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Tradução, adaptação e validação da versão brasileira do questionário Utian Quality of Life para avaliação da qualidade de vida no climatério

Translation, adaptation and validation of the Brazilian version of the Utian Quality of Life for evaluation of quality of life in the climacteric

Resumos

OBJETIVO

Traduzir, realizar a equivalência e validar o questionário Utian Quality of Life (UQOL) para a população brasileira.

MÉTODOS

Participaram do estudo mulheres selecionadas aleatoriamente, na fase do climatério, residentes na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, localizada na região do nordeste brasileiro. Foram utilizados os questionários UQOL e SF-36, sendo a fase da tradução realizada da língua inglesa para o português por três professores, enquanto que a fase de adaptação da versão traduzida foi feita através da aplicação do questionário a 35 mulheres, que poderiam marcar a opção de resposta "não compreendi a questão"; e para a validação foram usadas as medidas de reprodutibilidade (teste-reteste) e validade de construto, seguindo as normas metodológicas padronizadas internacionalmente

RESULTADOS

A versão brasileira foi reconhecida plenamente pela população-alvo, que foi composta por 151 mulheres, devido a nenhuma questão apresentar percentual de "não compreensão" igual ou superior a 20%. Os resultados obtidos para a reprodutibilidade intra e interobservador demonstraram concordância significativa em todos os itens do questionário. Essa versão apresentou consistência acima do critério requerido (>70), demonstrando sua precisão, enquanto que a validade de construto foi obtida através de correlações estatisticamente significativas entre os domínios ocupação, saúde e emocional do UQOL com os domínios do SF-36. O coeficiente alfa de Cronbach para o instrumento como um todo foi de 0,82, representando boa precisão. Análise da correlação item-total demonstrou a homogeneidade da escala.

CONCLUSÃO

A partir das etapas realizadas, o questionário UQOL foi traduzido e adaptado para aplicação no Brasil, apresentando alta reprodutibilidade e validade. Dessa forma, pode ser incluído e utilizado em estudos brasileiros que visem avaliar a qualidade de vida durante a peri e pós-menopausa.

Adaptação; Estudos de validação; Qualidade de vida; Climatério/psicologia; Reprodutibilidade dos testes


PURPOSE

To translate, to adapt and to validate the Utian Quality of Life (UQOL) for the Brazilian population.

METHODS

Women in the climacteric phase, residents in the city of Natal, Rio Grande do Norte, located in the Brazilian Northeast, were randomly selected. UQOL and SF-36 questionnaires were used, and the translation from English to Portuguese was made by three teachers, while the adaptation stage of the translated version was made by applying the questionnaire to 35 women, which could mark the answer choice "I did not understand the question"; reproducibility measurements (test-retest) and construct validity were used to validate, following international methodological standards.

RESULTS

The Brazilian version was fully recognized by the target population, which was comprised of 151 women, as no question showed a percentage of "non-understanding" equal to or greater than 20%. The results for intra and interobserver reproducibility demonstrated significant agreement on all the questionnaire items. This version showed consistency above the required criteria (>70), demonstrating its accuracy, while the construct validity was obtained by statistically significant correlations between the domains occupation, health and emotional of UQOL and the SF-36 domains. The Cronbach's alpha coefficient for the whole instrument was 0.82, representing good accuracy. Item-total correlation analysis showed the scale homogeneity

CONCLUSION

From the steps taken, the UQOL questionnaire was translated and adapted for its use in Brazil, with high reproducibility and validity. Thus, it can be included and used in Brazilian studies that aim at evaluating the quality of life of women during the peri- and postmenopausal.

