Acessibilidade / Reportar erro

Relação entre a contagem de eritroblastos no sangue do cordão umbilical e os resultados obstétricos e neonatais em fetos pequenos para a idade gestacional e com Doppler de artéria umbilical normal

Relation between nucleated red blood cell count in umbilical cord and the obstetric and neonatal outcomes in small for gestational age fetuses and with normal dopplervelocimetry of umbilical artery

Resumos

OBJETIVO:

Avaliar resultados obstétricos e neonatais em gestantes com fetos pequenos para a idade gestacional após 35 semanas segundo a contagem de eritroblastos (EB) no sangue de cordão umbilical.

MÉTODOS:

A contagem de EB por 100 leucócitos no sangue do cordão umbilical foi obtida de 61 gestantes com fetos pequenos para a idade gestacional e Doppler umbilical normal. Estas foram divididas em 2 grupos: EB≥10 (grupo estudo, n=18) e EB<10 (grupo controle, n=43). Resultados obstétricos e neonatais foram comparados entre os grupos. Para a análise estatística, foram utilizados teste do χ2e t de Student, com nível de significância adotado de 5%.

RESULTADOS:

A média±desvio padrão de EB por 100 leucócitos foi de 25,0±13,5 para o grupo estudo e de 3,9±2,2 para o grupo controle. Os grupos EB≥10 e EB<10 não diferiram estatisticamente em relação à idade materna (24,0 versus 26,0 anos), primiparidade (55,8 versus 50%), comorbidades (39,5 versus 55,6%) e idade gestacional no parto (37,4 versus 37,0 semanas). O grupo EB≥10 apresentou maior taxa de cesárea (83,3 versus 48,8%, p=0,02), sofrimento fetal (60 versus 0%, p<0,001) e pH<7,20 (42,9 versus 11,8%, p<0,001). O peso de nascimento e o percentil de peso para a idade gestacional foram significativamente menores no grupo EB≥10 (2.013 versus 2.309 g; p<0,001 e 3,8 versus 5,1; p=0,004; respectivamente). Não houve nenhum caso de Apgar de 5º minuto abaixo de 7.

CONCLUSÃO:

A contagem de EB acima de 10 por 100 leucócitos no sangue do cordão umbilical foi capaz de identificar maior risco de parto cesárea, sofrimento fetal e acidose de nascimento em fetos pequenos para a idade gestacional com dopplervelocimetria de artéria umbilical normal.

Retardo do crescimento fetal; Peso fetal; Técnicas de diagnóstico obstétrico e ginecológico; Ultrassonografia pré-natal; Testes de função placentária; Monitorização fetal; Contagem de eritrócitos; Hipóxia fetal


PURPOSE:

To analyze the obstetrical and neonatal outcomes of pregnancies with small for gestation age fetuses after 35 weeks based on umbilical cord nucleated red blood cells count (NRBC).

METHODS:

NRBC per 100 white blood cells were analyzed in 61 pregnancies with small for gestation age fetuses and normal Doppler findings for the umbilical artery. The pregnancies were assigned to 2 groups: NRBC≥10 (study group, n=18) and NRBC<10 (control group, n=43). Obstetrical and neonatal outcomes were compared between these groups. The χ2 test or Student's t-test was applied for statistical analysis. The level of significance was set at 5%.

RESULTS:

The mean±standard deviation for NRBC per 100 white blood cells was 25.0±13.5 for the study group and 3.9±2.2 for the control group. The NRBC≥10 group and NRBC<10 group were not significantly different in relation to maternal age (24.0 versus 26.0), primiparity (55.8 versus 50%), comorbidities (39.5 versus55.6%) and gestational age at birth (37.4 versus 37.0 weeks). The NRBC≥10 group showed higher rate of caesarean delivery (83.3 versus 48.8%, p=0.02), fetal distress (60 versus 0%, p<0.001) and pH<7.20 (42.9 versus 11.8%, p<0.001). The birth weight and percentile of birth weight for gestational age were significantly lower on NRBC≥10 group (2,013 versus 2,309 g; p<0.001 and 3.8 versus 5.1; p=0.004; respectively). There was no case described of 5th minute Apgar score below 7.

