entre essas características e o diagnóstico da doença.

Das pacientes com idade gestacional conhecida no momento do diagnóstico, a maioria tratava-se de perda gestacional precoce (75% das pacientes com MH e 84,3% das pacientes sem a doença) e a média de idade gestacional das pacientes com gestação molar foi 66,5 dias±23,5 dias.

Em ambos os grupos, as principais queixas no momento da admissão foram: o sangramento vaginal e as cólicas. Suspeitou-se da doença em apenas uma paciente (1/10 casos, 10%) pela apresentação de sangramento vaginal associado a volume uterino maior que o esperado para idade gestacional, dispneia e níveis tensionais aumentados no momento da admissão hospitalar. Essa paciente foi a única a apresentar queixa de eliminação de vesículas.

A dosagem sérica quantitativa da beta-hCG foi obtida em 422 casos. Das pacientes com diagnóstico anatomopatológico de MH (nove casos com dosagem) os níveis do hormônio foram superiores a 100.000 mUI/mL em 44,4%, e entre as pacientes sem a doença (413 casos) em 1,9% (p=0,00004). Todas as pacientes com esse nível de hormônio e confirmação anatomopatológica de MH apresentavam suspeita ultrassonográfica de gestação molar e uma delas também de suspeita clínica.

Foram submetidas a exame ultrassonográfico 333 pacientes (Tabela 2). Entre aquelas com imagem sugestiva de gestação molar, houve confirmação diagnóstica em cinco (41,7%) casos. Os outros sete (58,3%) eram falso-positivos (anatomopatológico de restos deciduais e placentários). Observou-se associação significativa entre achado ultrassonográfico suspeito e confirmação da doença pela análise anatomopatológica (p=0,0001).

Em metade dos casos de MH a doença não foi suspeitada pelo quadro clínico, níveis séricos da beta-hCG ou achados ultrassonográficos.

Discussão

A frequência de MH relatada neste estudo (2,2%) é semelhante à observada por outros autores (2,5; 2,4%)9,17. No entanto, como a epidemiologia varia conforme o local de estudo, os dados são de difícil comparação devido à divergência de denominadores. Como exemplo, em parte das casuísticas, a frequência de MH é obtida pela relação com o número de gestações nascidos vivos, o que dificulta a comparação dos dados.

Em um estudo envolvendo 1.606 pacientes admitidas por aborto espontâneo de primeiro trimestre, encontrou-se na análise histológica 1.119 (69,7%) produtos da concepção, 44 (2,1%) MH incompleta e sete (0,4%) MH completa. Duzentas e setenta e duas pacientes (16,9%) apresentaram tecidos deciduais sem vilosidades coriônicas (Arias-Stella)9. A proporção entre esses achados é semelhante à encontrada nesta pesquisa, exceto pelo menor índice deste estudo, de Arias-Stella (2,0%). Pode-se explicar a ausência de vilosidades coriônicas encontradas em ambos os estudos pela eliminação do restante dos produtos da concepção antes do esvaziamento cirúrgico ou pelo valor da espessura endometrial, que define aborto incompleto ainda ser motivo de debate9.

A média de idade e a raça das pacientes deste trabalho não diferiu das de outras populações10,18-20. Alguns estudos relatam como fator de risco para mola a idade menor que 20 anos e maior que 40 anos2,17,21. Neste trabalho, foram encontrados mais casos de MH entre 20 e 40 anos, o que provavelmente pode ser explicado pela maior frequência de gestações nesta faixa etária.

A literatura descreve como sintoma mais comum da MH o sangramento vaginal com um número cada vez menor de pacientes que apresentam os sinais e sintomas clássicos da gestação molar1,19. Portanto, pode-se afirmar que, na atualidade, as molas iniciais carecem de achados clínicos que indiquem seu diagnóstico.

