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Gestantes vivendo com HIV/AIDS: características antropométricas e peso ao nascer dos seus recém-nascidos

Anthropometric characteristics of HIV/AIDS: pregnants and birth weight of theirs newborns

Resumos

OBJETIVO:Descrever características antropométricas e da gestação de mulheres com HIV/AIDS, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) e o peso de seus recém-nascidos. MÉTODOS: Participaram do estudo gestantes atendidas nos serviços de assistência à DST/AIDS da Secretaria Municipal de Saúde do município de São Paulo. A avaliação antropométrica foi realizada por nutricionistas treinadas e as demais informações foram obtidas em prontuários. Para a comparação entre os dados do estudo e os da população geral, foram utilizados dados secundários da mãe e da gestação oriundos das Declarações de Nascidos Vivos, disponíveis no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos. As variáveis contínuas foram resumidas por meio da média e desvio padrão ou pelos percentis 25, 50 e 75, valores mínimo e máximo. As demais variáveis são apresentadas em porcentagens. As médias foram comparadas por meio dos testes t Student ou Kruskall-Wallis, a depender do cumprimento das pressuposições, com decisão baseada no valor de p. RESULTADOS: Observaram-se presença de inadequação nutricional materna se considerada a prega cutânea do tríceps (60,9%), baixo peso (18,5%) e sobrepeso ou obesidade (40%), segundo o índice de massa corporal (IMC) gestacional; ausência de associação entre diagnóstico (HIV ou AIS) e peso, estatura, massa magra e gorda. Para filhos de mães com HIV/AIDS, observou-se peso médio ao nascer menor ao da população sem esta condição. CONCLUSÕES: Os resultados do presente estudo indicam a necessidade de desenvolvimento de curvas adaptadas que permitam a avaliação nutricional mais acurada deste grupo populacional.

Antropometria; HIV; Síndrome de imunodeficiência adquirida; Gestantes; Peso ao nascer


PURPOSE: To describe the anthropometric and pregnancy characteristics of women with HIV/AIDS, assisted by the Brazilian National Health System and the birth weight of their newborns. METHODS: The participants were women assisted at public STD/AIDS clinics of the Municipal Health system of São Paulo. The anthropometric characteristics were evaluated by trained nutritionists and other information was obtained from the medical records. For comparison of the survey data to those of the general population, secondary maternal and pregnancy data were obtained from live birth certificates through the Live Birth Information System. Continuous variables were summarized as mean and standard deviation or as the 25th, 50th and 75th percentiles and minimum and maximum values. The other variables are presented as percentages. Means were compared by the Student's t-test or Kruskal-Wallis test depending on the fulfillment of assumptions, with the decision based on the p value. RESULTS: We found the presence of inadequate maternal nutrition according to triceps skinfold (60.9%). The BMI/gestational age showed the presence of underweight (18.5%) and overweight or obesity (40%). There was no association between disease status (HIV or AIDS) and weight, height, and lean or fat mass. Mean newborn birth weight was lower than the value for the general population without infection or disease. The results of this study indicate the need to develop adapted curves to allow a more accurate nutritional assessment of this population group.

Anthropometry; HIV; Acquired immunodeficiency syndrome; Pregnant women; Birth weight


ARTIGO ORIGINAL

Gestantes vivendo com HIV/AIDS: características antropométricas e peso ao nascer dos seus recém-nascidos

Anthropometric characteristics of HIV/AIDS: pregnants and birth weight of theirs newborns

Katia Cristina BassichettoI; Denise Pimentel BergamaschiII; Iraci Cota BonelliI; Joelcio Francisco AbbadeIII

ISecretaria Municipal de Saúde de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil

IIDepartamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

IIIFaculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Katia Cristina Bassichetto Rua General Jardim, 36, 5º andar - Vila Buarque CEP: 01222-010 São Paulo (SP), Brasil

RESUMO

OBJETIVO:Descrever características antropométricas e da gestação de mulheres com HIV/AIDS, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) e o peso de seus recém-nascidos.

MÉTODOS: Participaram do estudo gestantes atendidas nos serviços de assistência à DST/AIDS da Secretaria Municipal de Saúde do município de São Paulo. A avaliação antropométrica foi realizada por nutricionistas treinadas e as demais informações foram obtidas em prontuários. Para a comparação entre os dados do estudo e os da população geral, foram utilizados dados secundários da mãe e da gestação oriundos das Declarações de Nascidos Vivos, disponíveis no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos. As variáveis contínuas foram resumidas por meio da média e desvio padrão ou pelos percentis 25, 50 e 75, valores mínimo e máximo. As demais variáveis são apresentadas em porcentagens. As médias foram comparadas por meio dos testes t Student ou Kruskall-Wallis, a depender do cumprimento das pressuposições, com decisão baseada no valor de p.