CONCLUSION:

An NRBC higher than 10 per 100 white blood cells in umbilical cord was able to identify higher risk for caesarean delivery, fetal distress and acidosis on birth in small for gestational age fetuses with normal Doppler findings.

Fetal growth retardation; Fetal weight; Diagnostic techniques, obstetrical and gynecological; Ultrasonography, prenatal; Placental function tests; Fetal monitoring; Erythrocyte count; Fetal hypoxia


Introdução

Os recém-nascidos (RN) com restrição de crescimento fetal (RCF) apresentam taxa de mortalidade de duas a quatro vezes maior quando comparados a RN com peso adequado para a idade gestacional1Flamant C, Gascoin G. [Short-term outcome and small for gestational age newborn management]. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 2013;42(8):985-95. French. . Aproximadamente 50% de todos os óbitos fetais apresentam RCF2Unterscheider J, O'Donoghue K, Daly S, Geary MP, Kennelly MM, McAuliffe FM, et al. Fetal growth restriction and the risk of perinatal mortality-case studies from the multicentre PORTO study. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14:63.. No entanto, quando a RCF é identificada e esses fetos são monitorados, há diminuição do risco de morte intrauterina, assim como da taxa de complicações neonatais3Chauhan S, Beydoun H, Chang E, Sandlin AT, Dahlke JD, Igwe E, et al. Prenatal detection of fetal growth restriction in newborns classified as small for gestational age: correlates and risk of neonatal morbidity. Am J Perinatol. 2014;31(3):187-94. , 4American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG Practice bulletin no. 134: fetal growth restriction. Obstet Gynecol. 2013;121(5):1122-33..

A ultrassonografia obstétrica, nos dias atuais, representa o principal instrumento de detecção dos desvios do crescimento fetal durante a gravidez5Kayem G, Grangé G, Bréart G, Goffinet F. Comparison of fundal height measurement and sonographically measured fetal abdominal circumference in the prediction of high and low birth weight at term. Ultrasound Obstet Gynecol. 2009;34(5):566-71. , 6Nahum GG, Stanislaw H. Ultrasonographic prediction of term birth weight: how accurate is it? Am J Obstet Gynecol. 2003;188(2):566-74. . Considera-se a suspeita de RCF quando o peso estimado do feto pela ultrassonografia é inferior ao percentil 10 para a idade gestacional. Em virtude dos inúmeros fatores epidemiológicos que podem influenciar o peso fetal, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que cada população tenha a sua própria curva de crescimento7Nahum GG, Stanislaw H. Validation of a birth weight prediction equation based on maternal characteristics. J Reprod Med. 2002;47(9):752-60. , 8Gardosi J, Francis A. Controlled trial of fundal height measurement plotted on customised antenatal growth charts. Br J Obstet Gynaecol. 1999;106(4):309-17.. No Brasil, a curva mais utilizada na maioria dos serviços de excelência é a curva de Hadlock et al.9Hadlock FP, Harrist RB, Martinez-Poyer J. In utero analysis of fetal growth: a sonographic weight standard. Radiology. 1991;181(1):129-33..

Entretanto, alguns estudos mostram que 25 a 60% de RN classificados como tendo RCF na verdade apresentavam crescimento normal quando eram considerados parâmetros relacionados ao grupo étnico, paridade, peso e estatura materna e poderiam, portanto, ser considerados pequenos devido a fatores constitucionais1010 Ego A. [Definitions: small for gestational age and intrauterine growth retardation]. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 2013;42(8):872-94. French. , 1111 Gardosi J. Customized charts and their role in identifying pregnancies at risk because of fetal growth restriction. J Obstet Gynaecol Can. 2014;36(5):408-15.. As alterações decorrentes da hipóxia nos fetos portadores de RCF podem ser avaliadas através da contagem de eritroblastos no sangue fetal e da dopplervelocimetria feto-placentária e fetal (circulação arterial e venosa).

