Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência e fatores associados à internação hospitalar para tratamento da infecção do trato urinário durante a gestação

Prevalence and associated factors with hospitalization for treatment of urinary tract infection during pregnancy

Resumos

OBJETIVO: Verificar a prevalência e os fatores associados à internação hospitalar da gestante para tratamento da infecção do trato urinário e as repercussões sobre a saúde do recém-nascido e a não realização do exame de urina durante o pré-natal. MÉTODOS: Estudo de delineamento transversal, em que foram elegíveis todas as mães dos recém-nascidos dos partos ocorridos entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2010 no município de Rio Grande (RS). As mães foram entrevistadas nas duas maternidades da cidade. Foram coletadas informações referentes à internação hospitalar para tratamento da infecção do trato urinário, à assistência pré-natal e às condições socioeconômicas. As análises estatísticas foram realizadas por níveis e controladas para fatores de confusão através da regressão de Poisson. RESULTADOS: Das 2.288 mulheres elegíveis para o estudo, 2,9% haviam sido internadas para tratamento da infecção do trato urinário e foi maior, após ajuste, em mulheres com menor nível econômico (3,1% no menor e 2,1% no maior), mais jovens (4,0% nas adolescentes e 1,8% naquelas com mais de 30 anos), com menor escolaridade (3,2% nas de ensino fundamental incompleto e 1,2% acima do ensino médio) e que não viviam com o companheiro (4,3% naquelas sem e 2,6% naquelas com). Quanto aos desfechos neonatais, esteve associado com a internação o baixo peso ao nascer (6,4% nas de baixo e 2,6% naquelas de peso normal). Das mulheres que frequentaram o pré-natal, 23,6% não haviam feito o exame de urina conforme o preconizado e, após ajuste, o risco de não realização foi maior naquelas com menor nível econômico (34,4% no menor nível e 14,4% no maior), menor escolaridade (35,2% nas de ensino fundamental incompleto e 11,0% acima do ensino médio) e que não viviam com o companheiro (32,7% naquelas sem e 22,0% naquelas com companheiro). CONCLUSÕES: A alta taxa de internação hospitalar reflete a falta de efetividade no rastreamento da infecção urinária durante a gestação. O perfil socioeconômico das gestantes que mais necessitam de hospitalização e que não realizaram rastreamento da infecção urinária adequado no pré-natal demonstra a necessidade de atenção mais cuidadosa às gestantes com as características encontradas.

Complicações infecciosas na gravidez; Infecção; Coleta de urina; Cuidado pré-natal; Hospitalização


PURPOSE: To determine the prevalence and associated factors of the hospitalization of pregnant women for treatment of urinary tract infection and the repercussions on the health of the newborn, and the absence of a urine exam during the prenatal period. METHODS: A cross-sectional design, where were eligible all mothers of newborns with births occurring between January 1st and December 31, 2010 in Rio Grande (RS). Mothers were interviewed in the two maternity hospitals in the city. Information was collected regarding hospitalization for urinary tract infection, the prenatal assistance and sociodemographic conditions. Statistical analyses were performed by levels and controlled for confounding using Poisson regression. RESULTS: Of the 2,288 women eligible for the study, 2.9% were hospitalized for treatment of urinary tract infection and was higher, after adjustment, in woman with lowest economic status (3.1% the lowest and 2.1% the highest), younger (4.0% in adolescents and 1.8% in those over 30 years), had less education (3.1% had seven years or less of studying and 1.2% had 12 years or more) and did not live with a partner (4.3% living without partner and 2.6% living with partner). Pathologies of the newborn associated with hospitalization, were preterm birth (4.1% in pre-term and 2.7% in those at term) and low birth weight (6.4% in low and 2.6% in those in normal). Of the women who underwent prenatal care, 23.6% had not done the urine test as recommended and, after adjustment, and the risk for not done the test was higher among those with lower socioeconomic status (34.4% in lower and 14.4% in the highest level), less educated (32.3% with seven years or less of studying and 11.0% with 12 years or more) and not living with a partner (32.7% living without partner and 22.0% living with partner). CONCLUSIONS: The high rate of hospitalization reflects the lack of effectiveness of screening for urinary tract infection during pregnancy. The socioeconomic profile of women who required hospitalization and who did not undergo adequate screening of urinary tract infection in prenatal care, demonstrate the need of more careful attention to pregnant women with the features found.

