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Infecções de transmissão vertical em material abortivo e sangue com ênfase em Toxoplasmose gondii

Vertical transmission from abortive material and blood with emphasis on Toxoplasma gondii

Resumos

OBJETIVO:

Analisar os resultados sorológicos, anatomopatológicos e parasitológicos de material abortivo para infecções com risco de transmissão vertical, com ênfase na toxoplasmose.

MÉTODOS:

Foi realizado um estudo coorte-transversal tratando da prevalência das doenças infectoparasitárias. Participaram da pesquisa 105 mulheres que sofreram aborto espontâneo completo e/ou incompleto; elas foram entrevistadas por meio de um questionário, e foram coletadas amostras de sangue e material abortivo. Foram realizados testes imunológicos para toxoplasmose, doença de Chagas, rubéola, citomegalovírus e sífilis e análise anatomopatológica nos restos ovulares.

RESULTADOS:

55% das mulheres tinham entre 20 e 30 anos de idade. A maioria (68%) apresentou idade gestacional entre a 7ª e a 14ª semanas. 54,3% das mulheres tinham o ensino médio completo ou incompleto. Pela análise da sorologia, a infecção com risco de transmissão vertical mais frequente foi o citomegalovírus (CMV) com 97,1% de positividade, e em seguida a rubéola, com 95,2%. A toxoplasmose teve um percentual de 54,3%, a doença de Chagas, de 1,9% e a sífilis, de 0,95%. A análise dos laudos de biópsia demonstrou que 63,1% apresentaram inflamação e 34%, ausência de inflamação. Das análises sorológica, anatomopatológica e parasitológica das 105 mulheres, 57 foram soropositivas para T. gondii, e nenhuma teve resultado positivo para a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) e para inoculação em camundongos.

CONCLUSÕES:

A prevalência de doenças com risco de transmissão congênita nas mulheres com abortamento espontâneo é importante, sendo necessárias pesquisas visando esclarecer a etiologia do aborto.

Infecção/congênito; Toxoplasmose/transmissão; Aborto/etiologia; Transmissão vertical de doença infecciosa


PURPOSE:

To analyze the serological, anatomopathological and parasitological results obtained from abortive material in order to detect infections with the risk of vertical transmission, with emphasis on toxoplasmosis.

METHODS:

A cross-sectional cohort study was conducted in order to determine the prevalence of infectoparasitic diseases. A total of 105 women who suffered spontaneous complete or incomplete abortion participated in the study. The women were interviewed, answered a questionnaire and had their blood and abortive material collected. Immunological tests were carried out in order to detect toxoplasmosis, Chagas disease, rubeola, cytomegalovirus and syphilis, and anatomopathological analysis of the ovular remains was performed.

RESULTS:

55% of the women studied were 20 to 30 years old. Most of them (68%) presented a gestational age between the 7th and 14th week. 54.3% of the women had complete or incomplete high school education. Serological analysis showed cytomegalovirus (CMV) as the most common vertically transmitted infection with 97.1% positivity, followed by rubeola with 95.2%. Toxoplasmosis showed 54.3% positivity, Chagas disease 1.9% and syphilis 0.95%. Anatomopathological analysis showed inflammation in 63.1% of the cases and absence of inflammation in 34%. The results of the serological, anatomopathological and parasitological analysis of the 105 participants showed that 57 women were T. gondii positive. However, none showed positivity in the polymerase chain reaction (PCR) or in mouse inoculation.

CONCLUSIONS:

The prevalence of diseases with the risk of vertical transmission is important in women with spontaneous abortion, indicating the need for more research in order to investigate the etiology of abortion.

Infection/congenital; Toxoplasmosis/transmission; Abortion/etiology; Infectious disease transmission, vertical