Apesar do quadro clínico frusto, o diagnóstico de MH está sendo realizado em idades gestacionais bastante precoces. Na Califórnia, a duração média das gestações com diagnóstico de mola é de 58 dias, em Londres, de 70 dias e, na Austrália, de 91 dias, semelhante ao encontrado no presente estudo (66,5 dias)18,20,22.

A associação entre os níveis séricos da beta-hCG (principalmente quando superiores a 100.000 mUI/mL) e o risco de MH já está bem-estabelecida5. Observou-se, neste trabalho, que todas as pacientes com níveis de beta-hCG superior a 100.000 mUI/mL tinham suspeita ultrassonográfica da doença, e uma apresentava também suspeita clínica, ou seja, pode-se afirmar que, apesar de os altos níveis deste hormônio serem indicativos de mola, a sua realização não traz benefício adicional para o diagnóstico da doença, mas é relevante para o seguimento pós-esvaziamento.

Com relação à imagem, a taxa de detecção de MH é maior para mola completa que para a parcial, e pode ocorrer falso-positivos7,14. Estudos relatam taxas de 5822 a 84%23 de suspeita ultrassonográfica para MH completa e 1822 a 30%23 para MH incompleta. Ou seja, perde-se a oportunidade de diagnóstico em 16 a 42% das MH completas e em 70 a 82% das MH parciais. Neste trabalho, houve suspeita ultrassonográfica em apenas metade dos casos de mola. Talvez a baixa frequência da doença possa explicar a falta de experiência do examinador e contribua para a baixa taxa de acertos da ultrassonografia de rotina no primeiro trimestre7,19,20.

Em um centro de referência para MH, a maioria dos exames ultrassonográficos falso-positivos corresponderam a abortos hidrópicos, ao contrário deste estudo, que encontrou maior correlação com restos ovulares7. Os demais casos de mola sem suspeita ultrassonográfica tinham diagnóstico pré-cirúrgico de gestação anembrionada ou óbito embrionário/fetal, dado compatível com este e outros trabalhos19,22.

Conclui-se, portanto, que a frequência de MH é baixa, e a doença pode não ser suspeitada pelo quadro clínico, pela ultrassonografia e pelo nível sérico da beta-HCG, exigindo análise anatomopatológica dos tecidos obtidos pelo esvaziamento uterino para o seu diagnóstico.

Agradecimentos

Aos colegas e funcionários da Maternidade Carmela Dutra e do Laboratório AP, que, de alguma forma, contribuíram para a execução deste trabalho.

Recebido 16/02/2012

Aceito com modificações

08/05/2012

Trabalho realizado na Maternidade Carmela Dutra - Florianópolis (SC), Brasil.

