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Erradicação ou manejo integrado das miíases neotropicais das Américas?

Eradication or integrated managment of neotropical myiases of the Americas?

Resumos

A erradicação da bicheira, Cochliomyia hominivorax dos EUA, da América Central e do Norte da África tornou-se uma realidade criando e liberando machos estéreis. Por que nos não decidimos também erradicar este inseto da América do Sul? Antes de tomar uma atitude corajosa, nós discutiremos neste trabalho as razões científicas, ecológicas e econômicas. O berne, Dermatobia hominis não tem sido erradicado de nenhum pais, devido a que não dispomos de técnicas para sua criação massal em dietas artificiais. Estão faltando também estudos sobre a dispersão, comportamento sexual e sítios de agregação dos adultos no campo. Devido a que as miíases continuarão sendo controladas basicamente com inseticidas, recomendações para manejar a resistência aos inseticidas e estudos sobre métodos alternativos são discutidos visando um Manejo Integrado do berne e da bicheira com fundamentos ecológicos.

Bicheira; Cochliomyia hominivorax; berne; Dermatobia hominis; myiases


The eradication of the screwworm, Cochliomyia hominivorax, from USA, Central America and the North of Africa has been achieved by rearing and releasing sterile males. Why we do not decide to eradicate this insect from the southamerican countries too? In this paper the scientific, ecological and economic reasons before taking such a courageous decision are discussed. The human botfly, Dermatobia hominis, has not been eradicated from any country, because there is so far no technique available for mass production in artificial diets. Studies on dispersion, sexual behavior and aggregation sites of the adults in the field are also not known. Why the neotropical myiases will continue to be treated basically with chemicals, recommendations for insecticide resistance management and studies on alternative methods are discussed trying to apply in the future an ecologically based pest management of the screwworm and the human botfly.

Screwworm; Cochliomyia hominivorax; human botfly; Dermatobia hominis; myiases


TÓPICO DE INTERESSE GERAL

Erradicação ou manejo integrado das miíases neotropicais das Américas?

Eradication or integrated managment of neotropical myiases of the Americas?

Gonzalo E. Moya Borja

Departamento de Parasitologia Animal, Instituto de Veterinária, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ 23851-970, Brasil. E-mail: gemoya@ufrrj.br

RESUMO

A erradicação da bicheira, Cochliomyia hominivorax dos EUA, da América Central e do Norte da África tornou-se uma realidade criando e liberando machos estéreis. Por que nos não decidimos também erradicar este inseto da América do Sul? Antes de tomar uma atitude corajosa, nós discutiremos neste trabalho as razões científicas, ecológicas e econômicas. O berne, Dermatobia hominis não tem sido erradicado de nenhum pais, devido a que não dispomos de técnicas para sua criação massal em dietas artificiais. Estão faltando também estudos sobre a dispersão, comportamento sexual e sítios de agregação dos adultos no campo. Devido a que as miíases continuarão sendo controladas basicamente com inseticidas, recomendações para manejar a resistência aos inseticidas e estudos sobre métodos alternativos são discutidos visando um Manejo Integrado do berne e da bicheira com fundamentos ecológicos.

Termos de indexação: Bicheira, Cochliomyia hominivorax, berne, Dermatobia hominis, myiases.

ABSTRACT

The eradication of the screwworm, Cochliomyia hominivorax, from USA, Central America and the North of Africa has been achieved by rearing and releasing sterile males. Why we do not decide to eradicate this insect from the southamerican countries too? In this paper the scientific, ecological and economic reasons before taking such a courageous decision are discussed. The human botfly, Dermatobia hominis, has not been eradicated from any country, because there is so far no technique available for mass production in artificial diets. Studies on dispersion, sexual behavior and aggregation sites of the adults in the field are also not known. Why the neotropical myiases will continue to be treated basically with chemicals, recommendations for insecticide resistance management and studies on alternative methods are discussed trying to apply in the future an ecologically based pest management of the screwworm and the human botfly.

Index terms: Screwworm, Cochliomyia hominivorax, human botfly, Dermatobia hominis, myiases.

ASPECTOS GERAIS

Introdução

A erradicação da bicheira, Cochliomyia hominivorax, dos Estados Unidos da América (EUA) e dos países centro-americanos, assim como também da Líbia e no Norte da África (Graham 1985, Vargas-Terán 1991) mostrou como a ciência e a tecnologia podem ajudar a resolver alguns problemas causados por esta praga (Knipling 1955). Infelizmente após a erradicação nos EUA, começaram a aparecer as primeiras consequências indesejáveis. A erradicação de C. hominivorax do Texas e da Flórida permitiu o incremento das populações do veado da cauda branca, Odocoileus virginianus, ocasionando picos populacionais de Boophilus microplus em áreas onde este carrapato já havia sido controlado (Pedigo 1999). O aumento populacional de outros herbívoros que provavelmente foi regulado pela bicheira vem provocando erosão dos solos devido ao excessivo pastoréio.

Cochliomyia hominivorax é uma espécie nativa da América, e se esta praga voltar a aparecer na África ou em outro continente, quais seriam os elementos do controle biológico disponíveis na América para exportar ao lugar da invasão e iniciar um controle biológico clássico? O combate da bicheira na América do Sul realiza-se fundamentalmente com inseticidas organofosforados. Por quê C. hominivorax não tem apresentado resistência a esta classe de químicos apesar de seu uso por mais de 25 anos?

