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Validação de questionário para avaliar a vivência e autoconfiança nas emergências na assistência ao parto vaginal

Validation of a questionnaire to evaluate the experience and self-confidence on emergency assistance in vaginal delivery

Resumos

OBJETIVO:

Validar questionário para conhecer e descrever a percepção dos médicos especialistas em ginecologia e obstetrícia quanto à vivência e autoconfiança no atendimento de emergências no parto vaginal.

MÉTODOS:

Estudo prospectivo de validação de instrumento constituído por afirmativas sobre atendimento nas emergências: parto pélvico (n=23), distocia de ombros (n=20), hemorragia pós-parto (n=24), parto fórcipe (n=32) e vácuo extrator (n=5). Os participantes opinaram sobre cada item segundo escala de Likert (0=discordo plenamente, 1=discordo parcialmente, 2=indiferente, 3=concordo parcialmente e 4=concordo plenamente). O questionário foi aplicado a 12 especialistas em ginecologia e obstetrícia esperando-se encontrar nível de compreensão superior a 80%. Uma escala de cinco pontos foi empregada para avaliar a compreensão de cada questão (de 0=não entendi nada a 5=entendi perfeitamente e não tenho dúvidas). Valores acima de 4 foram considerados indicadores de compreensão suficiente. O instrumento utilizado foi especialmente elaborado para atender às especificidades demandadas. A análise da confiabilidade interna foi pelo coeficiente alfa de Cronbach. Para a validação externa foram calculadas a proporção de itens com plena compreensão, por cada grupo. Para fins de investigação, o alfa deve ser maior do que 0,7.

RESULTADOS:

Os participantes apresentavam média de idade de 33,3 anos, com desvio padrão (DP) de 5,0 anos, e tempo de formado médio de 5,8 anos (DP=1,3anos). Todos eram especialistas com residência médica em Ginecologia e Obstetrícia. A média da proporção de participantes que compreenderam plenamente os itens de cada emergência estudada foi: parto pélvico 97,3%, distocia de ombros 96,7%, hemorragia pós-parto 99,7%, parto fórcipe 97,4%, e vácuo extrator 98,3%. Os resultados do alfa de Cronbach, para os itens de cada emergência estudada, foram: parto pélvico 0,85, sendo o limite inferior do intervalo de confiança de 95% (IC95%) 0,72, distocia de ombros 0,74 (limite inferior do IC95%=0,51), hemorragia pós-parto 0,79 (limite inferior do IC95%=0,61), parto fórcipe 0,96 (limite inferior do IC95%=0,92), e vácuo extrator 0,90 (limite inferior do IC95%=0,79).

CONCLUSÃO:

O questionário validado é instrumento útil para conhecer e descrever a percepção do médico quanto à vivência e autoconfiança no atendimento de emergências na assistência ao parto vaginal.

Parto obstétrico; Procedimentos cirúrgicos obstétricos; Estudos de validação; Questionários


PURPOSE:

To validate a questionnaire to be applied in order to learn and describe the perceptions of specialists in obstetrics and gynecology about their experience and self-confidence in the emergency care for vaginal delivery.

METHODS:

This was a prospective study for the validation of an instrument that contains statements about emergency obstetrical care: breech delivery (n=23), shoulder dystocia (n=20), postpartum haemorrhage (n=24), forceps delivery (n=32), and vacuum extractor (n=5). Participants gave their opinions on each item by applying the Likert scale (0=strongly disagree, 1=partially disagree, 2=indifferent, 3=partially agree and 4=strongly agree). The questionnaire was applied to 12 specialists in obstetrics and gynecology and it was expected to be found a level of comprehension exceeding 80%. A five-point scale was used to assess the understanding of each question (from 0=did not understand anything to 5=understood perfectly and I have no doubt). A score above 4 was considered to indicate sufficient understanding. The instrument used was specially designed to suit the specific demands. The analysis of internal reliability was done using the Cronbach alpha coefficient. For external validation, we calculated the proportion of items with full understanding for each subscale. For research purposes, the alpha should be greater than 0.7.

