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Raiva em bovinos na Região Sul do Rio Grande do Sul: epidemiologia e diagnóstico imuno-histoquímico

Rabies in cattle in southern Rio Grande do Sul: epidemiology and immunohistochemistry diagnosis

Resumos

Foi realizado um estudo retrospectivo de casos de raiva paralítica em bovinos na área de influência do Laboratório Regional de Diagnóstico (LRD) da Faculdade de Veterinária, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), ocorridos em 1978-2007. Foram estudados também 11 surtos de raiva observados em 2008-2010, na mesma região. Neste período morreram 42 animais de um total de 686 sob risco. A idade dos animais foi de 1-6 anos e o curso clínico de 4-14 dias. No estudo retrospectivo de 1978-2007 foram identificados 77 surtos ou casos isolados de raiva paralítica em bovinos. A morbidade em todos os surtos diagnosticados em 1978-2010 variou de 0,37% a 20%. Vinte e quatro casos ocorreram no outono, sete na primavera, 14 no verão e 16 no inverno. O diagnóstico foi realizado pela epidemiologia, sinais clínicos e lesões histológicas observadas. No estudo dos casos de raiva paralítica em bovinos ocorridos a partir de 2008, o diagnóstico foi confirmado pela técnica de imuno-histoquímica utilizando anticorpo policlonal anti-virus rábico. Em dois destes casos não foi observada meningoencefalite não-supurativa, porém a imuno-histoquímica demonstrou a presença do antígeno viral. Esta técnica é uma importante ferramenta para o diagnóstico de raiva, devendo ser utilizada em todos os casos suspeitos nos quais não se evidenciam lesões de encefalite.

Raiva paralítica; bovinos; epidemiologia; imuno-histoquímica; Rio Grande do Sul


A retrospective study of paralytic rabies in cattle in southern Rio Grande do Sul, Brazil, diagnosed from 1978 to 2007 by the Regional Diagnostic Laboratory (LRD) of the Veterinary School, Federal University of Pelotas (UFPel), with 77 outbreaks or isolated cases of paralytic rabies in cattle, is reported. A study of 11 outbreaks of rabies, observed from 2008 to 2010 in the same region, where 42 cattle aged 1-6 years died from a total of 686 at risk, with a clinical course of 4 to 14 days, was also made. The morbidity of all outbreaks diagnosed from 1978-2010 ranged from 0.37% to 20%; 24 cases occurred in autumn, 7 in spring, 14 in summer, and 16 in winter. The diagnosis was achieved by epidemiology, clinical signs and histological lesions. Immunohistochemistry using rabies virus polyclonal antibody was positive in all cases. In two cases non-suppurative meningoencephalitis was not observed, and the diagnosis was confirmed by immunohistochemistry. This technique is an important tool for the diagnosis of rabies and should be used in all suspected cases in which no evidence of encephalitis is observed.

Paralytic rabies; cattle; epidemiology; immunohistochemistry; Rio Grande do Sul


ANIMAIS DE PRODUÇÃO

Raiva em bovinos na Região Sul do Rio Grande do Sul: epidemiologia e diagnóstico imuno-histoquímico

Rabies in cattle in southern Rio Grande do Sul: Epidemiology and immunohistochemistry diagnosis

Clairton Marcolongo-PereiraI; Eliza S.V SallisII; Fabiane B.GreccoII; Margarida B.RaffiII; Mauro P. SoaresIII; Ana Lucia SchildIII,* * Autor para correspondência: alschild@terra.com.br

IPrograma de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, Faculdade de Veterinária (FV), Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Campus Universitário s/n, Pelotas, RS 96010-900, Brasil

IIProfessora Adjunta do Departamento de Patologia Animal, FV-UFPel, Pelotas, RS

IIIMédicos Veterinários do Laboratório Regional de Diagnóstico, FV-UFPel, Pelotas, RS