A associação entre dopplervelocimetria da artéria umbilical anormal e ducto venoso alterado com hipoxemia e acidemia em fetos com RCF foi documentada através de cordocentese1212 Bilardo CM, Nicolaides KH, Campbell S. Doppler measurements of fetal and uteroplacental circulations: relationship with umbilical venous blood gases measured at cordocentesis. Am J Obstet Gynecol. 1990;162(1):115-20. , 1313 Weiner CP, Williamson RA. Evaluation of severe growth retardation using cordocentesis - hematologic and metabolic alterations by etiology. Obstet Gynecol. 1989;73(2):225-9.. Também há relatos relacionados a dopplervelocimetria arterial e venosa anormal com o aumento do número de eritroblastos (EB) no sangue de RN com RCF1414 Baschat AA, Gembruch U, Reiss I, Gortner L, Harmann CR, Weiner CP. Neonatal nucleated red blood cell counts in growth-restricted fetuses: relationship to arterial and venous Doppler studies. Am J Obstet Gynecol. 1999;181(1):190-5. , 1515 Bernstein PS, Minior VK, Divon MY. Neonatal nucleated red blood cell counts in small-for-gestational age fetuses with abnormal umbilical artery Doppler studies. Am J Obstet Gynecol. 1997;177(5):1079-84.. Em 2009, um estudo do nosso centro demonstrou correlação positiva e negativa entre a contagem de EB, leucócitos e plaquetas com a dopplervelocimetria umbilical, de artéria cerebral média e ducto venoso em casos de RCF1616 Martinelli S, Francisco RP, Bittar RE, Zugaib M. Hematological indices at birth in relation to arterial and venous Doppler in small-for-gestational-age fetuses. Acta Obstet Gynecol Scand. 2009;88(8):888-93. .

Os EB são eritrócitos imaturos e estão presentes em número variável no sangue dos neonatos. A produção das células vermelhas no sangue depende do nível sérico de eritropoietina, que não ultrapassa a barreira fetoplacentária. Elevadas concentrações de eritropoetina no sangue fetal, portanto, refletem hipoxemia de origem fetal1717 Saraçoglu F, Sahin I, Eser E, Göl K, Türkkani B. Nucleated red blood cells as a marker in acute and chronic fetal asphyxia. Int J Gynaecol Obstet. 2000;71(2):113-8.

18 Ferber A, Fridel Z, Weissmann-Brenner A, Minior VK, Divon MY. Are elevated fetal nucleated red blood cell counts an indirect reflection of enhanced erythropoietin activity? Am J Obstet Gynecol. 2004;190(5):1473-5.
- 1919 Li J, Kobata K, Kamei Y, Okazaki Y, Nishihara M, Wada H, et al. Nucleated red blood cell counts: an early predictor of brain injury and 2-year outcome in neonates with hypoxic-ischemic encephalopathy in the era of cooling-based treatment. Brain Dev. 2014;36(6):472-8.. Está descrito que fatores como: diabetes mellitus materno, tabagismo, prematuridade, corioamnionite, RCF, pré-eclâmpsia e aloimunização estão relacionados com a elevação da contagem de EB no sangue fetal2020 Perri T, Ferber A, Digli A, Rabizadeh E, Weissmann-Brenner A, Divon MY. Nucleated red blood cells in uncomplicated prolonged pregnancy. Obstet Gynecol. 2004;104(2):372-6.. Ainda não se definiu se a contagem de EB é útil para determinar o intervalo de tempo de uma lesão causada por hipóxia no período intraparto2121 Goel M, Dwivedi R, Gohiya P, Hegde D. Nucleated red blood cell in cord blood as a marker of perinatal asphyxia. J Clin Neonatol. 2013;2(4):179-82..

Vários autores relataram que a RCF está associada ao aumento de EB no sangue fetal2222 Philip AG, Tito AM. Increased nucleated red blood cell counts in small for gestational age infants with very low birth weight. Am J Dis Child. 1989;143(2):164-9. , 2323 Soothill PW, Nicolaides KH, Campbell S. Prenatal asphyxia, hyperlacticaemia, hypoglycemia and erythroblastosis in growth retarded fetuses. Br Med J (Clin Res Ed). 1987;294(6579):1051-3.. O número médio de EB no sangue de RN de termo saudáveis nas primeiras horas de vida é variável, mas, em geral, são encontradas 500 EB por mm3 Chauhan S, Beydoun H, Chang E, Sandlin AT, Dahlke JD, Igwe E, et al. Prenatal detection of fetal growth restriction in newborns classified as small for gestational age: correlates and risk of neonatal morbidity. Am J Perinatol. 2014;31(3):187-94.e um valor superior a 1.000 EB por mm3Chauhan S, Beydoun H, Chang E, Sandlin AT, Dahlke JD, Igwe E, et al. Prenatal detection of fetal growth restriction in newborns classified as small for gestational age: correlates and risk of neonatal morbidity. Am J Perinatol. 2014;31(3):187-94. pode ser considerado elevado. Também podemos considerar típicos valores de 0 a 10 EB por 100 leucócitos, e contagens superiores de 10 a 20 EB por 100 leucócitos também são consideradas anormais2424 Hermansen MC. Nucleated red blood cells in the fetus and newborn. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2001;84(3):F211-5. , 2525 Ghosh B, Mittal S, Kumar S, Dadhwal V. Prediction of perinatal asphyxia with nucleated red blood cells in cord blood of newborns. Int J Gynaecol Obstet. 2003;81(3):267-71..

