Acessibilidade / Reportar erro

Influência da causa de morte no peso corporal e dos órgãos internos em autópsias perinatais

Influence of cause of death on body and internal organs weight in perinatal autopsies

Resumos

OBJETIVO:

Avaliar as variações do peso corporal e dos órgãos internos de crianças autopsiadas no período perinatal e sua relação com a causa de morte.

MÉTODOS:

Foram incluídos 153 casos de autópsias perinatais realizadas em um hospital universitário do Sudeste do Brasil. Informações sobre causa de morte perinatal, data da autópsia, idade gestacional, peso perinatal e dos órgãos foram recuperadas dos protocolos de autópsia e do prontuário da mãe e/ou do recém-nascido. Foram definidos quatro grupos de causa de morte: malformações congênitas, hipóxia/anóxia perinatal, infecção ascendente e membrana hialina. Encéfalo, fígado, pulmões, coração, baço, timo e suprarrenais foram analisados.

RESULTADOS:

O peso das crianças com hipóxia/anóxia perinatal (1.834,6±1.090,1 g versus 1.488 g), membrana hialina (1.607,2±820,1 g versus 1.125 g) e infecção ascendente (1.567,4±1.018,9 g versus 1.230 g) foi maior do que o esperado para a idade gestacional. O peso dos pulmões foi maior nos casos com infecção ascendente (36,6±22,6 g versus 11 g) e menor nos casos com malformação congênita (22,0±9,5 g versus 40 g). O peso do baço foi maior nos casos que apresentaram infecção ascendente (8,6±8,9 g versus 3,75 g ). O peso das suprarrenais foi menor nos casos com malformação congênita (3,9±2,1 g versus 5,5 g), o do timo foi menor nos casos com miscelânea (3,7±1,2 g versus 7,5 g) e o do baço foi menor nos casos com imaturidade pulmonar (0,4±0,1 g versus 1,7 g). Todos esses resultados apresentaram diferenças significativas.

CONCLUSÕES:

Este estudo demonstra que as variações do peso das crianças e de seus órgãos estão relacionadas aos tipos de causa de morte perinatal. Esses dados podem contribuir para uma melhor interpretação dos achados de autópsia e a sua relação anatomoclínica.

Autópsia; Causa de morte; Tamanho do órgão; Peso fetal; Peso corporal; Mortalidade perinatal; Recém-nascido


PURPOSE:

To evaluate changes in body and internal organ weight of autopsied children in the perinatal period and their relationship with the cause of death.

METHODS:

One hundred and fifty three cases of perinatal autopsies performed at a university hospital in Southeastern Brazil ere included. Information about cause of perinatal death, date of autopsy, gestational age, perinatal weight and organ weight was obtained from the autopsy protocols and medical records of the mother and/or the newborn. Four groups of causes of death were defined: congenital malformations, perinatal hypoxia/anoxia, ascending infection and hyaline membrane. Brain, liver, lungs, heart, spleen, thymus and adrenals were analyzed.

RESULTS:

The weight of children with perinatal hypoxia/anoxi (1,834.6±1,090.1 g versus 1,488 g), hyaline membranes (1,607.2±820.1 g versus 1,125 g) and ascending infection (1,567.4±1,018.9 g versus 1,230 g) was higher than expected for the population. Lung weight was higher in cases with ascending infection (36.6±22.6 g versus 11 g) and lower in cases with congenital malformations (22.0±9.5 g versus 40 g). Spleen weight was higher in children with ascending infection (8.6±8.9 g versus 3.75 g ) and adrenal weight was lower in cases with congenital malformations (3.9±2.1 g versus 5.5 g). Thymus weight was lower in cases with miscellaneous causes (3.7±1.2 g versus 7.5 g) and spleen weight was lower in patients with lung immaturity (0.4±0.1 g versus 1.7 g). All results showed significant differences.

CONCLUSIONS:

This study demonstrates that variations in the weight of children and the weight of their organs are related to the types of cause of perinatal death. These data may contribute to a better interpretation of autopsy findings and their anatomical and clinical relationship.