RESULTADOS: Observaram-se presença de inadequação nutricional materna se considerada a prega cutânea do tríceps (60,9%), baixo peso (18,5%) e sobrepeso ou obesidade (40%), segundo o índice de massa corporal (IMC) gestacional; ausência de associação entre diagnóstico (HIV ou AIS) e peso, estatura, massa magra e gorda. Para filhos de mães com HIV/AIDS, observou-se peso médio ao nascer menor ao da população sem esta condição.

CONCLUSÕES: Os resultados do presente estudo indicam a necessidade de desenvolvimento de curvas adaptadas que permitam a avaliação nutricional mais acurada deste grupo populacional.

Palavras-chave: Antropometria, HIV, Síndrome de imunodeficiência adquirida, Gestantes, Peso ao nascer

ABSTRACT

PURPOSE: To describe the anthropometric and pregnancy characteristics of women with HIV/AIDS, assisted by the Brazilian National Health System and the birth weight of their newborns.

METHODS: The participants were women assisted at public STD/AIDS clinics of the Municipal Health system of São Paulo. The anthropometric characteristics were evaluated by trained nutritionists and other information was obtained from the medical records. For comparison of the survey data to those of the general population, secondary maternal and pregnancy data were obtained from live birth certificates through the Live Birth Information System. Continuous variables were summarized as mean and standard deviation or as the 25th, 50th and 75th percentiles and minimum and maximum values. The other variables are presented as percentages. Means were compared by the Student's t-test or Kruskal-Wallis test depending on the fulfillment of assumptions, with the decision based on the p value.

RESULTS: We found the presence of inadequate maternal nutrition according to triceps skinfold (60.9%). The BMI/gestational age showed the presence of underweight (18.5%) and overweight or obesity (40%). There was no association between disease status (HIV or AIDS) and weight, height, and lean or fat mass. Mean newborn birth weight was lower than the value for the general population without infection or disease. The results of this study indicate the need to develop adapted curves to allow a more accurate nutritional assessment of this population group.

Keywords: Anthropometry, HIV, Acquired immunodeficiency syndrome, Pregnant women, Birth weight

Introdução

A evolução da epidemia da AIDS atingiu de forma acentuada as mulheres, suscitando a implementação de políticas públicas1 como a oferta, durante a assistência pré-natal de sorologia para detecção do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e tratamento profilático com terapia antirretroviral (TARV)2-4. Tais políticas contribuíram para mudanças positivas no perfil de morbimortalidade e redução no risco de transmissão vertical pós-introdução da TARV5.

A influência de políticas públicas é descrita na literatura internacional com seu reflexo no aumento da taxa de gravidezes repetidas entre mulheres infectadas pelo HIV, ao longo das duas últimas décadas6. Entretanto, a ocorrência deste evento está associada a características sóciodemográficas, o que precisa ser considerado no planejamento de serviços de saúde reprodutiva e cuidados no manejo da assistência a pessoas que vivem com o HIV6.

Estudos nacionais que avaliaram a cobertura da detecção da infecção pelo HIV em gestantes, e conhecimento do resultado antes do parto, também revelaram desigualdades socioespaciais7,8 que indicam a necessidade de intervenções que considerem estas realidades para que se obtenha efetividade nas ações.

Especialmente em relação ao estado nutricional, este cenário traz um desafio adicional, se considerado que mulheres infectadas pelo HIV estão expostas a risco acrescido para desnutrição durante a gestação, podendo influenciar no peso ao nascer, na duração da gestação e na morbidade e mortalidade neonatal. Dessa forma, as condições socioeconômicas, a qualidade da assistência pré-natal, entre outras, constituem variáveis associadas ao estado nutricional materno3,9-15. A desnutrição pode também ser agravada na presença de infeções oportunistas, alterações metabólicas e hormonais, diminuição da ingestão alimentar e má absorção de nutrientes16-18.

Este estudo teve como objetivos descrever características antropométricas e da gestação de mulheres com HIV/AIDS, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) e o peso ao nascer de seus recém-nascidos.

