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Mortalidade por câncer de mama feminino no Brasil de acordo com a cor

Female breast cancer mortality in Brazil according to color

Resumos

OBJETIVO:

Descrever a mortalidade por câncer de mama feminino no Brasil segundo a cor, nos anos de 2000 e 2010.

MÉTODOS:

Estudo descritivo, no qual os dados populacionais foram obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As informações de óbitos por câncer de mama foram coletadas do Ministério da Saúde, através do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Foram calculadas as taxas de mortalidade bruta por câncer de mama feminino de acordo com a cor e o grupo etário, até 49 anos ou ≥ 50 anos. Os resultados foram também avaliados pelas cinco macrorregiões do país (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste).

RESULTADOS:

No Brasil, em mulheres com 50 anos ou mais, as maiores taxas brutas de mortalidade por câncer de mama em 2000 foram de 62,6/100.000, 46,0/100.000 e 29,7/100.000, entre amarelas, brancas e pretas, respectivamente. Nas mulheres com menos de 50 anos, em 2000, a mortalidade bruta variou de 2,0/100.000 entre as indígenas a 6,8/100.000 entre as mulheres brancas. Após dez anos, em mulheres com idade superior a 50 anos, a taxa bruta de mortalidade entre amarelas, brancas e pretas foi de 21,5, 53,2 e 40,4 por 100.000, respectivamente. Nas macrorregiões do país, as maiores taxas de mortalidade por câncer de mama foram observadas nas mulheres brancas e pretas das regiões Sul e Sudeste. No Nordeste, as taxas de mortalidade em mulheres pretas e pardas dobraram em 2010.

CONCLUSÃO:

As taxas de mortalidade por câncer de mama apresentam variações étnicas e geográficas. Entretanto, não se pode excluir a possibilidade de que grandes variações tenham ocorrido em decorrência de melhoria na qualidade da informação sobre a mortalidade no país.

Neoplasias da mama/mortalidade; Origem étnica e saúde; Brasil


PURPOSE:

To describe the mortality of female breast cancer in Brazil according to color, in the years 2000 and 2010.

METHODS:

A descriptive study in which demographic data were obtained from the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). The breast cancer death information in Brazil was collected from the Ministry of Health through the Mortality Information System (SIM). The crude mortality rates for female breast cancer were calculated according to color and age group, up to 49 years and ≥50 years. The results obtained were distributed into five geographical regions of the country (North, Northeast, Midwest, South and Southeast).

RESULTS:

In Brazil, in women aged 50 or more, the highest crude mortality rates of breast cancer in 2000 were 62.6/100,000, 46.0/100,000 and 29.7/100,000 among yellow, white and black women, respectively. In women under 50 years in 2000, the crude mortality ranged from 2.0/100,000 among indigenous women to 6.8/100,000 among white women. After ten years, in women over 50 years, the crude mortality rate among yellow, white and black women was 21.5, 53.2 and 40.4 per 100,000, respectively. In the country's regions, the highest mortality rates of breast cancer were observed in white and black women from the South and Southeast. In the Northeast, mortality rates in black and brown women doubled in 2010.

CONCLUSION:

Breast cancer mortality rates show ethnic and geographical variations. However, it is not possible to exclude the possibility that large variations have occurred as a result of improvement in the quality of information on mortality in the country.

Breast neoplasms/mortality; Ethnicity and health; Brazil


Introdução

O câncer de mama é a neoplasia mais frequente entre as mulheres brasileiras, constituindo uma doença complexa e com diversos padrões de incidência, de comportamento e de evolução clínica1Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância [Internet]. Estimativa 2014: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2014 [citado 2015 Abr 04]. Disponível em: <http://www1.inca.gov.br/estimativa/2014/>
http://www1.inca.gov.br/estimativa/2014/...

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- 3Giordano SH, Temin S, Kirshner JJ, Chandarlapaty S, Crews JR, Davidson NE, et al. Systemic therapy for patients with advanced human epidermal growth factor receptor 2-positive breast cancer: American Society of Clinical Oncology clinical practice guideline. J Clin Oncol. 2014;32(19):2078-99. . Dessa forma, a distribuição da doença e o seu perfil epidemiológico estão associados a fatores biológicos, econômicos, culturais, entre outros4Gonzaga CM, Freitas-Junior R, Curado MP, Sousa AL, Souza-Neto JA, Souza MR. Temporal trends in female breast cancer mortality in Brazil and correlations with social inequalities: ecological time-series study. BMC Public Health. 2015;15:96. , 5Carvalho FM, Bacchi LM, Pincerato KM, Van de Rijn M, Bacchi CE. Geographic differences in the distribution of molecular subtypes of breast cancer in Brazil. BMC Womens Health. 2014;14:102..