Adaptation
Validation studies; Quality of life; Climacteric/psychology; Reproducibility of results


Introdução

O climatério é uma etapa marcante do envelhecimento feminino caracterizada pelo decréscimo progressivo dos níveis estrogênicos e culminando com a cessação definitiva dos ciclos menstruais espontâneos. Esse último evento é denominado de menopausa e marca o fim da vida reprodutiva da mulher1. Miranda JS, Ferreira ML, Corrente JE. Qualidade de vida em mulheres no climatério atendidas na Atenção Primária. Rev Bras Enferm. 2014;67(5):803-9. . Nas últimas décadas, com o aumento progressivo da expectativa de vida, a mulher passou a vivenciar um longo período antes e depois da menopausa, caracterizado por repercussões significativas na maioria das mulheres2. Zöllner YF, Acquadro C, Schaefer M. Literature review of instruments to assess health-related quality of life during and after menopause. Qual Life Res. 2005;14(2):309-27. .

Considerando-se que entre 60 e 80% das mulheres referem sintomas indesejados associados ao climatério, com potenciais repercussões negativas sobre a qualidade de vida, tem ocorrido especial interesse pela mensuração da qualidade de vida (QV) relacionada à saúde na situação específica do climatério. Essa estratégia de avaliação visa não apenas determinar o impacto do estado crônico de hipoestrogenismo sobre diferentes aspectos da vida das mulheres, mas também possibilitar comparações entre diferentes populações e avaliar o impacto das várias formas de terapia propostas para utilização no climatério1. Miranda JS, Ferreira ML, Corrente JE. Qualidade de vida em mulheres no climatério atendidas na Atenção Primária. Rev Bras Enferm. 2014;67(5):803-9. 3. Lima JE, Palacios S, Wender MC. Quality of life in menopausal women: a Brazilian Portuguese version of the Cervantes Scale. ScientificWorldJournal. 2012;2012:620519. 4. Whiteley J, DiBonaventura Md, Wagner JS, Alvir J, Shah S. The impact of menopausal symptoms on quality of life, productivity, and economic outcomes. J Womens Health (Larchmt). 2013;22(11):983-90. .

Uma gama de estudos com diferentes desenhos metodológicos tem sido realizada enfocando a relação da QV com o climatério em populações e culturas distintas. Em sua maioria, esses estudos apontam uma relação inversa entre os diversos sinais e sintomas da síndrome climatérica e a QV4-6. A despeito disso, ainda surgem indagações acerca do real impacto do climatério sobre a QV das mulheres, especialmente quanto à interferência direta ou indireta de fatores psicossociais e culturais relacionados ao processo de envelhecimento1. Miranda JS, Ferreira ML, Corrente JE. Qualidade de vida em mulheres no climatério atendidas na Atenção Primária. Rev Bras Enferm. 2014;67(5):803-9. 4. Whiteley J, DiBonaventura Md, Wagner JS, Alvir J, Shah S. The impact of menopausal symptoms on quality of life, productivity, and economic outcomes. J Womens Health (Larchmt). 2013;22(11):983-90. 7. Hess R, Thurston RC, Hays RD, Chang CC, Dillon SN, Ness RB, et al. The impact of menopause on health-related quality of life: results from the STRIDE longitudinal study.. Qual Life Res 2013;21(3):535-44. .

Grande parte das lacunas e inconsistências metodológicas existentes nos estudos que abordam a relação entre climatério e QV são decorrentes da não uniformidade dos métodos empregados para mensurar a QV nessa fase da vida da mulher, tendo em vista a necessidade de se abordar aspectos específicos que podem repercutir sobre a QV relacionada à saúde. Em um artigo de revisão foi sugerido que quatro fatores contribuem para as discrepâncias e controvérsias que permeiam a relação entre QV e climatério: falta de uniformidade na definição do conceito de QV; utilização de distintos instrumentos para aferição da QV, muitos deles sem a devida validade; diferenças entre os grupos amostrais e suas variedades demográficas e culturais; além de diferenças nos critérios de definição do climatério2. Zöllner YF, Acquadro C, Schaefer M. Literature review of instruments to assess health-related quality of life during and after menopause. Qual Life Res. 2005;14(2):309-27. .