Introdução

O aborto, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é a interrupção da gestação antes da 22ª semana ou com peso fetal inferior a 500 g11. World Health Organization. Making health research work for poor people: Progress 2003-2004: Tropical Diseases Research (TDR): Seventeenth Programme Report. Geneva: WHO; 2005. Chagas' disease; p. 30-3. ; é dito aborto precoce quando ocorre até a 12ª semana, e tardio entre a 13ª e a 22ª semanas de gestação, ou seja, no primeiro trimestre gestacional22. Ribeiro GG, Alencar Júnior CA. Abortamento [Internet]. 2013 [citado 2013 Maio 1]. Disponível em: <http://www.meac.ufc.br/arquivos/biblioteca_cientifica/File/PROTOCOLOS%20OBSTETRICIA/obstetriciaabril2013/obstetriciacap1.pdf>
Disponível em: <http://www.meac.ufc.br/a...
. Estima-se que 22 milhões de abortos ocorrem no mundo a cada ano. Abortos resultam na morte de um número estimado de 47 mil mulheres e causa deficiência para um adicional de 5 milhões de mulheres33. World Health Organization. Unsafe abortion: global and regional estimates of the incidence of unsafe abortion and associated mortality in 2008. 6th ed. Geneva: World Health Organization; 2011.. Embora o aborto seja legalmente restrito no Brasil, estima-se que mais de 1 milhão de abortos ocorrem todos os anos. Essa é uma taxa média de 2,07 abortos/100 mulheres de 15 a 49 anos de idade44. Menezes G, Aquino EM. Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva. Cad Saúde Pública. 2009;25 Suppl 2:193-204. .

O aborto espontâneo ocorre de forma involuntária, comumente devido a problemas de saúde da mulher ou do feto55. Borsari CM, Nomura RM, Benute GR, Lucia MC, Francisco RP, Zugaib M. [Abortion in women living in the outskirts of Sao Paulo: experience and socioeconomic aspects]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(1):27-32. Portuguese.. Esse abortamento espontâneo sucede de maneira natural e sua etiologia pode ser multifatorial, como infecções congênitas causadas pelos microrganismos (Toxoplasma gondii, Trypanosoma cruzi, Rubella virus, Citomegalovirus, Treponema pallidum, entre outros agentes infecciosos), anomalias cromossômicas e baixos níveis de progesteronas. Outras causas podem estar associadas a idade da mãe, gestações em mulheres com mais de 40 anos, bem como doença autoimune, estresse e consumo exagerado de cigarros e outras drogas22. Ribeiro GG, Alencar Júnior CA. Abortamento [Internet]. 2013 [citado 2013 Maio 1]. Disponível em: <http://www.meac.ufc.br/arquivos/biblioteca_cientifica/File/PROTOCOLOS%20OBSTETRICIA/obstetriciaabril2013/obstetriciacap1.pdf>
Disponível em: <http://www.meac.ufc.br/a...
, 66. Barini R, Couto E, Mota MM, Santos CT, Leiber SR, Batista SC. [Recurrent spontaneous abortion-associated factors]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2000;22(4):217-23. Portuguese. , 77. Nery IS, Monteiro CF, Luz MH, Crizóstomo CD. Vivências de mulheres em situação de aborto espontâneo. Rev Enferm UERJ. 2006;14(1):67-73..

No Brasil, doenças infecciosas durante a gravidez são relativamente frequentes, afetando especialmente populações menos favorecidas. Tal situação gera desafios à saúde pública para planejar estratégias de triagem dessas doenças de modo prático e abrangente, facilitando o manejo clínico das gestantes com o diagnóstico adequado. Tal alcance contribui na redução da morbimortalidade materno-fetal e consequente melhora dos indicadores de saúde da região88. Reiche EM, Morimoto HK, Farias GN, Hisatsugu KR, Geller L, Gomes AC, et al. Prevalência de tripanossomíase americana, sífilis, toxoplasmose, rubéola, hepatite B, hepatite C e da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, avaliada por intermédio de testes sorológicos, em gestantes atendidas no período de 1996 a 1998 no Hospital Universitário Regional Norte do Paraná (Universidade Estadual de Londrina, Paraná, Brasil). Rev Soc Bras Med Trop. 2000;33(6):519-27. .

A triagem sorológica para toxoplasmose, doença de Chagas, rubéola, citomegalovírus e sífilis ou para síndrome STORCH (sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes vírus) é de suma importância na gestação, pois possibilita o tratamento precoce, evitando a ocorrência de aborto, malformações congênitas e/ou problemas tardio relacionados à hepatite B, toxoplasmose e síndrome da rubéola congênita (SRC)99. UNAIDS. World AIDS Day Report. Geneva: UNAIDS; 2011. , 1010. Peyron F, Wallon M, Liou C, Garner P. Treatments for toxoplasmosis in pregnancy. Cochrane Database Syst Rev. 2000; (2):CD001684.. Por esse motivo, o estudo buscou analisar os dados sorológicos, moleculares e anatomopatológicos para doenças de transmissão congênitas em material abortivo, com ênfase na toxoplasmose.