O Brasil é um país de proporções continentais, cuja população apresenta elevado grau de miscigenação e de ascendência étnica, como africana, indígena e europeia6Parra FC, Amado RC, Lambertucci JR, Rocha J, Antunes CM, Pena SD. Color and genomic ancestry in Brazilians. Proc Natl Acad Sci U S A. 2003;100(1):177-82.. De acordo com a região geográfica do país, são observados diferentes perfis socioeconômicos, culturais, raciais e dimensões do acesso, que podem justificar as diferenças nos desfechos clínicos associados à neoplasia mamária7Gonzaga CM, Freitas-Junior R, Souza MR, Curado MP, Freitas NM. Disparities in female breast cancer mortality rates between urban centers and rural areas of Brazil: ecological time-series study. Breast. 2014;23(2):180-7. , 8Freitas-Junior R, Gonzaga CM, Freitas NM, Martins E, Dardes RC. Disparities in female breast cancer mortality rates in Brazil between 1980 and 2009. Clinics (Sao Paulo). 2012;67(7):731-7. .

As disparidades raciais na incidência e na mortalidade têm sido observadas em diversas séries9O'Brien KM, Cole SR, Tse CK, Perou CM, Carey LA, Foulkes WD, et al. Intrinsic breast tumor subtypes, race, and long-term survival in the Carolina Breast Cancer Study. Clin Cancer Res. 2010;16(24):6100-10.

10 Siegel R, Ward E, Brawley O, Jemal A. Cancer statistics, 2011: the impact of eliminating socioeconomic and racial disparities on premature cancer deaths. CA Cancer J Clin. 2011;61(4):212-36.
- 1111 Al-Alem U, Rauscher G, Shah E, Batai K, Mahmoud A, Beisner E, et al. Association of genetic ancestry with breast cancer in ethnically diverse women from Chicago. PLoS One. 2014;9(11):e112916., que refletem a importância dessa variável no estudo epidemiológico do câncer de mama. A avaliação dessas desigualdades pode colaborar para o desenvolvimento e a efetivação de estratégias específicas para o controle da doença, que devem respeitar as diferenças populacionais de cada região do país1212 Curado MP, de Souza DL. Cancer burden in Latin America and the Caribbean. Ann Glob Health. 2014;80(5):370-7. , 1313 Goss PE, Lee BL, Badovinac-Crnjevic T, Strasser-Weippl K, Chavarri-Guerra Y, St Louis J, et al. Planning cancer control in Latin America and the Caribbean. Lancet Oncol. 2013;14(5):391-436. .

Não identificamos estudos étnico-raciais relacionados à mortalidade por câncer de mama entre mulheres brasileiras. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi descrever a mortalidade por câncer de mama feminino no Brasil de acordo com a idade e com a cor da pele.

Métodos

Trata-se de um estudo ecológico de série temporal, descritivo, realizado por meio de coleta de número de óbitos por câncer de mama entre as mulheres brasileiras, nos anos de 2000 e de 2010.

Os dados populacionais foram obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), através do Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA; Tabela 1). A variável cor foi classificada em cinco categorias distintas: branca, preta, parda, amarela e indígena, segundo o sistema classificatório empregado pelo IBGE.

Tabela 1.
População residente e óbitos por câncer de mama feminino de acordo com a cor, no Brasil e macrorregiões, 2000 e 2010

As informações de óbitos por câncer de mama no Brasil foram coletadas do Ministério da Saúde (MS), através do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM; Tabela 1). Mortes por câncer de mama foram coletadas de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID), utilizando a 10ª revisão (CID C50).

Foram calculadas as taxas de mortalidade bruta por câncer de mama feminino de acordo com a cor e o grupo etário, o qual foi categorizado em 20-49 anos e superior a 50 anos. A taxa bruta de mortalidade por câncer de mama por 100.000 mulheres traduz-se pelo quociente entre o total de mortes e a população sob risco. Os resultados foram também avaliados pelas cinco macrorregiões do país (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste).

