Acessibilidade / Reportar erro

Evolução e reversibilidade das lesões neurológicas e cardíacas em ovinos intoxicados experimentalmente por Ateleia glazioviana e Tetrapterys multiglandulosa

Evolution and reversibility of neurologic and cardiac lesions in sheep caused by Ateleia glazioviana and Tetrapterys multiglandulosa

Resumos

Para determinar a reversibilidade das lesões neurológicas e cardíacas nas intoxicações por Ateleia glazioviana e Tetrapterys multiglandulosa, as duas plantas foram administradas por via oral a 3 grupos de quatro ovinos cada. Nos Grupos 1, 2 e 3, quando os animais apresentaram sinais neurológicos de intoxicação com agravamento substancial do quadro clínico e possibilidade de morte, suspendeu-se a administração da planta. O Grupo 4 com dois ovinos foi utilizado como controle. Os ovinos do Grupo 1, que receberam A. glazioviana fresca colhida no outono na dose de 10g/kg por dia durante 6 dias e foram eutanasiados aos 8, 11, 16 e 21 dias após o início do experimento, apresentaram regressão dos sinais nervosos e progressão das lesões cardíacas. Os ovinos do Grupo 2, que receberam a mesma dose de A. glazioviana fresca, colhida na primavera por 8 dias e foram eutanasiados aos 9, 23, 38 e 68 dias apresentaram regressão dos sinais nervosos e não apresentaram lesões cardíacas, sugerindo que a planta é menos tóxica na primavera do que no outono. Os ovinos do Grupo 3, que receberam T. multiglandulosa seca e moída misturada à ração na dose de 10 g/kg durante 11 dias e foram eutanasiados aos 33, 33, 92 e 92 dias, apresentaram regressão dos sinais nervosos e as lesões cardíacas aos 92 dias foram menos severas que aos 33 dias. Esses resultados demonstraram que as lesões do sistema nervoso central são reversíveis após o fim da ingestão. Pelo contrário as lesões cardíacas são progressivas após o fim da ingestão, ocorrendo regressão somente após um período se os animais não apresentarem sinais clínicos e morte. Os resultados deste e de outros trabalhos, analisados em conjunto, comprovam que as lesões do sistema nervoso ocorrem com doses menores e em menor tempo do que as lesões cardíacas. Isto sugere que, em casos espontâneos, sempre que se observam lesões cardíacas estas são precedidas por sinais nervosos e podem ocorrer sinais nervosos sem evidências de lesões cardíacas.

Plantas tóxicas; cardiomiopatia; status spongiosus; Ateleia glazioviana; Tetrapterys multiglandulosa; intoxicação por planta; ovinos


To determine the reversibility of neurological and cardiac lesions in Ateleia glazioviana and Tetrapterys multiglandulosa poisoning, 3 groups of four sheep each were fed orally with the plants. In Group 1, 2 and 3, when sheep with nervous signs showed considerable increase of symptoms and risk of death, the plant administration was suspended. Group 4 with two sheep was used as control. Sheep from Group 1, fed 10g/kg during 6 days of fresh A. glazioviana collected in autumn were euthanized 8, 11, 16, and 21 days after the start of the experiment; they had shown regression of nervous signs, but had progressive cardiac lesions. Sheep from Group 2, fed during 8 days the same dose of fresh A. glazioviana collected in spring, were euthanized on days 9, 23, 38 and 68; they had shown regression of nervous signs and had no cardiac lesions. This suggests that the plant is less toxic in spring. Sheep from Group 3, fed 10g/kg during 11 days dry and ground T. multiglandulosa mixed with concentrated food, were euthanized on days 33, 33, 92 and 92; they had shown regression of nervous signs, and cardiac lesions were less severe on day 33 than on day 92. These results indicate that nervous lesions are reversible after the end of feeding, but cardiac lesions are progressive after discontinuation of the plant administration; these can be afterwards reversible if the animals do not anymore show clinical signs or die as a consequence of the poisoning. Results of those and previous experiments show that lesions of the nervous system are induced by lower doses than cardiac lesions and occur within a shorter period, what suggests that in spontaneous cases cardiac signs are always preceded by nervous signs, and that nervous signs can occur in the absence of cardiac lesions.