Pregnancy complications, infectious; Infection; Urine specimen collection; Prenatal care; Hospitalization


ARTIGO ORIGINAL

Prevalência e fatores associados à internação hospitalar para tratamento da infecção do trato urinário durante a gestação

Prevalence and associated factors with hospitalization for treatment of urinary tract infection during pregnancy

Arnildo Agostinho HackenhaarI; Elaine Pinto AlbernazII

IDisciplina de Ginecologia e Obstetrícia, Universidade Federal do Rio Grande - FURG - Rio Grande (RS), Brasil

IIUniversidade Federal de Pelotas - UFPel - Pelotas (RS), Brasil; Universidade Católica de Pelotas - UCPel - Pelotas (RS), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Arnildo Agostinho Hackenhaar Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande Rua General Osório, s/n - Campus Saúde CEP: 96200-400 Rio Grande (RS), Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a prevalência e os fatores associados à internação hospitalar da gestante para tratamento da infecção do trato urinário e as repercussões sobre a saúde do recém-nascido e a não realização do exame de urina durante o pré-natal.

MÉTODOS: Estudo de delineamento transversal, em que foram elegíveis todas as mães dos recém-nascidos dos partos ocorridos entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2010 no município de Rio Grande (RS). As mães foram entrevistadas nas duas maternidades da cidade. Foram coletadas informações referentes à internação hospitalar para tratamento da infecção do trato urinário, à assistência pré-natal e às condições socioeconômicas. As análises estatísticas foram realizadas por níveis e controladas para fatores de confusão através da regressão de Poisson.

RESULTADOS: Das 2.288 mulheres elegíveis para o estudo, 2,9% haviam sido internadas para tratamento da infecção do trato urinário e foi maior, após ajuste, em mulheres com menor nível econômico (3,1% no menor e 2,1% no maior), mais jovens (4,0% nas adolescentes e 1,8% naquelas com mais de 30 anos), com menor escolaridade (3,2% nas de ensino fundamental incompleto e 1,2% acima do ensino médio) e que não viviam com o companheiro (4,3% naquelas sem e 2,6% naquelas com). Quanto aos desfechos neonatais, esteve associado com a internação o baixo peso ao nascer (6,4% nas de baixo e 2,6% naquelas de peso normal). Das mulheres que frequentaram o pré-natal, 23,6% não haviam feito o exame de urina conforme o preconizado e, após ajuste, o risco de não realização foi maior naquelas com menor nível econômico (34,4% no menor nível e 14,4% no maior), menor escolaridade (35,2% nas de ensino fundamental incompleto e 11,0% acima do ensino médio) e que não viviam com o companheiro (32,7% naquelas sem e 22,0% naquelas com companheiro).

CONCLUSÕES: A alta taxa de internação hospitalar reflete a falta de efetividade no rastreamento da infecção urinária durante a gestação. O perfil socioeconômico das gestantes que mais necessitam de hospitalização e que não realizaram rastreamento da infecção urinária adequado no pré-natal demonstra a necessidade de atenção mais cuidadosa às gestantes com as características encontradas.

Palavras-chave: Complicações infecciosas na gravidez; Infecção; Coleta de urina; Cuidado pré-natal; Hospitalização

ABSTRACT

PURPOSE: To determine the prevalence and associated factors of the hospitalization of pregnant women for treatment of urinary tract infection and the repercussions on the health of the newborn, and the absence of a urine exam during the prenatal period.

METHODS: A cross-sectional design, where were eligible all mothers of newborns with births occurring between January 1st and December 31, 2010 in Rio Grande (RS). Mothers were interviewed in the two maternity hospitals in the city. Information was collected regarding hospitalization for urinary tract infection, the prenatal assistance and sociodemographic conditions. Statistical analyses were performed by levels and controlled for confounding using Poisson regression.