Um grande desafio nos dias atuais consiste em diferenciar os fetos pequenos constitucionais dos restritos de início tardio. Apesar de o Doppler da artéria umbilical ser normal em ambos os casos, nas formas tardias de RCF outros parâmetros podem estar associados a resultados perinatais adversos. Dentre eles, destacam-se alterações do Doppler da artéria cerebral média (ACM) e da relação cérebro-placentária (RCP). A contagem aumentada de EB no sangue de cordão umbilical, por traduzir hipóxia fetal crônica, pode ter papel importante nessa diferenciação.

Por essa razão, neste estudo, tivemos por objetivo correlacionar a contagem de EB por 100 leucócitos no sangue do cordão umbilical com os resultados perinatais em fetos com RCF e Doppler umbilical normal.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal retrospectivo realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). A contagem de EB por 100 leucócitos no sangue do cordão umbilical foi obtida de gestantes após 35 semanas com fetos pequenos para a idade gestacional e Doppler umbilical normal, entre julho de 2003 e julho de 2006.

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do HCFMUSP. O presente estudo não recebeu suporte financeiro, equipamentos ou medicamentos de nenhuma outra instituição e não há conflitos de interesse.

Foram incluídas gestações únicas com idade gestacional bem estabelecida, com parto após a 35ª semana e fetos com peso de nascimento abaixo do percentil 10 e com ausência de malformações. Em todos os casos, em até 72 horas antes do nascimento, o índice de pulsatilidade da artéria umbilical encontrava-se normal.

Foram excluídos casos de gestantes que apresentavam: doença renal, diabetes mellitus, gestação múltipla, evidência de corioamnionite, intercorrências obstétricas - placenta prévia e descolamento prematuro de placenta, bem como casos de RN que apresentavam infecções congênitas.

A idade gestacional levou em conta a data da última menstruação (DUM), compatível com a ultrassonografia obstétrica realizada até a 12ª semana, ou pelo menos 2 ultrassonografias concordantes até a 20ª semana.

O peso fetal estimado pela ultrassonografia foi calculado pela fórmula de Hadlock et al.9Hadlock FP, Harrist RB, Martinez-Poyer J. In utero analysis of fetal growth: a sonographic weight standard. Radiology. 1991;181(1):129-33., levando em conta medidas do diâmetro biparietal (DBP), circunferência cefálica (CC), circunferência abdominal (CA) e comprimento do fêmur (F). A curva utilizada para o diagnóstico pós-natal de RCF foi a de Alexander et al.2626 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obstet Gynecol. 1996;87(2):163-8..

A artéria umbilical foi insonada próximo à inserção placentária, obtendo-se o índice de pulsatilidade (IP) que, posteriormente, foi classificado utilizando-se a curva de normalidade de Arduini e Rizzo2727 Arduini D, Rizzo G. Normal values for pulsatility index from fetal vessels: a cross-sectional study on 1556 healthy fetuses. J Perinat Med. 1990;18(3):165-72., sendo considerado normal quando abaixo do percentil 95 para a idade gestacional correspondente.

O sangue do cordão umbilical foi encaminhado ao Laboratório Central do HCFMUSP para análise hematológica e gasométrica. Após a contagem automática das células sanguíneas, foi preparado um esfregaço do mesmo material, corado (coloração Wright) e submetido à contagem manual de EB fetais por técnicos de laboratórios treinados. Foram contados EB por 100 leucócitos.