Considerando-se a necessidade de se uniformizar as medidas de avaliação da QV, de forma a permitir comparações adequadas entre diferentes populações, torna-se necessária a tradução, adaptação e validação dos instrumentos disponíveis para outros países ou até mesmo regiões em que serão utilizados. Nesse processo, deve-se levar em consideração as diferenças culturais, bem como aspectos idiomáticos, semânticos, conceituais e experimentais, buscando garantir equivalências com a versão original8. Campolina AG, Bortoluzzo AB, Ferraz MB, Ciconelli RM. [Validation of the Brazilian version of the generic six-dimensional short form quality of life questionnaire (SF-6D Brazil)]. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(7):3103-10. Portuguese. 9. Mattos P, Segenreich D, Dias GM, Saboya E, Coutinho G, Brod M. Validação semântica da versão em língua portuguesa do Questionário de Qualidade de Vida em Adultos (AAQoL) que apresentam transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Rev Psiquiatr Clín. 2011;38(3):87-90. .

Dentre os muitos instrumentos de medida da QV no climatério, o questionárioUtian Quality of Life Scale (UQOL)1010 . Utian WH, Janata JW, Kingsberg SA, Schluchter M, Hamilton JC. The Utian Quality of Life (UQOL) Scale: development and validation of an instrument to quantify quality of life through and beyond menopause. Menopause. 2002;9(6):402-10. compreende instrumento com grande potencial para avaliação de mulheres na peri e pós-menopausa, por abranger avaliações das esferas ocupacional, emocional, sexual e da saúde, apresentando uma boa consistência interna para os 23 itens que o compõem, o que pode ser evidenciado pelo alfa de Cronbach de 0,83. O presente estudo tem por objetivo traduzir para língua portuguesa, adaptar culturalmente e validar o UQOL para a realidade brasileira, assegurando a confiabilidade e validade à sua ampla utilização em nossa população de mulheres no climatério.

Métodos

O estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) conforme parecer nº 115/2004. Todas as voluntárias que participaram da fase de tradução e adaptação, bem como da fase de validação, assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram incluídas 151 mulheres com idade entre 45 e 65 anos, das quais 35 participaram da fase de adaptação e 116 da fase de validação do questionário. O estágio do climatério foi definido seguindo critérios propostos pela North American Menopause Society (Stages od Reproductive Aging Workshop)1111 . Gracia CR, Sammel MD, Freeman EW, Lin H, Langan E, Kapoor S, et al. Defining menopause status: creation of a new definition to identify the early changes of the menopausal transition.. Menopause 2005;12(2):128-35. 1212 . Harlow SD, Gass M, Hall JE, Lobo R, Maki P, Rebar RW, et al. Executive summary of the Stages of Reproductive Aging Workshop + 10: addressing the unfinished agenda of staging reproductive aging.. Menopause 2012;19(4):387-95. . Todas as voluntárias residiam na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, e foram selecionadas aleatoriamente sem distinção de raça e estado civil. Como critérios de exclusão foi utilizada a inabilidade para responder devidamente aos questionários de QV em decorrência de limitações cognitivas ou idiomáticas.

O UQOL é um questionário elaborado e validado para quantificação da QV e bem-estar na peri e pós-menopausa1010 . Utian WH, Janata JW, Kingsberg SA, Schluchter M, Hamilton JC. The Utian Quality of Life (UQOL) Scale: development and validation of an instrument to quantify quality of life through and beyond menopause. Menopause. 2002;9(6):402-10. . Esse instrumento contém 23 perguntas que compreendem 4 domínios distintos da QV: ocupacional, saúde, sexual e emocional. Cada pergunta do UQOL é respondida através de escala tipo Likert, em que as possibilidades de resposta variam de 1 ("não verdadeiro para mim") a 5 ("muito verdadeiro para mim"). O questionário UQOL é uma ferramenta satisfatória para uso na prática clínica, principalmente pela fácil aplicabilidade. Também tem sido evidenciada sua utilidade em pesquisas, demonstrando ser um instrumento completo, específico e de fácil aplicabilidade para mulheres climatéricas de diferentes culturas.