Métodos

As amostras de soro e restos ovulares foram coletadas de 105 mulheres que sofreram aborto espontâneo no período de junho de 2008 a junho de 2009, atendidas em 2 maternidades públicas em Goiânia, Goiás, o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC/UFG) e a Maternidade Nossa Senhora de Lourdes (MNSL). Foram incluídas neste estudo amostras de mulheres que tiveram aborto espontâneo completo e/ou incompleto e excluídas aquelas com aborto provocado e as que tiveram gestação anembrionadas. Foi aplicado questionário a cada mulher que sofreu o aborto, no qual foram constatadas as seguintes informações: idade, município de origem, idade gestacional e número de abortos.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de Seres Humanos e Animais (nº 036/08) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás.

Foi feita a pesquisa de anticorpos das classes IgM e IgG anti-T. gondii, anti-R. virus, anti-Citomegalovirus e IgG anti-T. cruzi, anti-T. palidum, em todas amostras de sangue coletadas. Para determinação de anticorpos das classes IgM e IgG para R. virus, citomegalovírus (CMV) e T. gondii, foram empregados métodos automatizados do AXSYM - Abbott, utilizando a metodologia Microparticle Enzyme Immunoassay (MEIA). Para pesquisar o anticorpo anti-treponêmico e anti-cardiolipina, foram utilizados dois métodos: a hemaglutinação indireta (HAI) e o teste Venereal Disease Research Laboratory (VDRL). Para T. cruzi, foram utilizadas duas técnicas, o teste Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay (ELISA) e a HAI. É importante salientar que a pesquisa para IgM não foi realizado para T. cruzi e T. pallidum.

Os laudos foram catalogados da seguinte maneira: ausência de inflamação: não há sinais de vilosites; presença de inflamação: foi verificada decídua com infiltrado inflamatório neutrofílico e vilosidades coriônicas contendo alterações de retenção; outras alterações: vilosidades coriônicas com algumas pseudoinclusões de trofoblastos, sugestivas de cromossomopatias.

A extração do DNA das amostras foi realizada segundo a técnica descrita por Gomes et al.1111. Gomes ML, Macedo AM, Vago AR, Galvão LMC, Chiari E. Trypanosoma cruzi: Optimization of polymerase chain reaction for detection in human blood. Exp Parasitol. 1998;88(1):28-33.. As reações de amplificação foram realizadas em um volume final de 25 µL, contendo 10 mM TRIS HCl (pH 9,0), KCl 75 mM, 3,5 mM MgCl2, 0,2 U de Taq DNA Polimerase (Invitrogen), 0,5 mM de cada desoxinucleotídeos (dATP/dTTP/dGTP/dCTP, Sigma Chemical Co., USA), 50 p moles de cada iniciador da reação (Invitrogen) e 2 µL de DNA molde.Os pares de primers utilizados foram: Toxo-T1 (5'-ATG GTC CGC CCG GTG TAT GAT ATG CGA T -3'), Toxo-T2 (5'-TCC CTA CGT GGT GCC GCA GTT CCT -3'), Toxo-B5 (5'-TGA AGA GAG GAA ACA GGT GGT CG-3') e Toxo-B6 (5'-CCG CCT CCT TCG TCC GTC GTA-3'). Os fragmentos de DNA foram detectados em gel de poliacrilaminada a 6% corado pela prata e toda a reação em cadeia da polimerase (PCR) foi realizada em triplicata.

Os dados foram analisados pelo programa estatístico EpiInfo(r) versão 6.012. O teste estatístico utilizado foi o χ2, para comparar os parâmetros entre os resultados sorológicos (IgM e IgG) das mulheres com abortamento com os agentes infecciosos (T. gondii, T. cruzi, R. vírus, CMV e T. pallidum).

Resultados

Foram incluídas neste estudo 105 mulheres que sofreram aborto espontâneo, sendo 28 atendidas no HC/UFG e 77 na MNSL. A Tabela 1 apresenta os dados epidemiológicos das mulheres que sofreram aborto. Na Tabela 2, são apresentados dados sorológicos dessas mulheres tendo soropositividade (IgM e IgG) para o CMV, rubéola, toxoplasmose, doença de Chagas e sífilis - nenhuma das amostras foi positiva para imunoglobina da classe M (IgM) isoladamente.