Outro inseto que provoca miíases nos animais domésticos e selvagens na América Latina é o berne, Dermatobia hominis. Este inseto é, basicamente, controlado pela aplicação de inseticidas e também, após 25 anos do uso dos organofosforados, não se tem problemas de resistência. Deve-se tentar uma erradicação do berne da América Latina usando a técnica dos machos esterilizados com radiação gama? Existem programas de manejo integrado das miíases neotropicais? Quais são os níveis de dano econômico causados pelas larvas de berne nos bovinos que justifiquem seu tratamento? Neste Tópico de Interesse Geral pretende-se analisar e discutir qual é o futuro das miíases tropicais: erradicação ou manejo integrado? Qual é o futuro dos inseticidas? Antes de tentar responder as várias interrogações pensa-se ser importante apresentar uma revisão dos principais aspectos relacionados com a biologia, a epidemiologia, a importância econômica e o controle da bicheira e do berne.

Aspectos da biologia e epidemiologia da bicheira, Cochliomyia hominivorax

As larvas de C. hominivorax provocam miíases traumáticas nos animais domésticos e selvagens. A bicheira é uma praga séria, especialmente dos bovinos, ovinos, equinos, caprinos e caninos. Entre os animais selvagens parasitados por este inseto, observados em reservas ecológicas, parques florestais ou zoológicos, se encontram os veados, tatus, tamanduás, pacas, elefantes, lobos marinhos, avestruzes e varias espécies de felinos. Estudos ecológicos realizados na América Central e no Brasil usando armadilhas orientadas pelo vento (Oliveira et al. 1982) ou animais sentinelas com feridas induzidas indicam que este parasito é mais abundante durante os meses do verão, os quais normalmente coincidem com um período maior de chuvas.

Uma população alta destas moscas se encontra nas bordas de florestas com uma alta concentração de animais domésticos. Nos bovinos, qualquer ferida provocada pela castração, descorna, marcação, nascimento de bezerros, mordida de morcegos, picadas de carrapatos, brigas entre animais ou arame farpado se torna um lugar atraente para a ovoposição (Guimarães & Papavero 1999). As fêmeas de C. hominivorax são fortemente atraídas pelas feridas e na busca de animais com lesões podem voar até 350 Km durante seu período de vida. Em certos casos a disseminação da bicheira pode chegar a milhares de quilômetros nos animais infestados quando transportados por avião ou por barco. Assim foi como C. hominivorax invadiu a Líbia (África), no ano de 1988, por meio das ovelhas vivas parasitadas importadas dos países da América do Sul (Gabaj et al. 1989).

Quando uma mosca encontra uma ferida, coloca na borda da mesma uma massa de até 400 ovos. As larvas eclodem nas primeiras 24 horas e penetram na ferida, dilacerando constantemente os animais e alimentando-se de tecido vivo. Infestações subsequentes nas feridas com bicheiras chegam a matar os animais. O período larval da bicheira pode variar de 5 a 7 dias nos bovinos e o período pupal de 8 a 10 dias. As fêmeas que emergem copulam uma só vez e os machos de 4 a 5 vezes. A primeira postura pode ocorrer entre os cinco a dez dias. A longevidade média dos adultos, no laboratório, é de 28 dias. Encontrar um animal ferido não é muito frequente, por esta razão a mosca tem desenvolvido quimioreceptores muito sensíveis aos odores emanados pelas feridas com bicheiras. Estudos sobre o comportamento desta mosca, no campo, indicam que este parasito não entra em diapausa nos meses de inverno (Thomas 1993, Guimarães & Papavero 1999).

Importância econômica da bicheira

A importância econômica deste parasito é inegável. O custo pela convivência com este parasito foi de 120 milhões de dólares nos EUA em 1960 (Baumhover 1966) e de 156 milhões de dólares no México em 1982 (Snow et al. 1985). O custo das medidas preventivas e de controle na América Central e Panamá atingem os 43 milhões de dólares por ano (Snow et al. 1985). No Brasil as perdas provocadas por esta praga tem sido calculadas em 150 milhões de dólares por ano (Grisi et al. 2002). Infelizmente não se conhecem os prejuízos provocados pela bicheira nos outros países da América do Sul.

Controle da bicheira

Devido a ovoposição da mosca nas feridas, uma das primeiras recomendações é manejar adequadamente os animais para evitar feridas desnecessárias. Aparentemente não existem animais resistentes à bicheira, qualquer ferida é um foco de atração para as moscas. Castrações, marcações, descornas e nascimento de bezerros devem ser programados para épocas de parasitismo baixo. Se os animais chegam a ser parasitados, o tratamento químico é a única alternativa.

Os inseticidas organofosforados são utilizados no controle da bicheira e entre os mais usados tem-se o coumaphos, ronnel, chlorpyrifos, chlorfenvinfos e trichlorfon. Estes inseticidas têm uma eficácia residual relativamente curta e os animais devem ser inspecionados e tratados com freqüência para evitar reinfestações. Nos últimos anos foram descobertas as avermectinas com excelentes propriedades endectocidas. A doramectina tem demostrado alta eficácia no controle da bicheira. Uma dose única de 200 mcg de doramectina por kg de peso vivo dos bovinos, causa 100% de mortalidade das larvas durante duas semanas.