Procedimentos metodológicos

Os processos de tradução, adaptação e validação do questionário seguiram normas metodológicas padronizadas internacionalmente1313 . Wild D, Grove A, Martin M, Eremenco S, McElroy S, Verjee-Lorenz A, et al. Principles of good practice for the translation and cultural adaptation process for Patient-Reported Outcomes (PRO) measures: report of the ISPOR task force for translation and cultural adaptation. Value Health. 2005;8(2):94-104. . Após obtenção da autorização formal do autor, W. H. Utian, doThe Utian Quality of Life (UQOL) Scale 1010 . Utian WH, Janata JW, Kingsberg SA, Schluchter M, Hamilton JC. The Utian Quality of Life (UQOL) Scale: development and validation of an instrument to quantify quality of life through and beyond menopause. Menopause. 2002;9(6):402-10. , para tradução e validação para o Brasil, através de contato direto, procedeu-se à etapa de tradução e adaptação do instrumento, que foi posteriormente validado, conforme procedimentos detalhados a seguir.

Tradução

A versão original do instrumento de medida de QV no climatério (UQOL) foi traduzida por três professores da língua inglesa para o português. As versões foram comparadas entre si por um comitê multidisciplinar formado por dois médicos ginecologistas, um psicólogo experiente em processo de validação e medidas psicológicas, duas fisioterapeutas (sendo uma delas com experiência na elaboração e validação de um instrumento de avaliação de satisfação), duas mulheres representantes da população alvo e uma adolescente. A inclusão desses últimos componentes teve o propósito de garantir que o questionário estaria realmente claro e de fácil compreensão. Em um consenso do comitê junto ao pesquisador, foi originada a primeira versão do questionário em português (V1). Posteriormente, V1 foi vertida para o inglês por dois professores de inglês de nacionalidade americana (backtranslation ). Novamente, o comitê multidisciplinar avaliou todas as versões, originando-se a segunda versão do questionário (V2) em português, que foi utilizada para o processo de adaptação.

Adaptação

A versão V2 do questionário foi aplicada a 35 mulheres voluntárias com idade entre 45 e 65 anos, selecionadas aleatoriamente, no intuito de avaliar o nível de compreensão e equivalência cognitiva dessa nova versão do instrumento a ser validado. Inicialmente, no pré-teste foi acrescentada à escala do questionário a alternativa "não compreendi a questão". Nessa etapa nosso objetivo foi identificar a existência de questões culturalmente incompatíveis e não compreendidas por mais de 20% da nova população estudada.

Após aplicação da versão V2 a essa amostra piloto, o comitê reavaliou o nível de compreensão obtido em cada item do questionário, bem como as sugestões oriundas das etapas anteriores do processo de tradução e adaptação. Como não foram observadas discordâncias significativas entre as versões geradas nas diversas etapas do processo e a compreensão do pré-teste foi superior a 90%, passou-se a considerar a V3 como definitiva, iniciando-se a fase de validação.

Validação

As propriedades de medida utilizadas foram a reprodutibilidade (teste-reteste) e a validade de construto.

Participou dessa fase uma amostra de 28 mulheres climatéricas, sem tratamento prévio dos sinais e sintomas e que não haviam participado das etapas de tradução e adaptação do instrumento. A reprodutibilidade interobservador foi avaliada com uso de entrevistas realizadas por dois examinadores, no mesmo dia, com intervalo de cerca de 30 minutos entre uma aplicação e outra. Um dos examinadores reavaliou todas as 28 mulheres, após período de 12 dias, com a finalidade de se comparar os resultados obtidos pelo mesmo examinador em tempos diferentes (reprodutibilidade intra-observador).