RESULTS:

Participants had a mean age of 33.3 years, with 5.0 standard deviation (SD), and an average interval time since graduation from medical school of 5.8 years (SD=1.3 years). All were specialists with residency in obstetrics and gynecology. The mean proportion of participants who fully understood the items in each emergency was 97.3% for breech delivery, 96.7% for shoulder dystocia, 99.7% for postpartum hemorrhage, 97.4% for forceps delivery, and 98.3% for the use of a vacuum extractor. The results of Cronbach's alpha for the items in each emergency studied were: 0.85 for breech delivery, with 0.72 lower limit of 95% confidence interval ((%%CI), 0.74 for shoulder dystocia (lower limit of 95%CI=0.51), 0.79 for postpartum hemorrhage (lower limit of 95%CI=0.61), 0.96 for forceps delivery (lower limit of 95%CI=0.92), and 0.90 for the vacuum extractor (lower limit of 95%CI=0.79).

CONCLUSION:

The validated questionnaire is useful for learning and describing the perception of physicians about their experience and self-confidence in emergency care for vaginal births.

Delivery, obstetric; Obstetric surgical procedures; Validation studies; Questionnaires


Introdução

Melhorar a saúde materna e perinatal é prioridade global. A Organização Mundial de Saúde (OMS)11. World Health Organization (WHO). Maternal mortality. Fact sheet No. 348. Geneva: WHO; 2010. estima que mil mulheres morrem, todos os dias, devido a complicações da gravidez e do parto. O cuidado adequado na assistência ao parto pode evitar muitas dessas mortes, principalmente nas situações de emergências obstétricas22. Harvey SA, Blandón YC, McCaw-Binns A, Sandino I, Urbina L, Rodríguez C, et al. Are skilled birth attendants really skilled? A measurement method, some disturbing results and a potential way forward. Bull World Health Organ. 2007;85(10):783-90. com melhora dos resultados maternos e perinatais.

Para o ensino da obstetrícia, são muitas as habilidades manuais que devem ser desenvolvidas, especialmente na assistência ao parto33. Scholefield H. Embedding quality improvement and patient safety at Liverpool Women's NHS Foundation Trust. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2007;21(4):593-607.,44. Maouris P, Jennings B, Ford J, Karczub A, Kohan R, Butt J, et al. Outreach obstetrics training in Western Australia improves neonatal outcome and decreases caesarean sections. J Obstet Gynaecol. 2010;30(1):6-9.. Em geral, grande parte dos procedimentos obstétricos é de baixo risco, o que facilita o aprendizado prático do aluno, de forma repetitiva, a fim de que a proficiência seja garantida. No entanto, o número reduzido de eventos caracterizados como emergências no parto e a intervenção de médicos supervisores, que assumem rapidamente os cuidados nessas situações, não permitem certificar o aluno como competente para determinados procedimentos.

Portanto, é necessário conhecer quais competências profissionais são adquiridas nos moldes atuais dos programas de residência médica, que se baseiam no aprendizado em serviço. Atualmente, valoriza-se cada vez mais a implementação de programas de simulação no modelo de educação médica continuada, a fim de fortalecer a habilidade profissional e as competências a serem adquiridas55. Merién AE, van de Ven J, Mol BW, Houterman S, Oei SG. Multidisciplinary team training in a simulation setting for acute obstetric emergencies: a systematic review. Obstet Gynecol. 2010;115(5):1021-31.. O manejo e enfrentamento das situações de emergência obstétrica, tais como o parto obstruído, a distocia de biacromial, o parto pélvico ou as hemorragias, envolvem não apenas competências técnicas, mas segurança profissional e autoconfiança para realização das manobras recomendadas, com eficiência e rapidez.