RESUMO

Foi realizado um estudo retrospectivo de casos de raiva paralítica em bovinos na área de influência do Laboratório Regional de Diagnóstico (LRD) da Faculdade de Veterinária, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), ocorridos em 1978-2007. Foram estudados também 11 surtos de raiva observados em 2008-2010, na mesma região. Neste período morreram 42 animais de um total de 686 sob risco. A idade dos animais foi de 1-6 anos e o curso clínico de 4-14 dias. No estudo retrospectivo de 1978-2007 foram identificados 77 surtos ou casos isolados de raiva paralítica em bovinos. A morbidade em todos os surtos diagnosticados em 1978-2010 variou de 0,37% a 20%. Vinte e quatro casos ocorreram no outono, sete na primavera, 14 no verão e 16 no inverno. O diagnóstico foi realizado pela epidemiologia, sinais clínicos e lesões histológicas observadas. No estudo dos casos de raiva paralítica em bovinos ocorridos a partir de 2008, o diagnóstico foi confirmado pela técnica de imuno-histoquímica utilizando anticorpo policlonal anti-virus rábico. Em dois destes casos não foi observada meningoencefalite não-supurativa, porém a imuno-histoquímica demonstrou a presença do antígeno viral. Esta técnica é uma importante ferramenta para o diagnóstico de raiva, devendo ser utilizada em todos os casos suspeitos nos quais não se evidenciam lesões de encefalite.

Termos de indexação: Raiva paralítica, bovinos, epidemiologia, imuno-histoquímica, Rio Grande do Sul.

ABSTRACT

A retrospective study of paralytic rabies in cattle in southern Rio Grande do Sul, Brazil, diagnosed from 1978 to 2007 by the Regional Diagnostic Laboratory (LRD) of the Veterinary School, Federal University of Pelotas (UFPel), with 77 outbreaks or isolated cases of paralytic rabies in cattle, is reported. A study of 11 outbreaks of rabies, observed from 2008 to 2010 in the same region, where 42 cattle aged 1-6 years died from a total of 686 at risk, with a clinical course of 4 to 14 days, was also made. The morbidity of all outbreaks diagnosed from 1978-2010 ranged from 0.37% to 20%; 24 cases occurred in autumn, 7 in spring, 14 in summer, and 16 in winter. The diagnosis was achieved by epidemiology, clinical signs and histological lesions. Immunohistochemistry using rabies virus polyclonal antibody was positive in all cases. In two cases non-suppurative meningoencephalitis was not observed, and the diagnosis was confirmed by immunohistochemistry. This technique is an important tool for the diagnosis of rabies and should be used in all suspected cases in which no evidence of encephalitis is observed.

Index terms: Paralytic rabies, cattle, epidemiology, immunohistochemistry, Rio Grande do Sul.

INTRODUÇÃO

Doenças de bovinos que afetam o sistema nervoso central (SNC) ou que causam sinais clínicos neurológicos são frequentemente diagnosticadas no Rio Grande do Sul (Riet-Correa et al. 1998, Sanches et al. 2000).

A raiva é uma enfermidade neurológica viral, invariavelmente fatal, mais frequente em bovinos no Brasil (Peixoto 1998, Lima et al. 2005). Há duas variantes do vírus detectadas no Brasil: (1) uma associada ao ciclo urbano, isolada de cães, gatos e humanos e que causa a forma furiosa de raiva; (2) outra associada ao ciclo silvestre da doença, isolada de bovinos e morcegos e que causa a forma paralítica de raiva (Ito et al. 2001, Heinemann et al. 2002, Kobayashi et al. 2006). Sendo esta última endêmica em várias regiões do país em bovinos, como no Estado do Rio Grande do Sul (Sanches et al. 2000, Silva et al. 2006). As perdas anuais de bovinos por raiva são estimadas em aproximadamente 850.000 cabeças, que equivalem a aproximadamente 17 milhões de dólares (Lima et al. 2005).

Na América do Sul a raiva dos herbívoros ocorre em surtos cíclicos, reaparecendo com periodicidade de 3-7 anos, e é geralmente transmitida pelo morcego hematófago Desmodus rotundus (Hudson et al. 1996, Barros et al. 2006). As condições climáticas favoráveis, a presença de abrigos naturais e artificiais e a distribuição da população de bovinos são os fatores responsáveis pela estabilidade enzoótica da raiva numa determinada região (Barros et al. 2006).

