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Qualidade de vida em pacientes sobreviventes de câncer de mama comparada à de mulheres saudáveis

Quality of file in breast cancer survivors compared to healthy women

Resumos

OBJETIVOS: Avaliar a qualidade de vida em mulheres sobreviventes de câncer de mama e comparar com mulheres saudáveis pareadas por idade. MÉTODOS: Estudo transversal com uma amostra de 199 pacientes sobreviventes de câncer de mama, incluídas consecutivamente um ano ou mais após o diagnóstico. As pacientes haviam sido tratadas em dois grandes hospitais. Essas pacientes foram comparadas com um grupo de mulheres saudáveis, pareadas por idade com as pacientes, composto por funcionárias e voluntárias dos dois hospitais. A avaliação da qualidade de vida foi realizada através do World Health Organization Quality of Life Questionnaire, version bref (WHOQOL-bref), e foram obtidos dados socioeconômicos, clínicos e do tratamento. Os testes estatísticos utilizados foram do χ² e modelo linear generalizado. Foi adotado o nível de significância de 5%. RESULTADOS: As sobreviventes de câncer de mama tinham média de idade de 54,4 anos (DP=10,4) e tempo médio de diagnóstico de 5,0 anos (DP=4,6). As pacientes sobreviventes relataram piores avaliações de qualidade de vida geral (p<0,001) e para os domínios físico (p<0,05), psicológico (p=0,002) e meio ambiente (p=0,02) em relação às mulheres saudáveis, após controle para potenciais variáveis de confusão. Não houve diferença significativa para o domínio relações sociais (p=0,9). CONCLUSÕES: Muitas pacientes sobreviventes de câncer de mama experimentaram piores avaliações na qualidade de vida quando comparadas às mulheres saudáveis. Esses resultados podem ser úteis para estabelecer estratégias para melhorar a qualidade de vida de mulheres com câncer de mama.

Qualidade de vida; Neoplasias da mama; Sobreviventes


PURPOSES: To assess the quality of life of breast cancer survivors compared to a sample of age-matched healthy women. METHODS: A cross-sectional design was conducted on 199 consecutive breast cancer survivors, one year or more after diagnosis, treated at two large hospitals. The patients were compared to age-matched healthy women consisting of employees and volunteers of the two hospitals. Quality of life was evaluated using the World Health Organization Quality of Life Questionnaire, version Bref (WHOQOL-bref) and socioeconomic, clinical, and treatment data were obtained. The χ² test and a generalized linear model were used for statistical analysis. The adopted level of significance was 5%. RESULTS: The mean age of breast cancer survivors was 54.4 years (SD=10.4) and the average length of time since diagnosis was 5.0 years (SD=4.6). The survivors reported a poorer overall quality of life (p=0.001), and for the physical (p<0.001), psychological (p=0.002) and environment (p=0.029) domains than the comparison group, after adjusting for potential confounders. There was no significant difference in the social relationships domain (p=0.929) between groups. CONCLUSION: The results suggest that many breast cancer survivors experienced worse quality of life assessment than healthy women. This information may be useful to establish strategies to improve the quality of life of women with breast cancer.

Quality of life; Breast neoplasms; Survivors


ARTIGO ORIGINAL

Qualidade de vida em pacientes sobreviventes de câncer de mama comparada à de mulheres saudáveis

Quality of file in breast cancer survivors compared to healthy women

Ana Claudia Garabeli Cavalli KluthcovskyI; Almir Antonio Lara UrbanetzII

IDepartamento de Medicina, Universidade Estadual de Ponta Grossa - Ponta Grossa (PR), Brasil

IIDepartamento de Tocoginecologia, Universidade Federal do Paraná - UFPR - Curitiba (PR), Brasil

Correspondência Correspondência Ana Claudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky Universidade Estadual de Ponta Grossa, Departamento de Medicina Avenida General Carlos Cavalcanti, 4748 CEP: 84030-900 Ponta Grossa (PR), Brasil

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar a qualidade de vida em mulheres sobreviventes de câncer de mama e comparar com mulheres saudáveis pareadas por idade.