Tabela 1
Características maternas associadas à faixa etária, idade gestacional, número de aborto e escolaridade das mulheres que sofreram aborto

Tabela 2
Distribuição dos resultados sorológicos para infecção com risco de transmissão vertical das mulheres com abortamento entre as 105 mulheres atendidas em 2 maternidades públicas

A associação da soroprevalência para mais de um dos agentes estudados ocorreu em mulheres que eram soropositivas para T. gondii, R. virus e Citomegalovirus, seguido por R. virus e Citomegalovirus. Essa relação persiste, quando relacionada ao número de abortos, pois todas as mulheres que sofreram mais de um aborto pertencem aos dois grupos citados, com exceção de uma que, além de R. virus e Citomegalovirus, também teve sorologia positiva para T. cruzi (Tabela 3).

Tabela 3
Quantidade de abortos versus sorologia positiva (IgG) para infecções com risco de transmissão vertical em 105 mulheres atendidas em 2 maternidades públicas

Apesar de intrigantes, os resultados apresentados na Tabela 3 não permitiram relacionar estatisticamente a soropositividade das cinco infecções com o risco de transmissão vertical e com o aborto.

Das 12 mulheres que apresentaram IgM e IgG positivas para o mesmo agente infeccioso, 9 foram para CMV e 3 para toxoplasmose. Nesse caso, das nove mulheres com CMV, cinco estavam no primeiro aborto, duas com dois abortos e duas tiveram três abortos. Das três mulheres que apresentaram IgM e IgG positivas, simultaneamente, para toxoplasmose, uma estava no primeiro abortamento, e duas com história de dois abortos.

Pela relevância da toxoplasmose no contexto das doenças de transmissão congênita, foi realizada uma análise enfatizando essa infecção, na qual foi possível demonstrar que das 57 pacientes soropositivas para toxoplasmose, 77,2% apresentaram sinais de inflamação detectados no anatomopatológico, sendo que 22,8% não apresentaram inflamação. No grupo das 48 mulheres com sorologia negativa para T. gondii, foi possível detectar que 43,8% apresentaram os laudos com inflamação e 47,9% não apresentaram sinal de inflamação, e as outras 8,3% tiveram outras alterações. A análise do exame anatomopatológico (presença e ausência de inflamação e outras alterações) com a sorologia positiva para T. gondii, nas mulheres que sofrem abortamento, foi significativa. Foi realizada a técnica de PCR em 32 amostras de restos ovulares, e o resultado foi negativo para todas. Portanto, não houve a confirmação da presença do parasito nos restos ovulares processados.

Discussão

O aborto é um assunto polêmico, podendo ser discutido de forma complexa e ampla, sob vários aspectos culturais, socioeconômicos, religiosos e políticos. O presente trabalho tratou apenas do abortamento espontâneo, o que limita essa discussão. E esse tipo de abortamento acarreta nas mulheres um grande desgaste emocional1313. Olinto MT, Moreira-Filho DC. Fatores de risco e preditores para o aborto induzido: estudo de base populacional. Cad Saúde Pública. 2006;22(2):365-75. .

No Brasil, a faixa etária da população de gestantes é muito variada e depende da região considerada e do grau de escolaridade das grávidas. Mas, de maneira geral, tem aumentado o número de adolescentes grávidas nas periferias das grandes cidades. Já na Região Nordeste tem se verificado que as mulheres com maior nível de instrução formal tem tido filhos mais tardiamente e em menor número do que as mulheres com baixa instrução1414. Figueiró-Filho EA, Senefonte FR, Lopes AH, Morais OO, Souza Júnior VG, Maia TL, et al. Frequência das infecções pelo HIV-1, rubéola, sífilis, toxoplasmose, citomegalovírus, herpes simples, hepatite B, hepatite C, doença de Chagas e HTLV I/II em gestantes, do Estado de Mato Grosso do Sul. Rev Soc Bras Med Trop. 2007; 40(2):181-7. . Nesta pesquisa, foi observado que 55% das mulheres que sofreram aborto tinham entre 20 e 30 anos e 29% estavam entre 30 e 40 anos - esses dados corroboram os dados da literatura, que referem como faixa etária de maior incidência de gravidez a de mulheres entre 20 e 35 anos66. Barini R, Couto E, Mota MM, Santos CT, Leiber SR, Batista SC. [Recurrent spontaneous abortion-associated factors]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2000;22(4):217-23. Portuguese. , 1414. Figueiró-Filho EA, Senefonte FR, Lopes AH, Morais OO, Souza Júnior VG, Maia TL, et al. Frequência das infecções pelo HIV-1, rubéola, sífilis, toxoplasmose, citomegalovírus, herpes simples, hepatite B, hepatite C, doença de Chagas e HTLV I/II em gestantes, do Estado de Mato Grosso do Sul. Rev Soc Bras Med Trop. 2007; 40(2):181-7.

