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Intoxicação experimental por Ateleia glazioviana (Leg.Papilionoideae) em ovinos

Experimental poisoning by Ateleia glazioviana (Leg.Papilionoideae) in sheep

Resumos

Sete ovelhas receberam as folhas de Ateleia glazioviana em doses predeterminadas. Um outro ovino serviu de controle. As quantidades totais (g/kg/peso corporal) de planta consumidas pelos ovinos foram 75 por 60 dias (Ovino 6), 125 por 25 dias (Ovino 4), 130 por 13 dias (Ovino 7), 150 por 60 dias (Ovino 5), 180 por 18 dias (Ovino 3), 330 por 33 dias (Ovino 2) e 375 por 25 dias (Ovino 1). Seis ovinos receberam folhas verdes e o Ovino 7 recebeu folhas dessecadas. Cinco ovinos (Ovinos 1-4 e 7) desenvolveram sinais clínicos 8 a 16 dias após a primeira administração da planta. A evolução do quadro clínico foi de 6 a 50 dias e os sinais clínicos incluíram apatia, perda do apetite, taquicardia e taquipnéia. Os ovinos afetados apresentavam relutância em mover-se, cabeça baixa, instabilidade dos membros pélvicos e andar cambaleante. Alguns dos ovinos afetados apoiavam o corpo contra a parede da baia. Os Ovinos 1, 3 e 4 morreram espontaneamente; movimentos de pedalagem precederam a morte. Os Ovinos 2 e 7 foram submetidos à eutanásia com sinais clínicos avançados da toxicose. Os Ovinos 5 e 6 não adoeceram e foram sacrificados junto com o controle 103 dias após a primeira administração da planta. Todos os ovinos foram necropsiados e vários órgãos, incluindo coração e encéfalo, foram avaliados histologicamente. Além disso, fragmentos de miocárdio dos Ovinos 3 e 4 foram avaliados por microscopia eletrônica de transmissão. A fim de se obter mais controles para a avaliação das lesões do miocárdio, coletaram-se os corações de seis ovinos abatidos para consumo em um abatedouro que sabidamente recebe ovinos originários de uma região livre de A. glazioviana. Esses corações foram processados para histologia e examinados da mesma maneira que os outros oito. Todos os ovinos tratados (que receberam a planta) apresentaram lesões macroscópicas. Havia áreas firmes, irregulares, branco-amareladas no miocárdio de todos os ovinos tratados. Essas áreas pálidas eram mais bem vistas na superfície de corte do coração. Hidrotórax e/ou hidropericárdio foram observados em cinco animais (Ovinos 1-4 e 7). O fígado dos Ovinos 1 e 7 tinha aspecto de noz-moscada. O Ovino 7 apresentava ascite. Os principais achados histopatológicos nos ovinos tratados foram alterações degenerativas/necróticas no miocárdio. As alterações iniciais consistiam de tumefação aguda das fibras cardíacas, associada a núcleos com formas bizarras. Essa alteração aparentemente progredia até o desaparecimento do sarcoplasma, resultando num tubo sarcolemal vazio e colapsado envolto por tecido conjuntivo intersticial e fibrose. Necrose franca (hialina e flocular) associada à infiltração mononuclear e fagocitose de fragmentos de fibras foi também observada. Graus variáveis de degeneração esponjosa foram observados na substância branca do encéfalo dos Ovinos 1, 3, 4 e 7. Tumefação de mitocôndrias e perda da densidade da matriz das mitocôndrias foram as alterações ultra-estruturais mais precoces. Em lesões avançadas os cardiomiócitos apresentavam vacúolos no sarcoplasma, ruptura do sarcolema e necrose com aparecimento de macrófagos e fibroblastos associados a aumento de colágeno.

Plantas tóxicas; Ateleia glazioviana; doenças de ovinos; necrose do miocárdio; fibrose do miocárdio; cardiomiopatia tóxica; status spongiosus


The leaves of Ateleia glazioviana were fed daily to seven sheep. Another sheep was used as control. Total amounts (g/kg/body weight) of the plant consumed by each animal were 75 during 60 days (Sheep 6), 125 during 25 days (Sheep 4), 130 during 13 days (Sheep 7), 150 during 60 days (Sheep 5), 180 during 18 days (Sheep 3), 330 during 33 days (Sheep 2), and 375 during 25 days (Sheep 1). Six sheep were fed the green leaves while Sheep 7 was fed dried A. glazioviana leaves. Five sheep (Sheep 1-4 and 7) developed clinical signs 8 to 16 days after the first administration of the plant. The clinical course varied from 6 to 50 days and clinical signs included apathy, loss of appetite, and increased heart and respiratory rates; affected sheep were reluctant to move and showed a low carriage of the head, instability of the hind limbs, and staggering gait. Some sheep supported their weight against the wall of the stable. Sheep 1, 3, and 4 died spontaneously; paddling movements preceded death. Sheep 2 and 7 were euthanatized when presenting marked clinical signs of the toxicosis. Sheep 5 and 6 did not get clinically ill and were euthanatized along with the control sheep 103 days after the first administration of the plant. All sheep were necropsied and several of their organs, including heart and brain, were evaluated histologically. Additionally, fragments of the myocardium of Sheep 3 and 4 were evaluated by transmission electron microscopy. To provide more controls for the myocardial changes, the hearts were collected from six animals at an abattoir known to slaughter sheep from regions free of A. glazioviana. These hearts were processed for histology and examined in the same way as the other eight. All seven treated (plant fed) sheep had gross changes at necropsy. There were firm, irregular white or yellow areas in the myocardium of all treated sheep. These pale areas were more evident on the cut surface of the heart. Hydrothorax and/or hydropericardium were observed in five animals (Sheep 1-4 and 7). Nutmeg livers were seen in Sheep 1 and 7. This latter sheep also had ascites. The main histopathological findings in treated sheep were degenerative/necrotic changes in the myocardium. The early changes consisted of acute swollen myocardial fibers associated with bizarre nuclei. Apparently this change progressed until the sarcoplasm disappeared and an empty collapsed sarcolemmal tube remained surrounded by interstitial connective tissue and fibrosis. Overt necrosis (hyaline and floccular) associated with mononuclear infiltration and phagocytosis of fiber fragments were also observed. Varying degrees of spongy degeneration were seen in the white matter of the brain of Sheep 1, 3, 4 and 7. Mitochondrial swelling and loss of density of the mitochondrial matrix were the earliest ultrastructural changes observed. In advanced lesions cardiac cells had vacuoles in the sarcoplasm, rupture of the sarcolemma and necrosis with intervening macrophages and fibroblasts associated with increased collagen.