Foram testadas a validade de construto e precisão. Para avaliar o grau de precisão das medidas obtidas com a nova versão, foi utilizado o coeficiente alfa de Cronbach e a correlação item-total. Para testar validade de construto das medidas obtidas com a nova versão do instrumento, um total de 116 voluntárias respondeu simultaneamente a versão brasileira do UQOL e o questionário genérico de qualidade de vida conhecido como Short Form 36 Health Survey (SF-36), validado em nosso meio por Campolina et al.8. Campolina AG, Bortoluzzo AB, Ferraz MB, Ciconelli RM. [Validation of the Brazilian version of the generic six-dimensional short form quality of life questionnaire (SF-6D Brazil)]. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(7):3103-10. Portuguese.. Os resultados obtidos com os dois questionários foram analisados com vistas à sua correlação.

O questionário SF-36 foi desenvolvido para avaliar as esferas física e mental do estado geral de saúde em indivíduos com comorbidades crônicas. Esse instrumento avalia oito conceitos (domínios) de saúde: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. Cada domínio do SF-36 corresponde a um valor que varia de 0 a 100, onde 0 corresponde ao pior e 100 ao melhor estado de saúde.

A análise estatística descritiva foi utilizada para caracterização clínica e demográfica da amostra. Para as análises de reprodutibilidade intra e interobservador foi empregado o índice de kappa ponderado. A validade de constructo foi analisada através da aplicação do teste de correlação de Pearson entre os domínios do UQOL e do SF-36. A precisão foi obtida através do teste de confiabilidade alfa de Cronbach. O teste de correlação de Pearson foi utilizado para medir a correlação item-total. O nível de significância adotado em todos os procedimentos estatísticos foi de 5%. Para análise dos dados foram utilizados os softwares estatísticos Medcalc versão 9.3.0.0 (MedCalc Software, Belgium), o SPSS versão 13.0 para Windows (SPSS Inc, Chicago, IL, USA) o Epidat versão 3.0 (Epidat, Xunta de Galicia, Spain).

Resultados

Tradução e adaptação

As 35 mulheres entrevistadas no pré-teste apresentaram média de idade de 54,2±6 anos, 17 (48,6%) eram usuárias do serviço público de saúde e 18 (51,4%) do setor privado.

Na fase de pré-teste nenhuma das entrevistadas se recusou a responder ao questionário ou interrompeu sua participação, não sendo identificados problemas relacionados à aplicação do instrumento. Nenhuma questão apresentou percentual de "não compreensão" igual ou superior a 20%, indicando a adequação cultural da nova versão do instrumento. Com isso, não foi necessária a repetição das etapas anteriores do processo de tradução e adaptação.

Apesar de todas as questões terem sido bem compreendidas, foi realizada uma nova revisão do instrumento pelo comitê, com o objetivo de avaliar as sugestões relatadas pelas voluntárias. A equivalência semântica, que consiste na equivalência gramatical e de vocabulário, foi alcançada com algumas mudanças, como por exemplo, a substituição da palavra "contente" por "satisfeita", nas questões 4, 5 e 14, obtendo-se, assim, um vocabulário mais adequado para a realidade brasileira. Com relação à equivalência idiomática, quando expressões coloquiais da língua original não são bem compreendidas ao serem traduzidas, verificou-se a necessidade de alterar algumas expressões como "meu humor é geralmente depressivo" por "eu geralmente estou depressiva" (questão 11), já que o uso da segunda expressão é mais comum na população brasileira.

Com o objetivo de se alcançar a equivalência experimental, a qual é importante para que o texto fique coerente com as experiências da população alvo, o termo "saudável" foi acrescentado entre parêntese na questão 21, para facilitar a compreensão por parte das entrevistadas. O formato do questionário foi mantido, sem alterações no sentido das frases (de negativa para afirmativa) ou na ordem de apresentação das questões.

As 116 mulheres envolvidas na etapa de validação tinham média de idade de 54,3±6 anos, sendo que 56% delas relatavam desempenhar alguma ocupação extra-domiciliar e 54,3% encontravam-se casadas ou em união estável. Verificou-se que 71% das entrevistadas tinham escolaridade superior ao ensino fundamental e, no quesito renda familiar, um percentual de 62,9% relatava renda superior a 3 salários mínimos.