Autopsy; Cause of death; Organ size; Fetal weight; Body weight; Perinatal mortality; Infant, newborn


Introdução

O exame de autópsia é importante por identificar a causa de morte e possibilitar um complemento para os diagnósticos clínicos. São várias as causas de morte perinatal que muitas vezes necessitam de exames mais detalhados, como a autópsia, para seu esclarecimento. No entanto, o número de autopsias perinatais tem diminuído nas últimas décadas devido, principalmente, a não autorização para sua realização. Um argumento frequente está relacionado à natureza aparentemente invasiva da autópsia convencional. Por esse motivo, tem se desenvolvido novas formas de investigação menos invasivas, como a utilização de imagens de ressonância magnética post mortem 11. Sebire NJ, Taylor AM. Less invasive perinatal autopsies and the future of postmortem science. Ultrasound Obstet Gynecol. 2012; 39(6):609-11. , 22. Thayyil S, Sebire NJ, Chitty LS, Wade A, Olsen O, Gunny RS, et al. Post mortem magnetic resonance imaging in the fetus, infant and child: a comparative study with conventional autopsy (MaRIAS Protocol). BMC Pediatr. 2011;11:120.. Os métodos menos invasivos podem fornecer informações importantes sobre o desenvolvimento dos órgãos e crescimento fetal. No entanto, para a detecção de anormalidades estruturais a autópsia convencional permanece como padrão ouro33. Breeze AC, Gallagher FA, Lomas DJ, Smith GC, Lees CC. Cambridge Post-Mortem MRI Study Group. Postmortem fetal organ volumetry using magnetic resonance imaging and comparison to organ weights at conventional autopsy. Ultrasound Obstet Gynecol. 2008;31(2):187-93.. Vários estudos comparativos entre a autópsia convencional e as imagens de ressonância magnética ou ultrassonográficas têm demonstrado que, apesar dos avanços no diagnóstico por imagem, a autópsia consegue identificar anormalidades não observadas nos exames imaginológicos44. Andola US, Am A, Ahuja M, Andola SK. Congenital malformations in perinatal autopsies - a study of 100 cases. J Clin Diagn Res. 2012;6(10):1726-30. , 55. Scheimberg I. The genetic autopsy. Curr Opin Pediatr. 2013; 25(6):659-65.. Portanto, é necessário que clínicos e demais profissionais de saúde esclareçam a importância da autópsia convencional e os benefícios que suas informações podem trazer para o diagnóstico e aconselhamento familiar66. Putman MA. Perinatal perimortem and postmortem examination: obligations and considerations for perinatal, neonatal, and pediatric clinicians. Adv Neonatal Care. 2007;7(6):281-8..

Pequenas variações morfológicas no feto podem ser indicativas da causa de morte. Estudos demonstram que desvios entre os lados direito e esquerdo do organismo e do peso de vísceras pares podem ter relação com malformações, síndromes e outros fatores que comumente causam morte perinatal77. Anderson JM. Increased brain weight/liver weight ratio as a necropsy sign of intrauterine undernutrition. J Clin Pathol. 1972; 25(10):867-71.

8. Laudy JA, Wladimiroff JW. The fetal lung. 2: Pulmonary hypoplasia. Ultrasound Obstet Gynecol. 2000;16(5):482-94.
- 99. Barr M Jr. Correlates of prenatal visceromegaly. Am J Med Genet. 1998;79(4):249-52.. Entretanto, a maioria dos estudos sobre morte fetal avalia as alterações em relação aos parâmetros maternos dando pouca ênfase ao feto ou ao recém-nascido individualmente e seus processos clínicos e patológicos que podem contribuir para explicar a morte perinatal1010. Hey EN, Lloyd DJ, Wigglesworth JS. Classifying perinatal death: fetal and neonatal factors. Br J Obstet Gynaecol. 1986; 93(12):1213-23..

É importante que os serviços de anatomia patológica estabeleçam critérios para análise de seu material, como definição de parâmetros corporais e avaliação do peso dos órgãos1111. Maroun LL, Graem N. Autopsy standards of body parameters and fresh organ weights in nonmacerated and macerated human fetuses. Pediatr Dev Pathol. 2005;8(2):204-17.. Dessa forma, uma maior quantidade de informações poderia ser extraída da autópsia, melhorando a contribuição desta para o atendimento clínico. O peso dos recém-nascidos e de seus órgãos internos são comumente analisados em autópsias e podem ser um indicativo da causa de morte99. Barr M Jr. Correlates of prenatal visceromegaly. Am J Med Genet. 1998;79(4):249-52.. No entanto, não foram encontrados estudos que relacionassem essas características com as causas de morte estabelecidas a partir das alterações observadas na criança. Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar as variações do peso corporal e dos órgãos internos de crianças autopsiadas no período perinatal e sua relação com a causa de morte.

Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) em 08 de abril de 2005, parecer número 577. Foram avaliados retrospectivamente 195 protocolos de autópsias realizadas na disciplina de Patologia Geral da UFTM, durante os anos de 1990 a 2005. Foram incluídos os casos de autópsias pediátricas realizadas no período perinatal, de 22 semanas de gestação até 7 dias de vida pós-natal1212. World Health Organization. Maternal Health and Safe Motherhood Programme. Perinatal mortality: a listing of available information. Geneva: WHO; 1996., com protocolos e prontuários completos e blocos e lâminas disponíveis nos arquivos da disciplina de Patologia Geral. Foram excluídos os casos de autópsias pediátricas com prontuários e protocolos incompletos e blocos e lâminas não disponíveis nos arquivos analisados, e os casos com autólise grave que impedia a determinação da causa de morte. Os grupos miscelânea, isoimunização, imaturidade pulmonar e trauma no parto também foram excluídos, por apresentarem baixa frequência nos casos analisados. Foram obtidos 153 casos.

Foram coletadas dos protocolos de autópsia e do prontuário da mãe e/ou do recém-nascido informações como as medidas antropométricas da criança, seu peso, a idade gestacional, as intercorrências clínicas maternas e fetais, além do peso e das características morfológicas macroscópicas e microscópicas dos seguintes órgãos: encéfalo, fígado, pulmões, coração, baço, timo e suprarrenais. Os pesos encontrados foram comparados com os de estudos populacionais, de acordo com os valores estabelecidos para idade gestacional1313. Gruenwald P, Minh HN. Evaluation of body and organ weights in perinatal pathology. II. Weight of body and placenta of surviving and of autopsied infants. Am J Obstet Gynecol. 1961;82(2):312-9..

As causas de morte foram classificadas de acordo com os critérios estabelecidos na literatura1010. Hey EN, Lloyd DJ, Wigglesworth JS. Classifying perinatal death: fetal and neonatal factors. Br J Obstet Gynaecol. 1986; 93(12):1213-23., sendo estabelecidos quatro grupos: 1. malformações congênitas: defeitos morfológicos de um órgão ou grande extensão corporal resultantes de alteração intrínseca no desenvolvimento do embrião; 2. hipóxia/anóxia perinatal: interferências em todas as trocas gasosas originadas, antes ou durante o parto; 3. infecção ascendente: infiltração de células polimorfonucleares nas membranas placentárias e/ou cordão umbilical e vasos fetais do prato coriônico; e 4. membrana hialina: óbito por imaturidade pulmonar e deficiência da produção de surfactante.

Este estudo teve o intuito de comparar a frequência das causas de morte entre os períodos 1990-1994, 1995-1999 e 2000-2005, avaliar a distribuição do peso perinatal esperado para a idade gestacional entre os grupos de causas de morte e comparar o peso dos órgãos de acordo com a idade gestacional entre os grupos de causas de morte.

As variáveis foram testadas para verificar o tipo de distribuição por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov e da análise das variâncias. A distribuição não foi normal, sendo utilizado o teste de Kruskal-Wallis (H) na comparação entre três ou mais grupos, seguido pelo teste de Dunn quando necessário. Nesse tipo de distribuição os resultados foram expressos em mediana e valores correspondentes ao mínimo e máximo. As proporções foram comparadas pelo teste do χ2. O peso encontrado e os valores estabelecidos para estudos populacionais foram comparados por intermédio do teste t de Student para uma média. Foram consideradas estatisticamente significativas as diferenças em que o nível de significância foi menor que 5% (p<0,05).

Resultados

A maioria dos casos apresentou morte por hipóxia/anóxia perinatal, seguida por infecção ascendente, malformações congênitas e membrana hialina. Comparando a frequência desses casos durante os anos, os casos de hipóxia/anóxia perinatal foram predominantes de 1990 a 2005, e houve aumento dos casos com malformações congênitas e infecção ascendente (Tabela 1). Quanto ao sexo, 82 (53,6%) foram do sexo masculino e 71 (46,4%) do feminino. No grupo de hipóxia/anóxia perinatal e infecção ascendente, a natimortalidade foi mais frequente (p<0,001). Quanto ao tempo de gestação, 31 (20,3%) apresentaram gestação a termo e 122 (79,7%) foram prematuros, e a assiduidade de prematuros foi maior em todos os grupos.