Poisonous plants; Ateleia glazioviana; diseases of sheep; myocardial necrosis; myocardial fibrosis; toxic cardiomyopathy; status spongiosus


Intoxicação experimental por Ateleia glazioviana (Leg.Papilionoideae) em ovinos1 1 Aceito para a publicação em 26 de maio de 2001. Trabalho financiado pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX). Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor, defendida no Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, Área de Concentração em Patologia Veterinária, Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 16 de março de 2001.

Adriana Lücke Stigger2 1 Aceito para a publicação em 26 de maio de 2001. Trabalho financiado pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX). Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor, defendida no Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, Área de Concentração em Patologia Veterinária, Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 16 de março de 2001. , Claudio S. L. Barros3 1 Aceito para a publicação em 26 de maio de 2001. Trabalho financiado pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX). Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor, defendida no Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, Área de Concentração em Patologia Veterinária, Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 16 de março de 2001. , Ingeborg Maria Langohr2 1 Aceito para a publicação em 26 de maio de 2001. Trabalho financiado pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX). Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor, defendida no Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, Área de Concentração em Patologia Veterinária, Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 16 de março de 2001. e Severo S. Barros4 1 Aceito para a publicação em 26 de maio de 2001. Trabalho financiado pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX). Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor, defendida no Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, Área de Concentração em Patologia Veterinária, Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 16 de março de 2001.

ABSTRACT.- Stigger A.L., Barros C.S.L., Langohr I.M. & Barros S.S. 2001. [Experimental poisoning by Ateleia glazioviana (Leg.Papilionoideae) in sheep] Intoxicação experimental por Ateleia glazioviana (Leg.Papilionoideae) em ovinos. Pesquisa Veterinária Brasileira 21(3):98-108. Depto Patologia, Universidade Federal de Santa Maria, 97105-900 Santa Maria, RS, Brazil. E-mail: cslb@sm.conex.com.br

The leaves of Ateleia glazioviana were fed daily to seven sheep. Another sheep was used as control. Total amounts (g/kg/body weight) of the plant consumed by each animal were 75 during 60 days (Sheep 6), 125 during 25 days (Sheep 4), 130 during 13 days (Sheep 7), 150 during 60 days (Sheep 5), 180 during 18 days (Sheep 3), 330 during 33 days (Sheep 2), and 375 during 25 days (Sheep 1). Six sheep were fed the green leaves while Sheep 7 was fed dried A. glazioviana leaves. Five sheep (Sheep 1-4 and 7) developed clinical signs 8 to 16 days after the first administration of the plant. The clinical course varied from 6 to 50 days and clinical signs included apathy, loss of appetite, and increased heart and respiratory rates; affected sheep were reluctant to move and showed a low carriage of the head, instability of the hind limbs, and staggering gait. Some sheep supported their weight against the wall of the stable. Sheep 1, 3, and 4 died spontaneously; paddling movements preceded death. Sheep 2 and 7 were euthanatized when presenting marked clinical signs of the toxicosis. Sheep 5 and 6 did not get clinically ill and were euthanatized along with the control sheep 103 days after the first administration of the plant. All sheep were necropsied and several of their organs, including heart and brain, were evaluated histologically. Additionally, fragments of the myocardium of Sheep 3 and 4 were evaluated by transmission electron microscopy. To provide more controls for the myocardial changes, the hearts were collected from six animals at an abattoir known to slaughter sheep from regions free of A. glazioviana. These hearts were processed for histology and examined in the same way as the other eight. All seven treated (plant fed) sheep had gross changes at necropsy. There were firm, irregular white or yellow areas in the myocardium of all treated sheep. These pale areas were more evident on the cut surface of the heart. Hydrothorax and/or hydropericardium were observed in five animals (Sheep 1-4 and 7). Nutmeg livers were seen in Sheep 1 and 7. This latter sheep also had ascites. The main histopathological findings in treated sheep were degenerative/necrotic changes in the myocardium. The early changes consisted of acute swollen myocardial fibers associated with bizarre nuclei. Apparently this change progressed until the sarcoplasm disappeared and an empty collapsed sarcolemmal tube remained surrounded by interstitial connective tissue and fibrosis. Overt necrosis (hyaline and floccular) associated with mononuclear infiltration and phagocytosis of fiber fragments were also observed. Varying degrees of spongy degeneration were seen in the white matter of the brain of Sheep 1, 3, 4 and 7. Mitochondrial swelling and loss of density of the mitochondrial matrix were the earliest ultrastructural changes observed. In advanced lesions cardiac cells had vacuoles in the sarcoplasm, rupture of the sarcolemma and necrosis with intervening macrophages and fibroblasts associated with increased collagen.