RESULTS: Of the 2,288 women eligible for the study, 2.9% were hospitalized for treatment of urinary tract infection and was higher, after adjustment, in woman with lowest economic status (3.1% the lowest and 2.1% the highest), younger (4.0% in adolescents and 1.8% in those over 30 years), had less education (3.1% had seven years or less of studying and 1.2% had 12 years or more) and did not live with a partner (4.3% living without partner and 2.6% living with partner). Pathologies of the newborn associated with hospitalization, were preterm birth (4.1% in pre-term and 2.7% in those at term) and low birth weight (6.4% in low and 2.6% in those in normal). Of the women who underwent prenatal care, 23.6% had not done the urine test as recommended and, after adjustment, and the risk for not done the test was higher among those with lower socioeconomic status (34.4% in lower and 14.4% in the highest level), less educated (32.3% with seven years or less of studying and 11.0% with 12 years or more) and not living with a partner (32.7% living without partner and 22.0% living with partner).

CONCLUSIONS: The high rate of hospitalization reflects the lack of effectiveness of screening for urinary tract infection during pregnancy. The socioeconomic profile of women who required hospitalization and who did not undergo adequate screening of urinary tract infection in prenatal care, demonstrate the need of more careful attention to pregnant women with the features found.

Keywords: Pregnancy complications, infectious; Infection; Urine specimen collection; Prenatal care; Hospitalization

Introdução

A infecção do trato urinário (ITU) é frequente na gestação, sendo que a sua prevalência é estimada em 20%1. Podem ocorrer três tipos de ITU durante a gestação: a bacteriúria assintomática, a cistite e a pielonefrite2.

A bacteriúria assintomática acomete em maiores proporções as gestantes de menor nível socioeconômico, não alfabetizadas, multíparas3 e mais jovens4. Quando não tratada, aumenta o risco do baixo peso ao nascer, porém não aumenta o risco da prematuridade5. Entre as mulheres que deixam de realizar tratamento para a bacteriúria assintomática, a chance de ocorrer pielonefrite durante a gestação é de 30%6.

Das ITUs sintomáticas, a pielonefrite é a mais grave, com indicação de internação hospitalar para tratamento com antibioticoterapia endovenosa2. Há maior chance da ocorrência de pielonefrite em mulheres primigestas e nas mais jovens7. As ITUs que apresentam sintomasaumentam o risco de complicações da gestante como a anemia8 e a hipertensão9. Alguns estudos apresentam associação das ITUs sintomáticas com o nascimento pré-termo8,9 e crescimento intrauterino restrito9. Um estudo mais recente, que levou em consideração os fatores socioeconômicos, não encontrou associação deste tipo de ITU na gestante com piora no desfecho da gravidez10. Não há consenso sobre quais agravos do feto estão associadas às ITUs com sintomas11.

Para evitar os casos graves de infecção urinária, é preconizado pelas rotinas de pré-natal, o rastreamento da bacteriúria assintomática e o seu tratamento durante a gestação. Para isso, o Ministério da Saúde do Brasil recomenda a realização de dois exames de urina durante o pré-natal. O primeiro exame deve ser solicitado na primeira consulta e o outro exame por volta da trigésima semana de gestação2.

Este estudo tem por objetivo verificar a prevalência e os fatores associados à internação hospitalar da gestante para tratamento da ITU e as repercussões sobre o recém-nascido e verificar também os fatores relacionados com a não realização do exame de urina durante o pré-natal conforme preconizado. Com isso, identificar os grupos de gestantes onde o rastreamento deve melhorar, qualificando a assistência pré-natal.

Métodos

Foi realizado um estudo retrospectivo, em que eram elegíveis todas as mães de recém-nascidos cujos partos ocorreram entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2010. As gestações teriam que ter pelo menos 20 semanas ou o peso da criança ao nascer ser igual ou superior a 500 gramas e as mães deveriam residir no município de Rio Grande (RS).