O presente estudo faz parte de uma linha de pesquisa desenvolvida pela Rede Goiana de Pesquisa em Mastologia, com aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal de Goiás (HC/UFG). Foram seguidas todas as recomendações de boas práticas clínicas segundo a resolução CNS 466/2012 e a Convenção de Helsinque.

Resultados

No Brasil, houve aumento na maioria das taxas de mortalidade em 2010 em relação às taxas observadas em 2000, tanto por grupo etário quanto por cor. Os maiores aumentos foram observados nas mulheres de cor preta e parda com 50 anos ou mais. Em mulheres com 50 anos ou mais, as maiores taxas brutas de mortalidade por câncer de mama em 2000 foram de 62,6/100.000, 46,0/100.000 e 29,7/100.000, entre amarelas, brancas e pretas, respectivamente. Nas mulheres com menos de 50 anos, em 2000, a mortalidade bruta variou de 2,0/100.000, entre as indígenas, a 6,8/100.000 entre as mulheres brancas (Tabela 2).

Tabela 2.
Taxa de mortalidade bruta por câncer de mama em mulheres com menos de 50 anos e 50 anos ou mais, Brasil e macrorregiões, 2000 e 2010

Em 2010, considerando as mulheres com idade superior a 50 anos, a taxa bruta de mortalidade entre amarelas, brancas e pretas foi de 21,5, 53,2 e 40,4 por 100.000, respectivamente. Entre as mulheres com idade inferior a 50 anos, em 2010, a mortalidade bruta entre as indígenas e as brancas foi de 1,3/100.000 e 7,7/100.000, respectivamente (Tabela 2).

A taxa de mortalidade observada entre as mulheres de cor amarela, em 2000, foi de 33,0/100.000. Entre as macrorregiões, a maior taxa bruta de mortalidade foi observada na região Sudeste (41,0/100.000), ultrapassando a taxa considerada para todo o país. Após dez anos, as taxas relacionadas à cor amarela apresentaram resultados divergentes nas avaliações por subgrupo, com redução da mortalidade em mulheres com menos de 50 anos residentes na região Sudeste e aumento da mortalidade entre as residentes na região Sul com idade superior a 50 anos.

A taxa de mortalidade entre mulheres de cor branca teve um comportamento crescente no período analisado, em todas as regiões do país, principalmente nas regiões Centro-Oeste e Nordeste. Em 2000, a taxa de mortalidade entre mulheres de cor branca estava mais evidente nas regiões Sul e Sudeste e, em 2010, as regiões Centro Oeste e Nordeste alcançaram taxas semelhantes (Tabela 2).

Para as mulheres de cor preta, houve tendência de aumento das taxas de mortalidade por câncer de mama em todas as regiões, no período de dez anos. No Brasil, essa taxa bruta entre as mulheres pretas com mais de 50 anos era de 29,7 em 2000 e alcançou 40,4 ao final de 10 anos, com um crescimento de 36,0%. Considerando o número total de óbitos por câncer de mama nos anos de 2000 e 2010, observou-se aumento de 183,0% entre as mulheres de cor preta residentes na região Nordeste do país (Tabela 2).

A cor parda teve comportamento semelhante à cor preta, com maior crescimento nas regiões Nordeste (107,3%) e Norte (100,0%). Em relação às mulheres com mais de 50 anos que residiam na região Nordeste em 2010, as taxas de mortalidade entre as pretas e as pardas dobraram em 2010 (Tabela 2).

A raça indígena apresentou redução da taxa bruta de mortalidade em mulheres com mais de 50 anos, de 11,7/100.000 em 2000 para 4,6/100.000 em 2010. Do total de 10 óbitos em mulheres indígenas registrados em 2000, 8 ocorreram na região Sudeste. Em 2010, dos cinco óbitos registrados pelo SIM, três ocorreram na região Norte (Tabela 1).

Nas macrorregiões do país, com exceção das mulheres de cor amarela no ano 2000, as maiores taxas de mortalidade por câncer de mama foram observadas nas mulheres brancas e pretas das regiões Sul e Sudeste.

