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Epidemiologia e sinais clínicos da conidiobolomicose em ovinos no Estado do Piauí

Epidemiology and symptoms of conidiobolomycosis in sheep in the State of Piauí, Brazil

Resumos

Foi realizado um estudo de ocorrência da conidiobolomicose ovina em 25 rebanhos no Estado do Piauí, de janeiro de 2002 a dezembro de 2004. A enfermidade acometeu apenas ovinos e ocorreu principalmente em abril-julho. A incidência média anual foi de 2,80% e a incidência semestral foi significativamente mais alta (P <0,05) no primeiro semestre (2,10%), durante a época chuvosa, do que no segundo semestre (0,69%), durante a seca. A incidência entre rebanhos variou de 0,1-14,3% e a letalidade foi de 100%. Ao exame clínico, os animais apresentavam apatia, emagrecimento progressivo, secreção nasal serosa, mucosa e/ou hemorrágica, dificuldade respiratória, respiração ruidosa, febre e na maioria dos casos assimetria crânio-facial e exoftalmia. Alguns ovinos permaneciam com a cabeça baixa ou a pressionavam contra objetos. O curso clínico foi de 1-5 semanas. As lesões macroscópicas, microscópicas e ultrastructurais e a identificação do agente são descritas separadamente. Este é o primeiro registro de conidiobolomicose em ovinos no Brasil, enfermidade endêmica no Estado do Piauí, associada à alta pluviosidade (1000-1600mm anuais) e alta temperatura (19-36ºC).

Conidiobolomicose; Conidiobolus coronatus; zigomicose; sinais clínicos; epidemiologia; ovinos


Conidiobolomycosis is reported in 25 farms, from January 2002 to December 2004, in the state of Piauí. The disease affects only sheep, mainly in April-June. The mean morbidity rate was 2.80%, but was higher in the first semester (2.1%), during the raining period, than in the second one (0.69%), during the dry period. Morbidity rate among flocks varied from 0.1-14.3%. Case fatality rate was 100%, and the clinical manifestation period varied from 1-5 weeks. Clinical signs were serous, mucous and/or bloody nasal secretion, respiratory distress, snoring respiration, cranium-facial asymmetry, exophthalmia, fever and progressive emaciation. Marked depression, sometimes with the head down or head pressing was observed in some cases. Gross, microscopic and ultrastructural lesions and identification of the agent are reported elsewhere. This is the first report of conidiobolomycosis in Brazil, which is endemic and has a high frequency in sheep in the State of Piauí, associated with high rainfalls (1000-1600mm annually) and high temperature (19-36ºC).

Conidiobolomycosis; Conidiobolus coronatus; zygomycosis; clinical signs; epidemiology; sheep


Epidemiologia e sinais clínicos da conidiobolomicose em ovinos no Estado do Piauí

Epidemiology and symptoms of conidiobolomycosis in sheep in the State of Piauí, Brazil

Silvana M.M.S. SilvaI,* * Autor para correspondência: silvanammss@ufpi.br ; Roberto S. CastroII; Francisco A.L. CostaI; Anilton C. VasconcelosIII; Maria do Carmo S. BatistaIV; Franklin Riet-CorreaV; Eulália M.S. CarvalhoVI; João B. LopesVII

IDepto Clínica e Cirurgia, Centro de Ciências Agrárias (CCA), Universidade Federal do Piauí (UFPI), Campus da Socopo, Teresina, PI 64049-550, Brasil

IIDepto Medicina Veterinária, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Rua Dom Manoel s/n, Dois Irmãos, Recife, PB 52171-900

IIILaboratório de Apoptose, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antonio Carlos 6627, Pampulha, Cx. Postal 2486, Belo Horizonte, MG 31270-901

IVDepto Morfofisiologia Veterinária, CCA-UFPI, Teresina, PI

VHospital Veterinário, CSTR, Universidade Federal de Campina Grande, Patos, PB 58700-0-00