Todas as informações foram coletadas por entrevistadoras previamente treinadas, nas duas maternidades da cidade, por meio de questionário único pré-codificado. Este questionário investigou o local de residência, as características demográficas, a história reprodutiva e os hábitos de vida destas mulheres. Foram verificadas as causas da internação hospitalar e a frequência da realização do exame de urina durante o pré-natal. Também foram avaliados o acesso e a utilização de serviços preventivos e curativos em saúde, e a assistência pré-natal recebida durante a gestação.

A variável idade gestacional foi obtida a partir da data da última menstruação. No caso de valores ignorados para a data da última menstruação, foi utilizada a idade gestacional pela ultrassonografia realizada entre a 5ª e 20ª semana de gestação, completada pelo método de Capurro et al.12 realizado pelo pediatra. O peso dos recém-nascidos foi obtido por meio de balança eletrônica nas duas maternidades. Para a classificação econômica, foram utilizados os critérios para classificação econômica Brasil, baseada em posse de itens e escolaridade do chefe da família13.

Foram considerados casos de internação hospitalar para tratamento da ITU aquelas mulheres que responderam que haviam sido internadas em hospital durante a gestação e que a causa desta internação havia sido tratamento da infecção urinária. Foram considerados casos de não terem realizado dois exames de urina durante o pré-natal aquelas mulheres que responderam que não realizaram o exame de urina no pré-natal ou que realizaram apenas um exame. Os grupos de comparação foram os de mulheres entrevistadas e que não preenchiam os critérios acima.

Os questionários foram enviados para digitação. A consistência era verificada periodicamente em bloco e, no caso de valores fora do esperado para qualquer uma das variáveis coletadas, foi feita a verificação no questionário.

Os valores ignorados para cada variável não foram incluídos na análise estatística. As análises tinham um nível de significância de 95%. Para o tamanho amostral, foi utilizada como base a variável nível econômico. Para identificar um risco de 1,5, levando em consideração a prevalência da não realização de dois exames de urina no grupo não exposto (mais ricas) de 18%, seriam necessárias 1.304 entrevistas, já acrescidos 15% para fatores de confusão e 5% para perdas e recusas.

Nas análises estatísticas do estudo, foram utilizados os seguintes testes: em caso de comparação de variáveis categóricas dicotômicas ou ordinais, foi realizado o teste do χ2 para heterogeneidade. Na comparação de variável categórica dicotômica com uma variável categórica ordinal, onde tivesse tendência linear, foi realizado o teste do χ2 para tendência linear.

A análise multivariável teve como base o modelo conceitual hierarquizado por níveis14, e foi realizada por meio da regressão de Poisson controlando para fatores de confusão. Foram mantidas no modelo as variáveis que na análise univariada mantiverem um valor p<0,2.

O protocolo de pesquisa foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa na Área da Saúde reconhecidos pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa da Fundação Universidade Federal do Rio Grande e do Hospital de Caridade da Santa Casa do Rio Grande. Todas as mulheres entrevistadas assinaram o termo de consentimento livre informado.

Resultados

Foram entrevistadas 2.395 mulheres e ocorreram 69 perdas. Foram excluídas 107 gestantes que não realizaram o pré-natal. Das 2.288 mulheres incluídas na análise, 18,4% eram adolescentes e 29,1% tinham mais de 30 anos de idade. Em relação a tempo de escolaridade, 80,9% tinham oito anos ou mais de estudo. Viviam com os companheiros 84,8% delas, enquanto 19,1% eram tabagistas no primeiro trimestre da gestação.

Das mulheres elegíveis para o estudo, 2,9% internaram para tratamento da ITU. Mulheres que apresentaram maior risco de internação por esta patologia, após ajuste, foram aquelas com menor nível econômico, mais jovens, com menor escolaridade e que não viviam com o companheiro (Tabela 1). Também tiveram maior risco de internação por ITU, após ajuste, mulheres que durante a gestação tiveram trabalho de parto pré-termo, corrimento, pressão alta e anemia (Tabela 2).