Iscas artificiais (Swormlure) contendo DDVP têm sido utilizadas para diminuir as populações dos adultos no campo. Armadilhas orientadas pelo vento contendo como isca fígado deteriorado são usadas nos estudos de flutuação sazonal dos adultos e podem ser integradas no combate preventivo de C. hominivorax (Graham 1985, Drummond et al. 1988, Moya Borja et al. 1993b, Hall & Wall 1995).

O controle biológico da bicheira não constitui o fator principal na redução das populações da praga. Uma tentativa para reduzir a bicheira nos EUA, liberando grandes quantidades do braconídio, Alysia ridibunda, criados no laboratório não teve o êxito desejado. Na Líbia foram encontrados os ácaros Macrocheles muscadomesticae e Trichotromidium muscarum sobre os adultos de C. hominivorax, mas se desconhece o efeito parasitário (McGarry et al. 1992).

Aspectos da biologia e da epidemiologia do berne, Dermatobia hominis

Estudos sobre a biologia e comportamento de Dermatobia hominis tem sido realizado no Brasil, Argentina, Colômbia, Costa Rica e Honduras (Neiva & Gomes 1917, Neel et al. 1955, Koone & Banegas 1959, Moya Borja 1966, Banegas et al. 1967, Mateus 1967, Lombardero & Fontana 1968, Sancho 1988, Hall & Wall 1995, Guimarães & Papavero 1999). As moscas copulam nas primeiras 24 horas após a emergência. Poucas horas depois da fertilização, as fêmeas começam a freqüentar os bovinos ou eqüinos onde se encontram várias espécies de dípteros que podem ser usados como foréticos (vetores). As moscas do berne se aproximam lentamente ao futuro vetor de seus ovos, o capturam no ar e, após sua imobilização, depositam uma massa de ovos na parte latero-ventral do abdome. Têm sido reportadas mais de 50 espécies de foréticos pertencentes as seguintes famílias: Muscidae, Anthomyiidae, Tabanidae, Sarcophagidae, Culicidae, Simulidae e Cuterebridae. No entanto, Sarcopromusca pruna, Stomoxys calcitrans, Musca domestica, Fannia pusio e Haematobia irritans são consideradas as espécies mais importantes no transporte dos ovos da mosca do berne (Bates 1943, Neel et al. 1955, Moya Borja 1966, 1982, Mateus 1967).

De acordo com Bates (1943), um bom forético deve ter um tamanho moderado, hábitos zoófilos, diurnos e de pouca mobilidade. Os ovos do parasito incubam durante 8 dias sobre o forético e quando este pousa sobre um hospedeiro as larvas emergem e se transferem para o animal com muita agilidade. As larvas penetram na pele intacta através do folículo piloso provocando uma miiase nodular cutânea. O tamanho dos nódulos ou furúnculos aumentam à medida que as larvas crescem e as secreções purussanguinolentas excretadas através das aberturas dos furúnculos atraem um maior número de insetos, aumentando assim a possibilidade de uma maior reinfestação pelas larvas do berne.

O período larval varia de 35 a 42 dias (Silva Junior et al. 2002). As larvas maduras abandonam o hospedeiro durante a noite ou nas primeiras horas da madrugada para evitar a ação abrasiva dos raios solares ou a ação dos parasitos e predadores diurnos e caem no solo para pupar. Os solos relativamente úmidos ajudam na penetração das larvas e na formação de pupas normais. A emergência dos adultos provenientes das larvas que puparam sobre a superfície é drasticamente diminuída (Lobo & Zeledón 1984). O período pupal dos machos e das fêmeas a 25ºC e 80% de umidade relativa é de 30 e 32 dias, respectivamente. A longevidade média dos adultos é de 3 dias em laboratório (Moya Borja 1981). O ciclo de vida de D. hominis se completa entre 80 e 150 dias (Banegas et al. 1967, Guimarães & Papavero 1999).

Este inseto habita as áreas de bosques e parasita praticamente todos os mamíferos silvestres. Entre os animais domésticos os mais afetados são os bovinos e os caninos e com menor intensidade os bubalinos, equinos e suínos (Brito et al. 2001). No laboratório tem sido possível criar as larvas em ratazanas, coelhos e camundongos (Chaia et al. 1975). Em zonas de alta infestação o homem é parasitado com frequência. Em 1927 no Brasil foi observado que 44% de 819 pessoas que moravam perto de um bosque de eucaliptos estiveram infestadas com berne. Nesta mesma região, a infestação dos bovinos, equinos, suinos, muares e asininos foi de 100, 9.3, 12.3, 17 e 5%, respectivamente (Andrade 1927). Na atualidade não se tem observado essas porcentagens de infestação, graças ao uso e a eficácia dos inseticidas, os quais têm diminuído as populações do berne no campo. Na Costa Rica o berne aparece com certa freqüência na população rural infantil. As agências de ecoturismo no Panamá começam a preocupar-se com o ataque do berne aos turistas que visitam a Zona do Canal. Nem Dermatobia nem seus foréticos que habitam a floresta boliviana, respeitaram os guerrilheiros de Che Guevara.