VIDepto Fitotecnia, CCA, UFPI, Teresina, PI

VIIDepto Zootecnia, CCA, UFPI, Teresina, PI

RESUMO

Foi realizado um estudo de ocorrência da conidiobolomicose ovina em 25 rebanhos no Estado do Piauí, de janeiro de 2002 a dezembro de 2004. A enfermidade acometeu apenas ovinos e ocorreu principalmente em abril-julho. A incidência média anual foi de 2,80% e a incidência semestral foi significativamente mais alta (P <0,05) no primeiro semestre (2,10%), durante a época chuvosa, do que no segundo semestre (0,69%), durante a seca. A incidência entre rebanhos variou de 0,1-14,3% e a letalidade foi de 100%. Ao exame clínico, os animais apresentavam apatia, emagrecimento progressivo, secreção nasal serosa, mucosa e/ou hemorrágica, dificuldade respiratória, respiração ruidosa, febre e na maioria dos casos assimetria crânio-facial e exoftalmia. Alguns ovinos permaneciam com a cabeça baixa ou a pressionavam contra objetos. O curso clínico foi de 1-5 semanas. As lesões macroscópicas, microscópicas e ultrastructurais e a identificação do agente são descritas separadamente. Este é o primeiro registro de conidiobolomicose em ovinos no Brasil, enfermidade endêmica no Estado do Piauí, associada à alta pluviosidade (1000-1600mm anuais) e alta temperatura (19-36ºC).

Termos de indexação: Conidiobolomicose, Conidiobolus coronatus, zigomicose, sinais clínicos, epidemiologia, ovinos.

ABSTRACT

Conidiobolomycosis is reported in 25 farms, from January 2002 to December 2004, in the state of Piauí. The disease affects only sheep, mainly in April-June. The mean morbidity rate was 2.80%, but was higher in the first semester (2.1%), during the raining period, than in the second one (0.69%), during the dry period. Morbidity rate among flocks varied from 0.1-14.3%. Case fatality rate was 100%, and the clinical manifestation period varied from 1-5 weeks. Clinical signs were serous, mucous and/or bloody nasal secretion, respiratory distress, snoring respiration, cranium-facial asymmetry, exophthalmia, fever and progressive emaciation. Marked depression, sometimes with the head down or head pressing was observed in some cases. Gross, microscopic and ultrastructural lesions and identification of the agent are reported elsewhere. This is the first report of conidiobolomycosis in Brazil, which is endemic and has a high frequency in sheep in the State of Piauí, associated with high rainfalls (1000-1600mm annually) and high temperature (19-36ºC).

Index terms: Conidiobolomycosis, Conidiobolus coronatus, zygomycosis, clinical signs, epidemiology, sheep.

INTRODUÇÃO

Conidiobolomicose (zigomicose) é uma doença granulomatosa rara que afeta o homem e animais. É causada por Conidiobolus spp., fungo da ordem Entomophtorales e classe Zygomycetes (Lacaz 1981). O fungo tem predileção pelo trato respiratório, mas pode atingir outras partes do organismo (Ribes et al. 2000). Em animais a enfermidade pode ser causada por Conidiobolus coronatus, C. incongruus e C. lamprageus (Humber et al. 1989, Zamos et al. 1996, Morris et al. 2001). Conidiobolus spp. são encontrados no solo, vegetação decomposta e insetos, ocorrendo preferencialmente em regiões de clima tropical e subtropical (Emmons et al. 1977, Ajello 1988, Carrigan et al. 1992). Em animais a doença foi descrita em cavalos (Miller 1983, Mendoza & Alfaro 1985, Bauer et al. 1997), ovinos (Carrigan et al. 1992), muares (Johnston et al. 1967), golfinhos (Medway 1980), macacos (Roy & Cameron 1972), lhamas (Moll et al. 1992, French & Ashworth 1994) e cervos (Stephens & Gibson 1997). Em ovinos é uma doença geralmente fatal, provocada pelo C. incongruus; a morbidade varia de 0,01-1% e atinge animais de todas as idades (Carrigan et al. 1992, Ketterer et al. 1992, Morris et al. 2001).

O Brasil é um país de grande diversidade geográfica e de organização da produção pecuária. A ovinocultura brasileira é caracterizada basicamente por dois perfis, (1) um para produção de carne e pele, abrangendo principalmente a Região Nordeste, de clima tropical, e que atualmente encontra-se em expansão para outras regiões; (2) o outro para produção de lã e carne, mais restrito à Região Sul onde o clima é temperado (IBGE 2002).