Foram selecionadas, segundo os critérios citados, 61 gestantes, divididas em 2 grupos. No grupo estudo (EB≥10), foram incluídas 18 pacientes com mais de 10 EB por 100 leucócitos. No grupo controle (EB<10), foram incluídas 43 pacientes com 10 ou menos EB por 100 leucócitos.

As informações foram obtidas do banco de dados de registro das pacientes do Ambulatório de Baixo Peso Fetal, por meio de software próprio (Microsoft(r) Access 2007). Foram analisados os seguintes dados antes do parto: doenças maternas associadas e dopplervelocimetria de artérias umbilicais (índice de pulsatilidade). Foi também analisada via de parto (vaginal ou cesárea) e sua indicação. E, após o parto, foram analisados também dados do recém-nascido, tais como: idade gestacional (semanas), peso (gramas), percentil de nascimento, sexo (masculino ou feminino), Apgar de 5º minuto (≥7 ou <7) e gasometria arterial de cordão umbilical. As variáveis analisadas na gasometria de cordão foram: pH, pressão parcial de oxigênio (pO2), pressão parcial de dióxido de carbono (pCO2), bicarbonato, excesso de bases e saturação de oxigênio, contagem de EB por 100 leucócitos no sangue da artéria umbilical, hemoglobina, hematócrito, número de leucócitos (x1.000) e plaquetas (x1.000). E, finalmente, após o parto, os seguintes dados neonatais foram coletados, tais como: hipoglicemia, hipocalcemia, necessidade de intubação orotraqueal, necessidade de internação em unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal, dias de internação no berçário e óbito neonatal.

Os dados foram analisados utilizando-se o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20 (IBM SPSS Statistics). Os resultados obtidos no estudo foram divididos em variáveis categóricas e contínuas para análise. As variáveis categóricas foram analisadas descritivamente, calculando-se frequências absolutas e relativas. Para análise das variáveis contínuas, os resultados foram expressos em médias, medianas, desvios padrão, frequências absolutas e relativas. Para comparação entre proporções, foi aplicado o teste do χ2 e, quando pertinente, o teste t de Student. O nível de significância foi estabelecido em p<0,05 para todos os testes.

Resultados

A média de EB por 100 leucócitos foi de 25,0±13,5 para o grupo estudo e de 3,9±2,2 para o grupo controle. Os grupos EB≥10 e EB<10 não diferiram estatisticamente em relação à idade materna (24,0 versus 26,0 anos; p=0,46), primiparidade (55,8 versus 50%; p=0,32), comorbidades (39,5 versus 55,6%; p=0,25) e idade gestacional no parto (37,4 versus 37,0 semanas; p=0,78).

A taxa de cesárea no grupo EB≥10 foi de 83,3%, enquanto que, no grupo EB<10, essa taxa foi de 48,8%, manteve-se alta; no entanto, foi significativamente menor do que no grupo EB≥10 (p=0,02). A principal indicação de cesárea no grupo EB≥10 foi sofrimento fetal, compreendendo 60% dos casos (9/15). No grupo EB<10, não houve indicação de cesárea devido a sofrimento fetal (p<0,001). As principais indicações de cesárea nesse grupo foram: distocia funcional, falha de indução, contraindicação para indução, iteratividade e apresentação pélvica.

Foram avaliados por meio da coleta de sangue de cordão umbilical e comparados entre os grupos a média e os valores mínimo e máximo das seguintes variáveis: EB por 100 leucócitos, pH, pO2, pCO2, bicarbonato, excesso de bases, dióxido de enxofre (SO2), hemoglobina, hematócrito, leucócitos e plaquetas, conforme demonstra a Tabela 1. Os grupos mostram-se estatisticamente diferentes apenas quanto ao pH do sangue arterial <7,20. No grupo estudo, 42,9% dos RN apresentaram pH<7,20, indicando, portanto, acidemia, enquanto que, no grupo controle, apenas 11,8% dos RN tiveram pH<7,20 (p<0,001).

Tabela 1.
Distribuição das variáveis analisadas no sangue do cordão umbilical encontradas nos dois grupos

O peso de nascimento no grupo EB≥10 variou de 1.150 a 2.620 g, com média de 2.013±393,4 g, e o percentil variou de 3 a 8, com média de 3,84±1,6. Já no grupo EB<10, a média do peso ao nascimento foi de 2.309±248,9 g (1.710-2.700 g), e a média do percentil foi de 5,1±2,4 (3-9). Portanto, houve diferença estatística entre os grupos quanto ao peso de nascimento (p<0,001) e percentil (p=0,004), respectivamente. Não houve diferença estatística quanto ao sexo dos RN.