No período entre 1978 e 2007 de um total de 5.107 materiais de bovinos examinados, provenientes da área de influência do Laboratório Regional de Diagnóstico (LRD), 497 (9,7%) cursavam com sinais clínicos relacionados ao SNC. Destes, 77 (15,49%) foram diagnosticados como raiva. As mais altas incidências da doença ocorreram nos anos de 1978 e 1979, com 27 e 28 casos respectivamente (Riet-Correa et al. 1983). A partir daí foram observados poucos casos esporádicos até o ano 1995 (Schild et al. 1996). Em um levantamento dos casos de raiva, realizado no Rio Grande do Sul, no período de 1985 a 2007, a maioria era de origem bovina, com um maior número de casos positivos no ano de 1986, com uma sensível queda nos anos seguintes, ocorrendo de forma cíclica nas regiões endêmicas, limitados à população de morcegos (Teixeira et al. 2008).

A doença pode cursar com uma forma clínica paralítica e uma furiosa. No Brasil, bovinos desenvolvem geralmente a forma paralítica (Summers et al. 1995, Langohr et al. 2003, Fernandes & Riet-Correa 2007) com paralisia e hipoestesia dos membros pélvicos e paralisia flácida da cauda.

As alterações patológicas importantes na raiva são microscópicas e incluem meningoencefalite e meningomielite com acúmulos perivasculares de linfócitos, e em menor grau, macrófagos e plasmócitos, associadas com ganglioneurite nos gânglios e nervos cranianos e espinhais (Langohr et al. 2003, Rech et al. 2006, Maxie & Youssef 2007). As lesões inflamatórias ocorrem principalmente no tronco encefálico, cerebelo e medula espinhal (Langohr et al. 2003, Fernandes & Riet-Correa 2007), hipocampo e gânglio de Gasser (Jones et al. 2000), podendo ser discretas e até mesmo ausentes (Maxie & Youssef 2007). Inclusões acidofílicas intracitoplasmáticas são características da doença e podem ser encontradas em diferentes áreas do SNC de bovinos, porém são mais frequentes nos neurônios de Purkinje do cerebelo e no gânglio de Gasser (Langohr et al. 2003, Lima et al. 2005, Barros et al. 2006, Maxie & Youssef 2007).

A confirmação de raiva é baseada no teste de imunofluorescência direta (IFD) em tecidos frescos ou congelados pela sua rapidez e acurácia (Zimmer et al. 1990, Teixeira et al. 2008), outro teste mais específico é a inoculação intracerebral em camundongos, porém é muito demorado, se comparado à IFD (Germano et al. 1977). Atualmente é utilizada a técnica de imuno-histoquímica como ferramenta importante no diagnóstico para raiva, especialmente quando os tecidos frescos não são mais disponíveis, quando os espécimes precisam ser transportados por longas distâncias para serem submetidos ao exame ou nas situações em que a raiva não era suspeita (Pedroso et al. 2008, Rissi et al. 2008, Pedroso et al. 2009).

Os objetivos deste trabalho foram descrever a epidemiologia dos surtos de raiva bovina observados na área de influência do LRD/UFPel entre os anos de 1978 e 2010, bem como avaliar a utilização da técnica de imuno-histoquímica para o diagnóstico da doença.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram estudados surtos de raiva paralítica em bovinos ocorridos em três municípios da área de influência do Laboratório Regional de Diagnóstico (LRD) da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), de maio de 2008 a abril de 2010. Foi realizado, também, um estudo retrospectivo dos casos de raiva ocorridos na região de influência do LRD em 1978-2007, mediante consulta aos protocolos de necropsia arquivados para obtenção de dados epidemiológicos.