Pouco se sabe sobre como tem sido o aprendizado e o treinamento em serviço na residência médica em Ginecologia e Obstetrícia66. Teunissen PW, Scheele F, Scherpbier AJ, van der Vleuten CP, Boor K, van Luijk SJ, et al. How residents learn: qualitative evidence for the pivotal role of clinical activities. Med Educ. 2007;41(8):763-70.. Apesar de serem relatados sucessos e melhora no desempenho de profissionais quando são aplicados programas de simulação no atendimento de emergências obstétricas77. Draycott TJ, Crofts JF, Ash JP, Wilson LV, Yard E, Sibanda T, et al. Improving neonatal outcome through practical shoulder dystocia training. Obstet Gynecol. 2008;112(1):14-20.,88. Crofts JF, Ellis D, Draycott TJ, Winter C, Hunt LP, Akande VA. Change in knowledge of midwives and obstetricians following obstetric emergency training: a randomised controlled trial of local hospital, simulation centre and teamwork training. BJOG. 2007;114(12):1534-41., a vivência na prática consolida as competências adquiridas. Além disso, a obstetrícia tem sido considerada uma especialidade de alto risco para demandas judiciais, em que qualquer desvio da principal tarefa de assegurar o bem-estar da mãe e do feto é vista como intolerável. Como resultado, o treinamento do médico residente no atendimento das emergências na sala de parto é tarefa desafiadora para os programas de residência médica.

O objetivo do presente estudo é desenvolver e validar um instrumento que permita avaliar objetivamente a percepção dos médicos especialistas em Ginecologia e Obstetrícia, ou ao final da residência médica, quanto à vivência e autoconfiança no atendimento de emergências no parto vaginal.

Métodos

O presente estudo foi desenvolvido pela Disciplina de Obstetrícia Fisiológica em conjunto com o Programa de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus São Paulo. O projeto de pesquisa e o termo de consentimento livre e esclarecido foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo e Hospital São Paulo, sob o número CAAE 22473313.0.0000.5505.

Para a validação de um questionário de avaliação da vivência e autoconfiança em procedimentos obstétricos, foram convidados a participar do projeto médicos especialistas em Ginecologia e Obstetrícia, com título de especialista, que tivessem concluído a residência médica há menos de oito anos.

Um instrumento99. Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Escola Paulista de Medicina. Departamento de Obstetrícia Internet]. Avaliação da vivência e autoconfiança no manejo de emergências na assistência ao parto vaginal. Bagagem Médica. São Paulo: UNIFESP; 2013 citado 2014 Set 9]. Disponível em: <http://www.bagagemmedica.com.br/wp-content/themes/sistema_dra/questionario_bagagem.pdf>
http://www.bagagemmedica.com.br/wp-conte...
foi desenvolvido especificamente para a presente investigação pelos pesquisadores após busca na literatura científica por ferramentas que atendessem aos objetivos da pesquisa. Foi elaborado um questionário de autopreenchimento, em língua portuguesa, para conhecer e comparar a percepção dos médicos no atendimento de emergências em quatro cenários em sala de parto. Para cada um desses cenários, foram elaboradas afirmativas que contemplassem os conhecimentos necessários para o reconhecimento da situação, execução de procedimentos ou manobras essenciais, além de autoconfiança no desempenho profissional. Foram utilizados os seguintes cenários: parto pélvico em feto com peso maior que 2.500 g (23 afirmativas), distocia de ombros (20 afirmativas), hemorragia pós-parto (24 afirmativas), parto fórcipe (32 afirmativas) e uso do vácuo extrator (5 afirmativas). Para cada cenário abordado foram investigados aspectos relativos à identificação de condições seguras para os procedimentos, o conhecimento de fatores associados com a emergência abordada, a experiência prática de ter realizado procedimentos e manobras de correção habitualmente indicadas na assistência e na correção dos eventos que caracterizam a emergência obstétrica.