No presente estudo, nenhum dos 61 RN avaliados obteve Apgar de 5º minuto abaixo de 7, assim como não foram descritos casos de hipoglicemia ou hipocalcemia neonatal, intubação orotraqueal e óbito neonatal. No grupo EB≥10, houve 2 casos de internação em UTI neonatal, enquanto que, no grupo EB<10, houve apenas 1 caso.

Discussão

As formas tardias de RCF cursam em geral com maior morbidade perinatal quando comparadas ao pequeno constitucional, mesmo quando apresentam dopplervelocimetria de artéria umbilical dentro da normalidade. Apesar de muitos estudos terem sido realizados nos últimos anos com o objetivo de diferenciá-los, ainda não há consenso na literatura sobre qual seria o melhor método. Dentre os marcadores mais estudados, destacam-se alterações de Doppler da ACM, da RCP e das artérias uterinas. A contagem aumentada de EB no sangue de cordão umbilical, por traduzir hipóxia fetal, também pode ter papel relevante nessa diferenciação.

Há vários estudos na literatura com objetivo de correlacionar o aumento da contagem de EB com alterações de dopplervelocimetria de artérias umbilicais ou com a RCF. Minior et al.2828 Minior VK, Shatzkin E, Divon MY. Nucleated red blood cell count in the differentiation of fetuses with pathologic growth restriction from healthy small-for-gestational-age fetuses. Am J Obstet Gynecol. 2000;182(5):1107-9. analisaram 194 RN adequados para a idade gestacional (AIG) e 43 RN pequenos para a idade gestacional (PIG) e os compararam quanto aos resultados perinatais e a contagem de EB. Os RN PIG com contagem de EB normal tinham resultados perinatais semelhantes aos RN AIG. Por outro lado, os RN PIG com contagem de EB elevada apresentaram maior acidemia e taxa de intubação orotraqueal. Concluiu-se que a contagem de EB poderia diferenciar os fetos com RCF dos fetos pequenos constitucionais. No entanto, até o momento, não encontramos na literatura estudo que tivesse objetivo de avaliar os resultados obstétricos e neonatais baseados na contagem de EB em fetos com dopplervelocimetria umbilical normal.

A presença de hipóxia tecidual resulta em estímulos para a produção de eritropetina tanto no feto como no adulto2929 Teramo KA, Widness JA. Increased fetal plasma and amniotic fluid erythropoietin concentrations: markers of intrauterine hypoxia. Neonatology. 2009;95(2):105-16.. A eritropetina não ultrapassa a barreira placentária, levando à produção aumentada de EB no feto. O presente estudo demonstrou que a presença de mais de 10 EB por 100 leucócitos no sangue do cordão umbilical se associou com menor peso e percentil de nascimento e com acidemia (pH<7,20). Na mesma linha, um estudo com seguimento de 176 RN por 1 semana demonstrou forte correlação entre a contagem aumentada de EB e a idade gestacional, o peso de nascimento e o pH do cordão umbilical3030 Axt-Fliedner R, Hendrik HJ, Schmidt W. Nucleated red blood cell counts in growth-restricted neonates with absent or reversed-end-diastolic umbilical artery velocity. Clin Exp Obstet Gynecol. 2002;29(4):242-6.. Em outro estudo, incluiu 91 fetos subdivididos em 2 grupos com base na presença ou não de asfixia intraparto. A contagem de EB demonstrou ter boa associação com acidemia, gravidade da asfixia e pior prognóstico neonatal. Os autores concluíram que o número de EB poderia ser utilizado como marcador de severidade da asfixia e como preditor de complicações neonatais3030 Axt-Fliedner R, Hendrik HJ, Schmidt W. Nucleated red blood cell counts in growth-restricted neonates with absent or reversed-end-diastolic umbilical artery velocity. Clin Exp Obstet Gynecol. 2002;29(4):242-6..