Tabela 1
Frequência das causas de morte nas autopsias perinatais entre os anos de 1990 a 2005

O peso das crianças com hipóxia/anóxia perinatal (1.834,6±1.090,1 g versus 1.488 g), membrana hialina (1.607,2±820,1 g versus 1.125 g) e infecção ascendente (1.567,4±1.018,9 g versus 1.230 g) foi maior do que o esperado para a idade gestacional (Tabela 2). Não houve diferença significativa do peso do encéfalo, fígado e coração entre os grupos quando comparados ao esperado pela idade gestacional. Os demais órgãos apresentaram alteração significativa do peso esperado para a idade gestacional em alguns grupos: o peso dos pulmões foi maior nos casos com infecção ascendente (36,6±22,6 g versus 11 g) e menor nos casos com malformação congênita (22,0±9,5 g versus 40 g); o peso do baço foi maior nos casos com infecção ascendente (8,6±8,9 g versus 3,75 g ); o peso das suprarrenais foi menor nos casos com malformação congênita (3,9±2,1 g versus 5,5 g) (Tabela 3).

Tabela 2
Distribuição do peso perinatal esperado para a idade gestacional entre os grupos de causas de morte perinatal
Tabela 3
Comparação do peso dos órgãos de acordo com a idade gestacional entre os grupos de causas de morte perinatal

Discussão

Os casos de hipóxia/anóxia perinatal foram predominantes de 1990 a 2005, e houve aumento dos casos com infecção ascendente e malformação congênita. Esses tipos de causa de morte estão entre os principais descritos na literatura para faixa etária perinatal1414. Peres LC. Review of pediatric autopsies performed at a university hospital in Ribeirão Preto, Brazil. Arch Pathol Lab Med. 2006; 130(1):62-8. , 1515. Ngoc NT, Merialdi M, Abdel-Aleem H, Carroli G, Purwar M, Zavaleta N, et al. Causes of stillbirths and early neonatal deaths: data from 7993 pregnancies in six developing countries. Bull World Health Organ. 2006;84(9):699-705., dados semelhantes ao encontrado neste estudo. Os avanços científicos e tecnológicos empregados na obstetrícia como um melhor cuidado pré-natal e desenvolvimento de cuidados intraparto padrão, incluindo intervenções apropriadas e oportunas, contribuem para a redução das mortes perinatais1616. Santosh A, Zunjarwad G, Hamdi I, Al-Nabhani JA, Sherkawy BE, Al-Busaidi IH. Perinatal mortality rate as a quality indicator of healthcare in Al-Dakhiliyah region, Oman. Sultan Qaboos Univ Med J. 2013;13(4):545-50., em especial por hipóxia/anóxia, que é uma causa de morte que pode estar relacionada a áreas de maior vulnerabilidade à saúde e pior qualidade da assistência ao pré-natal e ao parto1717. Martins EF, Rezende EM, Almeida MC, Lana FC. Perinatal mortality and socio-spatial inequalities. Rev Latinoam Enferm. 2013;21(5):1062-70..

A maior frequência do diagnóstico de causas de morte por infecção ascendente observada pode ser atribuída à atenção destinada ao exame placentário em nosso serviço nos últimos anos, sendo que a infecção pode ser diagnosticada por meio da placenta mesmo em casos nos quais não há o desenvolvimento das alterações fetais1818. Westhof G, Deerberg JC, Schad W, Zimmermann RC, Hatzmann H. Do macromorphological features of the human placenta influence somatic and psychomotor development of the newborn and early infant? A historic question revisited. Gynecol Obstet Invest. 2010;69(4):251-9.. As malformações congênitas têm se tornado uma causa de morte perinatal frequente tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento44. Andola US, Am A, Ahuja M, Andola SK. Congenital malformations in perinatal autopsies - a study of 100 cases. J Clin Diagn Res. 2012;6(10):1726-30. , 1919. Feng Y, Abdel-Latif ME, Bajuk B, Lui K, Oei JL. Causes of death in infants admitted to Australian neonatal intensive care units between 1995 and 2006. Acta Paediatr. 2013;102(1):e17-23.. O melhor entendimento dos fenômenos relacionados ao desenvolvimento intrauterino resultante do avanço de exames imaginológicos2020. Vogt C, Blaas HG, Salvesen KA, Eik-Nes SH. Comparison between prenatal ultrasound and postmortem findings in fetuses and infants with developmental anomalies. Ultrasound Obstet Gynecol. 2012;39(6):666-72. e o aprimoramento das autópsias no período perinatal2121. Hickey L, Murphy A, Devaney D, Gillan J, Clarke T. The value of neonatal autopsy. Neonatology. 2012;101(1):68-73. podem ter contribuído para melhor estabelecer os diagnósticos dessas malformações nos últimos anos.