Discussão

A população brasileira, composta por várias etnias (brancas, negras e indígenas), apresenta variações geográficas significativas e constitui a quinta maior população mundial1414 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE [citado 2014 Dez 16]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/
http://www.ibge.gov.br/home/...
. Segundo o IBGE, a população brasileira apresenta a seguinte distribuição por cor: 48,2% branca, 6,9% preta, 44,2% parda e 0,7% amarela e indígena1515 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2010.. Atualmente, a maior concentração de população da cor preta está na região Nordeste (8,1%), sendo que na Bahia a população de cor preta chega a 16,8% e a de pardos, a 59,8%. Por outro lado, na região Sul, a população de pretos é de 3,6%, enquanto os brancos somam 78,5%1515 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2010..

A variável "raça/cor" foi introduzida pelo SIM em 1995 e, desde então, intensificou-se o interesse pela sua associação com as desigualdades na saúde brasileira. Porém, a coleta dessa informação ainda se mostra deficiente, pois o procedimento mais recomendado é a autoclassificação. Embora tenha ocorrido uma melhora dos serviços de informação em todo o território nacional, ainda existe elevada taxa de informações ignoradas ou não preenchidas1616 Felix JD, Zandonade E, Amorim MH, Castro DS. Avaliação da completude das variáveis epidemiológicas do Sistema de Informação sobre Mortalidade em mulheres com óbitos por câncer de mama na Região Sudeste - Brasil (1998 a 2007). Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(4):945-53..

Deve-se destacar que o alto grau de miscigenação entre as raças no Brasil, bem como o perfil de subjetividade na determinação de cor da pele6Parra FC, Amado RC, Lambertucci JR, Rocha J, Antunes CM, Pena SD. Color and genomic ancestry in Brazilians. Proc Natl Acad Sci U S A. 2003;100(1):177-82. , 1717 Leite TK, Fonseca RM, de França NM, Parra EJ, Pereira RW. Genomic ancestry, self-reported "color" and quantitative measures of skin pigmentation in Brazilian admixed siblings. PLoS One. 2011;6(11):e27162., também pode gerar viés na interpretação dos dados coletados. Nos Estados Unidos, onde a miscigenação racial é menos evidente, as mulheres brancas apresentam maior incidência de câncer de mama em comparação a outras raças e etnias. No entanto, as mulheres afro-americanas são mais propensas a morrer da doença. Essas disparidades resultam da oportunidade de acesso aos serviços de saúde e ao tratamento1010 Siegel R, Ward E, Brawley O, Jemal A. Cancer statistics, 2011: the impact of eliminating socioeconomic and racial disparities on premature cancer deaths. CA Cancer J Clin. 2011;61(4):212-36. , 1818 Jemal A, Center MM, DeSantis C, Ward EM. Global patterns of cancer incidence and mortality rates and trends. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2010;19(8):1893-907..

As taxas de mortalidade por câncer de mama, na população brasileira, têm apresentado variações geográficas em estudos nacionais, com tendência de estabilização na região Sudeste, de declínio na região Sul e de aumento nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste8Freitas-Junior R, Gonzaga CM, Freitas NM, Martins E, Dardes RC. Disparities in female breast cancer mortality rates in Brazil between 1980 and 2009. Clinics (Sao Paulo). 2012;67(7):731-7. , 1919 Kluthcovsky AC, Faria TN, Carneiro FH, Strona R. Female breast cancer mortality in Brazil and its regions. Rev Assoc Med Bras. 2014;60(4):387-93.. Foi observado que essas desigualdades estão associadas tanto ao índice de desenvolvimento humano quanto ao índice de exclusão social4Gonzaga CM, Freitas-Junior R, Curado MP, Sousa AL, Souza-Neto JA, Souza MR. Temporal trends in female breast cancer mortality in Brazil and correlations with social inequalities: ecological time-series study. BMC Public Health. 2015;15:96. . Outros fatores que podem estar relacionados incluem as taxas de cobertura mamográfica, o acesso aos serviços de saúde e a qualidade do tratamento oncológico8Freitas-Junior R, Gonzaga CM, Freitas NM, Martins E, Dardes RC. Disparities in female breast cancer mortality rates in Brazil between 1980 and 2009. Clinics (Sao Paulo). 2012;67(7):731-7. , 1919 Kluthcovsky AC, Faria TN, Carneiro FH, Strona R. Female breast cancer mortality in Brazil and its regions. Rev Assoc Med Bras. 2014;60(4):387-93.