A internação das gestantes por ITU, após ajuste para as variáveis socioeconômicas, doenças maternas e tabagismo, mostrou-se associada com o baixo peso ao nascer, Razão de Prevalência de 2,1 (p<0,001), mas não esteve associada com o nascimento pré-termo, Razão de Prevalência de 1,1 (p<0,09) tendência linear.

Entre as mulheres que frequentaram o pré-natal, 23,6% não haviam feito pelo menos dois exames durante a gestação e esta proporção foi maior, após ajuste, nas mulheres de menor nível econômico, de menor escolaridade e que não viviam com o companheiro (Tabela 3).

Das variáveis relacionadas ao pré-natal, a proporção de mulheres que não efetuaram o exame de urina conforme o preconizado, após ajuste, foi maior naquelas que iniciaram o pré-natal no segundo ou no terceiro trimestre da gestação e que compareceram a menos de seis consultas no pré-natal (Tabela 4).

Discussão

A internação para tratamento de ITU foi indicada em 2,9% das gestantes da cidade de Rio Grande (RS) em 2010. Esta taxa é elevada, se comparada com os dados da literatura, com números próximos de 1,4%15. Os achados sobre os riscos de internação hospitalar para tratamento de ITU coincidem com aqueles encontrados por outros estudos, nos quais a ocorrência de ITU sintomática é maior nas gestantes de menor nível econômico16 e nas mais jovens7.

Neste estudo se evidencia associação entre ITU e hipertensão na gestação. Outros estudos encontraram esta associação17, porém seu mecanismo causal é desconhecido18.

A presença de corrimento vaginal durante a gestação aumentou o risco de internação por ITU. Esta associação também foi encontrada por Schieve et al.19 e a explicação é que a uretra mais curta da mulher facilita a contaminação urinária por bactérias do trato genital.

Este estudo encontrou associação entre internação hospitalar por ITU da gestante e a ocorrência da ameaça de trabalho pré-termo. A associação entre ITU na gestante e o trabalho de parto pré-termo também foi constatada por outros autores8. A explicação para essa associação é que a liberação de mediadores dos processos inflamatórios da ITU desencadeia as contrações20.

Quanto aos exames de urina durante a gestação já se sabe que a não realização de pelo menos um exame de urina durante o pré-natal foi mais frequente entre aquelas mulheres de menor nível econômico, menor escolaridade, que não viviam com companheiro e que compareceram em menos de seis consultas no pré-natal21.

Os fatores relacionados com a não realização de dois exames de urina encontrados por este estudo também foram observados por autores em estudos sobre a qualidade da assistência ao pré-natal. No estudo de Coimbra et al.22, após ajuste, foi observada relação entre inadequação do pré-natal com menor escolaridade, menor renda familiar, que não tem companheiro. Estudo de Gonçalves, Cesar e Mendoza-Sassi.23 constatou que mulheres de menor renda frequentam menos consultas e têm menos exames laboratoriais solicitados no pré-natal. Essas mulheres têm menos chances de acesso aos serviços de saúde e menor grau de informação sobre a importância do pré-natal. Isso reforça a ideia de que a realização de exame de urina na gestação reflete a qualidade de assistência do pré-natal24.

Para diagnóstico de bacteriúria assintomática, o padrão ouro é a urocultura. Não existe consenso sobre a quantidade ideal de uroculturas que devem ser obtidas no pré-natal. Um protocolo adotado pela comunidade médica dos Estados Unidos recomenda uma urocultura entre a 6ª e a 8ª semana de gestação25, pois a possibilidade de vir a ter infecção urinária alta após urocultura negativa nesta fase é menor do que 2%26. Na rotina da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, a recomendação é que sejam realizadas três uroculturas, uma a cada trimestre27.