Outro detalhe importante é a distribuição do berne nos animais do rebanho. Poucos animais estão altamente infestados e um grande número tem pouco ou nenhum berne. Esta distribuição do berne nos bovinos é similar à curva de distribuição binomial negativa. Estudos, usando milhares de peles de bovinos recém abatidos nos matadouros do Rio de Janeiro comprovaram este tipo de distribuição e uma concentração das larvas por animal na parte anterior e na paleta (Brito & Moya Borja 2001).

Em muitos países latino-americanos têm-se observado que os animais de pelagem escura são mais atacados que os de pelagem clara; devido, entre outras razões, a cor escura que atrai com maior intensidade as moscas e mosquitos, alguns dos quais podem estar portando ovos de D. hominis (Sancho 1988). Outra justificativa é que os animais de raças européias não se adaptam bem aos climas tropicais e, nas horas de maior calor, tendem a refugiar-se à sombra dos arbustos e árvores onde se encontram as moscas do berne e seus foréticos. Tem-se observado também que a espessura da pelagem dos bovinos ajuda na transferência das larvas do berne do vetor ao hospedeiro. O gado zebuíno, melhor adaptado aos trópicos, é menos atacado pelo berne, entre outras razões, devido a sua pelagem clara e curta.

Não se deve confundir o menor parasitismo do gado Zebú como resistência desta raça ao berne, já que não existe diferença entre zebuínos e bovinos quando ambas raças são infestadas artificialmente com igual número de larvas de berne recém-eclodidas. Faltam estudos para conhecer as verdadeiras causas da resistência dos animais ao berne, já que nos rebanhos aparentemente puros, poucos animais são altamente parasitados. D. hominis não ataca as aves. Alguns investigadores confundiram pássaros parasitados pelas larvas do gênero Philornis com as larvas do berne (Guimarães & Papavero 1999).

Dermatobia hominis é uma espécie endêmica na região Neotropical. A presença do berne está associada com regiões que têm temperaturas moderadamente altas durante o dia e relativamente frias durante a noite, precipitação de mediana a abundante, vegetação densa e um número razoável de animais. Focos de alta infestação são observados em fazendas localizadas nas encostas dos Andes na Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia que descem para a região amazônica e fazendas de pecuária localizadas na Mata Atlântica dos Estados da Bahia, Espirito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Outros ecossistemas preferidos pela mosca do berne em algumas regiões do Sudeste e Centro-Oeste do Brasil e nas províncias de Misiones e Corrientes da Argentina, são aquelas formadas pelas fazendas atravessadas por rios ou riachos que correm entre montes com sombras produzidas pela vegetação (Lombardero & Fontana 1968).

Nas regiões onde se apresentam estações úmidas e secas bem marcadas a infestação do parasito diminui significativamente durante a estação seca (Magalhães & Lima 1988). Nos países do Cone Sul incluindo alguns estados do sul do Brasil, as infestações dos bovinos se iniciam durante a primavera, atingem seu pico máximo no verão e diminuem durante o outono. Programas para incrementar áreas florestais na Argentina e no Uruguai estão favorecendo a incidência deste parasito nos bovinos, indicando que a mosca do berne está adaptada a viver nas margens da floresta. Em relação a altitude, o berne parece não ultrapassar os 1.400 metros, mas é muito comum a 600 metros sobre o nível do mar (Neel et al. 1955).

Importância econômica do berne

Os prejuízos causados pelo berne na América Latina têm sido estimados em 260 milhões de dólares por ano como resultado da diminuição na produção do leite, carne e a desvalorização das peles (Grisi et al. 2002). Nas áreas de alta infestação os animais jovens susceptíveis podem chegar a infestar-se com mais de 1.000 larvas, infestação que pode ser letal. No Panamá, durante o biênio de 1928 a 1929, morreram mais de 1.000 bovinos devido ao ataque do berne. Em certas ocasiões quando as infestações de D. hominis são altas, as feridas deixadas pelas larvas demoram a cicatrizar-se facilitando a infestação com larvas de C. hominivorax.

No Brasil sete milhões de peles de bovinos por ano são declaradas peças de baixa qualidade devido ao alto número de perfurações provocadas pelas larvas do berne. Neste mesmo país, alguns estudos relacionados com as perdas de peso dos animais infestados não demostraram uma ação prejudicial do berne (Magalhães & Lesskiu 1982). Não existem estudos científicos sobre o efeito do berne sobre a produção do leite.

Controle do berne

O controle químico do berne é um pouco complicado pelas seguintes razões: (1) grande diversidade de hospedeiros alternativos tanto silvestres quanto selvagens; (2) grande número de espécies de insetos vetores dos ovos de D. hominis; (3) sistemas de exploração extensivo do gado bovino na maioria das regiões do trópico úmido, cerrados e pampas; e (4) uso de inseticidas com proteção residual curta.