Há muitos anos, no Estado do Piauí, vem ocorrendo uma enfermidade que acomete o sistema respiratório superior de ovinos provocando aumento de volume da porção posterior da cavidade nasal, exoftalmia, dificuldade respiratória, emagrecimento e morte do animal. Durante muito tempo a doença foi diagnosticada, erroneamente, como tumor etmoidal enzoótico, mas recentemente foi comprovado por estudos histopatológicos e microbiológicos (Silva et al. 2007), que se trata de uma infecção por Conidiobolus spp. (Conidiobolomicose). Duas formas clínicas da enfermidade têm sido diagnosticadas: uma rinofacial, afetando o vestíbulo nasal, união muco-cutânea do nariz, lábio superior, pele do focinho e região proximal da fase e palato duro (Riet Correa et al. 2003, Silva et al. 2007); e outra, nasofaríngea, afetando a região etmoidal, conchas nasais, seios paranasais, palato mole, órbita, faringe, músculos e linfonodos regionais (Riet-Correa et al. 2007, Silva et al. 2007). Nesta última, a extensão da lesão para a órbita causa exoftalmia e lesões oculares, que geralmente são unilaterais (Silva et al. 2007). No Nordeste, pareceria que ambas formas da enfermidade ocorrem separadamente; Conidiobolus coronatus foi identificado morfologicamente na forma nasofaríngea (Silva et al. 2007) e C. lamprageus foi isolado da forma rinofacial (Mendoza 2006). Estudos de seqüenciamento do DNA e filogenéticos estão em andamento na Universidade de Michigan para confirmar a identificação de isolamentos de Conidiobluus isolados das duas formas da doença. A forma rinofacial tem sido observada também na Paraíba (Riet-Correa et al. 2003), e Ceará (Barbosa 2004) e a forma nasofaríngea na Paraíba (Riet-Correa et al. 2007) e no Ceará (Silva 2006). Relatos de Veterinários mencionam a ocorrência em outros estados do Nordeste, incluindo Pernambuco e Bahia, e no Rio de Janeiro (Borges 2004). Em ovinos, na Austrália a enfermidade é causada por Conidiobolus incongruus e ambas formas, rinofacial e nasofaríngea ocorrem simultaneamente (Ketterer et al. 1992), Enquanto que Morris et al. (2001), em Trinidad Tobago, observaram somente a forma nasofaríngea.

Na literatura consultada não há registros de surtos com acompanhamento das propriedades e descrição precisa dos eventos epidemiológicos. Neste trabalho são descritos os principais achados epidemiológicos e sinais clínicos observados durante a investigação da conidiobolomicose em 25 rebanhos na região semi-árida do Piauí, Brasil. Detalhes da patologia macroscópica, histológica e ultra-estrutural da enfermidade e do isolamento e identificação de Conidiobolus coronatus são descritos separadamente (Silva et al. 2007).

MATERIAL E MÉTODOS

Caracterização da área trabalhada

O estudo foi realizado no Estado do Piauí, que está localizado na região Nordeste do Brasil (Fig.1) situado entre 2º44' e 10º 52' de latitude sul e entre 40º 25' e 45º 59'' de longitude ocidental. Possui uma superfície de 251.529,186 km2, é dividido politicamente em quatro Mesorregiões e 15 Microrregiões Homogêneas (MRH), que compreendem 223 municípios, com uma população estimada 2.840.969 habitantes (IBGE 2002, Medeiros 2004). As propriedades localizavam-se em municípios das mesorregiões do Norte-Piauiense, abrangendo as microrregiões do Baixo Parnaíba e do Litoral Piauiense (Altitude 59,6m) e na mesorregião do Centro-Norte Piauiense, envolvendo as microrregiões de Teresina (Altitude 75,5m), Campo Maior (Altitude 125,0m) e Valença (Altitude 256,0m). Nestas regiões o índice pluviométrico varia de 1.000-1.600mm. O clima é classificado como tropical, com estações meteorológicas bem definidas, com chuvas de dezembro-abril e seca de maio-novembro; a temperatura varia de 19-36ºC e a umidade relativa do ar de 40-80% (Medeiros 2004). A vegetação predominante é a floresta semidecídua e vegetação de transição que inclui o cerrado e a caatinga (IBGE 2002). O rebanho é constituído por ovinos deslanados predominantemente mestiços ou puros, principalmente das raças Santa Inês e Morada Nova, geralmente criados de maneira semi-extensiva: durante o dia permanecem soltos no pasto nativo ou cultivado e à noite retornam à abrigos; em alguns casos é fornecida aos animais suplementação volumosa e/ou mineral.