Poisonous plants; cardiomyopathy; status spongiosus; Ateleia glazioviana; Tetrapterys multiglandulosa; plant poisoning; sheep


Evolução e reversibilidade das lesões neurológicas e cardíacas em ovinos intoxicados experimentalmente por Ateleia glazioviana e Tetrapterys multiglandulosa

Evolution and reversibility of neurologic and cardiac lesions in sheep caused by Ateleia glazioviana and Tetrapterys multiglandulosa

Milton B. AlmeidaI; Amanda P.S. PriebeII; Beatriz Riet-CorreaII; Gabriela Riet-CorreaIII; Letícia FissI; Margarida B. RaffiIV; Ana Lucia SchildV, * * Autor para correspondência: alschild@terra.com.br

IPrograma de Pós-Graduação em Veterinária, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brasil

IIGraduanda, Bolsista de Iniciação Científica, Faculdade de Veterinária, UFPel, Pelotas, RS

IIIDocente do Curso de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Pará (UFPA), Rua Maximino Porpino 1000, Castanhal, PA 68740-080, Brasil

IVDepartamento de Patologia, Faculdade de Veterinária, UFPel, Pelotas, RS

VLaboratório Regional de Diagnóstico, Faculdade de Veterinária, UFPel, Campus Universitário s/n, Pelotas, RS 96010-900, Brasil

RESUMO

Para determinar a reversibilidade das lesões neurológicas e cardíacas nas intoxicações por Ateleia glazioviana e Tetrapterys multiglandulosa, as duas plantas foram administradas por via oral a 3 grupos de quatro ovinos cada. Nos Grupos 1, 2 e 3, quando os animais apresentaram sinais neurológicos de intoxicação com agravamento substancial do quadro clínico e possibilidade de morte, suspendeu-se a administração da planta. O Grupo 4 com dois ovinos foi utilizado como controle. Os ovinos do Grupo 1, que receberam A. glazioviana fresca colhida no outono na dose de 10g/kg por dia durante 6 dias e foram eutanasiados aos 8, 11, 16 e 21 dias após o início do experimento, apresentaram regressão dos sinais nervosos e progressão das lesões cardíacas. Os ovinos do Grupo 2, que receberam a mesma dose de A. glazioviana fresca, colhida na primavera por 8 dias e foram eutanasiados aos 9, 23, 38 e 68 dias apresentaram regressão dos sinais nervosos e não apresentaram lesões cardíacas, sugerindo que a planta é menos tóxica na primavera do que no outono. Os ovinos do Grupo 3, que receberam T. multiglandulosa seca e moída misturada à ração na dose de 10 g/kg durante 11 dias e foram eutanasiados aos 33, 33, 92 e 92 dias, apresentaram regressão dos sinais nervosos e as lesões cardíacas aos 92 dias foram menos severas que aos 33 dias. Esses resultados demonstraram que as lesões do sistema nervoso central são reversíveis após o fim da ingestão. Pelo contrário as lesões cardíacas são progressivas após o fim da ingestão, ocorrendo regressão somente após um período se os animais não apresentarem sinais clínicos e morte. Os resultados deste e de outros trabalhos, analisados em conjunto, comprovam que as lesões do sistema nervoso ocorrem com doses menores e em menor tempo do que as lesões cardíacas. Isto sugere que, em casos espontâneos, sempre que se observam lesões cardíacas estas são precedidas por sinais nervosos e podem ocorrer sinais nervosos sem evidências de lesões cardíacas.

Termos de indexação: Plantas tóxicas, cardiomiopatia, status spongiosus, Ateleia glazioviana, Tetrapterys multiglandulosa, intoxicação por planta, ovinos.