Nos casos com hipóxia/anóxia perinatal e infecção ascendente, a natimortalidade foi mais frequente, e houve grande número de prematuros em todos os grupos. Como a prematuridade é uma das principais causas de morte perinatal1616. Santosh A, Zunjarwad G, Hamdi I, Al-Nabhani JA, Sherkawy BE, Al-Busaidi IH. Perinatal mortality rate as a quality indicator of healthcare in Al-Dakhiliyah region, Oman. Sultan Qaboos Univ Med J. 2013;13(4):545-50. , 2222. Yamauchi A, Minakami H, Ohkuchi A, Usui R, Idei S, Sato I. Causes of stillbirth: an analysis of 77 cases. J Obstet Gynaecol Res. 1999;25(6):419-24., em nossos dados ela pode ser considerada uma das principais causas dos óbitos observados, já que, além das alterações relacionadas ao processo patológico, as crianças incluídas neste estudo adicionalmente apresentavam complicações relacionadas à prematuridade.

O peso das crianças com hipóxia/anóxia perinatal, membrana hialina e infecção ascendente foi maior do que o esperado para a idade gestacional. Para interpretar a morte perinatal devem ser levados em consideração outros fatores além do peso de nascimento e da idade gestacional1010. Hey EN, Lloyd DJ, Wigglesworth JS. Classifying perinatal death: fetal and neonatal factors. Br J Obstet Gynaecol. 1986; 93(12):1213-23., devido à influência de outras características como as genéticas e socioeconômicas2323. Alexander GR, Kogan M, Bader D, Carlo W, Allen M, Mor J. US birth weight/gestational age-specific neonatal mortality: 1995-1997 rates for whites, hispanics, and blacks. Pediatrics. 2003;111(1):e61-6., parâmetros que não foram avaliados no presente estudo. Frente à intercorrências gestacionais, uma das primeiras alterações no feto é a restrição do crescimento intrauterino, refletida no peso2424. Falo AP. Intrauterine growth retardation (IUGR): prenatal diagnosis by imaging. Pediatr Endocrinol Rev. 2009;6 Suppl 3:326-31.. No entanto, o aumento de peso encontrado pode estar relacionado com uma complicação fetal grave, que, além de contribuir para o óbito, pode ter provocado uma resposta sistêmica fetal caracterizada por edema, inflamação e alterações de mediadores químicos2525. Romero R, Espinoza J, Gonçalves LF, Kusanovic JP, Friel L, Hassan S. The role of inflammation and infection in preterm birth. Semin Reprod Med. 2007;25(1):21-39., sendo o edema sistêmico uma das possíveis causas para o aumento do peso encontrado nos casos avaliados. Além disso, o estresse fetal, que pode ser observado em casos de anóxia e infecção, está relacionado a um aumento da liberação de citocinas, tais como IL-6 e TNF-α, que contribuem para o edema e o acúmulo de lipídeos2626. Olegário JG, Silva MV, Machado JR, Rocha LP, Reis MA, Guimarães CS, et al. Pulmonary innate immune response and melatonin receptors in the perinatal stress. Clin Dev Immunol. 2013;2013:340959.. Por outro lado, nem sempre a hipóxia/anóxia perinatal está associada ao sofrimento fetal crônico. Essa causa de morte também pode ser causada por eventos agudos como descolamento prematuro da placenta e condições relacionadas ao parto, tais como tocotraumatismos, trabalho de parto prolongado, ruptura uterina e distócias2727. Noronha LD, Kasting G, Martins VD, Nones RB, Sepulcri RP, Carvalho DS, et al. [Intrauterine and perinatal mortality: comparative analysis of 3,904 necropsies, Hospital de Clínicas, Curitiba, from 1960 to 1995]. J Pediatr (Rio J). 2000;76(3):213-21. Portuguese.. Essa poderia ser uma possível explicação para o maior peso encontrado nesse grupo.

O peso dos pulmões foi maior nos casos com infecção ascendente e menor nos casos com malformação congênita. Nos casos de infecção ascendente o infiltrado inflamatório pulmonar pode contribuir para o aumento do peso observado1010. Hey EN, Lloyd DJ, Wigglesworth JS. Classifying perinatal death: fetal and neonatal factors. Br J Obstet Gynaecol. 1986; 93(12):1213-23.. Nas malformações, a maioria foi relacionada a alterações renais, que geralmente são associadas a hipoplasia pulmonar, justificando a redução do peso pulmonar nesses casos.