MÉTODOS: Estudo transversal com uma amostra de 199 pacientes sobreviventes de câncer de mama, incluídas consecutivamente um ano ou mais após o diagnóstico. As pacientes haviam sido tratadas em dois grandes hospitais. Essas pacientes foram comparadas com um grupo de mulheres saudáveis, pareadas por idade com as pacientes, composto por funcionárias e voluntárias dos dois hospitais. A avaliação da qualidade de vida foi realizada através do World Health Organization Quality of Life Questionnaire, version bref (WHOQOL-bref), e foram obtidos dados socioeconômicos, clínicos e do tratamento. Os testes estatísticos utilizados foram do χ2 e modelo linear generalizado. Foi adotado o nível de significância de 5%.

RESULTADOS: As sobreviventes de câncer de mama tinham média de idade de 54,4 anos (DP=10,4) e tempo médio de diagnóstico de 5,0 anos (DP=4,6). As pacientes sobreviventes relataram piores avaliações de qualidade de vida geral (p<0,001) e para os domínios físico (p<0,05), psicológico (p=0,002) e meio ambiente (p=0,02) em relação às mulheres saudáveis, após controle para potenciais variáveis de confusão. Não houve diferença significativa para o domínio relações sociais (p=0,9).

CONCLUSÕES: Muitas pacientes sobreviventes de câncer de mama experimentaram piores avaliações na qualidade de vida quando comparadas às mulheres saudáveis. Esses resultados podem ser úteis para estabelecer estratégias para melhorar a qualidade de vida de mulheres com câncer de mama.

Palavras-chave: Qualidade de vida, Neoplasias da mama, Sobreviventes.

ABSTRACT

PURPOSES: To assess the quality of life of breast cancer survivors compared to a sample of age-matched healthy women.

METHODS: A cross-sectional design was conducted on 199 consecutive breast cancer survivors, one year or more after diagnosis, treated at two large hospitals. The patients were compared to age-matched healthy women consisting of employees and volunteers of the two hospitals. Quality of life was evaluated using the World Health Organization Quality of Life Questionnaire, version Bref (WHOQOL-bref) and socioeconomic, clinical, and treatment data were obtained. The χ2 test and a generalized linear model were used for statistical analysis. The adopted level of significance was 5%.

RESULTS: The mean age of breast cancer survivors was 54.4 years (SD=10.4) and the average length of time since diagnosis was 5.0 years (SD=4.6). The survivors reported a poorer overall quality of life (p=0.001), and for the physical (p<0.001), psychological (p=0.002) and environment (p=0.029) domains than the comparison group, after adjusting for potential confounders. There was no significant difference in the social relationships domain (p=0.929) between groups.

CONCLUSION: The results suggest that many breast cancer survivors experienced worse quality of life assessment than healthy women. This information may be useful to establish strategies to improve the quality of life of women with breast cancer.

Keywords: Quality of life, Breast neoplasms, Survivors.

Introdução

Devido aos avanços na detecção precoce e tratamento do câncer, pessoas estão conseguindo viver por muitos anos depois do diagnóstico. Em janeiro de 2007, cerca de 11,7 milhões de pessoas com diagnóstico prévio de câncer estavam vivas nos Estados Unidos, e estima-se que aproximadamente 65% das pessoas diagnosticadas com câncer estarão vivas pelo menos cinco anos após o diagnóstico1.

Entende-se por sobrevivente alguém que "vive com ou após o câncer, ou seja, alguém que: completou o tratamento inicial e não tem nenhuma evidência aparente de doença ativa; está vivendo com a doença e pode estar recebendo tratamento de câncer, mas não é um doente terminal; ou que teve câncer no passado"2.

O câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais frequente no mundo e o mais comum entre as mulheres, respondendo por 22% dos casos novos a cada ano3. Sobreviventes de câncer de mama compõem um grande grupo entre os sobreviventes de câncer de longo tempo. Elas representavam aproximadamente 41% de todas as mulheres sobreviventes de câncer nos Estados Unidos em 20044, e pode ser esperado que esse número aumente nas próximas décadas devido a mudanças demográficas relacionadas à idade, com a população vivendo mais tempo, e também em função dos avanços no tratamento dessa neoplasia5.

Sendo uma doença crônico-degenerativa e considerada um problema de saúde pública, os impactos do diagnóstico e do tratamento do câncer podem interferir diretamente no estilo de vida do indivíduo6, sendo que os efeitos negativos do câncer de mama podem afetar a qualidade de vida das pacientes bem além do término do tratamento7.