INDEX TERMS: Poisonous plants, Ateleia glazioviana, diseases of sheep, myocardial necrosis, myocardial fibrosis, toxic cardiomyopathy, status spongiosus.

RESUMO.- Sete ovelhas receberam as folhas de Ateleia glazioviana em doses predeterminadas. Um outro ovino serviu de controle. As quantidades totais (g/kg/peso corporal) de planta consumidas pelos ovinos foram 75 por 60 dias (Ovino 6), 125 por 25 dias (Ovino 4), 130 por 13 dias (Ovino 7), 150 por 60 dias (Ovino 5), 180 por 18 dias (Ovino 3), 330 por 33 dias (Ovino 2) e 375 por 25 dias (Ovino 1). Seis ovinos receberam folhas verdes e o Ovino 7 recebeu folhas dessecadas. Cinco ovinos (Ovinos 1-4 e 7) desenvolveram sinais clínicos 8 a 16 dias após a primeira administração da planta. A evolução do quadro clínico foi de 6 a 50 dias e os sinais clínicos incluíram apatia, perda do apetite, taquicardia e taquipnéia. Os ovinos afetados apresentavam relutância em mover-se, cabeça baixa, instabilidade dos membros pélvicos e andar cambaleante. Alguns dos ovinos afetados apoiavam o corpo contra a parede da baia. Os Ovinos 1, 3 e 4 morreram espontaneamente; movimentos de pedalagem precederam a morte. Os Ovinos 2 e 7 foram submetidos à eutanásia com sinais clínicos avançados da toxicose. Os Ovinos 5 e 6 não adoeceram e foram sacrificados junto com o controle 103 dias após a primeira administração da planta. Todos os ovinos foram necropsiados e vários órgãos, incluindo coração e encéfalo, foram avaliados histologicamente. Além disso, fragmentos de miocárdio dos Ovinos 3 e 4 foram avaliados por microscopia eletrônica de transmissão. A fim de se obter mais controles para a avaliação das lesões do miocárdio, coletaram-se os corações de seis ovinos abatidos para consumo em um abatedouro que sabidamente recebe ovinos originários de uma região livre de A. glazioviana. Esses corações foram processados para histologia e examinados da mesma maneira que os outros oito. Todos os ovinos tratados (que receberam a planta) apresentaram lesões macroscópicas. Havia áreas firmes, irregulares, branco-amareladas no miocárdio de todos os ovinos tratados. Essas áreas pálidas eram mais bem vistas na superfície de corte do coração. Hidrotórax e/ou hidropericárdio foram observados em cinco animais (Ovinos 1-4 e 7). O fígado dos Ovinos 1 e 7 tinha aspecto de noz-moscada. O Ovino 7 apresentava ascite. Os principais achados histopatológicos nos ovinos tratados foram alterações degenerativas/necróticas no miocárdio. As alterações iniciais consistiam de tumefação aguda das fibras cardíacas, associada a núcleos com formas bizarras. Essa alteração aparentemente progredia até o desaparecimento do sarcoplasma, resultando num tubo sarcolemal vazio e colapsado envolto por tecido conjuntivo intersticial e fibrose. Necrose franca (hialina e flocular) associada à infiltração mononuclear e fagocitose de fragmentos de fibras foi também observada. Graus variáveis de degeneração esponjosa foram observados na substância branca do encéfalo dos Ovinos 1, 3, 4 e 7. Tumefação de mitocôndrias e perda da densidade da matriz das mitocôndrias foram as alterações ultra-estruturais mais precoces. Em lesões avançadas os cardiomiócitos apresentavam vacúolos no sarcoplasma, ruptura do sarcolema e necrose com aparecimento de macrófagos e fibroblastos associados a aumento de colágeno.

TERMOS DE INDEXAÇÃO: Plantas tóxicas, Ateleia glazioviana, doenças de ovinos, necrose do miocárdio, fibrose do miocárdio, cardiomiopatia tóxica, status spongiosus.

INTRODUÇÃO

Ateleia glazioviana é uma árvore da família Leguminosae Papilionoideae que ocorre no noroeste do Rio Grande do Sul e oeste e meio-oeste de Santa Catarina, onde é conhecida como "timbó", "cinamomo bravo", "maria-preta" ou "amargo" (Gava et al. 2001).

A intoxicação espontânea por A. glazioviana tem sido descrita apenas em bovinos. Inicialmente foi associada a abortos (Stolf et al. 1994) e, mais recentemente, a alterações regressivas crônicas do miocárdio e degeneração esponjosa da substância branca do encéfalo (Gava & Barros 2001). Os sinais clínicos associados às lesões cardíacas incluem insuficiência cardíaca congestiva (insuficiência cardíaca crônica) e morte súbita (insuficiência cardíaca aguda). As lesões encefálicas são responsáveis por sinais clínicos de distúrbios nervosos que incluem letargia, cegueira, incoordenação e enfraquecimento.

O conhecimento da patogenia das alterações do miocárdio e do sistema nervoso central que ocorrem na intoxicação por A. glazioviana em bovinos é necessário para controle da doença. O estudo experimental da intoxicação em bovinos para determinação da patogenia apresenta algumas dificuldades. O custo dos animais de experimento é alto, sua manutenção é cara, a quantidade de planta a ser administrada e a dificuldade de manejo são grandes. É necessário, portanto, estabelecer um modelo experimental num animal menor, de manejo mais fácil e menos dispendioso. No entanto, é pouco recomendável, neste estágio das investigações sobre a intoxicação por A. glazioviana, que se usem animais de laboratório (camundongos, coelhos, cobaias ou ratos), pois esses apresentam fisiologia muito diversa da dos ruminantes. Ovinos prestar-se-iam melhor para esses estudos comparativos, pois são animais mais baratos, menores e mais dóceis para o manejo que os bovinos. Adicionalmente, como ruminantes, sua fisiologia está mais próxima à da espécie naturalmente afetada pela intoxicação.