15. Saraceni V, Leal MC. Avaliação da efetividade das campanhas para eliminação da sífilis congênita na redução da morbimortalidade perinatal. Município do Rio de Janeiro, 1999-2000. Cad Saúde Pública. 2003;19(5):1341-9.

16. Rassi A, Amato Neto V, Rassi GG, Amato VS, Rassi Júnior A, Luquetti AO, et al. Busca retrospectiva da transmissão maternal da infecção chagásica em pacientes na fase crônica. Rev Soc Bras Med Trop. 2004;37(6):485-9.
- 1717. Cademartori BG, Farias NA, Brod CS. Soroprevalência e fatores de risco à infecção por Toxoplasma gondii em gestantes de Pelotas, sul do Brasil. Rev Panam Infectol. 2008;10(4):30-5.. Esta pesquisa demonstrou também que, entre a população de gestantes que não chegam ao termo, a faixa etária se mantém a mesma.

Por outro lado, 30,5% das mulheres que sofreram aborto tinham o ensino médio completo e 7,6% delas tinham o ensino superior completo, dado este que pode contribuir para a melhor compreensão e implementação das medidas profiláticas que devem ser utilizadas durante o atendimento pré-natal, por toda a equipe de saúde que atende a gestante. No entanto, entre as mulheres que tiveram interrupção da gravidez até 20 semanas, é pequena a frequência do pré-natal, o que diminuiu o sucesso das medidas preventivas. Geralmente a mulher começa o pré-natal após a 20ª semana de gravidez. Diante disso, é importante o monitoramento das gestantes de risco no que diz respeito ao acompanhamento sorológico, visando ao rápido diagnóstico da infecção aguda (toxoplasmose e sífilis) e o seu pronto tratamento, para que as oportunidades do desenvolvimento de formas graves no feto sejam reduzidas.

É consenso na literatura que o aborto espontâneo é a mais comum das complicações da gravidez1616. Rassi A, Amato Neto V, Rassi GG, Amato VS, Rassi Júnior A, Luquetti AO, et al. Busca retrospectiva da transmissão maternal da infecção chagásica em pacientes na fase crônica. Rev Soc Bras Med Trop. 2004;37(6):485-9. . Porém a história reprodutiva de 3 ou mais perdas espontâneas sucessivas de abortamento até 20 semanas de gestação pode ser caracterizado como aborto recorrente e ocorre em 1 a 2% das mulheres em fase procriativa1818. Caetano MR, Couto E, Barini R, Simoni RZ, Silva JL, Cecatti JG, et al. Fatores associados ao aborto espontâneo recorrente. Rev Ciênc Méd, (Campinas). 2006;15(1):47-53., os dados encontrados nessa pesquisa de 8,6% são bem mais elevados.

A maior prevalência de soropositividade entre as mulheres que sofreram aborto foi de citomegalovírus com 97,1%, nesse caso, 8,6% das mulheres apresentaram IgG e IgM simultaneamente em sua corrente sanguínea, favorável ao diagnóstico da doença aguda na gestação ou de recaída de doença crônica. O citomegalovírus pode causar sérios comprometimentos ao desenvolvimento do sistema nervoso central, sendo muito importante a sua pesquisa durante a gestação. Neste trabalho, o percentual de mulheres vulneráveis ou de risco (soronegativas) foi de 2,8%, maiores do que observado em outro estudo, de 0,2%1919. Spano LC, Gatti J, Nascimento JP, Leite JP. Prevalence of human cytomegalovirus infection in pregnant and non-pregnant women. J Infect. 2004;48(3):213-20.. Na Itália, encontraram IgM em 5,7% das gestantes, menores que o percentual encontrado nesta pesquisa (de 8,6%)2020. Lazzarotto T, Gabrielli L, Lanari M, Guerra B, Bellucci T, Sassi M, et al. Congenital cytomegalovirus infection: recent advances in the diagnosis of maternal infection. Hum Immunol. 2004;65(5):410-5.. No noroeste paranaense, foi observada a positividade para os anticorpos IgM anti-Toxoplasma gondii de 1,1% e para IgG, de 59%. Em relação à rubéola, nenhuma sorologia mostrou positividade para IgM, e para IgG a reatividade foi de 99,6%2121. Figueiró-Filho EA, Lopes AH, Senefonte FR, Souza Júnior VG, Botelho CA, Figueiredo MS, et al. [Acute toxoplasmosis: study of the frequency, vertical transmission rate and the relationship between maternal-fetal diagnostic tests during pregnancy in a Central-Western state of Brazil]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005; 27(8):442-9. Portuguese..