Mesmo que a maioria de gestantes tenha realizado dois exames de urina, isso não significa necessariamente qualidade no rastreamento. Pode ter ocorrido falha na efetividade do rastreamento da bacteriúria assintomática, pois na recomendação do Ministério da Saúde, vigente em 2010, a urocultura apenas se justificava quando o exame comum de urina fosse infeccioso28. A alta taxa de internação hospitalar durante a gestação para tratamento da ITU demonstrada por este estudo é um indicador da ineficácia da assistência pré-natal.

O critério para o início do tratamento da pielonefrite é a presença de sinais e sintomas apresentados pela gestante associados ao exame comum de urina alterado. A ausência de crescimento bacteriano, neste caso, não exclui a presença de infecção29.

As principais limitações deste estudo são a causalidade reversa e o viés de memória. Por se tratar de um estudo transversal, não se pode afirmar que as doenças maternas, como a hipertensão e a anemia, surgiram em momento posterior à internação hospitalar para o tratamento da ITU. O viés de memória interferiu pouco no estudo em se tratando de internação hospitalar. Pode ter ocorrido superestimação do número de exames de urina, pois algumas mulheres podem ter incluído a proteinúria de 24 horas no número de exames. Essa superestimação pode ter ocorrido somente em 67 gestantes que foram internadas por hipertensão na gestação, pois este exame costuma ser realizado em gestantes internadas.

Apesar de 23,6% das mulheres terem sido submetidas ao exame conforme o preconizado pelo Ministério da Saúde, justamente no grupo de maior risco de internação hospitalar ele é realizado com menor frequência. Conclui-se que, para mulheres mais pobres, de menor escolaridade e que não têm companheiro no domicílio, é necessário melhorar o rastreamento da bacteriúria assintomática. Nestes grupos, a percentagem de internação hospitalar para o tratamento da ITU é mais elevada, o que aumenta o risco do baixo peso ao nascer.

Agradecimentos

Este estudo recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Secretaria Municipal de Saúde do Rio Grande (RS).

Recebido 14/09/2012

Aceito com modificações 19/04/2013

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande - FURG - Rio Grande (RS), Brasil.