A taxa de cesárea encontrada no grupo EB≥10 foi maior quando comparado ao grupo EB<10. Quanto ao impacto da via de parto, um estudo comparou 33 RN de cesariana eletiva com 24 RN de parto vaginal sem complicações. A média de EB por 100 leucócitos encontrada no primeiro grupo foi de 7,8±7,4 e, no segundo, de 9,5±10,5, não havendo diferença entre os grupos. Não houve influência, portanto, do tipo de parto sobre a taxa de EB, desde que outras condições não estivessem associadas. Nosso estudo teve como indicação sofrimento fetal no grupo EB≥10 em 60% dos casos, o que justifica o maior número de cesarianas.

Axt-Fliedner et al.3030 Axt-Fliedner R, Hendrik HJ, Schmidt W. Nucleated red blood cell counts in growth-restricted neonates with absent or reversed-end-diastolic umbilical artery velocity. Clin Exp Obstet Gynecol. 2002;29(4):242-6. analisaram 77 fetos com RCF e alteração de dopplervelocimetria umbilical. Esses fetos foram divididos em três grupos, de acordo com o último exame de doppler umbilical antes do parto: grupo com aumento do IP, grupo com diástole zero e grupo com diástole reversa. Os resultados obtidos demonstraram que houve elevação significativa da contagem de EB por 100 leucócitos no grupo com diástole zero (média: 65 EB/100 leucócitos) e no grupo com diástole reversa (média: 144 EB/100 leucócitos) quando comparados ao grupo com aumento de IP (média: 22 EB/100 leucócitos). Além disso, houve três óbitos neonatais no grupo com diástole reversa e um óbito no grupo com diástole zero. O estudo concluiu que o número de EB pode ser uma ferramenta importante na detecção de fetos metabolicamente comprometidos.

No presente estudo, a contagem de EB acima de 10 por 100 leucócitos demonstrou ser útil para detectar maior risco de parto cesárea, sofrimento fetal e acidose de nascimento em fetos pequenos para a idade gestacional de mais de 35 semanas e dopplervelocimetria umbilical normal.