Este estudo foi desenvolvido para determinar o quadro clínico, os achados de necropsia, a histopatologia das lesões cardíacas e encefálicas e a ultra-estrutura das lesões cardíacas na intoxicação experimental por A. glazioviana em ovinos, com a finalidade de verificar a possibilidade do uso dessa espécie como modelo experimental para o estudo da patogenia das lesões na intoxicação espontânea por essa planta.

MATERIAL E MÉTODOS

Oito ovinos adultos, fêmeas, sem raça definida foram mantidos por períodos de tempo variáveis em baias de alvenaria onde recebiam água e feno de alfafa à vontade Quantidades variáveis de folhas de Ateleia glazioviana foram administradas por via oral ou oferecidas no cocho a sete desses ovinos. As folhas da planta foram administradas em estado verde a seis ovinos e dessecadas a um outro. Um ovino que não recebeu a planta foi mantido nas mesmas instalações que os outros sete e serviu como controle. Dados sobre os ovinos que receberam a planta e as quantidades de planta ingeridas por cada um deles estão no Quadro 1. Todos os ovinos receberam a planta em dias consecutivos, com exceção do Ovino 2, em que as administrações diárias eram suspensas quando os sinais clínicos se tornavam muito intensos, e eram retomadas quando os sinais clínicos melhoravam. Desse modo, três séries interrompidas de administrações diárias foram realizadas nesse ovino. Os Ovinos 5 e 6 pararam de ingerir a planta ao completar a dose total de 150 e 75 g/kg. Essas duas dosagens visaram estabelecer um protocolo de consumo prolongado e intoxicação crônica por A. glazioviana. O mesmo objetivo orientou as doses dos outros ovinos do experimento, mas a administração da planta foi suspensa sempre que o animal adoecesse e se recusasse a ingerir espontaneamente a planta.


As folhas de A. glazioviana foram colhidas no campus da Universidade Federal de Santa Maria e conservadas em câmara fria (4°C), no máximo por 5 dias, até serem administradas aos ovinos. Parte da planta foi secada à sombra por 45 dias antes de ser administrada ao Ovino 7. Quinhentos gramas da planta foram pesados antes e depois da secagem a fim de estabelecer a quebra de peso entre planta verde e planta seca que foi de aproximadamente 50%.

Os seguintes parâmetros clínicos foram avaliados diariamente para cada um dos ovinos: freqüência cardíaca e respiratória, freqüência e intensidade dos movimentos do rúmen, temperatura retal, modificações do comportamento, da postura e movimentação. Por ocasião do exame, os animais eram retirados das baias e forçados a se movimentar por cerca de 20 minutos. Os ovinos que não tiveram morte espontânea, inclusive o controle, foram sacrificados por injeção endovenosa de barbitúrico. Todos os ovinos foram necropsiados e fragmentos de diversos órgãos foram fixados em formol a 10%, processados rotineiramente para histopatologia e corados pela hematoxilinaeosina (H.-E.). Para o exame macroscópico do coração, o órgão foi fatiado em cortes transversais com intervalos de aproximadamente 2 cm e depois fixado em formol a 10%. Amostras do bordo livre do ventrículo direito, do bordo livre do ventrículo esquerdo, do septo, do átrio direito e do átrio esquerdo foram processadas rotineiramente para histopatologia e coradas pela H.-E. e tricrômico de Masson modificado por Goldner para fibras colágenas. A fim de que o mesmo número de cortes de miocárdio de ovinos não-expostos à planta e de ovinos intoxicados por A. glazioviana fosse examinado na microscopia óptica, os corações de seis ovinos procedentes de zona livre de A. glazioviana foram colhidos no matadouro e processados da mesma maneira que a dos outros oito ovinos do experimento.

Depois de fixado, o encéfalo foi seccionado longitudinalmente e cada hemisfério foi seccionado transversalmente a intervalos de aproximadamente 1 cm. De um dos hemisférios, cinco regiões distintas foram sistematicamente processadas para histopatologia: 1) bulbo na altura do óbex, 2) cerebelo e pedúnculos cerebelares, 3) colículos rostrais, 4) hemisfério cerebral e tálamo na altura da massa intermédia e 5) córtex frontal e núcleos basais.

Tanto as lesões encontradas no miocárdio como as do encéfalo foram anotadas quanto a sua intensidade e distribuição nos diferentes fragmentos examinados. Uma graduação de zero (ausente) a 3 (acentuada) foi estabelecida para a intensidade as lesões. Para a melhor visualização da intensidade e distribuição das lesões foram preparados histogramas da seguinte maneira. Cada número de intensidade correspondia a uma unidade linear. Assim a barra de um histograma representando uma lesão com intensidade 3 (acentuada) teria o triplo da altura da barra representando uma lesão de intensidade 1 (leve). Os critérios para a colocação das lesões num desses três níveis foram subjetivos e dependeram da percepção de dois dos autores (A.L.S e C.S.L.B.) que revisaram as lâminas. No caso da presença de cistos de Sarcocystis sp nas fibras cardíacas, todos os cistos foram contados em cada uma das cinco secções de miocárdio examinadas em cada um dos 14 ovinos. Números de cistos de 1-8 foram considerados infestação leve, de 8-30 infestação média e acima de 30, infestação acentuada.