A análise dos resultados sorológicos demonstrou que todas as mulheres estudadas eram soropositivas para um ou mais agentes. Inferimos dados interessantes, pois somente duas mulheres eram soropositivas somente para um agente (R. virus e Citomegalovirus). As outras 103 mulheres apresentaram 2 ou mais sorologias positivas. A associação de T. gondii, R. virus e Citomegalovirus englobam 47,6% das mulheres, e a associação de R. virus e Citomegalovirus foi de 41,9%.

A toxoplasmose é uma das infecções mais temidas durante a gravidez devido ao abortamento e ao risco de acometimento fetal. Assim, torna-se de fundamental importância o diagnóstico precoce no pré-natal. A taxa de transmissão ao feto durante a primoinfecção é de 25, 54 e 65% no primeiro, segundo e terceiro trimestres gestacional, respectivamente2222. Ferezin RI, Bertolini DA, Demarchi IG. [Prevalence of positive sorology for HIV, hepatitis B, toxoplasmosis and rubella in pregnant women from the northwestern region of the state of Paraná]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(2):66-70. Portuguese.. Um estudo realizado na Colômbia relatou que o alto nível de infecção por T. gondii em fetos abortados pode contribuir em grande parte para o aborto espontâneo2323. Gómez-Marin JE, de-la-Torre A, Angel-Muller E, Rubio J, Arenas J, Osorio E, et al. First Colombian multicentric newborn screening for congenital toxoplasmosis. Plos Negl Trop Dis. 2011;5(5):e1195. .

No presente estudo, cerca de 72% das mulheres com abortamento que tiveram presença de anticorpos contra o T. gondii apresentavam idade gestacional entre a 7ª e a 14ª semana de gestação. No estudo realizado no Irã, das 542 amostras de tecidos abortivos, o gene B1 estava amplificado em 78, e 65 foram positivas para os dois genótipos de cepas de Toxoplasma (tipos I e II), com isso o parasito T. gondii pode ocasionar o aborto espontâneo e a taxa deste é relativamente alta devido à toxoplasmose congênita2424. Asgari Q, Fekri M, Monabati A, Kalantary M, Mohammadpour I, Motazedian MH, et al. Molecular genotyping of Toxoplasma gondii in human spontaneous aborted fetuses in Shiraz, Southern Iran. Iran J Public Health. 2013;42(6):620-25.. A PCR é citada na literatura como uma técnica revolucionária pela alta sensibilidade e especificidade na identificação do parasito no material biológico2525. Spalding SM, Amendoeira MR, Coelho JM, Angel SO. Otimização da reação de polimerase em cadeia para detecção de Toxoplasma gondii em sangue venoso e placenta de gestantes. J Bras Patol Med Lab. 2002;38(2):105-10.; neste estudo não foi possível detectar a presença de T. gondii pela PCR. A análise dos resultados sorológicos com os anatomopatológicos não foi significante - a maioria das mulheres soropositivas para T. gondii tiveram em seus laudos histopatológicos a presença de inflamação.

Em conclusão, os resultados deste estudo demonstraram que a soropositividade de um agente infeccioso da síndrome de STORCH pode ocasionar o aborto espontâneo, sendo necessárias mais pesquisas visando esclarecer a etiologia do aborto. As altas taxas de aborto levam a considerá-lo um grande problema de saúde pública. Por isso, a equipe de saúde deve dar orientações às gestantes sobre os seus riscos, consultar um médico para obter informações a respeito de algum problema de saúde e realizar o exame físico e diagnóstico sorológico para infecções transplacentárias dessas mulheres. A elucidação da causa dos abortos espontâneos ainda não é rotina em nosso País. Esses dados demonstraram que a prevalência de doenças com risco de transmissão congênita nas mulheres com abortamento espontâneo é importante, sendo indispensável um maior número de pesquisas objetivando elucidar a causa do aborto. A saúde da mulher deve receber mais atenção dos gestores de saúde, pois o cuidado primário é o melhor e o mais eficiente caminho a ser seguido visando uma qualidade de vida para mães e seus futuros filhos.

Referências

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  • Trabalho realizado no Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás - UFG - Goiânia (GO), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2014

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2013
  • Aceito
    03 Jan 2014
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