O instrumento é constituído por afirmativas que devem ser classificadas de acordo com itens apresentados em cinco categorias, que correspondem a uma escala de cinco pontos de Likert: 0 = discordo plenamente, 1 = discordo parcialmente, 2 = indiferente, 3 = concordo parcialmente e 4=concordo plenamente. O questionário está disponibilizado como material suplementar99. Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Escola Paulista de Medicina. Departamento de Obstetrícia Internet]. Avaliação da vivência e autoconfiança no manejo de emergências na assistência ao parto vaginal. Bagagem Médica. São Paulo: UNIFESP; 2013 citado 2014 Set 9]. Disponível em: <http://www.bagagemmedica.com.br/wp-content/themes/sistema_dra/questionario_bagagem.pdf>
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.

Para validação do presente instrumento, este foi apresentado a cinco docentes da Disciplina de Obstetrícia Fisiológica para discussão da temática e redação dos itens elaborados. Os itens foram corrigidos e modificados de acordo com as sugestões dos professores e novamente apresentados para apreciação final. Após obter a versão final do instrumento, este foi aplicado a grupo composto por 12 médicos especialistas em ginecologia e obstetrícia, alunos de programas de pós-graduação ou colaboradores em estágios de aprimoramento, sendo que esse número seria repetido caso não fosse alcançado nível de compreensão superior a 80% do total em todas as afirmativas. Para cada item do questionário, além do preenchimento sobre sua percepção sobre a vivência e autoconfiança nos cenários propostos, foi solicitado que se avaliasse a compreensão da afirmativa contida nos itens do instrumento. Para isso, foi utilizada uma escala numérica de cinco pontos (de 0 a 5) para avaliar a facilidade de compreensão do instrumento como um todo, e de cada questão isoladamente (sendo 0 = não entendi nada, até 5 = entendi perfeitamente e não tenho dúvidas). Valores acima de 4 foram considerados indicadores de compreensão suficiente.

Análise estatística

Foi realizada análise descritiva da amostra, com as pontuações obtidas em cada cenário analisado. A compreensão foi avaliada pela pontuação de cada item, considerando-se suficiente quando pelo menos 80% dos participantes demonstraram compreensão plena do item avaliado (pontuação 5). Para a análise da confiabilidade interna dos itens de cada cenário foi utilizado o coeficiente alfa de Cronbach. Foram calculadas médias e desvios padrão (DP) da proporção de itens com plena compreensão, por cada grupo de emergência. Para fins de investigação, o alfa deve ser maior do que 0,7 para que possa ser validado o instrumento e as subescalas.

Resultados

Os especialistas entrevistados apresentavam média de idade de 33,3 anos (DP = 5,0 anos), tempo de graduação médio de 8,9 anos e tempo médio de conclusão da residência de 5,8 anos (DP=1,3 anos). Desses, três eram do sexo masculino e nove do sexo feminino, sendo que oito se autodeclararam serem de cor branca e quatro de cor amarela (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas dos especialistas entrevistados (n=12)

Em relação à compreensão dos itens dos cenários de emergência no parto (Tabela 2), a média de participantes que compreenderam plenamente cada item estudado foi maior para hemorragia pós-parto, com 99,7% de compreensão e menor para distocia de ombros, com 96,7%. Parto pélvico teve um índice de compreensão plena pelos especialistas de 97,3%, fórcipe 97,4% e vácuo extrator 98,3%.

Tabela 2
Compreensão dos itens referente aos diferentes cenários de emergência no parto

A medida de consistência interna da escala estudada foi feita pelo valor do alfa de Cronbach (Tabela 3), que apresentou para os itens de cada emergência estudada os seguintes resultados: parto pélvico 0,88, com limite inferior do intervalo de confiança de 95% (IC95%) 0,72, distocia de ombros 0,74 (limite inferior do IC95% = 0,51), hemorragia pós-parto 0,79 (limite inferior do IC95% = 0,61), parto fórcipe 0,96 (limite inferior do IC95% = 0,92), e vácuo extrator 0,90 (limite inferior do IC95% = 0,79).