Fragmentos de 1x1 mm do bordo livre do ventrículo direito, do bordo livre do ventrículo esquerdo, do septo, do átrio direito e do átrio esquerdo dos Ovinos 3 e 4 foram fixados em solução de glutaraldeído a 2%, pós-fixados em tetróxido de ósmio a 1% e incluídos em resina Epon. Cortes semifinos foram corados pelo azul de metileno e regiões desses cortes foram selecionadas para realização dos cortes ultrafinos, que foram duplamente contrastados com acetato de uranila e citrato de chumbo e examinados em microscópio eletrônico de transmissão.

RESULTADOS

Sinais clínicos

O desfecho clínico dos experimentos com folhas verdes e folhas secas de Ateleia glazioviana realizados em ovinos constam do Quadro 1. Dos sete ovinos do experimento, três tiveram morte espontânea (Ov. 1, 3 e 4), dois (Ov. 2 e 7) foram sacrificados após apresentar quadro clínico avançado da toxicose e dois (Ov. 5 e 6) não adoeceram e foram sacrificados 103 dias após a última administração da planta. Os sinais clínicos iniciaram de 8 a 16 dias após a última administração da planta e, nos ovinos que tiveram morte espontânea, a duração do quadro clínico variou de 6 a 50 dias. Quando sacrificado, o Ovino 8 já não apresentava sinais clínicos. No Ovino 2 (em que a administração da planta foi feita em três séries), os sinais clínicos iniciaram respectivamente 8, 5 e 4 dias após o início de cada série.

Os sinais clínicos, comuns aos cinco ovinos que adoeceram, incluíam apatia, anorexia, taquipnéia e taquicardia. O animal relutava em se mover, mantinha a cabeça baixa e próxima ao solo, apresentava instabilidade dos membros posteriores, andar cambaleante e procurava apoiar o corpo nas paredes na baia (Fig. 1) Além desses sinais clínicos, dois animais (Ov. 1 e 4) apresentaram, nas fases finais do quadro clínico, poucas horas antes da morte, decúbito lateral e movimentos de pedalagem. Um dos animais (Ov. 3) teve "morte súbita". Esse animal caiu repentinamente ao solo quando estava sendo exercitado, morrendo poucos minutos após. O Ovino 4 foi encontrado morto pela manhã, tendo sido observado pela última vez às 20 horas do dia anterior. É provável que esse animal tenha morrido de modo semelhante ao Ovino 3.


Achados de necropsia

As lesões macroscópicas observadas consistentemente nos sete ovinos necropsiados foram áreas firmes, irregulares e branco-amareladas no miocárdio. Essas áreas podiam ser vistas através do epicárdio, mas eram observadas mais facilmente em cortes transversais do coração (Fig. 2). Essa lesão era acentuada no Ovino 3, moderada nos Ovinos 1, 2, 4, 5 e 7 e leve no Ovino 6. Hidrotórax (Fig. 3), caracterizado por líquido citrino na cavidade torácica, foi observado em quatro ovinos. Essa lesão era leve no Ovino 3 e moderada nos Ovinos 1, 4 e 7. Adicionalmente, havia filamentos de fibrina sobre a pleura visceral do Ovino 4. Hidropericárdio, caracterizado por líquido citrino, foi observado em quatro dos ovinos intoxicados; a lesão era acentuada no Ovino 1, moderada nos Ovinos 2 e 7 e leve no Ovino 4. Ascite moderada foi vista no Ovino 7. O fígado dos Ovinos 1 e 7 estavam levemente tumefeitos e com aspecto de noz-moscada; na superfície capsular e de corte, o padrão lobular estava acentuado por áreas vermelhas, firmes, de aspecto arboriforme circundadas por áreas de coloração mais clara (fígado de noz-moscada) (Fig. 4). Nos Ovinos 5 e 6, as lesões eram restritas ao coração. O Ovino 7 estava prenhe de um feto normal com aproximadamente três meses de gestação. Os achados de necropsia nos sete ovinos que receberam a planta encontram-se no Quadro 2.





Histopatologia

As alterações observadas no exame histológico do miocárdio dos ovinos deste experimento serão apresentadas em dois grupos: alterações presentes apenas nos animais tratados (que receberam a planta) e alterações presentes tanto nos animais tratados como nos controles.

Nos animais tratados as lesões iniciais eram caracterizadas por tumefação de fibras. O sarcoplasma dessas fibras era finamente granular, com perda das estriações e palidez (rarefação das miofibrilas), principalmente ao redor do núcleo. Essa alteração era particularmente visível nas fibras em cortes transversais. Alterações nucleares estavam presentes nos cardiomiócitos de virtualmente todos os animais tratados e consistentemente ausentes nos animais controle. Consistiam de aumento de volume, aumento no número e alteração na forma. Os núcleos apresentavam duas a três vezes o tamanho apresentado nos controles e eram vesiculares, arredondados, ovais ou alongados. Dois ou três núcleos, ocasionalmente mais, eram observados freqüentemente agrupados no sarcoplasma ou em fileiras. Os contornos nucleares apresentavam indentações ou tinham um aspecto convoluto. Em casos mais acentuados havia desaparecimento completo do sarcoplasma, restando apenas as lâminas basais colapsadas em meio a estroma intersticial condensado (fibrose passiva) e muitas vezes se observava uma lesão residual constituída por proliferação fibroblástica e deposição de colágeno acentuadas (Fig. 5). Em alguns casos havia necrose hialina e flocular de grande número de fibras ocasionalmente invadidas por células inflamatórias; regeneração incompleta associada a células gigantes foi observada ocasionalmente. A distribuição e intensidade dessas alterações são apresentadas no Quadro 3 e na Fig. 6.