ABSTRACT

To determine the reversibility of neurological and cardiac lesions in Ateleia glazioviana and Tetrapterys multiglandulosa poisoning, 3 groups of four sheep each were fed orally with the plants. In Group 1, 2 and 3, when sheep with nervous signs showed considerable increase of symptoms and risk of death, the plant administration was suspended. Group 4 with two sheep was used as control. Sheep from Group 1, fed 10g/kg during 6 days of fresh A. glazioviana collected in autumn were euthanized 8, 11, 16, and 21 days after the start of the experiment; they had shown regression of nervous signs, but had progressive cardiac lesions. Sheep from Group 2, fed during 8 days the same dose of fresh A. glazioviana collected in spring, were euthanized on days 9, 23, 38 and 68; they had shown regression of nervous signs and had no cardiac lesions. This suggests that the plant is less toxic in spring. Sheep from Group 3, fed 10g/kg during 11 days dry and ground T. multiglandulosa mixed with concentrated food, were euthanized on days 33, 33, 92 and 92; they had shown regression of nervous signs, and cardiac lesions were less severe on day 33 than on day 92. These results indicate that nervous lesions are reversible after the end of feeding, but cardiac lesions are progressive after discontinuation of the plant administration; these can be afterwards reversible if the animals do not anymore show clinical signs or die as a consequence of the poisoning. Results of those and previous experiments show that lesions of the nervous system are induced by lower doses than cardiac lesions and occur within a shorter period, what suggests that in spontaneous cases cardiac signs are always preceded by nervous signs, and that nervous signs can occur in the absence of cardiac lesions.

Index terms: Poisonous plants, cardiomyopathy, status spongiosus, Ateleia glazioviana, Tetrapterys multiglandulosa, plant poisoning, sheep.

INTRODUÇÃO

A intoxicação espontânea por Ateleia glazioviana é importante causa de morte e abortos em bovinos no noroeste do Rio Grande do Sul e oeste de Santa Catarina e tanto a intoxicação espontânea como a experimental têm sido bem documentadas (Gava et al. 2001, Gava & Barros 2001, Garcia y Santos et al. 2004).

Tem sido demonstrado em trabalhos de reprodução experimental realizados em bovinos e ovinos que as diferentes apresentações clínicas variam de acordo com a quantidade de A. glazioviana administrada e com o período de ingestão da planta (Stolf et al. 1994, Gava et al. 2001, Stigger et al. 2001, Garcia y Santos et al. 2004, Raffi et al. 2006).

A intoxicação espontânea por Tetrapterys spp. tem sido descrita nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul causando sinais clínicos e lesões similares às observadas na intoxicação por A. glazioviana (Tokarnia et al. 1989, Carvalho et al. 2006). A reprodução experimental desta intoxicação foi realizada em bovinos, caprinos e ovinos, tendo sido observado que os diferentes quadros clínicos ocorrem em função da dose e do tempo de ingestão da planta (Tokarnia et al. 1989, Mello et al. 2001, Riet-Correa et al. 2005, Carvalho et al. 2006).

As lesões histológicas são similares nas intoxicações por estas plantas e variam de acordo com a apresentação clínica. Bovinos intoxicados espontaneamente por ambas as plantas necropsiados durante a manifestação de letargia e cegueira, sem sinais cardíacos, apresentam espongiose da substância branca do encéfalo e lesões cardíacas discretas, como miofibras acentuadamente tumefeitas, com separação das miofibrilas por material fracamente eosinofílico e ocasionalmente presença de vacúolos perinucleares nas miofibrilas. Também apresentam infiltrado de macrófagos e proliferação de tecido fibroso ao redor de vasos sangüíneos e fibras de Purkinje, associados à deposição de colágeno (Tokarnia et al. 1989, Gava et al. 2001). Em ovinos intoxicados experimentalmente por A glazioviana são descritos tumefação de fibras, perda da estriação das miofibrilas, principalmente ao redor do núcleo e alterações no volume e forma nucleares (Stigger et al. 2001), e ocasionalmente necrose flocular e hialina das miofibrilas (Raffi et al. 2006). Em intoxicações experimentais por Tetrapterys multiglandulosa em ovinos têm sido descritas lesões similares aos casos espontâneos, porém mais discretas. Observa-se que animais sacrificados após um mês do término da ingestão da planta desenvolvem sinais clínicos e lesões mais acentuados do que aqueles que receberam a mesma dose de planta, porém foram sacrificados logo após o término da ingestão (Riet-Correa et al. 2005), do mesmo modo que ocorre na intoxicação por plantas da família Rubiaceae (Hunter et al. 1972, Kellerman et al. 1988, Fourie et al. 1989), as quais causam quadros clínicos semelhantes aos causados por A. glazioviana e Tetrapterys spp.