Em nossos dados o peso do baço foi maior nos casos que apresentaram infecção ascendente. No feto, o baço atua como um órgão hematopoiético até o fim do período fetal2828. Moore KL, Persaud TV. The digestive system. In: Moore KL, Persaud TV, editors. The developing human: clinically oriented embryology. 7th ed. Philadelphia: Saunders; 2003. p. 256-85. . Em condições adversas, a hematopoiese pode persistir por um período maior, sendo associada a alterações como a esplenomegalia. Estudos propõem que a mensuração do baço a partir do exame de ultrassom contribui para o diagnóstico de anormalidade intraútero2929. Hata T, Kuno A, Dai SY, Inubashiri E, Hanaoka U, Kanenishi K, et al. Three-dimensional sonographic volume meas urement of the fetal spleen. J Obstet Gynaecol Res. 2007;33(5):600-5.. Esses dados estão de acordo com nossos achados, nos quais a aferição do peso durante a autópsia perinatal pode contribuir para o diagnóstico da causa de morte por infecção intrauterina.

O peso das suprarrenais foi menor nos casos com malformação congênita. As malformações congênitas têm sido associadas a alterações do peso dos órgãos avaliados na autópsia perinatal. A zona fetal da suprarrenal, também conhecida como córtex imatura, é uma região transitória, que apresenta uma involução e posterior desaparecimento em aproximadamente três meses após o nascimento3030. Malendowicz LK. 100th anniversary of the discovery of the human adrenal fetal zone by Stella Starkel and Lesław Węgrzynowski:: how far have we come? Folia Histochem Cytobiol. 2010;48(4):491-506.. Pesquisadores sugerem que alguns genes importantes no desenvolvimento das suprarrenais, em especial da zona fetal, podem se expressar de maneira anormal em casos de anencefalia, entre eles o gene FREM22. Thayyil S, Sebire NJ, Chitty LS, Wade A, Olsen O, Gunny RS, et al. Post mortem magnetic resonance imaging in the fetus, infant and child: a comparative study with conventional autopsy (MaRIAS Protocol). BMC Pediatr. 2011;11:120., que é regulado pelo hormônio adrenocorticotrófico (ACTH)3131. Mansfield CW, Carr BR, Faye-Petersen OM, Chen D, Xing Y, Rainey WE, et al. Differential gene expression in the adrenals of normal and anencephalic fetuses and studies focused on theFras-1-related extracellular matrix protein (FREM2) gene. Reprod Sci. 2011;18(11):1146-53.. Estudos demonstram que, em casos de alteração do tubo neural, a hipoplasia da suprarrenal é um achado frequente, geralmente associado à involução da zona fetal por alterações no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal3232. Nielsen LA, Maroun LL, Broholm H, Laursen H, Graem N. Neural tube defects and associated anomalies in a fetal and perinatal autopsy series. APMIS. 2006;114(4):239-46.. Em nossos casos, a alteração do tubo neural foi uma das malformações mais frequentes, podendo ser a causa do baixo peso da suprarrenal observado neles.

Há um baixo índice de consentimento para a realização de autópsias perinatais, com uma forte tendência a reduzir em diferentes países3333. Boyd PA, Tondi F, Hicks NR, Chamberlain PF. Autopsy after termination of pregnancy for fetal anomaly: retrospective cohort study. BMJ. 2004;328(7432):137.. Esses dados também foram observados em nosso serviço, sendo uma das limitações deste estudo, uma vez que um número maior de casos poderia melhorar a acurácia da análise. Outra limitação está relacionada aos prontuários dos pacientes, que muitas vezes apresentam dados clínicos e laboratoriais incompletos, o que dificulta o diagnóstico.

Apesar dos avanços no diagnóstico por imagem, a autópsia convencional permanece como padrão ouro no diagnóstico post mortem 33. Breeze AC, Gallagher FA, Lomas DJ, Smith GC, Lees CC. Cambridge Post-Mortem MRI Study Group. Postmortem fetal organ volumetry using magnetic resonance imaging and comparison to organ weights at conventional autopsy. Ultrasound Obstet Gynecol. 2008;31(2):187-93.