Coleta de dados

No período de 3 anos, foram realizadas visitas semestrais no final dos períodos chuvoso e seco, de 2002-2004, em criações onde foram relatados casos da doença. Por ocasião das visitas aplicou-se um questionário ao responsável pela criação. Na primeira visita, foram obtidas informações sobre o histórico do problema na propriedade, incluindo: espécie acometida, curso e evolução da doença, utilização ou não de tratamento, época do ano que ocorre, registro de casos em fazendas próximas e há quanto tempo à doença surgiu na criação. Nas visitas subseqüentes foram levantados os casos ocorridos no semestre e o número de animais expostos.

Foram considerados casos os animais afetados pela doença popularmente conhecida como "funga", que segundo os responsáveis pelas criações apresentavam as seguintes alterações: isolamento do rebanho, secreção nasal catarral ou sangüinolenta, dificuldade respiratória, ruído respiratório e na maioria das vezes exoftalmia unilateral. A população sob risco (número de animais expostos) foi definida, para o cálculo da incidência anual, como a média do número de ovinos existentes nas criações no 1º e 2º semestre de cada um dos 3 anos estudados; para o cálculo da incidência semestral foi considerada a média de cada semestre (1º e 2º) nos 3 anos.

Análise estatística

Considerando se tratar de doença com letalidade de 100%, a incidência foi adotada como medida da morbidade (Pereira 1995). Mediante o teste de Qui-quadrado, utilizando-se o Programa Epi Info. Versão 6.0 (Dean et al. 2001), foram verificadas as possíveis associações entre a incidência da doença, o ano e o semestre.

RESULTADOS

A doença foi diagnosticada em 25 criações de 12 municípios da região estudada (Fig.1). Durante a primeira visita, os responsáveis pelas 25 criações informaram que a enfermidade ocorria apenas em ovinos, mesmo havendo criação conjunta de caprinos em 70% dos rebanhos visitados, com população de quase 3.000 cabeças. O curso variava de 1-5 semanas e a evolução era invariavelmente letal. Havia tentativas de tratamento com antibióticos, e/ou vermífugos em 68% das criações, porém sem o uso de antimicóticos. A maioria dos produtores (88%) informou ainda que a doença ocorresse principalmente no final das chuvas, e 92% informaram que em outras propriedades próximas também foram observados casos. Em 16% das criações a doença tinha sido registrada pela primeira vez há menos de 1 ano, porém há um registro de ocorrência há mais de 30 anos (Quadro 1).


No período de 3 anos de estudo foi observado uma população média de 6.194 ovinos nas 25 criações, onde a incidência anual média da doença foi de 2,80%, variando de 2,46-3,48%, e a taxa de letalidade de 100%. Verificou-se que houve associação entre a incidência de conidiobolomicose e o ano (c2; P< 0,05) (Quadro 2). A incidência por rebanho variou de 0,1-14,2% (Quadro 3).



No Quadro 4 estão apresentadas as incidências semestrais, onde se observou que houve associação entre semestre e a incidência da doença (c2; P<0,05), sendo mais elevada no primeiro semestre (2,10%) do que no segundo (0,69%). A Figura 2 mostra a distribuição da precipitação pluviométrica dos anos de 2002-2004 em municípios de ocorrência da doença, onde as chuvas são concentradas principalmente no primeiro semestre. Nesta região a temperatura varia de 19-36ºC e a umidade relativa do ar de 40-80%.