Métodos

Tipo do estudo e seleção dos participantes

Estudo de corte transversal, realizado de janeiro de 2008 a setembro de 2009, com amostra de usuárias do SUS por meio da demanda de 11 de 15 Serviços de Assistência Especializada em DST/AIDS (SAE) da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS-SP), que compõem a Rede Municipal Especializada em DST/AIDS de São Paulo, com cobertura de 86% de adultos. Participaram do estudo todas as gestantes que buscaram os serviços no período da pesquisa. Nesta Rede, os usuários recebem assistência multidisciplinar, incluindo atendimento nutricional, onde se adota a avaliação do estado nutricional, por meio da antropometria19.

Para o cálculo do tamanho da amostra de gestantes em seguimento, utilizou-se a proporção de 50% de indivíduos com desnutrição, precisão de 15% e grau de confiança de 95%, que acrescido de 20% de perdas resultou em tamanho mínimo igual a 52 gestantes20. Constituíram critérios de inclusão: estar em seguimento em um dos Serviços no período do estudo, estar grávida e ter infecção pelo HIV ou AIDS. Os critérios de exclusão foram: presença de hiper ou hipotireoidismo, alterações neurológicas, deficiências físicas que dificultassem a realização da tomada de medidas antropométricas, gestação gemelar e impossibilidade de deambular.

Os dados antropométricos do estudo foram aferidos e registrados por nutricionistas treinadas. As demais informações (data da primeira sorologia para HIV, data da notificação da AIDS, se estavam em uso de TARV no momento da entrevista e data de introdução da TARV) foram obtidas dos prontuários.

Para a comparação dos dados do estudo com os da população geral foram utilizados dados secundários da mãe e da gestação (estado civil, escolaridade, ocupação, duração da gestação, número de consultas de pré-natal, tipo de parto, data de nascimento e peso do recém-nascido ao nascer) oriundos das Declarações de Nascidos Vivos de partos ocorridos no Município de São Paulo (MSP), em 2008 e 2009, disponíveis no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC).

Algumas dessas variáveis foram agrupadas, como ocupação (gerou a variável trabalho com duas categorias: donas de casa e ocupação remunerada fora de casa), duração da gestação (originou uma variável com duas categorias: nascidos a termo (>37 semanas gestacionais) e pré-termo (antes da 37ª semana)3. Foram considerados recém-nascidos, a termo pequenos para a idade gestacional, aqueles que tiveram peso ao nascer menor que 2.500 g, de acordo com o Percentil 10 para 37 semanas da curva de Alexander et al.21. Consideraram-se, ainda, para os recém-nascidos a termo as seguintes categorias: Extremo/Muito Baixo Peso (E/MBP) (<1.500 g), Baixo Peso (BP) (1.500 a 2.499 g), Normal (com 2.500 g e mais)22.

Para identificar as mulheres com HIV/AIDS no SINASC utilizou-se a data de nascimento e o endereço de moradia, quando necessário.

Dados clínicos e uso de TARV

O tempo de infecção foi calculado pela diferença entre a data da entrevista e a do primeiro resultado de sorologia positiva para o HIV e apresentado segundo situação - HIV ou AIDS.

Foram considerados como em uso de TARV somente as gestantes que estavam em tratamento para AIDS, com coleta em prontuário da data de introdução da terapia, uma vez que todas as gestantes com HIV devem fazer uso de TARV profilaticamente, como recomendado pelo Ministério da Saúde2.

Dados antropométricos

Para assegurar a qualidade dos dados, as tomadas das medidas antropométricas foram realizadas por avaliadoras treinadas, utilizando-se os procedimentos recomendados por Lohman et al.23 e pela Organização Mundial de Saúde (OMS)24, aferidas em duplicata, com valores calculados por meio da média aritmética das duas medidas.

As medidas antropométricas utilizadas foram: peso atual (kg); estatura (cm); circunferência braquial (CB) (cm); pregas cutâneas triciptal (PCT), subescapular (PCSE), e da panturrilha (PCP) (mm)23,24. Foram consideradas as seguintes variáveis compostas: o índice de massa corporal [(peso/altura(m)2)] para idade gestacional (IMC/I)24,25 e a circunferência muscular do braço (CMB) (cm) = [CB - (PCT (mm) x p)]. O peso foi obtido por balança plena digital com capacidade para 150 kg, estando o participante descalço e com roupas leves. A altura foi obtida por meio de fita métrica fixa e uso de esquadro para posicionar a cabeça no plano de Frankfurt23,24.