4. Andola US, Am A, Ahuja M, Andola SK. Congenital malformations in perinatal autopsies - a study of 100 cases. J Clin Diagn Res. 2012;6(10):1726-30.
- 55. Scheimberg I. The genetic autopsy. Curr Opin Pediatr. 2013; 25(6):659-65., e em alguns casos ela pode mudar o diagnóstico obtido em exames pré-natais, o que influencia no aconselhamento genético para o casal2020. Vogt C, Blaas HG, Salvesen KA, Eik-Nes SH. Comparison between prenatal ultrasound and postmortem findings in fetuses and infants with developmental anomalies. Ultrasound Obstet Gynecol. 2012;39(6):666-72.. Dessa forma, é importante estabelecer novos critérios de análise da autópsia que possam aprimorar esse exame.

Portanto, este estudo demonstrou que as variações do peso das crianças e de seus órgãos estão relacionadas aos tipos de causa de morte perinatal, contribuindo para melhorar a interpretação dos achados de autópsia e a sua relação anatomoclínica. Além disso, essas novas informações podem contribuir para um aumento na acurácia de exames imaginológicos pré-natais.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e à Fundação de Ensino e Pesquisa de Uberaba (FUNEPU) pelo apoio financeiro.

Referências

  • 1
    Sebire NJ, Taylor AM. Less invasive perinatal autopsies and the future of postmortem science. Ultrasound Obstet Gynecol. 2012; 39(6):609-11.
  • 2
    Thayyil S, Sebire NJ, Chitty LS, Wade A, Olsen O, Gunny RS, et al. Post mortem magnetic resonance imaging in the fetus, infant and child: a comparative study with conventional autopsy (MaRIAS Protocol). BMC Pediatr. 2011;11:120.
  • 3
    Breeze AC, Gallagher FA, Lomas DJ, Smith GC, Lees CC. Cambridge Post-Mortem MRI Study Group. Postmortem fetal organ volumetry using magnetic resonance imaging and comparison to organ weights at conventional autopsy. Ultrasound Obstet Gynecol. 2008;31(2):187-93.
  • 4
    Andola US, Am A, Ahuja M, Andola SK. Congenital malformations in perinatal autopsies - a study of 100 cases. J Clin Diagn Res. 2012;6(10):1726-30.
  • 5
    Scheimberg I. The genetic autopsy. Curr Opin Pediatr. 2013; 25(6):659-65.
  • 6
    Putman MA. Perinatal perimortem and postmortem examination: obligations and considerations for perinatal, neonatal, and pediatric clinicians. Adv Neonatal Care. 2007;7(6):281-8.
  • 7
    Anderson JM. Increased brain weight/liver weight ratio as a necropsy sign of intrauterine undernutrition. J Clin Pathol. 1972; 25(10):867-71.
  • 8
    Laudy JA, Wladimiroff JW. The fetal lung. 2: Pulmonary hypoplasia. Ultrasound Obstet Gynecol. 2000;16(5):482-94.
  • 9
    Barr M Jr. Correlates of prenatal visceromegaly. Am J Med Genet. 1998;79(4):249-52.
  • 10
    Hey EN, Lloyd DJ, Wigglesworth JS. Classifying perinatal death: fetal and neonatal factors. Br J Obstet Gynaecol. 1986; 93(12):1213-23.
  • 11
    Maroun LL, Graem N. Autopsy standards of body parameters and fresh organ weights in nonmacerated and macerated human fetuses. Pediatr Dev Pathol. 2005;8(2):204-17.
  • 12
    World Health Organization. Maternal Health and Safe Motherhood Programme. Perinatal mortality: a listing of available information. Geneva: WHO; 1996.
  • 13
    Gruenwald P, Minh HN. Evaluation of body and organ weights in perinatal pathology. II. Weight of body and placenta of surviving and of autopsied infants. Am J Obstet Gynecol. 1961;82(2):312-9.
  • 14
    Peres LC. Review of pediatric autopsies performed at a university hospital in Ribeirão Preto, Brazil. Arch Pathol Lab Med. 2006; 130(1):62-8.
  • 15
    Ngoc NT, Merialdi M, Abdel-Aleem H, Carroli G, Purwar M, Zavaleta N, et al. Causes of stillbirths and early neonatal deaths: data from 7993 pregnancies in six developing countries. Bull World Health Organ. 2006;84(9):699-705.
  • 16