Qualidade de vida é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como: "[...] a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações"8. Esta definição da OMS deixa implícita a ideia de que o conceito de qualidade de vida é subjetivo, multidimensional e inclui elementos de avaliação tanto positivos como negativos9.

As avaliações de qualidade de vida têm diversas possibilidades de uso na prática clínica10, e comparar a qualidade de vida de pacientes sobreviventes de câncer com grupos sem a doença pode ser uma abordagem útil para determinar a magnitude do problema, e servir de base para subsidiar propostas de promoção e de intervenção no cuidado à saúde, fundamentais para reduzir o volume do câncer e a severidade do seu tratamento.

Há divergências na literatura sobre resultados de avaliações de qualidade de vida de sobreviventes de câncer de mama comparadas com grupos controles. Alguns observaram pior qualidade de vida para sobreviventes de câncer de mama em comparação com grupos controles11-14, enquanto outros relataram não haver diferenças ou apresentaram melhores escores de qualidade de vida em relação a grupos controles15-19.

As divergências dos achados encontrados na literatura sobre o tema podem ser resultado de diversidades metodológicas utilizadas nos estudos, bem como a presença de diferenças culturais relacionadas à recuperação após o tratamento ou diferenças nas práticas do cuidado prestadas a essas pacientes. Outro aspecto a ser considerado é o fato de que a qualidade de vida tem caráter multidimensional e abstrato, referenciado a aspectos objetivos e subjetivos da vida20, podendo diferir de pessoa para pessoa e tendendo a mudar ao longo da vida.

Considerando a relevância do câncer de mama no contexto da saúde pública do Brasil e do mundo, este estudo teve como objetivos avaliar a qualidade de vida de sobreviventes de câncer de mama um ano ou mais após o diagnóstico e compará-la com a de um grupo de mulheres saudáveis.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, que envolveu pacientes sobreviventes de câncer de mama um ano ou mais após o diagnóstico, comparadas com mulheres saudáveis pareadas por idade. Optou-se por pacientes com um ano ou mais após o diagnóstico porque, a partir desse tempo, espera-se que os efeitos colaterais agudos causados pelo tratamento já tenham, provavelmente, diminuído.

O número da amostra a ser incluída, para detectar uma diferença entre as médias dos grupos de aproximadamente um ponto na escala, e supondo um desvio padrão homogêneo de aproximadamente 2,1, com nível de significância de 5%, poder de 90%, seria de no mínimo 75 pacientes de cada instituição hospitalar. Contudo, em função de a amostra ser não probabilística, optou-se por trabalhar com amostra maior que o mínimo necessário, a fim de aumentar a precisão dos resultados.

As pacientes sobreviventes de câncer de mama foram selecionadas entre pacientes consecutivamente atendidas em ambulatórios do Hospital Erasto Gaertner (especialista no tratamento de câncer) e do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil (hospital de ensino terciário). Todas recebiam atendimento pelo Sistema Único de Saúde. Os dados foram coletados entre dezembro de 2008 e outubro de 2009, pela pesquisadora principal, de forma padronizada.

Os critérios de inclusão foram: pacientes do sexo feminino com câncer primário de mama, cujo diagnóstico tenha ocorrido há um ano ou mais, a contar do dia da coleta de dados; ter 18 anos de idade ou mais e capacidade de comunicação e compreensão preservadas. Foram excluídas pacientes com presença de doença ativa locorregional ou a distância, ou com histórico de outros tipos de câncer.

Os prontuários médicos foram revisados para selecionar as pacientes potencialmente elegíveis, antes da coleta dos dados. Houve cinco recusas e dez perdas. Das 202 pacientes constantes do banco de dados (102 pacientes do Hospital Erasto Gaertner e 100 pacientes do Hospital de Clínicas), os resultados de 3 não puderam ser utilizados, pois apresentavam falta de alguns dados socioeconômicos, excluídos dos cálculos estatísticas no ajuste para potenciais variáveis de confusão. Assim, os dados completos de 199 pacientes foram utilizados neste estudo. As participantes não recebiam nenhum tratamento para o câncer, a não ser a terapia hormonal. A coleta de dados ocorreu após a consulta médica e as informações sobre variáveis clínicas foram obtidas mediante a consulta aos prontuários.