Alterações presentes tanto no miocárdio dos ovinos tratados como no dos controles consistiam de eosinofilia de fibras e picnose nuclear. Essas alterações foram vistas em fibras isoladas e em agrupamentos de fibras. Ocasionalmente, esses agrupamentos de fibras eosinofílicas eram associados a infiltrado inflamatório mononuclear e fragmentos de fibras necróticas. No miocárdio de todos os 14 ovinos examinados observaram-se cistos de Sarcocystis sp que ocorriam em números variáveis. Nos cortes, os cistos apareciam em formas tubulares esféricas ou elípticas no sarcoplasma de miofibras cardíacas, no interior de fibras de Purkinje ou, ocasionalmente, no citoplasma de células endoteliais. Os cistos variavam de 20 mm até cerca de 200 mm de diâmetro e continham numerosos bradizoítos de 4 a 8 mm, basofílicos, elípticos ou em forma de banana. Em apenas um caso ocorreu inflamação não-supurativa associada a esses cistos quiescentes. O exame histológico do encéfalo dos Ovinos 2, 5, 6 e 8 (controle) não revelou alterações. O principal achado histológico no encéfalo dos Ovinos 1, 3, 4 e 7 foi degeneração esponjosa (status spongiosus) da substância branca. Essa alteração consistia de vacúolos redondos, ovóides ou alongados com diâmetro entre 5 e 50 mm que davam um aspecto cribroso à substância branca. Esses vacúolos não eram associados a vasos ou a neurônios. Ocorriam principalmente na substância branca do cerebelo, nos pedúnculos cerebelares, nos colículos e na substância branca subcortical, na junção córtico-medular. A intensidade e distribuição do status spongiosus por ovino e por região do encéfalo encontram-se no Quadro 4.


No exame histológico, a região centrolobular do fígado dos Ovinos 1 e 7 apresentava necrose, distensão dos sinusóides e hemorragia. Moderada fibrose era observada no Ovino 1. Os hepatócitos mediozonais apresentavam degeneração gordurosa. Não foram observadas lesões significativas nos outros órgãos examinados.

Achados ultra-estruturais

Na microscopia eletrônica de transmissão, a tumefação das mitocôndrias e o aumento da eletroluscência da matriz das mitocôndrias foram as lesões observadas mais precocemente (Fig. 7 e 8). Diversos cardiomiócitos exibiam degeneração e atrofia de miofibrilas e desaparecimento de sarcômeros, dispersão das linhas "Z" e depleção dos grânulos de glicogênio; essas alterações eram acompanhadas de desorganização e ruptura das membranas interna e externa das mitocôndrias. Nos núcleos, se observavam agrupamentos de cromatina e aumento da eletroluscência do nucleoplasma (Fig. 9). Ocasionalmente era observada duplicação nuclear. Em fases mais avançadas, numerosos vacúolos apareciam no sarcoplasma, alguns deles contendo corpos residuais, com ruptura do sarcolema, liberação de elementos do sarcoplasma para o interstício e necrose dos cardiomiócitos. Ao redor das células degeneradas ou necróticas, podiam ser observados macrófagos, fibroblastos e deposição de colágeno (Fig. 10).





DISCUSSÃO

A administração de folhas de Ateleia glazioviana causou intoxicação em ovinos. Quantidades diárias de 5 a 15 g/kg da planta induziram o quadro clínico da intoxicação em cinco ovinos, quando consumidas doses totais de até 125 a 375 g/kg. Quantidades diárias menores não produziram sinais clínicos; ovinos que receberam 60 administrações diárias de 2,5 (total de 75 g/kg) e 1,25 g/kg (total de 75 g/kg) não adoeceram, embora apresentassem lesões macro e microscópicas características da intoxicação por A. glazioviana. Não está afastada, portanto, a possibilidade que viessem a adoecer se lhes fosse permitido viver por mais tempo.

Os sinais clínicos e as lesões dos ovinos deste experimento são muito semelhantes aos que ocorrem na intoxicação espontânea por A. glazioviana em bovinos (Gava & Barros 2001, Gava et al. 2001). O quadro clínico foi caracterizado por insuficiência cardíaca crônica e sinais clínicos de distúrbios nervosos. Pelo menos um dos ovinos, que consumiu 180 g/kg em 18 dias, teve morte súbita.

Pelos dados deste experimento e dos experimentos e descrição da doença espontânea em bovinos (Gava & Barros 2001, Gava et al. 2001), parece claro que tanto ovinos como bovinos que consomem A. glazioviana em grandes quantidades em poucos dias desenvolvem sinais clínicos de distúrbios nervosos que podem causar a morte, mas que são potencialmente reversíveis. Quantidades menores por períodos longos induzem lesão miocárdica e insuficiência cardíaca. Na intoxicação experimental por A. glazioviana em bovinos (Gava et al. 2001), apenas dois dos 14 terneiros testados tiveram morte espontânea, embora seis fossem sacrificados com sinais clínicos acentuados; esses seis terneiros receberam doses totais de 10 a 120 g/kg, administradas em doses únicas (10 e 50 g/kg) ou doses diárias de 10 g/kg (totais de 50, 70 e 120 g/kg) ou de 20 g/kg (total de 60 g/kg), mas nenhum deles desenvolveu lesão significativa no miocárdio. É descrito (Gava et al. 2001) que bovinos que consomem 10 g/kg da planta por dia mostram sinais clínicos a partir do quarto dia (40 g/kg); caso a ingestão continue, os sinais clínicos se agravam e ocorre a morte a partir do sétimo dia (70 g/kg). Neste experimento, os três ovinos que ingeriram 10 g/kg por dia iniciaram a manifestação dos sinais clínicos no oitavo (80 g/kg), nono (90 g/kg) e décimo terceiro (130 g/kg) dias. Esses dados sugerem que os bovinos são mais sensíveis que os ovinos à ação tóxica de A. glazioviana. Além disso, doses diárias menores (7,5 a 2,5 g/kg) provocam, nos bovinos, sinais clínicos a partir do quinto e décimo sexto dia respectivamente, quando a dose total atinge 40 g/kg (Gava et al. 2001); nesses casos pode haver recuperação se a ingestão da planta for interrompida, mas ocorrerão lesões cardíacas e morte em casos com ingestão de quantidades acima de 100 g/kg.