Nas décadas de 1950 e 1960 foram sintetizados os inseticidas sistêmicos organofosforados. Estes produtos têm sido aplicados nos animais por via oral, subcutânea, intramuscular, pulverização, ''pour on'' e ''spot on'' com resultados variáveis. Nas pequenas fazendas pecuárias o produto mais usado é o trichlorfon devido a sua eficácia e a seu custo barato; desafortunadamente, a proteção residual é muito curta, o que obriga a tratar os animais com mais freqüência. Os piretróides comumente usados como carrapaticidas e mosquicidas têm pouca ação letal contra o segundo e terceiro ínstar do berne, mas são excelentes repelentes dos foréticos e chegam a controlar o primeiro ínstar quando tentam penetrar na pele. As doses destes produtos usados como carrapaticidas ajudam no combate ao berne. As avermectinas são os endectocidas mais recentes e mais potentes que se dispõe para o combate ao berne. Doses de 200 mcg/kg de peso vivo tanto da ivermectina, abamectina, como da doramectina são altamente eficazes no controle de todos os ínstares de D. hominis (Hall & Wall 1995, Costa & Freitas 1960/61, Moya Borja 1982, Drummond et al. 1988, Moya Borja et al. 1993a,b, Guimarães & Papavero 1999).

O combate indireto do berne por meio do controle dos dípteros vetores está se tornando uma realidade com o uso da ivermectina e da doramectina, pois, fezes provenientes de bovinos tratados com estas substâncias não permitiram o desenvolvimento das larvas de S. pruna 28 dias após o tratamento (Pedroso-de-Paiva & Moya Borja 1996). Falta, no entanto, conhecer o efeito tóxico destes endectocidas sobre outros organismos associados com o bolo fecal.

Em relação ao controle biológico, se tem encontrado alguns microhimenópteros, tais como Trichopria (Ashmeadropia) mendesi, Spalangia nigroaenea e Tachinaephagus zealandicus parasitando pupas de D. hominis. Estes parasitóides completam seu ciclo alimentando-se do conteúdo das pupas do berne, mas, não conseguem sair dos pupários devido a forte esclerotização das pupas. A porcentagem de parasitismo por parte dos microhimenópteros ''Kamikaze'' é muito baixa. A esclerotização forte da cutícula faz com que a pupa permaneça nos solos por 30 a 90 dias com uma reduzida ação dos fungos entomopatogênicos, tais como Metarhizium anisopliae e Beauveria bassiana.

As espécies de formigas, Solenopsis germinata, Solenopsis invicta, Steatoma quadridens e Pheidola fallax têm sido observadas predando larvas e pré-pupas do berne. O ácaro M. musca-domesticae foi observado sobre pupas e adultos de D. hominis e é possível que um número grande destes ácaros possam dificultar a cópula e especialmente a captura dos vetores (Moya Borja 1966). O controle biológico dos ectoparasitos dos bovinos é bastante complexo (Richardson 1978). Em relação ao berne faltam estudos sobre o verdadeiro papel dos agentes do biocontrole que poderiam ser incorporados em um futuro manejo integrado.

ERRADICAÇÃO DAS MIÍASES NEOTROPICAIS

Erradicação de Cochliomyia hominivorax dos EUA e da América Central

O sonho de erradicação de C. hominivorax nos EUA e na América Central deve tornar-se uma realidade no presente ano após cinco décadas de estudos relacionados com a biologia, o comportamento, a criação massal em dieta artificial, a distribuição, a abundância, a genética, o controle químico e o efeito da radiação ionizante sobre a fertilidade dos adultos e a um custo médio de um bilhão de dólares. É importante enfatizar que a erradicação da bicheira foi possível graças a participação ativa dos pecuaristas e aos estudos realizados pelos investigadores dos EUA, USDA e de vários países da America Latina. No Panamá será mantida uma zona livre da bicheira, com liberação constante de machos estéreis, para evitar a reinfestação com moscas de C. hominivorax provenientes da América do Sul. Ante esta realidade, pergunta-se por que os países sul-americanos não estabelecem um programa de erradicação similar?

Erradicação de Cochliomyia hominivorax da América do Sul

O primeiro país da América do Sul a sonhar com a erradicação de C. hominivorax foi o Brasil. Em 1984, o Dr. Norvan L. Meyer do USDA foi convidado pelos veterinários da Secretaria da Defesa Sanitária Animal do Ministério da Agricultura para discutir sobre a possibilidade da erradicação da bicheira do Brasil. Em seu relatório menciona que é possível erradicar esta praga do País após um período de 5 a 10 anos e a um custo aproximado de 150 a 200 milhões de dólares por ano. O mesmo valor seria gasto anualmente para manter uma zona livre de 6.500 km de fronteira com outros países vizinhos com problemas de bicheiras e liberando de 800 milhões a 1,6 bilhões de moscas estéreis por semana. Em 1994, o Dr. Moisés Vargas Teran, da FAO, apresentou uma palestra no Symposium on Tropical Myiasis, sobre a Erradicação da bicheira do continente americano e sugere a sua erradicação tendo em vista que C. hominivorax causa perdas de 3,6 bilhões de dólares por ano na América Central e América do Sul.

As perdas econômicas provocadas pela bicheira na América Latina, aparentemente não são tão altas como as calculadas nas áreas já erradicadas. Assim, por exemplo, o custo de inspeção dos animais na África do Norte bem como seu tratamento foi calculado em 5 dólares/animal/ano. Como a população nesta área é de 50 milhões de animais, o custo seria de 250 milhões/ano. No Brasil este custo atingiria 800 milhões de dólares/ano, considerando unicamente 160 milhões de bovinos.