O Grupo Controle foi constituído por mulheres saudáveis pareadas por idade com as pacientes (intervalo de ±2 anos), composto por funcionárias e voluntárias das duas instituições hospitalares. Para cada caso de paciente sobrevivente de câncer de mama foi buscado um controle saudável, seguindo a ordem de uma lista com o nome de todas as funcionárias e voluntárias, por setores, fornecidas pelas instituições hospitalares. Os critérios de inclusão foram: ser do sexo feminino; ter 18 anos de idade ou mais; não apresentar história atual ou pregressa de câncer e capacidade de comunicação e compreensão preservadas.

Além disso, para as mulheres com idade entre 18 e 59 anos, deveriam apresentar respostas negativas às três perguntas9 que se seguem: "você tem alguma doença crônica?"; "você usa algum remédio de forma regular atualmente?" e "você consultou algum médico ou profissional de saúde no último mês (exceção feita às consultas de prevenção, por exemplo, revisões em ginecologia)?". As mulheres com 60 anos ou mais, deviam responder "saudável" para a seguinte pergunta21: "em geral, você se considera uma pessoa saudável ou doente?". A coleta de dados foi realizada dentro das instituições hospitalares e houve três recusas e nove perdas. De 202 participantes constantes do banco de dados, os resultados de 27 não puderam ser utilizados, pois apresentavam falta de alguns dados socioeconômicos, excluídos dos cálculos estatísticas no ajuste para potenciais variáveis de confusão. Assim, para este estudo, foram utilizados os dados completos de 175 controles saudáveis.

O Comitê de Ética das instituições participantes aprovou o estudo, e todos os sujeitos participantes assinaram o termo de consentimento informado livre e esclarecido, nos termos da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa e todos os preceitos éticos para pesquisa com seres humanos foram contemplados22.

Os dados socioeconômicos incluíram a idade, cor da pele, nível educacional, estado civil, número de filhos vivos e renda mensal familiar per capita. A qualidade de vida foi avaliada pelo WHOQOL-bref (World Health Organization Quality of Life Instrument-abbreviated version), um instrumento genérico de qualidade de vida desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde, que considera a qualidade de vida como um construto multidimensional, composto por 26 questões. As duas primeiras questões avaliam a qualidade de vida geral, e, calculadas em conjunto, geram um escore independente dos domínios. A primeira refere-se à qualidade de vida de modo geral e a segunda à satisfação com a própria saúde. As outras 24 questões representam cada uma das 24 facetas que compõem o instrumento original, distribuídas em quatro domínios: físico (sete itens), psicológico (seis itens), relações sociais (três itens) e meio ambiente (oito itens)23.

As respostas das questões do WHOQOL-bref referem-se às duas últimas semanas vividas pela participante e apresentam quatro tipos de escalas, com cinco níveis cada uma, e são do tipo Likert. Os escores dos domínios são apresentados em uma variação de 0 a 100, e têm direção positiva, ou seja, maiores escores representam melhores avaliações de qualidade de vida. O WHOQOL-bref é um instrumento para avaliação de qualidade de vida validado para o português24, e que pode ser utilizado tanto para populações saudáveis como para populações acometidas por agravos e doenças crônicas25.

Os dados foram processados em microcomputador, no banco de dados Excel 2007, com dupla digitação para correção de erros de transcrição, quando necessário. A análise estatística foi obtida com auxílio do programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 16.0. Foi realizada análise descritiva dos dados dos grupos estudados por meio das frequências absoluta e relativa. Os dados sobre qualidade de vida são apresentados como média, desvio padrão (DP), mediana e valores mínimo e máximo. O teste do χ2 (bicaudal) foi utilizado para comparar as variáveis socioeconômicas entre as pacientes sobreviventes e as mulheres saudáveis.

Para os cálculos dos escores do WHOQOL-bref foram seguidos os procedimentos do manual WHOQOL8. Os escores foram transformados em uma escala de 0 a 100. O modelo linear generalizado foi utilizado para comparar escores de qualidade de vida geral e para os diferentes domínios da qualidade de vida entre as pacientes e as mulheres saudáveis. Controle para potenciais variáveis de confusão, como cor, nível educacional e renda foi também considerado para os dois grupos. O nível de significância adotado foi de p<0,05.

Resultados

As pacientes sobreviventes de câncer de mama deste estudo, com estádio inicial de in situ a estádio III, tinham média de idade de 54,4 anos (DP=10,4) e tempo médio de diagnóstico de 5,0 anos (DP=4,6).