O quadro clínico e as lesões dos ovinos intoxicados por A. glazioviana são semelhantes aos da intoxicação espontânea por essa planta em bovinos o que permite o uso dessa espécie animal como modelo para estudo da patogenia das lesões induzidas pela intoxicação. As vantagens de se usar os ovinos nesses estudos consistem em ser esses animais mais baratos e mais dóceis, consumir menos planta e apresentar resultados experimentais mais consistentes. Neste estudo, foi demonstrado que os ovinos desenvolvem facilmente a insuficiência cardíaca e os distúrbios nervosos associados às lesões cardíacas e encefálicas características da doença.

As lesões cardíacas macroscópicas relacionadas com a administração da planta em ovinos consistiram de áreas claras no miocárdio. Na microscopia óptica, essas áreas correspondiam a degeneração/necrose de miofibras e fibrose intersticial. Essa lesão era difusa no miocárdio, mas é particularmente acentuada no ventrículo esquerdo e nos átrios. A primeira alteração observada na microscopia parece ser tumefação das fibras e perda da eosinofilia da miofibra cardíaca, principalmente ao redor do núcleo. Essa impressão foi confirmada pela microscopia eletrônica de transmissão que revelou tumefação das mitocôndrias e diminuição da matriz das mitocôndrias como lesões mais precoces. As observações em microscopia óptica e eletrônica sugerem a seguinte seqüência de eventos: em casos mais avançados ocorre perda de miofibrilas até um ponto em que a fibra se torna um tubo vazio limitado pelo sarcolema que acaba colapsando. Ao se examinar uma lâmina do miocárdio nesse estágio, vêem-se áreas multifocais pálidas (menos eosinofílicas) que correspondem a áreas de perdas de fibras e fibrose passiva. Com o tempo a fibrose pode dominar o quadro histológico. Em vários casos observou-se necrose hialina e flocular das fibras cadíacas. Essas lesões eram associadas a fenômenos inflamatórios e a tentativas de regeneração (fagocitose por macrófagos e, ocasionalmente, células multinucleadas). Não foi possível determinar se essas lesões eram estágios mais avançados das lesões iniciais de tumefação celular ou se ocorriam independentemente.

As lesões iniciais no miocárdio de ovinos na intoxicação experimental por A. glazioviana se enquadram no que é descrito em histopatologia como miocitólise coliquativa (Robinson & Maxie 1993). O correspondente ultra-estrutural dessas alterações é descrito como degeneração miofibrilar (Ghadially 1998) e é caracterizado como edema intracelular com degeneração de miofibrilas e outras organelas. Essas alterações, no entanto, são inespecíficas e podem estar associadas a várias causas. Embora existam variações no aspecto microscópico dos cardiomiócitos em casos de necrose/degeneração cardíaca e tenha havido tentativas de associar esses diferentes padrões microscópicos a determinadas causas, não é ainda possível a realização de qualquer associação conclusiva desse tipo (Robinson & Maxie 1993). As alterações ultra-estruturais encontradas nos ovinos deste experimento são muito semelhantes às descritas para os casos de intoxicação experimental em ovinos por Pachystigma pygmaeum (Kellerman et al. 1988), também considerada uma lesão inespecífica.

Cinco entre sete dos ovinos dos ovinos intoxicados por A. glazioviana apresentaram sinais de distúrbios nervosos, caracterizados principalmente por incoordenação, instabilidade e apatia. Sinais de distúrbios nervosos semelhantes têm sido relatados em bovinos intoxicados espontânea e experimentalmente por A. glazioviana (Gava & Barros 2001, Gava et al. 2001). Na intoxicação por A. glazioviana em bovinos esses sinais clínicos têm sido atribuídos à degeneração esponjosa (status spongiosus) da substância branca do encéfalo e tem sido sugerido que essa alteração tende a regredir uma vez que a causa seja retirada (Hooper 1975, Gava et al. 2001). Os dados deste experimento confirmam essas afirmações. Dos cinco ovinos que apresentavam sinais clínicos de distúrbios nervosos, quatro tinham degeneração esponjosa da substância branca no exame histológico do encéfalo. O Ovino 2 que não apresentou essa alteração neurológica foi o único animal cujos sinais clínicos regrediram e que estava clinicamente normal no momento da eutanásia. Esse fato é uma indicação adicional que a lesão é reversível e responsável pelos sinais clínicos. A intensidade das lesões de status spongiosus foram proporcionais à duração do quadro clínico, isto é, os Ovinos 3, 4 e 7 que tiveram cursos clínicos variando de 6 a 11 dias apresentaram lesões leves ou moderadas; o Ovino 1, que teve um curso clínico de 50 dias, apresentou lesões moderadas ou acentuadas.