Referências

  • 1
    Flamant C, Gascoin G. [Short-term outcome and small for gestational age newborn management]. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 2013;42(8):985-95. French.
  • 2
    Unterscheider J, O'Donoghue K, Daly S, Geary MP, Kennelly MM, McAuliffe FM, et al. Fetal growth restriction and the risk of perinatal mortality-case studies from the multicentre PORTO study. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14:63.
  • 3
    Chauhan S, Beydoun H, Chang E, Sandlin AT, Dahlke JD, Igwe E, et al. Prenatal detection of fetal growth restriction in newborns classified as small for gestational age: correlates and risk of neonatal morbidity. Am J Perinatol. 2014;31(3):187-94.
  • 4
    American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG Practice bulletin no. 134: fetal growth restriction. Obstet Gynecol. 2013;121(5):1122-33.
  • 5
    Kayem G, Grangé G, Bréart G, Goffinet F. Comparison of fundal height measurement and sonographically measured fetal abdominal circumference in the prediction of high and low birth weight at term. Ultrasound Obstet Gynecol. 2009;34(5):566-71.
  • 6
    Nahum GG, Stanislaw H. Ultrasonographic prediction of term birth weight: how accurate is it? Am J Obstet Gynecol. 2003;188(2):566-74.
  • 7
    Nahum GG, Stanislaw H. Validation of a birth weight prediction equation based on maternal characteristics. J Reprod Med. 2002;47(9):752-60.
  • 8
    Gardosi J, Francis A. Controlled trial of fundal height measurement plotted on customised antenatal growth charts. Br J Obstet Gynaecol. 1999;106(4):309-17.
  • 9
    Hadlock FP, Harrist RB, Martinez-Poyer J. In utero analysis of fetal growth: a sonographic weight standard. Radiology. 1991;181(1):129-33.
  • 10
    Ego A. [Definitions: small for gestational age and intrauterine growth retardation]. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 2013;42(8):872-94. French.
  • 11
    Gardosi J. Customized charts and their role in identifying pregnancies at risk because of fetal growth restriction. J Obstet Gynaecol Can. 2014;36(5):408-15.
  • 12
    Bilardo CM, Nicolaides KH, Campbell S. Doppler measurements of fetal and uteroplacental circulations: relationship with umbilical venous blood gases measured at cordocentesis. Am J Obstet Gynecol. 1990;162(1):115-20.
  • 13
    Weiner CP, Williamson RA. Evaluation of severe growth retardation using cordocentesis - hematologic and metabolic alterations by etiology. Obstet Gynecol. 1989;73(2):225-9.
  • 14
    Baschat AA, Gembruch U, Reiss I, Gortner L, Harmann CR, Weiner CP. Neonatal nucleated red blood cell counts in growth-restricted fetuses: relationship to arterial and venous Doppler studies. Am J Obstet Gynecol. 1999;181(1):190-5.
  • 15
    Bernstein PS, Minior VK, Divon MY. Neonatal nucleated red blood cell counts in small-for-gestational age fetuses with abnormal umbilical artery Doppler studies. Am J Obstet Gynecol. 1997;177(5):1079-84.
  • 16
    Martinelli S, Francisco RP, Bittar RE, Zugaib M. Hematological indices at birth in relation to arterial and venous Doppler in small-for-gestational-age fetuses. Acta Obstet Gynecol Scand. 2009;88(8):888-93.
  • 17
    Saraçoglu F, Sahin I, Eser E, Göl K, Türkkani B. Nucleated red blood cells as a marker in acute and chronic fetal asphyxia. Int J Gynaecol Obstet. 2000;71(2):113-8.
  • 18
    Ferber A, Fridel Z, Weissmann-Brenner A, Minior VK, Divon MY. Are elevated fetal nucleated red blood cell counts an indirect reflection of enhanced erythropoietin activity? Am J Obstet Gynecol. 2004;190(5):1473-5.
  • 19
    Li J, Kobata K, Kamei Y, Okazaki Y, Nishihara M, Wada H, et al. Nucleated red blood cell counts: an early predictor of brain injury and 2-year outcome in neonates with hypoxic-ischemic encephalopathy in the era of cooling-based treatment. Brain Dev. 2014;36(6):472-8.
  • 20
    Perri T, Ferber A, Digli A, Rabizadeh E, Weissmann-Brenner A, Divon MY. Nucleated red blood cells in uncomplicated prolonged pregnancy. Obstet Gynecol. 2004;104(2):372-6.
  • 21
    Goel M, Dwivedi R, Gohiya P, Hegde D. Nucleated red blood cell in cord blood as a marker of perinatal asphyxia. J Clin Neonatol. 2013;2(4):179-82.
  • 22
    Philip AG, Tito AM. Increased nucleated red blood cell counts in small for gestational age infants with very low birth weight. Am J Dis Child. 1989;143(2):164-9.
  • 23
    Soothill PW, Nicolaides KH, Campbell S. Prenatal asphyxia, hyperlacticaemia, hypoglycemia and erythroblastosis in growth retarded fetuses. Br Med J (Clin Res Ed). 1987;294(6579):1051-3.
  • 24
    Hermansen MC. Nucleated red blood cells in the fetus and newborn. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2001;84(3):F211-5.
  • 25
    Ghosh B, Mittal S, Kumar S, Dadhwal V. Prediction of perinatal asphyxia with nucleated red blood cells in cord blood of newborns. Int J Gynaecol Obstet. 2003;81(3):267-71.
  • 26
    Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obstet Gynecol. 1996;87(2):163-8.
  • 27
    Arduini D, Rizzo G. Normal values for pulsatility index from fetal vessels: a cross-sectional study on 1556 healthy fetuses. J Perinat Med. 1990;18(3):165-72.
  • 28
    Minior VK, Shatzkin E, Divon MY. Nucleated red blood cell count in the differentiation of fetuses with pathologic growth restriction from healthy small-for-gestational-age fetuses. Am J Obstet Gynecol. 2000;182(5):1107-9.
  • 29
    Teramo KA, Widness JA. Increased fetal plasma and amniotic fluid erythropoietin concentrations: markers of intrauterine hypoxia. Neonatology. 2009;95(2):105-16.
  • 30
    Axt-Fliedner R, Hendrik HJ, Schmidt W. Nucleated red blood cell counts in growth-restricted neonates with absent or reversed-end-diastolic umbilical artery velocity. Clin Exp Obstet Gynecol. 2002;29(4):242-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Ago 2015
  • Data do Fascículo
    Out 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2015
  • Aceito
    01 Jun 2015
Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br