Tabela 3
Resultados da análise da confiabilidade interna pelo coeficiente alfa de Cronbach e limite inferior do intervalo de confiança de 95%

Os itens utilizados do questionário foram divididos em cinco subescalas correspondentes aos cenários de emergências obstétricas com suas correspondentes afirmativas, e estão apresentados em material suplementar disponibilizado99. Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Escola Paulista de Medicina. Departamento de Obstetrícia Internet]. Avaliação da vivência e autoconfiança no manejo de emergências na assistência ao parto vaginal. Bagagem Médica. São Paulo: UNIFESP; 2013 citado 2014 Set 9]. Disponível em: <http://www.bagagemmedica.com.br/wp-content/themes/sistema_dra/questionario_bagagem.pdf>
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. Como resultado, cada afirmativa apresenta o índice de compreensão plena da questão, que indica a percepção sobre as habilidades e autoconfiança nos cenários propostos. Cada afirmativa também apresenta o índice de compreensão da afirmativa contida nos itens do instrumento, que foi convertido da escala numérica de cinco pontos (de 0 a 5) para porcentagem.

Discussão

Os resultados deste trabalho permitem disponibilizar um instrumento que avalia a vivência prática do médico na Residência em Ginecologia e Obstetrícia, bem como a aquisição de autoconfiança, nos procedimentos necessários para o atendimento de certas emergências no parto. O instrumento foi elaborado empregando termos técnicos do meio obstétrico e foi validado para ser utilizado na investigação da vivência de situações emergenciais no parto vaginal por médicos residentes ou especialistas.

Os componentes que formaram os diferentes itens incluídos no questionário foram revistos com o apoio de docentes da Disciplina de Obstetrícia Fisiológica da Instituição de Ensino Superior onde se desenvolveu a pesquisa; e os conteúdos foram adequados para as manobras exigidas nos diferentes cenários. Apesar de haver diferenças entre os protocolos adotados em diferentes instituições ou programas de residência médica, acredita-se que as manobras essenciais foram contempladas nos itens elaborados. Quando se utilizou o nome habitualmente utilizado nas manobras obstétricas, foi inserida a descrição sucinta da mesma, procurando-se, assim, facilitar o entendimento do participante, sem que fosse necessária a intervenção do pesquisador para fornecer explicações sobre o item. Os significados de siglas e mnemônicos para as manobras em emergências são frequentemente referidos de forma incorreta, o que limita a sua utilização, indicando a importância do ensino centrado na aprendizagem, sem dependência de epônimos. Jan et al.1010. Jan H, Guimicheva B, Gosh S, Hamid R, Penna L, Sarris I. Evaluation of healthcare professionals' understanding of eponymous maneuvers and mnemonics in emergency obstetric care provision. Int J Gynaecol Obstet. 2014;125(3):228-31. relatam que existe fraca correlação entre o conhecimento das manobras e seus epônimos, na assistência às emergências obstétricas.

No processo de validação do presente instrumento, não foram constatadas dificuldades no entendimento das afirmativas. Não se necessitou apresentar explicações adicionais aos participantes, e nenhum relatou dificuldade de entendimento. Em geral, o preenchimento do instrumento demandou cerca de 15 minutos, conforme observação dos pesquisadores, apesar de esse parâmetro não ter sido especificamente mensurado.