Os objetivos deste trabalho foram descrever a evolução clínica e patológica das lesões neurológicas e cardíacas em ovinos intoxicados experimentalmente por A. glazioviana e T. multiglandulosa, determinar a reversibilidade dessas lesões e comprovar a ocorrência de um período de latência entre a ingestão das plantas e o aparecimento dos sinais clínicos e lesões neurológicas e cardíacas.

MATERIAL E MÉTODOS

Reprodução experimental

Foram utilizados 12 ovinos, de um ano de idade, da raça Corriedale, divididos em 3 grupos: Grupo 1, Ovinos 1, 2, 3 e 4, Grupo 2, Ovinos 5, 6, 7 e 8, e Grupo 3, Ovinos 9, 10, 11 e 12. Os animais do Grupo 1 e 2 receberam folhas frescas de Ateliea glazioviana, colhidas no outono e na primavera, respectivamente, na dose de 10g/kg de peso do animal por dia, até apresentarem os primeiros sinais clínicos neurológicos. Os ovinos do Grupo 3 receberam 10g/kg de folhas de Tetrapterys multiglandulosa seca em estufa. No Quadro 1 são apresentados os dados relativos à identificação dos animais, dose diária de planta, total administrado e período experimental. Dois ovinos foram utilizados como controle (Grupo 4).


Manejo dos animais e avaliação clínica

Para os ovinos dos 3 grupos experimentais, a planta era administrada, por ingestão forçada, às 9 horas da manhã. Após a administração, os animais eram soltos para pastoreio e retornavam para as baias às 16 horas, recebendo somente água à vontade até o dia seguinte. Era realizado exame clínico a cada dois dias, sendo verificada as freqüências cardíaca e respiratória, movimentos ruminais, temperatura corporal e coloração de mucosas.

Patologia

Em todos os grupos, exceto o Grupo 3, quando os animais apresentaram sinais neurológicos de intoxicação, com agravamento substancial do quadro clínico e possibilidade de morte, suspendeu-se a administração da planta e eutanasiou-se, neste momento, um dos animais de cada grupo experimental. Os restantes foram eutanasiados e necropsiados quando não apresentavam mais sinais clínicos em diferentes períodos conforme é apresentado no Quadro 1.

O coração de todos os animais foi cortado transversalmente em fatias de aproximadamente 1 cm para a observação de alterações no miocárdio. Após a fixação cortes do ventrículo esquerdo, do ventrículo direito e do septo interventricular, foram processados rotineiramente, cortados com 5µm de espessura e corados pela hematoxilina e eosina e por Tricrômico de Masson. As alterações histológicas observadas foram classificadas em graus de 0 a 3 de acordo com a gravidade e extensão das lesões.

Fragmentos dos órgãos da cavidade abdominal e torácica, do encéfalo e do primeiro segmento da medula cervical foram fixados em formol a 10% e processados rotineiramente para exame histológico. O sistema nervoso central, após a fixação, foi cortado transversalmente, coletando-se fragmentos nas regiões do córtex parietal, temporal, occipital e frontal, núcleos da base, tálamo, mesencéfalo a altura do colículo rostral, pedúnculos cerebelares, cerebelo, ponte, óbex e medula cervical. A cada região do SNC foi atribuído um grau de lesão de 0 a 3 considerando-se a distribuição e a intensidade, conforme o que segue: Grau 0 (ausência de lesão); Grau 1 (vacuolização discreta); Grau 2 (vacuolização moderada); e, Grau 3 (vacuolização acentuada) obtendo-se posteriormente a média do grau dessa lesão por animal.

As lesões cardíacas foram classificadas em graus conforme o que segue: grau zero, sem lesões; Grau 1, presença multifocal de grupos de fibras com discreta vacuolização do citoplasma, aumento de celularidade entre os feixes de fibras e alterações nucleares caracterizadas por aumento do tamanho e presença de vacúolos foram classificados; Grau 2, quando havia, além das lesões citadas acima, ruptura de feixes de fibras musculares, com palidez do citoplasma; presença de fibras necróticas, caracterizadas por eosinofilia do citoplasma e picnose nuclear, distribuídas entre as áreas de cardiomiócitos vacuolizados e discreta proliferação de fibroblastos entre os feixes de fibras; e, Grau 3 considerado quando as lesões eram similares ao Grau 2, porém em maior extensão e com presença de um maior número de fibras necróticas. O escore foi dado levando-se em consideração a presença de lesões em todas as regiões cardíacas analisadas (ventrículo esquerdo, direito e septo interventricular). Posteriormente foi feita a média aritmética dos graus atribuídos às regiões, obtendo-se a média do grau de lesão por animal.