O aspecto morfológico de degeneração esponjosa da substância branca nos ovinos deste experimento se assemelha muito ao que foi descrito na hiperamonemia em terneiros (Cho & Leipold 1977) e na intoxicação Helichrysum argyrosphaerum em ovinos e cabras (Van der Lugt et al. 1996). Nessas duas condições, a lesão consiste de um edema intramielínico com separação das lamelas de mielina ao longo das linhas intraperiódicas. A distribuição de status spongiosus nos ovinos deste experimento são também semelhantes às descritas nessas duas condições e nos casos de intoxicação por Senecio spp em bovinos (Barros et al. 1992) e envolvem principalmente a substância medular do cerebelo, os pedúnculos cerebelares, os colículos cerebelares e a substância branca subcortical, na junção com a substância cinzenta.

As lesões microscópicas encontradas no miocárdio dos ovinos deste experimento são qualitativamente as mesmas encontradas em outras cardiomiopatias tóxicas induzidas em ruminantes domésticos por plantas como A. glazioviana em bovinos (Gava & Barros 2001), Tetrapterys acutifolia e T. multiglandulosa (Tokarnia et al. 1990, Peixoto et al. 1995), Pachystigma pygmaeum, P. thamnus, Pavetta harborii, P. schumaniana e Fadogia monticola (Kellerman et al. 1988) e Acacia georginae (Whittem & Murray 1963), ou substâncias tóxicas como antibióticos ionóforos (Bastianello et al. 1995, Barros 1998a) e por deficiência de selênio e/ou vitamina E (Barros 1998b).

Algumas alterações observadas no miocárdio dos ovinos deste experimento ocorreram tanto nos animais tratados como nos controles. Um conhecimento dessas lesões inespecíficas é essencial para a avaliação histológica do miocárdio. Essas alterações consistiram de fibras eosinofílicas e com núcleos picnóticos, infiltrados inflamatórios mistos no interstício (algumas vezes associados à fagocitose de restos de fibras necróticas) e cistos parasitários (Sarcocystis sp). Esses cistos parasitários são comuns nos músculos esqueléticos e cardíaco de ovinos e bovinos. Como as alterações de eosinofilia e as alterações inflamatórias foram observadas igualmente nos ovinos tratados e nos controles, elas obviamente não podem ser atribuídas aos efeitos da planta. A eosinofilia tem sido descrita em casos de insuficiência cardíaca aguda, mas também num número igual de corações de ovinos normais (Newsholme & Coetzer 1984) e é provável que, em ambos os casos, uma percentagem se trate de artefatos causados pela contração da fibra no fixador. Como a eosinofilia de fibras é também uma alteração precoce do miocárdio causada por isquemia (Robinson & Maxie 1993) e pela ação de catecolaminas endógenas (Bastianello et al. 1995), é importante uma comparação cuidadosa com um número suficientemente grande de controles para permitir uma correta avaliação das lesões tóxicas do miocárdio.

Infiltrados inflamatórios associados ou não a focos de necrose de miofribas ocorreram, neste experimento, igualmente no miocárdio de ovinos tratados e de ovinos controles e são um achado comum no miocárdio de ovinos e bovinos (Newsholme & Coetzer 1984). Sarcosporídios (Sarcocystis spp) são causas potenciais de miocardite focal em ovinos e bovinos (Robinson & Maxie 1993, Taylor 2000). Cistos de Sarcocystis sp foram encontrados nas fibras de condução cardíaca (fibras de Purkinje), nas fibras miocárdicas e no citoplasma de células endoteliais no miocárdio de todos os ovinos deste estudo. Raramente havia infiltrado inflamatório associado a cistos íntegros. É descrito que cistos degenerados ocorrem associados a focos de miocardite não-supurativa e degeneração focal de fibras miocárdicas (Robinson & Maxie 1993), como é o caso das lesões incidentais descritas aqui no miocárdio dos ovinos. Embora a sarcocistose seja a causa mais provável da miocardite multifocal não supurativa incidental observada neste estudo, não foi possível, pelas técnicas histológicas aqui empregadas, identificar-se fragmentos de cistos degenerados associados aos focos inflamatórios. É discutido se a degeneração de miofibras que ocorre associada a sarcocistose é primária (devida à ação do parasita) ou se a degeneração da fibra libera bradizoítos para o interstício (Robinson & Maxie 1993) onde não mais estariam protegidos da resposta imunológica e incitariam resposta inflamatória e necrose adicional de fibras. Isso sugere uma possibilidade interessante de que as lesões tóxicas do miocárdio e dos músculos esqueléticos poderiam ser amplificadas por esse mecanismo.

O princípio ativo de A. glazioviana permanece indeterminado. No entanto, a planta é reconhecida como ictiotóxica (Ortega & Schenkel 1987) e isoflavonas foram relatadas como responsáveis por esse efeito (Ortega & Schenkel 1986). Extratos aquosos e hidroetanólicos obtidos das folhas de A. glazioviana, quando administrados por injeção intraperitoneal a ratas prenhes, induziram aumento da reabsorção fetal, diminuição do ganho de peso e abortos (Langeloh et al. 1992, Marona et al. 1992).

2Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, Área de Concentração em Patologia Veterinária, Centro de Ciências Rurais, UFSM.

3Departamento de Patologia, UFSM, 97105-900 Santa Maria, Rio Grande do Sul. E-mail: cslb@sm.conex.com.br

4Faculdade de Veterinária, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), 96010-900 Pelotas, RS.

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  • 1
    Aceito para a publicação em 26 de maio de 2001.
    Trabalho financiado pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX). Parte da dissertação de Mestrado do primeiro autor, defendida no Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, Área de Concentração em Patologia Veterinária, Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 16 de março de 2001.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Nov 2001
    • Data do Fascículo
      Set 2001

    Histórico

    • Aceito
      26 Maio 2001
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