A aferição das pregas cutâneas foi realizada no lado direito do corpo, utilizando-se adipômetros Cescorf® com identificação do local onde a medida seria feita. O pinçamento das pregas foi feito com a mão esquerda e dedos polegar e indicador a mais ou menos 1 cm acima do local marcado. As hastes do adipômetro foram posicionadas perpendicular à prega, mais ou menos 1 cm abaixo do local pinçado.

As localizações anatômicas foram: para a prega subescapular, abaixo do ângulo inferior da escápula; para a prega cutânea do tríceps, o ponto médio umeral na região posterior do braço; para a suprailíaca, em cima da linha axilar média e logo acima da crista ilíaca. Para a panturrilha, buscou-se a máxima circunferência e parte medial da mesma. Para a circunferência braquial, utilizou-se fita métrica inelástica, flexível e braço flexionado em direção ao tórax, formando um ângulo de 90º, e ponto médio entre o acrômio e o olecrano.

Os valores de PCT, PCSE, PCP, CB e CMB, por não apresentarem distribuição normal, são apresentados em percentis (P) 25, 50 e 75, das tabelas de Frisancho26. Para a classificação do estado nutricional, utilizou-se a adequação em relação ao P50 da PCT [PCT obtida/PCTP50) x 100] e da CMB [CMB obtida/CMBP50) x 100] com três categorias (<90%; 90%-110%; 110 e mais)27.

Para classificar o estado nutricional das gestantes, por meio do IMC gestacional, utilizou-se o gráfico proposto por Atalah Samur et al.25 que segundo a idade gestacional, permite categorizá-las em: baixo peso, adequado, sobrepeso e obesidade19.

Análise estatística

As variáveis contínuas foram resumidas por meio da média e desvio padrão (DP) ou pela mediana e P25 e P75, valores mínimo e máximo (idade materna, tempo de infecção e características antropométricas da mãe). As demais variáveis (escolaridade; uso de profilaxia para prevenção da transmissão vertical e uso de TARV; grupo etário; situação da infecção - HIV ou AIDS; trimestre gestacional; duração da gestação - pré-termo e a termo; consultas de pré-natal; e tipo de parto - vaginal ou cesárea) são apresentadas em porcentagens.

As médias foram comparadas por meio dos testes t de Student ou Kruskall-Wallis, a depender do cumprimento das pressuposições, com decisão baseada no valor p. Utilizou-se o pacote Stata Versão 11 na análise estatística28.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da SMS-SP e obteve-se a assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assegurando-se o anonimato.

Resultados

Participaram do estudo 65 gestantes vivendo com HIV/AIDS, residentes na região metropolitana de São Paulo. Ambos os grupos, com HIV e com AIDS, apresentaram média de idade de 29,2 anos (DP=6,7; p=0,8). Três gestantes com HIV/AIDS (4,6%) estavam na faixa de 16 a 19 anos e 62 (95,4%) na faixa de 20 a 45 anos. As gestantes com HIV/AIDS não apresentavam idade média diferente das gestantes da população geral (=27,8; DP=6,7; n=189.761; p=0,08).

As gestantes com HIV/AIDS apresentaram menor escolaridade do que as da população geral, se considerada a faixa de menos de sete anos de estudo (37,7% versus 19,5%; p<0,001). Com relação à situação de trabalho, observou-se que 74,6% das gestantes com HIV/AIDS não tinham emprego fora de casa.

Do total de gestantes, incluídas no grupo de estudo, 35 (54%) eram HIV+ e 30 (46%) apresentavam AIDS. As gestantes com AIDS apresentaram tempo de infecção (anos) superior às com HIV (p=0,003) (P50aids: 2,8; P50hiv: 0,5). Observou-se que 100% das gestantes com HIV faziam uso de profilaxia para prevenção da transmissão vertical e 97% das com AIDS faziam uso de TARV como tratamento.

As gestantes que participaram do estudo se encontravam nos seguintes trimestres gestacionais: primeiro (4,6%); segundo (41,5%) e terceiro (53,9%). As características da gestação de mulheres com HIV/AIDS não diferiram das da população geral, tendo sido observados os seguintes valores para: duração da gestação - 9,7% de partos pré-termo e 90,3% a termo (p=0,9); número de consultas pré natal - 4,8% de uma a três, 19,4% de quatro a seis e 75,8% de sete e mais (p=0,8) e tipo de parto - 40,3% vaginal e 59,7% cesáreo (p=0,5).