Um dos dois ovinos utilizados como controle foi abatido para consumo, sendo coletados fragmentos de todos os órgãos para exame histopatológico, conforme descrito para os animais experimentais.

RESULTADOS

Sinais clínicos

Os Ovinos 1, 2, 3 e 4, do Grupo 1 apresentaram os primeiros sinais clínicos neurológicos de intoxicação no 4º dia após o início do experimento. Esses sinais, caracterizados por prostração, agravaram-se no quinto dia e a administração da planta foi suspensa no sexto dia, quando o total ingerido alcançou 60 g/kg de peso vivo (Quadro 1). O Ovino 1 apresentou, no 4º dia, diminuição da freqüência dos movimentos ruminais e debilidade. No quinto dia mostrou incoordenação motora quando movimentado. No sexto dia apresentava perda de equilíbrio, apoiando a cabeça na baia e permanecendo com os membros anteriores e posteriores abertos ou cruzados quando em estação. Foi eutanasiado no 7º dia do experimento. Os Ovinos 2 e 3 apresentaram prostração e decúbito prolongado no quinto e sexto dias. A partir do 7º dia apresentaram diminuição dos sinais clínicos, sendo eutanasiados aos 11 e 16 dias do experimento, respectivamente, quando não mais apresentaram sinais clínicos. O Ovino 4 não apresentou sinais clínicos, sendo eutanasiado aos 21 dias do experimento. O sacrifício dos animais nos diferentes períodos foi realizado em função da progressiva diminuição dos sinais neurológicos.

Os Ovinos 5, 6, 7 e 8, do Grupo 2, apresentaram prostração a partir do quarto dia e alterações na marcha a partir do oitavo dia, quando foi suspensa a administração da planta. Os animais ingeriram um total de 80g/kg da planta. O Ovino 5 foi eutanasiado aos 9 dias. A partir do 23º dia os demais animais não apresentavam mais sinais clínicos, sendo eutanasiados aos 23 (Ovino 6), 38 (Ovino 7) e 68 (Ovino 8) dias do início do experimento.

Os Ovinos 9, 10, 11 e 12, do Grupo 3, intoxicados com Tetrapterys multiglandulosa, apresentaram discretos sinais de depressão e incoordenação no quarto dia, que agravaram-se no decorrer do experimento e a administração da planta foi suspensa no 11º dia quando os animais haviam ingerido 110g/kg de peso vivo de planta seca. Estes foram eutanasiados aos 33 (Ovinos 10 e 11) e 92 dias (Ovino 12) e um ovino controle (Ovino 13).

O período experimental dos animais dos Grupos 2 e 3 foi maior em função da tentativa de observação da progressão ou regressão das lesões cardíacas.

Patologia

As lesões histológicas nos animais intoxicados por Ateleia glazioviana e T. multiglandulosa caracterizaram-se por vacuolização da substância branca do encéfalo, que no córtex cerebral localizavam-se principalmente na substância branca subcortical. As diferentes regiões do SNC estudadas e a presença ou não de lesões em cada ovino são apresentados no Quadro 2.


A intensidade das lesões no SNC nos animais intoxicados por A. glazioviana e T. multiglandulosa foi menor naqueles animais em que o período entre o final da ingestão da planta e o sacrifício foi maior com exceção do Ovino 2 que foi sacrificado 6 dias antes do Ovino 3 e não apresentou lesões no SNC (Quadros 2 e 3). O grau das lesões de espongiose em cada região do sistema nervoso central estudado é apresentado no Quadro 2. O Ovino 9 apresentou o grau de lesão maior entre todos os ovinos intoxicados. Nos animais intoxicados com A. glozioviana, tanto no outono quanto na primavera as lesões neurológicas encontradas foram morfologicamente idênticas àquelas dos animais intoxicados com T. multiglandulosa.