A venda de ''matabicheiras'' no Brasil, para tratar todas as espécies de animais, atinge aproximadamente 8 milhões de dólares/ano; isto sugere que as bicheiras não são tão freqüentes de modo que as perdas devem ser menores. De uma maneira geral, na América do Sul os três ectoparasitos dos bovinos em ordem de importância econômica são: (1) O carrapato Boophilus microplus; (2) A larva da mosca D. hominis; e (3) A larva da mosca C. hominivorax. Devido as duas primeiras pragas apresentarem-se nos bovinos com maior freqüência obriga aos pecuaristas a tratar seus animais. Como na maioria destes tratamentos são usados endectocidas, os quais são também eficazes contra as bicheiras, os pecuaristas não têm mostrado interesse em novas alternativas de combate e desconhecem o método de erradicação com insetos estéreis. Eles sabem que a melhor opção é a prevenção e, no caso da infestação, o tratamento químico. Se no futuro se toma a decisão de erradicar esta praga, estudos preliminares sobre a distribuição e abundância da bicheira na América do Sul, bem como pesquisas sobre genética, ecologia e etologia desta praga são indispensáveis.

Estudos preliminares indicam que não existem diferenças genéticas acentuadas como para impedir a cópula entre moscas adultas de várias regiões da América do Sul (Taylor et al. 1996). Isto é muito importante tendo em vista que os critérios para o sucesso do uso dos machos estéreis baseiam-se em: (1) excelente produção tanto da quantidade como da qualidade dos insetos estéreis; (2) liberação dos insetos estéreis o mais próximo possível das populações alvo; e (3) cópulas compatíveis dos machos esterilizados com as fêmeas alvo (Mangan 1985). Os êxitos e fracassos dos pesquisadores do hemisfério Norte devem ser assimilados pelos da América do Sul antes de iniciar os estudos de erradicação (Richardson 1978).

Estudos sobre a distribuição e a abundância da bicheira e dos hospedeiros selvagens na região amazônica devem ser enfatizados. C. hominivorax provavelmente é um parasito regulador das populações dos animais selvagens. Darwin em seu famoso livro ''A Origem das Espécies'', observou que bovinos, eqüinos e caninos introduzidos no Paraguai e em outros países latinos não se tornaram selvagens por que as populações destes animais foram controladas por uma mosca que oviposita no cordão umbilical dos animais recém-nascidos. A única mosca que tem este comportamento é a que mais tarde foi denominada cientificamente Cochliomyia hominivorax. Estudos de laboratório e de campo mostram que as feridas provocadas pelos morcegos podem ser infestadas com bicheiras. Pode C. hominivorax ser considerada uma espécie indispensável na regulação das populações dos animais selvagens? O impacto ecológico a ser provocado pela erradicação da bicheira na região amazônica é imprevisível.

Erradicação de Dermatobia hominis da América Latina

Os insetos candidatos a serem erradicados usando a técnica dos machos esterilizados com radiação gama devem cumprir os seguintes requisitos: (1) a criação maciça no laboratório deve ser fácil e relativamente barata; (2) a dispersão no campo deve ser fácil; (3) a radiação gama não deve reduzir nem a longevidade e nem o vigor sexual dos machos; (4) os insetos irradiados não devem causar dano nem transmitir nenhum agente patogênico ao homem, aos animais ou as plantas; e (5) a população da praga deve ser baixa em alguma época do ano. Com exceção do primeiro, o berne cumpre com todos os requisitos.

Muitos pesquisadores têm tentado criar as larvas do berne em dietas similares as utilizadas para criar as larvas da bicheira, sem entretanto obter nenhum sucesso (Zeledón & Silva 1987). A criação de milhões de larvas do berne em animais de laboratório ou em bovinos estabulados tornaria o projeto de erradicação extremadamente caro. Problemas similares tiveram os pesquisadores ao tentar erradicar do Canadá e do Norte dos EUA as moscas Hypoderma bovis e Hypoderma lineatum. Em pequena escala conseguiram erradicar estes parasitos usando inseticidas sistêmicos e liberando machos estéreis criados sobre bovinos. Este programa internacional foi descontinuado pela dificuldade de criar as larvas em dietas artificiais e seu combate continua realizando-se basicamente com inseticidas (Kunz et al. 1990).

Em maio de 2001, foi organizado no Panamá o ''Primer Simposio Regional Sobre el Tórsalo'' para discutir a possibilidade de erradicação do berne, D. hominis, na América Central. A conclusão mais importante deste evento foi que não existem estudos que quantifiquem os danos econômicos causados pelo berne na produção de carne, leite e na desvalorização das peles dos bovinos em todos os países centro-americanos. Outra conclusão foi reconhecer que a erradicação deste parasito não é uma alternativa viável e que os métodos de controle sejam aprimorados para um combate eficaz ao berne. A infra-estrutura montada nesta área para a erradicação da bicheira pode ser de grande importância para fazer estudos preliminares sobre a distribuição e a abundância do berne, disseminação e comportamento sexual dos machos esterilizados no campo, flutuação sazonal dos foréticos dos ovos de D. hominis nos diferentes ecossistemas, e, principalmente na criação das larvas em dietas artificiais. Como o método de liberação de machos estéreis baseia-se fundamentalmente no comportamento sexual dos machos, estudos aprofundados devem ser realizados em vários ecossistemas.