20 Corrêa RS, Freitas-Júnior R, Peixoto JE, Rodrigues DC, Lemos ME, Marins LA, et al. Estimativas da cobertura mamográfica no Estado de Goiás, Brasil. Cad Saúde Pública. 2011;27(9):1757-67.
- 2121 Freitas-Junior R, Siqueira LB, Carrijo EN, Lacerda RP, Paulinelli RR, Rahal RM, et al. Variação temporal do tratamento cirúrgico do câncer de mama em um hospital universitário na região Centro-Oeste do Brasil. Rev Col Bras Cir. 2013;40(3):180-5.. Recentemente, foram observadas diferenças geográficas na distribuição dos subtipos moleculares do câncer de mama no Brasil5Carvalho FM, Bacchi LM, Pincerato KM, Van de Rijn M, Bacchi CE. Geographic differences in the distribution of molecular subtypes of breast cancer in Brazil. BMC Womens Health. 2014;14:102., sugerindo que fatores climáticos, nutricionais e étnicos também possam interferir em características específicas de biologia tumoral.

O acesso aos serviços de saúde no Brasil também apresenta variações entre as cidades no interior dos estados e as suas respectivas capitais, que traduzem disparidades nas taxas de mortalidade por câncer de mama em todo o país7Gonzaga CM, Freitas-Junior R, Souza MR, Curado MP, Freitas NM. Disparities in female breast cancer mortality rates between urban centers and rural areas of Brazil: ecological time-series study. Breast. 2014;23(2):180-7.. Entre as capitais, as tendências de crescimento ocorrem predominantemente nas regiões Norte e Nordeste. Na maioria do interior dos estados, a mortalidade continua aumentando, com exceção de algumas áreas no Sul. Uma das razões para essa disparidade pode ser o menor acesso ao tratamento para as pacientes que vivem no interior dos estados e na região Norte do Brasil7Gonzaga CM, Freitas-Junior R, Souza MR, Curado MP, Freitas NM. Disparities in female breast cancer mortality rates between urban centers and rural areas of Brazil: ecological time-series study. Breast. 2014;23(2):180-7.. Além disso, os registros de morte tendem a ser mais abrangentes nas capitais do país7Gonzaga CM, Freitas-Junior R, Souza MR, Curado MP, Freitas NM. Disparities in female breast cancer mortality rates between urban centers and rural areas of Brazil: ecological time-series study. Breast. 2014;23(2):180-7. , 2222 Oliveira PP, Silva GA, Curado MP, Malta DC, Moura L. Confiabilidade da causa básica de óbito por câncer entre Sistema de Informações sobre Mortalidade do Brasil e Registro de Câncer de Base Populacional de Goiânia, Goiás, Brasil. Cad Saúde Pública. 2014;30(2):296-304. , 2323 Schnitman A. Análise da fidedignidade da declaração da causa básica de morte por câncer em Salvador, Brasil. Rev Saúde Pública. 1990;24(6):490-6..

Entre as variações geográficas observadas no presente estudo, destacam-se as taxas de mortalidade bruta por câncer de mama observadas na Região Sudeste, possivelmente em decorrência da concentração populacional e da diversidade étnica dessa região do país1414 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE [citado 2014 Dez 16]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/
http://www.ibge.gov.br/home/...
, 1515 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2010.. Nas demais regiões, entre os anos de 2000 e de 2010, as taxas de mortalidade em relação à cor apresentaram padrões de evolução muito divergentes, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.