A maioria das pacientes sobreviventes tinha mais de 50 anos de idade no momento da entrevista, eram brancas, com Ensino Fundamental, média de 6,8 anos de estudo (DP=4,2 anos) e tinham companheiro. A maior parte relatou ter um ou dois filhos vivos e renda mensal familiar per capita menor ou igual a um salário-mínimo em 67,3% dos casos (Tabela 1).

Aproximadamente 66,8% das sobreviventes que estavam na pós-menopausa foram diagnosticadas com câncer de mama no estádio II da doença (45,2%). Quanto ao tratamento adjuvante, 72,9% receberam radioterapia, 67,3% quimioterapia e 109 (54,8%) estavam usando terapia hormonal. Cerca de metade das sobreviventes tinha pelo menos uma comorbidade, sendo as mais comuns: hipertensão arterial (27,6%), doenças musculoesqueléticas (15,6%), depressão (13,6%), doenças gastrointestinais (8,5%), diabetes mellitus (7,5%) e dislipidemia (7,5%).

O Grupo Controle de mulheres saudáveis tinha média de idade de 53,5 anos (DP=10,6), sendo que 60% tinham mais de 50 anos de idade no momento da entrevista. A grande maioria delas eram brancas, com Ensino Médio, média de 11,8 anos de estudo (DP=3,9 anos) e tinha companheiro. A maior parte relatou ter um ou dois filhos vivos e renda mensal familiar per capita maior que um salário-mínimo em 86,9% dos casos (Tabela 1).

Na comparação dos dados socioeconômicos entre pacientes e mulheres saudáveis, a idade, o estado civil e o número de filhos vivos não apresentaram diferenças estatisticamente significativas (todos os valores p>0,05). Uma diferença significativa foi encontrada entre os grupos para a cor da pele, nível educacional e renda mensal familiar per capita (Tabela 1). O Grupo Controle de mulheres saudáveis apresentou-se com maior número de mulheres brancas, com maior escolaridade e maior renda em relação às pacientes.

O maior escore médio de qualidade de vida para as pacientes foi para o domínio relações sociais e o menor escore médio foi observado no domínio físico. Para as mulheres saudáveis, o maior escore médio de qualidade de vida foi para o domínio físico e o menor foi observado no domínio meio ambiente (Tabela 2).

Na comparação da qualidade de vida entre os dois grupos, após ajuste para as potenciais variáveis de confusão observadas na comparação entre os dois grupos (cor da pele, nível educacional e renda), observou-se que as pacientes relataram piores avaliações de qualidade de vida geral e para os domínios físico, psicológico e meio ambiente em relação às mulheres saudáveis (todos valores p<0,05). Não houve diferença significativa entre os grupos para o domínio relações sociais.

Discussão

Algumas características socioeconômicas das pacientes sobreviventes de câncer de mama deste estudo foram semelhantes às de estudos realizados em outros países, como a média de idade de 54,4 anos no momento da entrevista, a maioria da cor branca e com companheiro26. A grande maioria das pacientes incluídas tinha o ensino fundamental (incompleto ou completo) e uma média de 6,8 anos de estudo, um pouco abaixo da média brasileira de 7,4 anos para as mulheres27. A maioria tinha companheiro e uma renda mensal familiar per capita menor ou igual a um salário-mínimo, indicando um grupo com baixa renda, comparada a 50,5% dos domicílios brasileiros com essa renda mensal domiciliar per capita no ano de 200927. Aproximadamente metade das sobreviventes tinha pelo menos uma comorbidade, sendo que a mais frequente foi a hipertensão arterial, relatada por 27,6% delas, prevalência semelhante a dados da literatura28.

As pacientes sobreviventes diferiram em suas avaliações nos escores de qualidade de vida geral e dos domínios em relação ao Grupo Controle. Para a qualidade de vida geral e para os domínios físico, psicológico e meio ambiente, as sobreviventes apresentaram significativamente escores mais baixos do que as mulheres saudáveis, após ajuste para as potenciais variáveis de confusão. Mesmo considerando-se que o estudo foi realizado com pacientes sobreviventes em diferentes períodos após o tratamento, inclusive vários anos após, com a possibilidade de já terem se adaptado às novas realidades ou desenvolvido mecanismos de enfrentamento15, ainda assim observou-se o grande impacto negativo nas avaliações da qualidade de vida, quando comparadas com as mulheres saudáveis.