As primeiras observações realizadas por Guimarães & Papavero (1999) sugeram que os machos de D. hominis congregam-se em certos lugares aonde acudem as fêmeas para copular. A esta conclusão chegaram estes autores após ter coletado 12 machos numa árvore ubicado acima de um pequeno morro no Estado de Rio de Janeiro. Estudos realizados por Catts (1982) nos EUA com várias especies de moscas da familia Cuterebridae reforçam a conclusão de Guimaraes & Papavero (1999). No entanto, pesquisas mais aprofundadas com moscas da D. hominis marcadas devem ser realizadas no campo. Machos vírgens marcados devem ser liberados durante as primeiras horas do dia a diferentes distâncias da Mata Atântica, por exemplo, para saber se eles congregam-se em sítios determinados. Após 24 horas fêmeas virgens marcadas devem ser liberadas nos mesmos pontos em que foram liberados os machos para saber se elas voam para os sítios onde acham-se os machos para copular.

Comumente as fêmeas de D. hominis ovipositam sobre outros dípteros foréticos; no entanto, no Panamá foi observado por um pesquisador uma fêmea larvípara. Será que em alguns lugares da América existem cepas que colocam diretamente sobre os animais ovos ou larvas? Um fenômeno curioso vem sendo observado no Panamá e na Costa Rica nas áreas em que foram liberadas milhões de moscas estéreis de C. hominivorax é que as infestações dos bovinos com D. hominis estão aumentando. Como no laboratório as moscas do berne ovipositam sobre as moscas da bicheira, faz-se pensar que o mesmo está acontecendo em campo.

MANEJO DA RESISTÊNCIA DAS LARVAS DO BERNE E DA BICHEIRA AOS INSETICIDAS

De uma maneira geral as larvas da bicheira e do berne são controladas pelos mesmos princípios ativos dos inseticidas. Como não se dispõem de alternativas ao controle químico dos agentes causais das miíases, nossa responsabilidade aumentou no sentido de um uso adequado, moderado e inteligente dos mesmos.

É interessante notar que após 25 anos de tratamento do berne com triclorfon não se tem comprovado resistência de D. hominis ao inseticida devido as seguintes razões:

1. Grande número de espécies de foréticos com diversificado comportamento alimentar, o que permite ao berne dispersar-se por meio deles e sobreviver em hospedeiros alternativos não tratados;

2. Ciclo de vida de D. hominis muito extenso. Entre os insetos que desenvolveram resistência aos inseticidas, em sua maioria encontram-se aqueles com ciclos de vida curtos, tais como H. irritans; e

3. Animais ''refúgios''. Animais sem tratamento onde se refugiam os parasitos. Devido a grande maioria dos animais zebuínos serem pouco infestados pelo berne, eles não são tratados com inseticidas, o que permite que neles subexistam insetos com genes susceptíveis que mais tarde ao copular com as moscas resistentes virão a diluir o gene, ou genes que provocam a resistência.

Não se tem observado resistência da bicheira aos inseticidas organofosforados após décadas de uso devido as seguintes razões: (1) Animais de pequeno porte tais como ovelhas, quando estão parasitadas pelas larvas da bicheira tendem a separar-se do rebanho o que dificulta seu tratamento. Normalmente estes animais são reinfestados e terminam morrendo, permitindo que sobrevivam populações da bicheira sem contato com inseticidas; (2) a bicheira ataca a um grande número de espécies de hospedeiros, muitas das quais não são tratadas com inseticidas; e (3) a dispersão das moscas, provenientes de larvas sobreviventes dos tratamentos químicos, no ato da procura de hospedeiros com feridas pode chegar a centenas de quilômetros, o que faz que os indivíduos com genes resistentes se disseminem facilmente.

MANEJO INTEGRADO DAS MIÍASES NEOTROPICAIS

O manejo integrado de pragas (MIP) nasceu basicamente como uma reação dos pesquisadores ao uso excessivo dos inseticidas no combate as pragas. Quando ainda se chamava de controle integrado a idéia era alternar o uso dos inseticidas com o controle biológico. Entomologistas convidados pela FAO definiram o MIP como ''um sistema de controle que, no contexto do meio ambiente e da dinâmica da população da praga, utiliza todas as técnicas e métodos adequados da melhor forma compatível possível e mantém a população da praga abaixo daqueles níveis que causam danos econômicos consideráveis''.

Para as pragas em que é possível aplicar o MIP, dois parâmetros são considerados indispensáveis: (1) Nível de dano econômico (NDE) - definido como a população mais baixa da praga que começa a causar danos econômicos nos hospedeiros e que justifica seu tratamento; e (2) Umbral econômico (UE) - definido como a densidade populacional da praga na qual medidas de combate devem ser iniciadas para evitar que a população atinja o NDE. Estes parâmetros são imprescindíveis na tomada de decisões no combate a uma praga. A fórmula indicada para calcular o NDE surgiu para responder aos produtores a pergunta: Qual é o numero de insetos que deve ter uma planta ou um animal que justifique seu controle ou manejo? Com esta finalidade Stern et al. (1959) criaram a seguinte fórmula:

NDE = C/VxDxk.