O resultado da classificação das lesões miocárdicas apresenta-se no Quadro 3. As lesões cardíacas observadas nos ovinos do Grupo 1 foram mais evidentes nos animais cujo período entre o final da administração da planta e o sacrifício foi maior, ou seja, quanto maior o período experimental, maior foi o escore das lesões. Nos Ovinos 3 e 4 as lesões mostraram-se bastante evidentes no ventrículo esquerdo e septo e se caracterizaram por múltiplos focos de cardiomiócitos com eosinofilia citoplasmática e vacuolização, aumento do tamanho nuclear, necrose de fibras, moderada fibrose, escasso infiltrado de macrófagos e calcificação de cardiomiócitos. O escore das lesões foi maior no Ovino 4. Os Ovinos 1 e 2 apresentaram cardiomiócitos com discreta vacuolização do citoplasma e aumento do tamanho nuclear no ventrículo esquerdo.

No Grupo 2 nenhum animal apresentou lesões no miocárdio. O Ovino 5 apresentou discreta vacuolização da substância branca do encéfalo.

Nos ovinos do Grupo 3, intoxicados com T. multiglandulosa, as lesões foram mais evidentes nos Ovinos 9 e 10 (Quadro 3) que histologicamente apresentaram vacuolização de cardiomiócitos, necrose, discreto infiltrado inflamatório de macrófagos, alterações nucleares e fibrose discreta.

DISCUSSÃO

A semelhança dos quadros clínicos e patológicos das intoxicações por Ateleia glazioviana e Tetrapterys spp. (Tokarnia et al. 1989, Stolf et al. 1994, Gava et al. 2001, Stigger et al. 2001, Gava & Barros 2001, Garcia y Santos et al. 2004, Raffi et al. 2004, Riet-Correa et al. 2005, Raffi et al. 2006, Carvalho et al., 2006) permite concluir que ambas as plantas têm um princípio ativo semelhante ou pelo menos com similar ação biológica, razão pela qual os resultados de ambas as intoxicações podem ser discutidas em conjunto. As lesões neurológicas observadas nos animais dos 3 grupos foram aparentemente mais discretas quanto mais tempo transcorreu entre o fim da administração da planta e a eutanásia (Quadro 2) sugerindo que há regressão dessa lesão. Em estudos com microscopia eletrônica tem sido demonstrado que estas lesões correspondem a edema intramielínico, tanto nas intoxicações por T. multiglandulosa como por A. glazioviana (Riet-Correa et al. 2005, Raffi et al. 2006). Em trabalhos realizados com bovinos para estudar a intoxicação por A. glazioviana foi sugerido que a lesão do sistema nervoso central era reversível (Gava et al. 2001). Tem sido demonstrado que edema intramielínico é uma lesão reversível e que cessando as causas pode haver regressão dessa lesão como ocorre em intoxicações por outras plantas como Stypandra imbricata (Huxtable et al. 1980), Helichrysum argyrosphaerum (Van der Lugt et al. 1996); na intoxicação por closantel (Ecco et al. 1999); e na neuromicotoxicose causada pelo fungo Diplodia maydis (Kellerman et al. 1988).

As lesões cardíacas foram reproduzidas somente com A. glazioviana colhida no outono, o que comprova que a planta é mais tóxica nessa época do ano, como foi sugerido na intoxicação espontânea em bovinos (Gava et al. 2001). Neste caso essas lesões foram progressivas após o final da administração da planta (Quadro 2), o que confirma a observação de Riet-Correa et al. (2005) na intoxicação experimental por T. multiglandulosa de que as lesões cardíacas são progressivas e há um período de latência entre a ingestão da planta e o aparecimento dos sinais clínicos. No entanto, no Grupo 3, que ingeriu T. multiglandulosa e os ovinos foram sacrificados em períodos mais longos, de 33 e 96 dias após o início da administração, as lesões cardíacas foram mais discretas nos animais com maior período de tempo entre o fim da administração da planta e a eutanásia (Quadro 3), o que sugere que, dependendo da dose, as lesões cardíacas são progressivas por um período, mas que posteriormente, se os animais não apresentam sinais clínicos e não morrem, são reversíveis.