Filhos de mães com HIV/AIDS apresentaram peso médio ao nascer menor (n=62; p=0,003) se comparados aos nascidos vivos da população geral (n=189.739) (HIV/AIDS: =2.893 g; DP=533 g; MSP2008: =3.221 g; DP=633 g) (dados não apresentados). Ao classificar o peso ao nascer de recém-nascidos a termo, de acordo com o P10 para 37 semanas da curva proposta por Alexander et al.21, não se observou diferença entre as populações (p=0,8; dados não apresentados).

São apresentados os valores medianos da altura (160,7 cm) e da PCT (17,1 mm), da população amostra. As medidas são apresentadas conjuntamente tanto para gestantes com HIV como com AIDS, uma vez que não foi observada diferença significante segundo situação da infecção (Tabela 1).

Com base no IMC gestacional19,25, observou-se que do total de 65 gestantes com HIV/AIDS, 18,5% encontravam-se com baixo peso, 24,6% com sobrepeso e 15,4% com obesidade. Tal quadro não foi diferente segundo diagnóstico (p=0,3).

O estado nutricional de gestantes HIV/AIDS, segundo adequação da PCT e da CMB em relação ao P50 da curva de Frisancho27, revelou que para a PCT, 60,9% encontravam-se abaixo de 90% e que para CMB, 96,9% delas apresentaram proporção de adequação acima de 90% (Tabela 2).

Discussão

O estudo apresenta uma descrição das características antropométricas, sociodemográficas, clínicas e da gestação de mulheres com HIV/AIDS usuárias do SUS. Descreve-se a presença de desnutrição, segundo a PCT (60,9%) e segundo o IMC gestacional (18,5%); ausência de associação entre diagnóstico (HIV ou AIDS) e características nutricionais da gestante (peso, estatura, massa magra e gorda) e distribuição do peso ao nascer de filhos de mães HIV deslocada para valores menores em relação ao da população em geral. (Quase a metade destas gestantes (46%) apresenta AIDS, indicando que esta condição constitui um desafio adicional no manejo do pré-natal que, nestes casos, precisa incluir recomendações específicas para proteção da mãe e do feto).

Alguns aspectos da assistência às gestantes com HIV/AIDS foram analisados, dada a especificidade deste grupo, como o uso de profilaxia para prevenção da transmissão vertical preconizado pelo MS2, e sua possível implicação com o pior estado nutricional do recém-nascido. Em estudo de Castro et al.28, pode-se observar para esta finalidade percentuais menores de uso deste tipo de profilaxia que os do presente estudo (69 versus 100%) e semelhantes para tratamento da doença (97 versus 100%), refletindo o esforço de consolidação desta política de prevenção na cidade de São Paulo. Estes resultados merecem destaque já que o pleno controle da transmissão vertical do HIV no país ainda constitui um desafio, sendo fundamental evitar o diagnóstico tardio desta infecção na gestação e ampliar a adesão às recomendações técnicas por parte dos serviços de saúde, com foco na melhoria da qualidade da assistência5,29.

Apesar de todas as gestantes do estudo terem feito acompanhamento pré-natal, o número de consultas ficou abaixo do recomendado para 24,2% delas, o que pode agravar as consequências sob a condição de HIV/AIDS30.

É descrita na literatura a associação entre a infecção pelo HIV e alterações metabólicas, hormonais; diminuição da ingestão alimentar e má absorção de nutrientes com consequente perda de massa magra, de gordura e de massa corporal, agravados por infecções oportunistas15,16,31. Estudos africanos também apresentam evidências de que o estado nutricional depauperado e a perda de peso durante a gestação constituem importantes fatores de risco para o retardo do crescimento intrauterino e o baixo peso ao nascer9,32. Em estudo realizado no Rio de Janeiro, a condição HIV/AIDS esteve associada a crescimento intrauterino restrito e recém-nascidos pequenos para a idade gestacional4.