No câncer de mama, o diagnóstico e a terapia antineoplásica determinam repercussões sociais, econômicas, físicas, emocionais/psicológicas e sexuais29. De fato, estudos comparativos na literatura realizados com sobreviventes de câncer de mama observaram prejuízo na qualidade de vida geral e para os domínios físico e psicológico, em relação às mulheres sem exposição a qualquer doença crônica30, e para os funcionamentos físico, de papéis, emocional, cognitivo e social em relação às mulheres da população em geral31.

A pior avaliação de qualidade de vida feita pelas pacientes neste estudo poderia ser explicada, pelo menos em parte, pela presença de outras doenças crônicas nesse grupo, já que cerca de metade delas apresentavam pelo menos outra doença (como hipertensão arterial, doenças musculoesqueléticas, depressão, doenças gastrointestinais, entre outras). Esse fato pode ter contribuído para uma avaliação negativa, principalmente no aspecto físico da qualidade de vida.

Outros estudos também observaram comprometimento físico em sobreviventes de câncer de mama, quando comparadas às mulheres pareadas por idade sem história de câncer26 e Controles saudáveis pareados por idade16. Para a maioria das mulheres, o impacto do diagnóstico e do tratamento continua por longo tempo, especialmente quanto ao bem-estar físico32 e, aparentemente, o prejuízo no bem-estar físico permanece por muitos anos para essas pacientes, possivelmente a vida toda30.

Os resultados apresentados neste estudo parecem retratar um quadro um tanto pessimista sobre a qualidade de vida das pacientes sobreviventes, podendo indicar que apesar dos avanços no tratamento do câncer, com melhora do tempo de sobrevida e com a gratuidade do tratamento oferecido pelo Sistema Único de Saúde, ainda muitos aspectos da qualidade de vida estão prejudicados mesmo anos após o diagnóstico. Essa realidade precisa ser valorizada para gerar melhorias no cuidado, em que profissionais da saúde poderiam orientar e aconselhar as pacientes sobre o que esperar durante o tratamento, na recuperação e mesmo após muitos anos, com atenção especial aos aspectos físicos da qualidade de vida.

As limitações deste estudo foram seu desenho do tipo transversal, não sendo possível estabelecer nenhuma relação causal entre as variáveis e o fato de ter sido realizado em dois centros médicos, sendo que os resultados não podem ser generalizados. Apesar dessas limitações, este estudo pode contribuir para o entendimento da qualidade de vida em pacientes sobreviventes de câncer de mama, podendo direcionar intervenções inovadoras para melhorar a qualidade de vida. Os pontos fortes deste estudo foram o foco sobre a qualidade de vida em sobreviventes de câncer de mama e a inclusão de um Grupo Controle pareado por idade.

Na prática clínica, monitorar a qualidade de vida em pacientes com câncer de mama deve ser uma parte obrigatória do seguimento, no sentido de auxiliar os profissionais de saúde e pacientes na tomada de decisões sobre as opções de tratamento, além de identificar aquelas pacientes que necessitam de abordagens para problemas específicos33.

Pesquisas futuras poderiam avaliar a qualidade de vida em estudos longitudinais em comparação com outros grupos de mulheres, o que possibilitaria melhor compreensão sobre a evolução do câncer de mama, os efeitos do diagnóstico e do tratamento na vida das pacientes, e também no tempo de sobrevida livre da doença. Esses dados, incorporados a dados epidemiológicos, podem ser importantes fontes de informação para auxiliar profissionais de saúde na definição de condutas e políticas de saúde mais completas, intervenções psicossociais e alocação de recursos, considerando a integralidade da atenção e o ponto de vista da paciente.

Fonte de financiamento: nenhuma.

Conflito de interesses: não há.

Recebido 02/08/2012

Aceito com modificações 04/09/2012

Trabalho realizado no Hospital Erasto Gaertner e Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná - UFPR - Curitiba (PR), Brasil.

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  • Correspondência
    Ana Claudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky
    Universidade Estadual de Ponta Grossa, Departamento de Medicina
    Avenida General Carlos Cavalcanti, 4748
    CEP: 84030-900
    Ponta Grossa (PR), Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      02 Ago 2012
    • Aceito
      04 Set 2012
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