A respeito da confiabilidade interna dos itens referentes aos diferentes cenários, constatou-se que o valor do alfa de Cronbach foi suficiente em todas as subescalas, o que valida a utilização do instrumento para fins de pesquisa. Entretanto, é possível verificar que o desempenho da subescala que diz respeito à assistência no parto operatório tenha sido melhor que nas demais situações. A utilização do fórcipe na abreviação do período expulsivo é cada vez menos frequente na prática obstétrica, o que traz prejuízos no processo de treinamento do residente para a utilização correta do instrumento. O emprego do fórcipe por profissionais experientes na rotação da apresentação em variedades transversas é método efetivo para evitar a cesárea quando a distocia de rotação complica o segundo estágio do parto1111. Tempest N, Hart A, Walkinshaw S, Hapangama DK. A re-evaluation of the role of rotational forceps: retrospective comparison of maternal and perinatal outcomes following different methods of birth for malposition in the second stage of labour. BJOG. 2013;120(10):1277-84.. Entretanto, são escassas as oportunidades de treinamento em serviço, para a aquisição desta competência, e consequente confiança do profissional na utilização do instrumento.

O processo de aprendizado com o treinamento em serviço, modelo proposto nos programas de Residência Médica do país, não é plenamente estudado e conhecido, e novas propostas de treinamento devem ser implementadas. No continente europeu, existe a preocupação a respeito do aprimoramento do treinamento em obstetrícia e ginecologia, em que novas exigências da sociedade exigem mudanças na formação, que deve ser abrangente e atender às necessidades contemporâneas, dos pacientes e dos próprios médicos1212. Scheele F, Novak Z, Vetter K, Caccia N, Goverde A. Obstetrics and gynaecology training in Europe needs a next step. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2014;180:130-2.. No Brasil, o médico residente, gradualmente, ao longo de três anos, desenvolve a competência profissional para o exercício da ginecologia e obstetrícia. Entretanto, a forma de trabalho do médico residente não lhe propicia, muitas vezes, a vivência de situações emergenciais menos prevalentes, nem o treinamento para a realização das manobras de maior complexidade. Para que seja possível aprimorar os processos de ensino e aprendizagem, é indispensável conhecer qual o entendimento básico que é adquirido pelo médico residente ao longo de sua formação. O instrumento aqui validado disponibiliza um método que poderá contribuir para o aprimoramento da formação desse profissional.

A educação médica é, habitualmente, dominada por uma visão cognitivista, em que os assistentes de determinado programa influenciam a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de habilidades. Poucas pesquisas se detêm em revelar o intrincado processo de como o residente aprende na prática. Teunissem et al.66. Teunissen PW, Scheele F, Scherpbier AJ, van der Vleuten CP, Boor K, van Luijk SJ, et al. How residents learn: qualitative evidence for the pivotal role of clinical activities. Med Educ. 2007;41(8):763-70., em estudo qualitativo, relatam que o aprendizado se inicia com a participação do residente em processos de trabalho, depois em processos interativos de interpretação e construção de significados, que, por sua vez, promovem o crescimento do conhecimento pessoal. Nesse estudo, os médicos residentes pontuam que a reflexão no conhecimento pessoal é parte vital do processo de aprendizagem.

Médicos residentes aprendem a partir de interações dentro do complexo ambiente da prática clínica1313. Bleakley A. Pre-registration house officers and ward-based learning: a 'new apprenticeship' model. Med Educ. 2002;36(1):9-15.,1414. Sadideen H, Kneebone R. Practical skills teaching in contemporary surgical education: how can educational theory be applied to promote effective learning? Am J Surg. 2012;204(3):396-401.. Experiências contextualizadas na prática promovem a socialização dos residentes como membros de uma comunidade de especialistas1515. Goldie J, Dowie A, Cotton P, Morrison J. Teaching professionalism in the early years of a medical curriculum: a qualitative study. Med Educ. 2007;41(6):610-7.. Teunissen et al.1616. Teunissen PW, Stapel DA, Scheele F, Scherpbier AJ, Boor K, van Diemen-Steenvoorde JA, et al. The influence of context on residents' evaluations: effects of priming on clinical judgment and affect. Adv Health Sci Educ Theory Pract. 2009;14(1):23-41. relatam que os residentes constroem significados com base nas experiências das quais participam e que informações contextuais impactam o processo de aprendizado. Os autores destacam a importância da influência do contexto sobre as deliberações dos residentes menos experientes, o que pontua a importância da supervisão e orientação nos primeiros anos de treinamento. Os residentes devem ser encorajados a explanar seus achados clínicos e propor estratégias de conduta, para que se revelem diferenças de opinião. Os autores ressaltam que experiências pessoais sobre a mesma situação podem variar; e não é possível assumir que os residentes efetivamente assimilem o que os supervisores acreditam que estejam aprendendo.