A versão brasileira do UQOL apresentou-se como um questionário de fácil e rápida aplicabilidade com um tempo oscilando entre 6 e 8 minutos para sua aplicação. Os escores médios para os domínios do UQOL foram: ocupacional 25,5±0,52; saúde 22,0±0,59; emocional 24,1±0,40 e sexual 9,1±0,28, enquanto que para os domínios do questionário SF-36 foram: capacidade funcional 67,5±2,48; aspectos físicos 64,0±3,78; dor 56,7±2,53; estado geral de saúde 69,1±2,09; vitalidade 62,8±2,09; aspectos sociais 72,5±2,37; aspectos emocionais 67,5±3,99 e saúde mental 70,2±1,75. Todos os valores do escores de qualidade avaliados pelo UQOL e SF-36 são apresentados na Tabela 1.

Os resultados obtidos para a reprodutibilidade intra (média total de 0,96) e interobservador (média total de 0,97) demonstraram concordância significativa em todas as questões e estão demonstrados na Tabela 2.

A validade de constructo foi obtida através da correlação entre os resultados finais dos escores do UQOL e SF-36 (Tabela 3). Foram observadas correlações significativas entre os domínios ocupação, saúde e emocional do UQOL com os domínios do SF-36. Em relação ao domínio sexual, foram observadas correlações significativas apenas em relação aos aspectos sociais e saúde mental.

A versão brasileira do UQOL obteve consistência interna acima do critério requerido (>0,7)10, atestando sua precisão, com variação do coeficiente alfa de Cronbach entre 0,80 e 0,83 e um coeficiente de 0,82 para o instrumento como um todo. A análise da correlação item-total demonstrou haver homogeneidade da escala, sendo que todos os itens foram positivamente correlacionados com o escore total. Os coeficientes de correlação item-total foram superiores a 0,30 para a grande maioria das questões (Tabela 2).

Tabela 1
Escores de qualidade de vida de mulheres no climatério (n=116) de acordo com os instrumentos do Utian Quality of Life(UQOL) e do Short Form 36 Health Survey(SF-36)
Tabela 2
Análise da precisão e reprodutibilidade intra e interobservador da versão brasileira do Utian Quality of Life(UQOL)
Tabela 3
Validade de constructo da versão brasileira do Utian Quality of Life (UQOL) como a análise de correlação com o questionário genérico de qualidade de vida Short Form 36 Health Survey (SF-36) (n=116)

Discussão

Atualmente, o conceito de QV vem sendo estudado para transformá-lo numa medida quantitativa a ser usada em avaliações clínicas e, dessa forma, possibilitar comparações entre diferentes populações e estados anormais. Esse interesse é justificado por diversos aspectos como: conhecer melhor o impacto das doenças sobre as atividades de vida diária, identificar problemas específicos, comparar efeitos de diferentes formas de tratamentos, demonstrar a importância de cada doença para o indivíduo em nível social e de saúde e, com isso, auxiliar na decisão sobre a distribuição de recursos dentro dos sistemas de saúde8. Campolina AG, Bortoluzzo AB, Ferraz MB, Ciconelli RM. [Validation of the Brazilian version of the generic six-dimensional short form quality of life questionnaire (SF-6D Brazil)]. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(7):3103-10. Portuguese..

A maioria dos instrumentos de avaliação de QV foram formulados em inglês e desenvolvidos num cenário cultural específico (o do país de origem). Esse é o caso do UQOL que, para ser utilizado no Brasil, necessitou de um processo de tradução linguística e adaptação, a fim de manter as propriedades psicométricas da versão original disponível em língua inglesa.