Uma hipótese para explicar essa divergência nas taxas de mortalidade por câncer de mama seria a variação regional em relação à qualidade das informações coletadas no SIM. Atualmente, consideram-se de maior confiabilidade as informações obtidas das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país2222 Oliveira PP, Silva GA, Curado MP, Malta DC, Moura L. Confiabilidade da causa básica de óbito por câncer entre Sistema de Informações sobre Mortalidade do Brasil e Registro de Câncer de Base Populacional de Goiânia, Goiás, Brasil. Cad Saúde Pública. 2014;30(2):296-304. , 2323 Schnitman A. Análise da fidedignidade da declaração da causa básica de morte por câncer em Salvador, Brasil. Rev Saúde Pública. 1990;24(6):490-6., o que poderia justificar alguns padrões não esclarecidos de evolução temporal. Entre as limitações identificáveis, o preenchimento inadequado das declarações de óbito poderia gerar oscilações nas estimativas de mortalidade devido a discordâncias entre o diagnóstico primário e a causa básica do óbito2222 Oliveira PP, Silva GA, Curado MP, Malta DC, Moura L. Confiabilidade da causa básica de óbito por câncer entre Sistema de Informações sobre Mortalidade do Brasil e Registro de Câncer de Base Populacional de Goiânia, Goiás, Brasil. Cad Saúde Pública. 2014;30(2):296-304. , 2323 Schnitman A. Análise da fidedignidade da declaração da causa básica de morte por câncer em Salvador, Brasil. Rev Saúde Pública. 1990;24(6):490-6.. Contudo, diante da baixa cobertura dos Registros de Câncer de Base Populacional, as informações do SIM representam uma importante base para a formulação de estratégias e políticas de saúde pública1616 Felix JD, Zandonade E, Amorim MH, Castro DS. Avaliação da completude das variáveis epidemiológicas do Sistema de Informação sobre Mortalidade em mulheres com óbitos por câncer de mama na Região Sudeste - Brasil (1998 a 2007). Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(4):945-53. , 2222 Oliveira PP, Silva GA, Curado MP, Malta DC, Moura L. Confiabilidade da causa básica de óbito por câncer entre Sistema de Informações sobre Mortalidade do Brasil e Registro de Câncer de Base Populacional de Goiânia, Goiás, Brasil. Cad Saúde Pública. 2014;30(2):296-304., as quais devem considerar as particularidades de cada região do país.

Entre os achados não esperados no presente estudo, destaca-se o aumento de aproximadamente 100% na mortalidade por câncer de mama entre mulheres brancas residentes no Nordeste, de 2000 para 2010. No mesmo período, porém, o aumento da população branca foi de apenas 10%. Ainda, observou-se aumento respectivo de 58% na população preta na mesma região, com aumento de 183% na mortalidade por câncer de mama. Esses resultados díspares podem eventualmente ter sido encontrados em decorrência de viés relacionado a metodologia de coleta de informações pelo IBGE referentes à cor ou, eventualmente, por melhorias no serviço de informações do SIM. Especificamente em relação ao SIM, observou-se em recente estudo uma elevada qualidade na geração dos dados para os tumores de maior prevalência2222 Oliveira PP, Silva GA, Curado MP, Malta DC, Moura L. Confiabilidade da causa básica de óbito por câncer entre Sistema de Informações sobre Mortalidade do Brasil e Registro de Câncer de Base Populacional de Goiânia, Goiás, Brasil. Cad Saúde Pública. 2014;30(2):296-304.. Entretanto, em situações de baixa prevalência, pode haver maior possibilidade de viés2222 Oliveira PP, Silva GA, Curado MP, Malta DC, Moura L. Confiabilidade da causa básica de óbito por câncer entre Sistema de Informações sobre Mortalidade do Brasil e Registro de Câncer de Base Populacional de Goiânia, Goiás, Brasil. Cad Saúde Pública. 2014;30(2):296-304., como possivelmente tenha ocorrido em algumas populações no presente trabalho, incluindo a população indígena.

Nos últimos anos, reduziu-se o impacto do fator migratório nas taxas de mortalidade em decorrência de legislações, normatizações e avanços na rede do Sistema Único de Saúde (SUS)2424 Atun R, de Andrade LO, Almeida G, Cotlear D, Dmytraczenko T, Frenz P, et al. Health-system reform and universal health coverage in Latin America. Lancet. 2015;385(9974):1230-47., o que também pode ter contribuído para o aumento da mortalidade nas regiões Norte e Nordeste. Sabe-se que as pacientes migravam dos estados com piores condições de saúde para aqueles com uma rede pública de saúde desenvolvida e consolidada2525 Santos NR. The evolution of the Brazilian National Health System, strategic courses of action and strategies to understand these actions. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(2):429-35., o que pode alterar as taxas de sobrevida e de mortalidade nas avaliações por subgrupo de regiões geográficas.

As taxas de mortalidade por câncer de mama apresentam variações étnicas e geográficas, com destaque para mulheres de cor branca e amarela e idade superior a 50 anos. Entretanto, não se pode excluir a possibilidade de que grandes variações tenham ocorrido em decorrência de melhoria na qualidade da informação sobre a mortalidade no país. Os resultados observados no presente estudo podem contribuir para o desenvolvimento e a efetivação de estratégias específicas para o controle da doença, as quais devem respeitar o perfil populacional de cada região, além da consolidação da informação de óbitos no país.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa concedida a Carolina Maciel Reis Gonzaga.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2015
  • Aceito
    24 Jun 2015
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