Onde: C = custo do tratamento por animal; V = valor do kg de peso comerciável; D = danos econômicos em kg provocados por cada larva de berne; k = porcentagem de eficácia do tratamento ou do manejo.

De todos estes valores o dano provocado por cada berne é o mais complicado de ser calculado. Experimentos de campo nos quais se observaram diferenças de peso entre os animais tratados e testemunhas, ajudam a estimar a perda de peso causada por um berne. As perdas de peso dos bovinos provocado por uma larva em experimentos realizados por vários pesquisadores, nos estados de Minas Gerais (Costa & Freitas 1960/61), Paraná (Magalhães & Lesskiu 1982) e Rio de Janeiro (Moya Borja et al. 1998) foram de 27, 43 e 45 g, respectivamente. Em experimentos realizados na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro comparando o ganho de peso do grupo de bovinos controles (sem larvas de berne) com o ganho de peso dos grupos de animais infestados artificialmente com diferentes proporções de larvas e usando a análise de regressão linear (Y = a - bx) observou-se uma perda de peso de 22 g por larva. Supondo que se queira calcular o NDE para um animal de 100kg, onde o custo do tratamento é de US$ 0,70, uma eficácia do tratamento de 100% (= 1) e onde o valor de cada kg de peso é igual a US$ 0,583, o NDE seria de 54,5 larvas de berne por animal. Este nível indica que o tratamento unicamente justifica-se o animal estar parasitado por este número de bernes.

Para se produzir peles de boa qualidade os animais deveriam ser tratados com inseticidas preventivamente. Nestes casos, o MIP do berne deixa de ser prático. Isto porque as mesmas 54 larvas na pele de cada animal as desvalorizariam acentuadamente. O MIP exige um monitoramento constante dos animais para conhecer o número de larvas antes do tratamento. O MIP, embora mencionado com muita freqüência nos eventos científicos, na prática é uma ilusão. Sua implementação precisa de vários estudos indispensáveis para poder: (1) determinar os níveis de dano econômico causados pelo berne nos bovinos de diferentes idades, sexo, raças, sistemas de criação e ecossistemas; (2) prever a dinâmica populacional destes insetos em diferentes ecossistemas; e (3) determinar a eficácia dos elementos do controle biológico sobre estes insetos considerados pragas, e o efeito deles sobre outros organismos não pragas.

Em relação a C. hominivorax deve-se reconhecer que as medidas para evitar os diferentes tipos de feridas, previnem o ataque da bicheira. Se as medidas preventivas falham o tratamento químico das bicheiras são indispensáveis para evitar a morte dos animais. Seria absurdo pensar em determinar qual é o NDE causado pela bicheira. Alguns pesquisadores não consideram a erradicação como parte dos princípios do MIP, pois a erradicação é considerada como a eliminação total e completa de grandes áreas de uma praga e o MIP, uma convivência com a praga. Devido ao fato que na atualidade depende-se exclusivamente dos inseticidas para o combate aos insetos citados, e que todos os programas do MIP incluem, em certos momentos o uso de inseticidas, estudos relacionados com o manejo da resistência dos insetos aos inseticidas (MRII) devem ser iniciados urgentemente. Sem, entretanto, esquecer os estudos ecotóxicos causados pelos inseticidas.

CONCLUSÕES

(1) Tecnicamente é possível erradicar a bicheira da América do Sul, mas seu impacto ambiental é imprevisível;

(2) Não existe interesse dos países sulamericanos em participar nos projetos extremamente caros e de longa duração, como é o caso da erradicação de C. hominivorax. Nestes países existem prioridades indispensáveis, tais como a saúde e a educação de seus habitantes. Os países centro-americanos conseguiram sua erradicação graças à ajuda técnica, científica e fundamentalmente econômica dos EUA;

(3) Práticas preventivas no sentido de evitar ferimentos nos animais continuam sendo recomendáveis, mas quando eles chegam a serem infestados pelas larvas de bicheira, o uso de inseticidas é indispensável;

(4) Controle químico das miíases continuará sendo um método indispensável, por este motivo, as recomendações para o manejo da resistência da bicheira e do berne aos inseticidas devem ser obedecidas;

(5) A erradicação de D. hominis da América Latina, no momento, é impossível devido ao fato de não ter-se conseguido criar as larvas em forma maciça em dietas artificiais;

(6) Na maioria dos países latinos se desconhecem as perdas econômicas causadas pelo berne na produção de leite e de carne;

(7) O manejo integrado do berne continuará sendo um desafio por muito tempo para os cientistas e extensionistas, pois no momento, o único método de combate ao berne é o químico; e

(8) Pesquisas relacionadas com a distribuição e a abundância do berne, raças resistentes dos bovinos, vacinas, controle biológico do berne e dos foréticos e uso de princípios ativos vegetais foram iniciadas na América Latina e devem ser estimuladas, caso se deseje que o MIP de D. hominis seja uma realidade.

Recebido em 29 de novembro de 2002

Aceito para publicação em 7 de março de 2003

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2003
  • Data do Fascículo
    Set 2003

Histórico

  • Aceito
    07 Mar 2003
  • Recebido
    29 Nov 2002
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