Os animais submetidos aos exames clínico e anatomo-patológico (n = 60) eram principalmente fêmeas (63,3%) e com idade variável, sendo que 65% tinham 1-5 anos. Os principais sinais clínicos caracterizaram-se por anorexia, apatia, febre, dificuldade respiratória, respiração ruidosa e descarga nasal serosa, mucosa e/ou hemorrágica (Fig.3); na maioria dos casos observou-se assimetria crânio-facial e exoftalmia (Fig.3 e 4 ) com ou sem perda da visão. Nesse caso o olho apresentava aumento de tamanho, a maioria das vezes com lesões ulcerativas e inflamatórias do globo ocular e conjuntivite (Fig.3 e 4 ). Alguns animais apresentavam sinais nervosos incluindo depressão, cabeça baixa e pressão da cabeça contra objetos. Há emagrecimento progressivo e os animais morrem em 1-5 semanas. A freqüência de cada sinal clínico observado apresenta-se no Quadro 5.



À necropsia observou-se uma massa de aspecto nodular ou granular, de consistência mole e friável e coloração amarelada, localizada na região etmoidal. Muitas vezes invadia os seios nasais, placa cribiforme, órbita ocular e linfonodos regionais. Em 33 ovinos a lesão invadia as meninges e/ou a região frontal do cérebro. Em 27 animais houve disseminação para os pulmões, em 2 para os rins e em um para o coração e vesícula biliar À microscopia revelou reação granulomatosa, com presença de hifas circundadas pelo fenômeno de Splendore-Hoeppli. Em cultivos de materiais das lesões foi isolado Conidiobolus sp. identificado como morfologicamente como Conidiobolus coronatus por Elisabeth Maria Heins-Vacarri e Natalia Takahashi de Melo do Laboratório de Micologia, Instituto de Medicina Tropical de São Paulo-USP, e por Leonardo Rodrigues do Laboratório de Micologia, Instituto de Ciências Biológicas da UFMG (Silva et al. 2007).

DISCUSSÃO

Apesar de que a doença altamente letal descrita neste trabalho era observada há muitos anos em ovinos no estado do Piauí, ainda não havia sido conduzido um estudo sistemático, que permitisse descrever os principais eventos epidemiológicos a ela relacionados.

É possível que a concentração de casos na Mesorregião Norte e Centro-Norte do Estado deva-se ao fato de que grande parte das propriedades localizava-se próxima à Teresina, local onde o estudo estava sendo realizado. No entanto, devemos considerar que o regime de precipitação pluviométrica anual nestes municípios é de 1.000-1.600mm, representando os mais elevados índices do Estado, enquanto nas demais regiões variam de 400-800mm (Medeiros 2004). É possível que alta freqüência da enfermidade seja devida à alta freqüência de chuvas em um período curto, associada com as altas temperaturas observadas na região. Desta forma ocorreriam 3 fatores importantes para o desenvolvimento do fungo: umidade; temperatura; e presença de matéria vegetal morta. Essa hipótese é sugerida, também, pela incidência significativamente maior da doença no primeiro semestre do ano, pois com as chuvas há maior crescimento do pasto, com maior quantidade de material decomposto, propiciando condições favoráveis para o crescimento do fungo (Clark & Edington 1968, Carrigan et al. 1992). De acordo com o relato dos produtores na primeira visita, 88% das criações apresentam a enfermidade no final das chuvas, entre os meses de abril e julho. Nesse período a temperatura e a umidade relativa do ar são compatíveis com as exigidas para o crescimento de Conidiobolus spp. (King & Jong 1976, Segura et al. 1981, Carrigan et al. 1992, Ketterer et al. 1992, Kwon-Chung & Bennett 1992).

Nas criações visitadas era comum a criação conjunta de ovinos, caprinos e outras espécies, entretanto, a enfermidade só ocorreu em ovinos. Sabe-se que caprinos e bovinos fazem a apreensão das pastagens a maior altura do chão que os ovinos, o que, provavelmente, favorece a contaminação destes, pois Conidiobolus spp. é um fungo comumente encontrado no solo e em folhas decompostas (Kwon-Chung & Bennett 1992). Apesar de a espécie eqüina ser a mais acometida por essa doença em outros países (Chauhan et al. 1973), no presente estudo não foi registrado nenhum caso de conidiobolomicose em eqüinos.