  • 1. Montenegro CAB, Rezende Filho J. Rezendeobstetrícia fundamental. 12a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.
  • 2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico. 5a ed. Brasília (DF): Editora do Ministério da Saúde; 2012. Infecção urinária; p. 111-2.
  • 3. Fatima N, Ishrat S. Frequency and risk factors of asymptomatic bacteriuria during pregnancy. J Coll Physicians Surg Pak. 2006;16(4):273-5.
  • 4. Feldkamp ML, Reefhuis J, Kucik J, Krikov S, Wilson A, Moore CA, et al. Case-control study of self reported genitourinary infections and risk of gastroschisis: findings from the national birth defects prevention study, 1997-2003. BMJ. 2008;336(7658):1420-3.
  • 5. Smaill F, Vazquez JC. Antibiotics for asymptomatic bacteriuria in pregnancy. Cochrane Database Syst Rev. 2007;(2):CD000490.
  • 6. Malterud K, Baerheim A. Peeing barbed wire. Symptom experiences in women with lower urinary tract infection. Scand J Prim Health Care. 1999;17(1):49-53.
  • 7. Farkash E, Weintraub AY, Sergienko R, Wiznitzer A, Zlotnik A, Sheiner E. Acute antepartum pyelonephritis in pregnancy: a critical analysis of risk factors and outcomes. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2012;162(1):24-7.
  • 8. Bánhidy F, Acs N, Puhó EH, Czeizel AE. Pregnancy complications and birth outcomes of pregnant women with urinary tract infections and related drug treatments. Scand J Infect Dis. 2007;39(5):390-7.
  • 9. Mazor-Dray E, Levy A, Schlaeffer F, Sheiner E. Maternal urinary tract infection: is it independently associated with adverse pregnancy outcome?J Matern Fetal Neonatal Med. 2009;22(2):124-8.
  • 10. Chen YK, Chen SF, Li HC, Lin HC. No increased risk of adverse pregnancy outcomes in women with urinary tract infections: a nationwide population-based study. Acta Obstet Gynecol Scand. 2010;89(7):882-8.
  • 11. Vazquez JC, Abalos E. Treatments for symptomatic urinary tract infections during pregnancy. Cochrane Database Syst Rev. 2011;(1):CD002256.
  • 12. Capurro H, Konichezky S, Fonseca D, Caldeyro-Barcia R. A simplified method for diagnosis of gestational age in the newborn infant. J Pediatr. 1978;93(1):120-2.
  • 13
    Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [Internet]. Critério de classificação econômica Brasil: dados com base no Levantamento Sócio Econômico 2008 - IBOPE. 2010 [citado 2011 Jul]. Disponível em: <http:www.abep.org/novo/Utils/FileGenerate.ashx?id=46>
  • 14. Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol. 1997;26(1):224-7.
  • 15. Hill JB, Sheffield JS, McIntire DD, Wendel GD Jr. Acute pyelonephritis in pregnancy. Obstet Gynecol. 2005;105(1):18-23.
  • 16. Haider G, Zehra N, Munir AA, Haider A. Risk factors of urinary tract infection in pregnancy. J Pak Med Assoc. 2010;60(3):213-6.
  • 17. Hsu CD, Witter FR. Urogenital infection in preeclampsia. Int J Gynaecol Obstet. 1995;49(3):271-5.
  • 18. Conde-Agudelo A, Villar J, Lindheimer M. Maternal infection and risk of preeclampsia: systematic review and metaanalysis. Am J Obstet Gynecol. 2008;198(1):7-22.
  • 19. Schieve LA, Handler A, Hershow R, Persky V, Davis F. Urinary tract infection during pregnancy: its association with maternal morbidity andperinatal outcome. Am J Public Health. 1994;84(3):405-10.
  • 20. Romero R, Oyarzun E, Mazor M, Sirtori M, Hobbins JC, Bracken M. Meta-analysis of the relationship between asymptomatic bacteriuria and preterm delivery/low birth weight. Obstet Gynecol. 1989;73(4):576-82.
  • 21. Silveira MF, Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Victora CG. Diferenciais socioeconômicos na realização de exame de urina no pré-natal. Rev Saúde Pública. 2008;42(3):389-95.
  • 22. Coimbra LC, Figueiredo FP, Silva AA, Barbieri MA, Bettiol H, Caldas AJ, et al. Inadequate utilization of prenatal care in two Brazilian birth cohorts. Braz J Med Biol Res. 2007;40(9):1195-202.
  • 23. Gonçalves CV, Cesar JA, Mendoza-Sassi RA. Qualidade e equidade na assistência à gestante: um estudo de base populacional no Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(11):2507-16.
  • 24. Smaill F. Asymptomatic bacteriuria in pregnancy. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2007;21(3):439-50.
  • 25. Institute for Clinical Systems Improvement. Health care guideline: routine prenatal care. 15th ed. Bloomington: ICSI; 2012.
  • 26. Bachman JW, Heise RH, Naessens JM, Timmerman MG. A study of various tests to detect asymptomatic urinary tract infections in an obstetric population. JAMA. 1993;270(16):1971-4.
  • 27. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Comissões Nacionais Especializadas Ginecologia e Obstetrícia. Manual de orientação: gestação de alto risco. Rio de Janeiro: FEBRASGO; 2011. Capítulo 21:Infecção urinária na gestação; p. 197-204.
  • 28
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher. Pré-natal e puerpério: atenção qualificada e humanizada - manual técnico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006.
  • 29. Duarte G, Marcolin AC, Gonçalves CV, Quintana SM, Berezowski AT, Nogueira AA, et al. [Urinary infection in pregnancy: analysis of diagnostic methods and treatment]. Rev Bras Ginecol Obstet 2002;24(7):471-7. Portuguese.
  • Endereço para correspondência:
    Arnildo Agostinho Hackenhaar
    Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande
    Rua General Osório, s/n - Campus Saúde
    CEP: 96200-400 Rio Grande (RS), Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Maio 2013

    Histórico

    • Recebido
      14 Set 2012
    • Aceito
      19 Abr 2013
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br