Experimentos anteriores demonstraram que doses diárias entre 5 e 15g/kg reproduziram o quadro clínico, com sinais neurológicos e cardíacos com doses totais de 125 e 375g/kg de A. glazioviana (Stigger et al. 2001). No presente estudo, com doses totais de 60 e 80g/kg/pv, em administrações diárias de 10g/kg/dia foram reproduzidos apenas os sinais clínicos neurológicos da intoxicação. Nos Grupos 1 e 2, os sinais clínicos cardíacos ficaram mascarados pelos neurológicos e não houve sinais de insuficiência cardíaca congestiva. Doses de 60 e 80g/kg de A. glazioviana não causaram lesões macroscópicas no miocárdio. Em outros trabalhos experimentais em ovinos, lesões macroscópicas são relatadas somente com doses totais iguais ou superiores a 125g/kg de peso vivo (Stigger et al. 2001, Raffi et al. 2006). Microscopicamente lesões cardíacas foram reproduzidas com A. glazioviana, colhida no outono, na dose de 60g/kg (Grupo1). No experimento realizado com A. glazioviana, na dose de 80g/kg, colhida na primavera, não foram observadas lesões cardíacas. Tem sido demonstrado que A. glazioviana aparentemente não causa lesões cardíacas quando administrada em duas ou três doses até completar as 60g/kg, porém leva a essa lesão quando a dose diária é menor e administrada por mais tempo. No presente trabalho foi observado que 10g/kg administradas em 6 dias causam lesões cardíacas discretas e insuficientes para causar sinais clínicos, do mesmo modo que observaram Raffi et al. (2006). Por outro lado, com doses totais de 60 e 80g/kg foram reproduzidos apenas os sinais clínicos neurológicos da intoxicação. Apatia, depressão, pressão da cabeça contra objetos, instabilidade dos membros posteriores e andar cambaleante são mencionados invariavelmente como os primeiros sinais clínicos apresentados pelos animais intoxicados em diversos trabalhos de reprodução experimental destas intoxicações (Sitgger et al. 2001, Raffi et al. 2006). Do mesmo modo os ovinos intoxicados com T. multiglandulosa apresentaram somente sinais neurológicos com a dose de 110g/kg de planta seca, administrados em doses diárias de 10g/kg. Esses trabalhos, no seu conjunto demonstram que as lesões do sistema nervoso ocorrem com doses menores e em menor tempo do que as lesões cardíacas. Isto sugere que, em casos espontâneos, sempre que se observam lesões cardíacas estas são precedidas por sinais nervosos e que podem ocorrer sinais nervosos sem evidências de lesões cardíacas. Por outro lado abortos em bovinos por A glazioviana podem ser precedidos de sinais nervosos (Garcia y santos, 2004), mas têm sido causados experimentalmente em ovinos (Raffi et al. 2004) e bovinos (Stolf et al 1994) com A. glazioviana e em caprinos (Mello et al. 2001) e ovinos (Riet-Correa et al. 2005 ) com T. multiglandulosa que não apresentaram sinais nervosos ou cardíacos o que sugere que espontaneamente os abortos podem aparecer sem outros sinais clínicos.

Agradecimentos.- Este trabalho foi financiado pelo programa Institutos do Milênio (Proc.420012/2005-2), FAPERGS e CNPq.

Recebido em 17 de dezembro de 2007.

Aceito para publicação em 22 de dezembro de 2007.