O curso clínico agudo ou subagudo, bem como a evolução invariavelmente fatal, podem estar relacionados à variações na virulência do agente, susceptibilidade do ovino e ausência de tratamento antifúngico. O diagnóstico tardio e possivelmente o rápido curso da doença podem contribuir para essa letalidade. Há registro de cura em cavalos com lesões da traquéia (Steiger & Williams 2000) e em humanos com lesões na cavidade nasal (Souza Filho et al. 1992, Tadano et al. 2005). Além disso, nestas espécies o curso é mais longo e, geralmente, sem disseminação para outros órgãos (Gilbert et al. 1970, Segura et al. 1981, Busapakum et al. 1983, French et al. 1985, Zamos et al. 1996).

A associação observada entre incidência e ano, com maior incidência em 2004, pode ser resultado da maior atenção dos criadores em identificar os casos, que anteriormente eram sub-notificados. Em linhas gerais, os criadores conheciam bem o problema desde o início do trabalho, porém o nível de motivação para identificá-lo provavelmente aumentou com o avançar das visitas. Vale ressaltar que não houve variação dos índices pluviométricos entre os anos no período de estudo (Medeiros 2004).

Embora seja conhecida há mais de trinta anos pelos criadores, a observação do maior número de relatos da ocorrência da doença nas criações há menos de 5 anos, associado aos relatos da existência de casos nas criações vizinhas, sugere que o problema é recente em algumas criações e que está afetando um maior número de rebanhos da região do que os estudados.

Analisando-se a incidência individual dos rebanhos, observa-se uma grande variação atingindo percentuais bem superiores aos observados em ovinos na Austrália e em Trinidad Tobago (Ketterer et al. 1992, Morris et al. 2001). Isto indica que o problema pode abranger grandes proporções. Se a freqüência da doença for semelhante em toda a população ovina do Estado, as perdas anuais podem ser estimadas em cerca de 39.000 ovinos.

Segundo os proprietários os animais afetados apresentavam bom estado nutricional no início da doença, confirmando que diferentemente de outras micoses, inclusive as mucormicoses que necessitam de fatores predisponentes para que o fungo se instale no organismo (Goodman & Rinaldi 1991, Ribes et al. 2000), as entomoftoromicoses ocorrem comumente em indivíduos saudáveis (Rippon 1988, Prabhu & Patel 2004), fortalecendo a suposição que o fungo é o agente primário neste caso. Constatação semelhante também foi observada numa égua em bom estado nutricional com infecção por C. coronatus na traquéia (Steiger & Williams 2000). Contudo, no estágio final da doença, esses animais apresentavam um quadro de discreta imunossupressão (Batista 2004), isso pode ter ocorrido, provavelmente, devido à debilidade conseqüente a perda de apetite e também devido ao processo infeccioso.

Todos os casos descritos neste trabalho apresentaram lesões proliferativas na região posterior da cavidade dos etmo-turbinados, conchas nasais e às vezes cérebro, compatíveis com conidiobolomicose nasofaríngea (Silva et al. 2007).

Os ovinos que fizeram parte desta casuística apresentavam lesões na região etmoidal sem lesão de pele, o que sugere que a porta de entrada do agente seja o aparelho respiratório como observado em cavalos (Miller & Campbell 1984), homem (Emmons et al. 1977) e chimpanzé (Roy & Cameron 1972). É provável que a infecção por esta via ocorra por inalação de esporos do solo durante o pastejo (Carrigan et al. 1992, Ketterer et al. 1992) ou no pernoite, visto que os conídios são ejetados a uma altura de mais de 2 cm do solo e assim poderiam atingir a mucosa nasal (Humber et al. 1989). Outra forma de contaminação ocorre por meio de conídios em insetos infectados (Humber et al. 1989) ou, ainda, através de plantas pontiagudas contendo estes conídios (Ketterer et al. 1992). Os resultados deste estudo indicam que a conidiobolomicose em ovinos é endêmica no Estado do Piauí e sua maior incidência está relacionada com os altos índices pluviométricos e altas temperaturas.

Recebido em 22 de novembro de 2006.

Aceito para publicação em 20 de dezembro de 2006.

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    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Aceito
      20 Dez 2006
    • Recebido
      22 Nov 2006
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