O UQOL foi escolhido para esse estudo por ser um instrumento validado, na sua versão original, que se propõe a medir a QV de mulheres na fase do climatério e também por ser prático, de fácil entendimento, rápido e de pontuação simples. Esse questionário já foi traduzido, adaptado e validado na Grécia, Itália, Turquia e mais recentemente em Portugal2. Zöllner YF, Acquadro C, Schaefer M. Literature review of instruments to assess health-related quality of life during and after menopause. Qual Life Res. 2005;14(2):309-27. 1010 . Utian WH, Janata JW, Kingsberg SA, Schluchter M, Hamilton JC. The Utian Quality of Life (UQOL) Scale: development and validation of an instrument to quantify quality of life through and beyond menopause. Menopause. 2002;9(6):402-10. 1414 . Pimenta F, Leal I, Maroco J, Rosa B, Utian WH. Adaptation of the Utian quality of life scale to Portuguese using a community sample of Portuguese women in premenopause, perimenopause, and postmenopause.. Menopause 2013;20(5):532-9. .

As etapas de tradução e adaptação da versão original para o português não apresentaram dificuldades e as equivalências foram conseguidas com êxito, provavelmente pelo fato da semelhança existente entre grande parte dos conceitos da versão americana e da cultura brasileira. No pré-teste, todas as questões foram compreendidas por mais de 85% das entrevistadas, mostrando que essa versão já apresentava um nível de compreensão alto, conforme estabelecido por estudos já realizados de tradução e adaptação8,15.

A versão brasileira do UQOL apresentou desempenho semelhante ao observado na versão original e outras escalas já validadas no Brasil, no quesito tempo de aplicação, pois pode-se evidenciar a facilidade e rapidez em seu emprego, visto que as mulheres necessitaram de curto período de tempo para seu completo preenchimento1. Miranda JS, Ferreira ML, Corrente JE. Qualidade de vida em mulheres no climatério atendidas na Atenção Primária. Rev Bras Enferm. 2014;67(5):803-9. 1010 . Utian WH, Janata JW, Kingsberg SA, Schluchter M, Hamilton JC. The Utian Quality of Life (UQOL) Scale: development and validation of an instrument to quantify quality of life through and beyond menopause. Menopause. 2002;9(6):402-10. 1414 . Pimenta F, Leal I, Maroco J, Rosa B, Utian WH. Adaptation of the Utian quality of life scale to Portuguese using a community sample of Portuguese women in premenopause, perimenopause, and postmenopause.. Menopause 2013;20(5):532-9. .

A precisão de um questionário medida pelo coeficiente alfa de Cronbach e coeficiente de correlação item-total, de acordo com alguns autores, precisa apresentar valores superiores a 0,70 para o alfa de Cronbach e 0,15 para a correlação item-total para assegurar uma boa consistência interna em estudos de natureza exploratória1616 . Howat-Rodrigues AB, Andrade AL, Tokumaru RS. [Construction and validation of the Family Unpredictability Scale in Childhood]. Psicol Reflex Crít. 2012;25(2):212-20. Portuguese. 1818 . Bonin CD, Santos RZ, Ghisi GL, Vieira AM, Amboni R, Benetti M. Construction and validation of a questionnaire about heart failure patients' knowledge of their disease. Arq Bras Cardiol. 2014;102(4):364-73. . Desse modo, a versão brasileira do UQOL demonstrou resultados satisfatórios, garantindo boa consistência do questionário1616 . Howat-Rodrigues AB, Andrade AL, Tokumaru RS. [Construction and validation of the Family Unpredictability Scale in Childhood]. Psicol Reflex Crít. 2012;25(2):212-20. Portuguese. , como também vale destacar que o mesmo obteve valores para o alfa de Cronbach bastante semelhantes aos encontrados por Utian et al.1010 . Utian WH, Janata JW, Kingsberg SA, Schluchter M, Hamilton JC. The Utian Quality of Life (UQOL) Scale: development and validation of an instrument to quantify quality of life through and beyond menopause. Menopause. 2002;9(6):402-10. na elaboração e validação da versão original da escala.