    Santosh A, Zunjarwad G, Hamdi I, Al-Nabhani JA, Sherkawy BE, Al-Busaidi IH. Perinatal mortality rate as a quality indicator of healthcare in Al-Dakhiliyah region, Oman. Sultan Qaboos Univ Med J. 2013;13(4):545-50.
  • 17
    Martins EF, Rezende EM, Almeida MC, Lana FC. Perinatal mortality and socio-spatial inequalities. Rev Latinoam Enferm. 2013;21(5):1062-70.
  • 18
    Westhof G, Deerberg JC, Schad W, Zimmermann RC, Hatzmann H. Do macromorphological features of the human placenta influence somatic and psychomotor development of the newborn and early infant? A historic question revisited. Gynecol Obstet Invest. 2010;69(4):251-9.
  • 19
    Feng Y, Abdel-Latif ME, Bajuk B, Lui K, Oei JL. Causes of death in infants admitted to Australian neonatal intensive care units between 1995 and 2006. Acta Paediatr. 2013;102(1):e17-23.
  • 20
    Vogt C, Blaas HG, Salvesen KA, Eik-Nes SH. Comparison between prenatal ultrasound and postmortem findings in fetuses and infants with developmental anomalies. Ultrasound Obstet Gynecol. 2012;39(6):666-72.
  • 21
    Hickey L, Murphy A, Devaney D, Gillan J, Clarke T. The value of neonatal autopsy. Neonatology. 2012;101(1):68-73.
  • 22
    Yamauchi A, Minakami H, Ohkuchi A, Usui R, Idei S, Sato I. Causes of stillbirth: an analysis of 77 cases. J Obstet Gynaecol Res. 1999;25(6):419-24.
  • 23
    Alexander GR, Kogan M, Bader D, Carlo W, Allen M, Mor J. US birth weight/gestational age-specific neonatal mortality: 1995-1997 rates for whites, hispanics, and blacks. Pediatrics. 2003;111(1):e61-6.
  • 24
    Falo AP. Intrauterine growth retardation (IUGR): prenatal diagnosis by imaging. Pediatr Endocrinol Rev. 2009;6 Suppl 3:326-31.
  • 25
    Romero R, Espinoza J, Gonçalves LF, Kusanovic JP, Friel L, Hassan S. The role of inflammation and infection in preterm birth. Semin Reprod Med. 2007;25(1):21-39.
  • 26
    Olegário JG, Silva MV, Machado JR, Rocha LP, Reis MA, Guimarães CS, et al. Pulmonary innate immune response and melatonin receptors in the perinatal stress. Clin Dev Immunol. 2013;2013:340959.
  • 27
    Noronha LD, Kasting G, Martins VD, Nones RB, Sepulcri RP, Carvalho DS, et al. [Intrauterine and perinatal mortality: comparative analysis of 3,904 necropsies, Hospital de Clínicas, Curitiba, from 1960 to 1995]. J Pediatr (Rio J). 2000;76(3):213-21. Portuguese.
  • 28
    Moore KL, Persaud TV. The digestive system. In: Moore KL, Persaud TV, editors. The developing human: clinically oriented embryology. 7th ed. Philadelphia: Saunders; 2003. p. 256-85.
  • 29
    Hata T, Kuno A, Dai SY, Inubashiri E, Hanaoka U, Kanenishi K, et al. Three-dimensional sonographic volume meas urement of the fetal spleen. J Obstet Gynaecol Res. 2007;33(5):600-5.
  • 30
    Malendowicz LK. 100th anniversary of the discovery of the human adrenal fetal zone by Stella Starkel and Lesław Węgrzynowski:: how far have we come? Folia Histochem Cytobiol. 2010;48(4):491-506.
  • 31
    Mansfield CW, Carr BR, Faye-Petersen OM, Chen D, Xing Y, Rainey WE, et al. Differential gene expression in the adrenals of normal and anencephalic fetuses and studies focused on theFras-1-related extracellular matrix protein (FREM2) gene. Reprod Sci. 2011;18(11):1146-53.
  • 32
    Nielsen LA, Maroun LL, Broholm H, Laursen H, Graem N. Neural tube defects and associated anomalies in a fetal and perinatal autopsy series. APMIS. 2006;114(4):239-46.
  • 33
    Boyd PA, Tondi F, Hicks NR, Chamberlain PF. Autopsy after termination of pregnancy for fetal anomaly: retrospective cohort study. BMJ. 2004;328(7432):137.
  • Trabalho realizado na Disciplina de Patologia Geral da Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM - Uberaba (MG), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2014

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2013
  • Aceito
    03 Jan 2013
Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br