  • 1. Alhamdan D, Bignardi T, Condous G. Recognising gestational trophoblastic disease. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(4):565-73.
  • 2. Berkowitz RS, Goldstein DP. Current management of gestational trophoblastic diseases. Gynecol Oncol. 2009;112(3):654-62.
  • 3. Jain KA. Gestational trophoblastic disease: pictorial review. Ultrasound Q. 2005;21(4):245-53.
  • 4. Bittar RE, Pereira PP, Liao AW. Doença trofoblástica gestacional. In: Zugaib M. Zugaib obstetrícia. São Paulo: Manole; 2008. p. 567-77.
  • 5. Andrade JM. Mola hidatiforme e doença trofoblástica gestacional. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31(2):94-101.
  • 6. Seckl MJ, Sebire NJ, Berkowitz RS. Gestational trophoblastic disease. Lancet. 2010;376(9742):717-29.
  • 7. Fowler DJ, Lindsay I, Seckl MJ, Sebire NJ. Routine pre-evacuation ultrasound diagnosis of hydatidiform mole: experience of more than 1000 cases from a regional referral center. Ultrasound Obstet Gynecol. 2006;27(1):56-60.
  • 8. Royal College of Obstetricians and Gynaecologists [Internet]. The management of gestational trophoblastic disease (Green-top guideline, 38). 2010 [cited 2011 Mar 20]. Available from: <http://www.rcog.org.uk/files/rcog-corp/GT38ManagementGestational0210.pdf>
  • 9. Tasci Y, Dilbaz S, Secilmis O, Diebaz B, Ozfuttu A, Haberal A. Routine histopathologic analysis of product of conception following first-trimester spontaneous miscarriages. J Obstet Gynaecol Res. 2005;31(6):579-82.
  • 10. Feltmate CM, Batorfi J, Fulop V, Goldstein DP, Doszpod J, Berkowitz RS. Human chorionic gonadotropin follow-up in patients with molar pregnancy: a time for reevaluation. Obstet Gynecol. 2003;101(4):732-6.
  • 11. Royal College of Obstetricians and Gynaecologists [Internet]. The management of early pregnancy loss (Green-top guideline, 25). 2006 [cited 2011 Mar 20]. Available from: <http://www.rcog.org.uk/files/rcog-corp/uploaded-files/GT25ManagementofEarlyPregnancyLoss2006.pdf>
  • 12. Deutchman M, Tubay AT, Turok D. First trimester bleeding. Am Fam Physician. 2009;79(11):985-94.
  • 13. Sebire NJ. Neoplasia trofoblástica gestacional. In: Pastore AR. Ultrassonografia em ginecologia e obstetrícia. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009. p. 951-65.
  • 14. Kirk E, Papageorghiou AT, Condous G, Bottomley C, Bourne T. The accuracy of first trimester ultrasound in the diagnosis of hydatidiform mole. Ultrasound Obstet Gynecol. 2007;29(1):70-5.
  • 15. Cheung AN. Pathology of gestational trophoblastic diseases. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2003;17(6):849-68.
  • 16. Sebire NJ, Fisher RA, Rees HC. Histopathological diagnosis of partial and complete hydatidiform mole in the first trimester of pregnancy. Pediatr Dev Pathol. 2003;6(1):69-77.
  • 17. Johns J, Greenwold N, Buckley S, Jauniaux E. A prospective study of ultrasound screening for molar pregnancies in missed miscarriages. Ultrasound Obstet Gynecol. 2005;25(5):493-7.
  • 18. Paul M, Goodman S, Felix J, Lewis R, Hawkins M, Drey E. Early molar pregnancy: experience in a large abortion service. Contraception. 2010;81(2):150-6.
  • 19. Mangili G, Garavaglia E, Cavoretto P, Gentile C, Scarfone G, Rabaiotti E. Clinical presentation of hydatidiform mole in northern Italy: has it changed in the last 20 years? Am J Obstet Gynecol. 2008;198(3):302.e1-4.
  • 20. Wielsma S, Kerkmeijer L, Bekkers R, Pyman J, Tan J, Quinn M. Persistent trophoblast disease following partial molar pregnancy. Aust N Z J Obstet Gynaecol. 2006;46(2):119-23.
  • 21. Lybol C, Thomas CM, Bulten J, van Dijck JA, Sweep FC, Massuger LF. Increase in the incidence of gestational trophoblastic disease in The Netherlands. Gynecol Oncol. 2011;121(2):334-8.
  • 22. Sebire NJ, Rees H, Paradinas F, Seckl M, Newlands E. The diagnostic implications of routine ultrasound examination in histologically confirmed early molar pregnancies. Ultrasound Obstet Gynecol. 2001;18(6):662-5.
  • 23. Lindholm H, Flam F. The diagnosis of molar pregnancy by sonography and gross morphology. Acta Obstet Gynecol Scand. 1999;78(1):6-9.
  • Correspondência:

    Andressa Biscaro
    Rua Irmã Benwarda, 208 - Centro
    CEP: 88015-270 Florianópolis (SC), Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      16 Fev 2012
    • Aceito
      08 Maio 2012
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br