O presente questionário consiste em instrumento que auxilia a detecção de deficiências na formação do residente em ginecologia e obstetrícia, pois permite analisar cenários que necessitem treinamento específico em modelos de simulação, caso situações não sejam frequentes na rotina do serviço. Isso ocorreu principalmente na assistência ao parto pélvico por via vaginal, em feto com peso com mais de 2.500 g, e na distocia de biacromial. Ambas as situações são raras na atualidade e poucos residentes tem a oportunidade de vivenciar o atendimento dessas urgências com frequência que permita uma formação sólida, proporcionando-lhe confiança na realização de procedimentos e manobras. Nesse sentido, torna-se interessante o desenvolvimento de programas específicos de treinamento, individual ou em equipe, para a assistência a essas emergências. A aplicação do questionário validado no presente estudo permite conhecer a autoconfiança dos médicos residentes ao final de sua formação, para que modificações sejam propostas nos programas de ensino.

Além disso, é necessário repensar o modelo de formação do médico residente na especialidade de ginecologia e obstetrícia. O desenvolvimento de novos programas de treinamento da especialidade já ocorre na Europa, com níveis progressivos de aquisição de habilidades e conhecimentos, em serviços de saúde modernos1717. Jones O, Reid W. The development of a new speciality training programme in obstetrics and gynaecology in the UK. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2010;24(6):685-701.. Níveis de treinamento são propostos (básico, intermediário e avançado); e o residente em formação deve progredir nesses diferentes níveis do programa, ao atingir os requisitos definidos, avaliando-se também as habilidades profissionais e atitudes que devem ser consistentemente adotadas por profissionais de saúde.

O aprendizado do residente na prática obstétrica é um desafio. Ao longo de três anos, muitas habilidades necessitam ser adquiridas pelo especialista em formação, e os médicos assistentes e preceptores, que atuam diretamente nessa formação, desempenham papel crucial1818. Engbers R, de Caluwé LI, Stuyt PM, Fluit CR, Bolhuis S. Towards organizational development for sustainable high-quality medical teaching. Perspect Med Educ. 2013;2(1):28-40.. Entretanto, nem sempre existe uma reflexão sobre o papel desses formadores. Fluit et al.1919. Fluit CV, Bolhuis S, Klaassen T, De Visser M, Grol R, Laan R, et al. Residents provide feedback to their clinical teachers: reflection through dialogue. Med Teach. 2013;35(9):e1485-92. analisam a avaliação dos médicos assistentes supervisores pelos residentes, e propõem um sistema em que seja possível oferecer o feedback aos supervisores, de forma construtiva e honesta, para que seja criado um ambiente seguro para a adequada formação profissional.

O presente estudo permite concluir que o questionário apresentado e validado nesta pesquisa é instrumento útil para conhecer e descrever a percepção do médico quanto às habilidades e a autoconfiança no atendimento de emergências na assistência ao parto. A utilização desse instrumento em programas de residência médica da especialidade propiciará melhor identificação de fragilidades nos programas e a proposição de novos métodos de ensino e de treinamento no atendimento das emergências na sala de parto. É necessário o desenvolvimento de métodos que permitam analisar outras habilidades e competências para o aprimoramento dos programas de residência médica no país.

  • Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2014

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2014
  • Aceito
    10 Set 2014
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