A validade de construto representa a capacidade de um instrumento demonstrar determinada hipótese que procura explicar aspectos abstratos da saúde, a partir de determinados comportamentos, atitudes e sentimentos1919 . Maia Filho HS, Gomes MM. Análise crítica dos instrumentos de avaliação da qualidade de vida na epilepsia infantil. J Epilepsy Clin Neurophysiol. 2004;10(3):147-53. . Sendo assim, ao analisar a significância demonstrada nas correlações positivas entre os domínios medidos pela versão brasileira do UQOL e aqueles determinados pelo SF-36, observa-se que a validade de construto do instrumento é forte.

Observou-se a fraca correlação para o domínio sexual do UQOL no quesito validade de construto, semelhante ao apresentado no estudo de validação da versão brasileira do questionário de Saúde da Mulher2020 . Silva Filho CR, Baracat EC, Conterno LO, Haidar MA, Ferraz MB. Climacteric symptoms and quality of life: validity of women's health questionnaire. Rev Saúde Pública. 2005;39(3):333-9.. Esse fato pode ser justificado considerando que os questionários genéricos, como é o caso do SF-36, tendem a ser mais abrangentes na avaliação de determinado domínio, ao passo que questionários específicos, como o UQOL, avaliam aspectos próprios da gravidade e do impacto dos sintomas na vida das pacientes, tendendo a ser mais rígidos na avaliação de seus domínios8. Campolina AG, Bortoluzzo AB, Ferraz MB, Ciconelli RM. [Validation of the Brazilian version of the generic six-dimensional short form quality of life questionnaire (SF-6D Brazil)]. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(7):3103-10. Portuguese. 1010 . Utian WH, Janata JW, Kingsberg SA, Schluchter M, Hamilton JC. The Utian Quality of Life (UQOL) Scale: development and validation of an instrument to quantify quality of life through and beyond menopause. Menopause. 2002;9(6):402-10. 1414 . Pimenta F, Leal I, Maroco J, Rosa B, Utian WH. Adaptation of the Utian quality of life scale to Portuguese using a community sample of Portuguese women in premenopause, perimenopause, and postmenopause.. Menopause 2013;20(5):532-9. . Essa inconsistência metodológica poderia ser minimizada pela utilização de um instrumento que avaliasse exatamente os domínios que o UQOL se propõe a medir, uma etapa impraticável até a realização do presente estudo.

No que se refere à mensuração do índice kappa ponderado, que permite estimar a concordância ocorrida além daquela esperada pelo acaso, estudos prévios apontam que um índice kappa mínimo de 0,79 é assumido como indicativo de concordância excelente2121 . Campos CC, Manzano GM, Andrade LB, Castelo Filho A, Nóbrega JA. [Translation and validation of an instrument for evaluation of severity of symptoms and the functional status in carpal tunnel syndrome]. Arq Neuro-Psiquiatr. 2003;61(1):51-5. Portuguese. 2222 . Santos Neto ET, Leal MC, Oliveira AE, Zandonade E, Gama SG. [Agreement between information from the Pregnant Card and the mother's memory of antenatal care]. Cad Saúde Pública.; 201228(2):256-66. Portuguese. Em decorrência dos resultados obtidos, a versão brasileira do UQOL apresentou ainda uma excelente reprodutibilidade, tanto intra quanto interobservador, detectando-se um nível de concordância total em cerca de metade das questões.

O presente estudo permite concluir que o UQOL traduzido e adaptado para aplicabilidade no Brasil apresenta alta reprodutibilidade e validade aceitável, podendo, dessa forma, ser incluído e utilizado em estudos brasileiros que visem avaliar a qualidade de vida durante a peri e pós-menopausa. Entretanto, sua aplicação deve ser feita em associação com escalas de mensuração de sintomas climatéricos1,20, uma vez que o UQOL não é válido para essa finalidade específica.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento parcial deste estudo.

Referências

  • 1
    Miranda JS, Ferreira ML, Corrente JE. Qualidade de vida em mulheres no climatério atendidas na Atenção Primária. Rev Bras Enferm. 2014;67(5):803-9.
  • 2
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2015

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2015
  • Aceito
    31 Jul 2015
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