O peso médio ao nascer de filhos de mulheres com HIV/AIDS, menor ao da população geral, pode estar relacionado tanto à vulnerabilidade social das mães (menor escolaridade e baixa proporção de economicamente ativas) como à sua condição nutricional com déficit de gordura subcutânea, indicada pela PCT e pelo IMC gestacional, confirmando achados de outros estudos33,34. Também é descrita associação entre o ganho ponderal materno inadequado e recém-nascido pequeno para a idade gestacional, mesmo considerando-se outros fatores associados34,35. Entretanto, pode-se inferir, a partir dos resultados do presente estudo, que a condição nutricional materna das gestantes com HIV/AIDS não foi suficiente para produzir restrição de crescimento intrauterino, pois houve proporção semelhante de recém-nascidos pequenos para idade gestacional, entre os grupos avaliados, considerando-se o Percentil 10 para a 37ª semana da curva de Alexander et al.21, na qual os recém nascidos a termo com baixo peso podem ser classificados como pequenos para a idade gestacional.

As semelhanças no peso, estatura, massa magra e massa gorda, segundo diagnóstico (HIV/AIDS), e a baixa prevalência de déficit de massa magra como consequência da doença, podem ter ocorrido possivelmente por se tratarem de adultas jovens com pouco tempo de infecção (mediana=2,8 anos) e estarem sob acompanhamento em programa de saúde governamental consolidado. Apesar disto, o estado nutricional de gestantes HIV/AIDS revela um quadro desfavorável, com apenas 41,5% de eutróficas e cerca de 61% com PCT abaixo de 90% de adequação27. Entretanto, por meio destes dados pode-se afirmar que grande parte das gestantes apresenta massa magra preservada se considerada a CMB, com somente 3,1% abaixo da adequação.

As pregas cutâneas tricipital e da panturrilha apresentaram a maior amplitude de variação se comparadas às demais medidas e podem estar sob a influência tanto da infecção pelo HIV quanto dos efeitos adversos da TARV, com destaque para a lipodistrofia de acordo com outras observações2-14.

Em relação à população geral, a indicação de déficit ponderal entre as gestantes com HIV/AIDS e de peso médio ao nascer menores colocam este binômio sob condições desfavoráveis. Em outro trabalho é relatado ganho de peso insuficiente durante a gestação especialmente para as mulheres com HIV que iniciam a gravidez com baixo peso. Apesar do presente estudo não avaliar ganho de peso e comorbidades durante a gestação, pode-se esperar que as gestantes provavelmente vivenciassem o mesmo fenômeno com repercussão no peso ao nascer. A presença de sobrepeso e obesidade nas gestantes com HIV/AIDS, de modo semelhante ao que ocorre em gestantes não infectadas36,37, solicitam atenção especial durante a gravidez, parto e puerpério, com destaque para as morbidades associadas à esta condição. Este cenário aponta para necessidade de ampliar a compreensão sobre os fatores que influenciam na tomada de decisão reprodutiva de mulheres com HIV/AIDS e as implicações para a sua saúde e do seu filho, tendo o profissional de saúde como um importante coadjuvante para a promoção do autocuidado e reflexo na melhoria contínua da qualidade da atenção destinada a este grupo. Neste sentido, vale destacar a importância de tecnologias para apoiar a atuação profissional, como o desenvolvimento de curvas adaptadas para este grupo e a utilização de indicadores complementares que incorporassem as modificações fisiológicas que ocorrem nos compartimentos hídricos e energéticos característicos deste período, o que permitiria uma avaliação nutricional mais acurada da gestante com HIV/AIDS6,10,12,38.

Agradecimentos

Ao Programa Municipal de DST/AIDS pela aquisição de equipamentos para tomada de medidas antropométricas; à FSP (USP) por ceder o espaço para realização do treinamento de antropometria; ao Deivis Elton Schlickmann Frainer por conduzi-lo e às nutricionistas das unidades participantes pela coleta dos dados.

Contribuições

A participação dos autores se deu da seguinte forma: KCB, pesquisadora principal, participou na elaboração do projeto, coordenou o treinamento de antropometria e a coleta de dados, participou da análise e foi responsável pela elaboração do artigo. DPB participou na elaboração do projeto, participou da análise e da elaboração do artigo; ICB participou do treinamento, coletou dados e participou da elaboração do artigo e JFA participou da análise e da elaboração do artigo.

Recebido: 20/05/2013

Aceito com modificações: 26/06/2013

Conflito de interesse: não há.

Trabalho realizado na Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil.

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  • Correspondência:

    Katia Cristina Bassichetto
    Rua General Jardim, 36, 5º andar - Vila Buarque
    CEP: 01222-010 São Paulo (SP), Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      20 Maio 2013
    • Aceito
      26 Jun 2013
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