  • Carvalho N.M., Alonso L.A., Cunha T.G., Ravedutti J., Barros C.S.L. & Lemos R.A.A. 2006. Intoxicação de bovinos por Tetrapterys multiglandulosa (Malpighiaceae) em Mato Grosso do Sul. Pesq. Vet. Bras. 26(3):139-146.
  • Garcia y Santos M.C., Schild A.L., Barros S.S., Riet-Correa F., Elias F. & Ramos A.T. 2004. Lesões perinatais em bovinos na intoxicação experimental por Ateleia glazioviana (Leg.Papilionoideae). Pesq. Vet. Bras. 24(4):178-184.
  • Ecco R., Gava A., Graça D.L. & Barros C.S.L. 1999. Intoxicação por Closantel em caprinos: relato de caso. Anais IX Encontro Nacional de Patologia Veterinária, Belo Horizonte, MG, p.91.
  • Fourie N., Schultz R.A., Prozesky L., Kellerman T.S. & Labuschagne L. 1989. Clinical pathological changes in gousiekte: a plant-induced cardiotoxicosis of ruminants. Onderstepoort J. Vet. Res. 56:73-80.
  • Gava A. & Barros C.S.L. 2001. Field observations of Ateleia glazioviana poisoning in cattle in southern Brazil. Vet. Human Toxicol. 43(1):37-41.
  • Gava A., Barros C.S.L., Pilati C., Barros S.S. & Mori A.M. 2001. Intoxicação por Ateleia glazioviana (Leg. Papilionoideae) em bovinos. Pesq. Vet. Bras. 21(2):49-59.
  • Hunter L. R., Naudé T. W., Adelaar T.F., Smit J.D. & Codd L.E. 1972. Ingestion of the plant Fadogia monticule Robins as an additional cause of gousiekte in ruminants. Onderstepoort J. Vet. Res. 39(1):71-83.
  • Huxtable C.R., Dorling P.R. & Slatter D.H. 1980. Myelin oedema, optic neuropathy and retinopathy in experimental Stypandra imbricate toxicosis. Neuropathol. Appl. Neurobiol. 6(3):221-232.
  • Kellerman T.S., Coetzer J.A. & Naudé T.W. 1988. Heart, p.83-130. In: ___ (ed.), Plant Poisonings and Mycotoxicoses of Livestock in Southern Africa. Oxford University Press, Cape Town.
  • Mello M.M., Vasconcelos A.C., Dantas G.C., Serakides R. & Alzamora Filho F. 2001. Experimental intoxication of pregnant goats with Tetrapterys multiglandulosa A. Juss. (Malpighiaceae). Arq. Bras. Med. Vet. Zootec. 53 (1):58-65.
  • Raffi M.B., Barros R.R., Bragança J.F.M., Rech R.R., Oliveira F.N. & Barros C.S.L. 2004. The pathogenesis of reproductive failure induced in sheep by the ingestion of Ateleia glazioviana Vet. Human Toxicol. 46:233-238.
  • Raffi M.B., Rech R.R., Sallis E.S.V., Rodrigues A. & Barros C.S.L. 2006. Chronic cardiomyopathy and encephalic spongy changes in sheep experimentally fed Ateleia glazioviana. Ciência Rural 36(6):1860-1866.
  • Riet-Correa G., Terra F.F., Schild A.L., Riet-Correa F. & Barros S.S. 2005. Intoxicação experimental por Tetrapterys multiglandulosa (Malpighiaceae) em ovinos. Pesq. Vet. Bras. 25(2):91-96.
  • Stigger A.L., Barros C.S.L., Langohr I.M. & Barros S.S. 2001. Intoxicação experimental por Ateleia glazioviana (Leg.Papilionoideae) em ovinos. Pesq. Vet. Bras. 21(3):98-108.
  • Stolf L., Gava A., Varaschin M.S., Neves D.S., Mondadori A.J. & Scolari L.S. 1994. Aborto em bovinos causado pela ingestão de Ateleia glazioviana (Leg.Papilionoideae). Pesq. Vet. Bras. 14:15-18.
  • Tokarnia C.H., Peixoto P.V., Döbereiner J., Consorte L.B. & Gava A. 1989. Tetrapterys spp (Malpighiaceae), a causa de mortandades em bovinos caracterizadas por alterações cardíacas. Pesq. Vet. Bras. 9(1/2):23-44.
  • Van Der Lugt J. J., Olivier J. & Jordaan P. 1996. Status spongiosis, optic neuropathy and retinal degeneration in Helichrysum argyrosphaerum poisoning in sheep and a goat. Vet. Pathol. 33:495-502.
  • *
    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      22 Dez 2007
    • Recebido
      17 Dez 2007
    Colégio Brasileiro de Patologia Animal - CBPA Pesquisa Veterinária Brasileira, Caixa Postal 74.591, 23890-000 Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel./Fax: (55 21) 2682-1081 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: pvb@pvb.com.br