Os dados epidemiológicos e sinais clínicos dos casos diagnosticados a partir de 2008 foram obtidos junto aos proprietários e/ou veterinários da Secretaria da Agricultura da região. Foram realizadas seis necropsias e recebidas quatro cabeças para retirada do encéfalo e processamento histológico. Dos bovinos necropsiados foram coletados fragmentos de órgãos das cavidades abdominal e torácica, SNC e o monobloco gânglio de Gasser, rete mirabile carotídea e hipófise. Todo o material foi fixado em formalina tamponada 10%, processado rotineiramente para exame histopatológico, incluído em parafina, cortado a 5μm de espessura e corado pela hematoxilina-eosina. Seções de cerebelo, bulbo, ponte e gânglio de Gasser foram cortadas com 4μm e submetidas à técnica de imuno-histoquímica em lâminas positivadas, utilizando anticorpo policlonal (anti-rabies polyclonal Chemicon #5199) recomendado para imunofluorescência direta adaptado de Rech (2007), na diluição de 1:1000. Fragmentos de córtex frontal, tálamo, cerebelo e medula espinhal dos bovinos necropsiados nos surtos de raiva diagnosticados entre 2008 e 2010 foram remetidos à Secretaria da Agricultura da região para realização de imunofluorescência direta (IFD) e prova biológica no Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF).

RESULTADOS

Os 11 surtos de raiva, entre maio de 2008 e abril de 2010, ocorreram nos municípios de Pelotas, Morro Redondo e Canguçú, Rio Grande do Sul. Nesse período morreram 42 animais de um total de 686 sob risco. A idade dos animais foi de 1-6 anos e o curso clínico de 4-14 dias. Os dados epidemiológicos de cada um dos surtos são apresentados no Quadro 1.


O estudo retrospectivo de 1978-1995 revelou 77 surtos ou casos isolados de raiva paralítica em bovinos. De 27 casos registrados no relatório anual do Laboratório Regional de Diagnóstico (Riet-Correa et al. 1983) os protocolos de necropsia dos anos de 1978 e 1979 não foram localizados. A morbidade variou de 0,37% a 14,31%. Com relação à época do ano 24 casos ocorreram no outono, 16 no inverno, sete na primavera e 14 no verão.

A distribuição dos casos de raiva diagnosticados em bovinos no LRD/UFPel nas diferentes estações do ano é apresentada na Figura 1.


A forma clínica observada foi a paralítica. Os sinais clínicos caracterizaram-se por apatia ou inquietação, mudança de comportamento, incoordenação motora, seguida de paresia e paralisia inicialmente dos membros pélvicos (Fig.2), decúbito, movimentos de pedalagem, opistótono e morte. Em uma propriedade os animais haviam sido vacinados contra raiva três semanas antes do início da doença. Nas necropsias de dois bovinos havia apenas hiperemia dos vasos leptomeníngeos, nos demais não foram observadas alterações macroscópicas. Histologicamente observou-se no encéfalo de oito bovinos, meningoencefalite linfoplasmocitária principalmente no tronco encefálico e cerebelo. Focos de gliose eram observados nessas áreas. Havia, também, necrose neuronal incluindo neurônios de Purkinje do cerebelo e neurônios dos núcleos do tronco encefálico, associados a inclusões eosinofílicas intracitoplasmáticas (corpúsculos de Negri) em 8 casos. Essas inclusões ocorriam em várias regiões do encéfalo, mas eram mais facilmente observadas em grandes neurônios como os de Purkinje e os neurônios dos núcleos do tronco encefálico. Ganglioneurite não-supurativa foi observada em todos os casos que tiveram o gânglio de Gasser examinado, com variados graus de degeneração e necrose de neurônios, neuronofagia, cromatólise neuronal, inclusões eosinofílicas intracitoplasmáticas e formação de nódulos de Babes. Em dois casos (Surtos 9 e 11) no exame histológico não havia meningoencefalite e em um caso (Surto 9) foram observados apenas corpúsculos de inclusão intracitoplasmáticos nos neurônios de Purkinje. Na técnica de imuno-histoquímica realizada em dez casos, verificou-se a presença de antígeno viral no pericário e axônios de neurônios que se apresentava como um agregado único oval ou redondo ou múltiplos com pequenos grânulos (Fig.3).



Dos 11 materiais que foram encaminhados para realização de IFD e de prova biológica, 9 foram positivos incluindo os dois casos nos quais não foram observadas lesões histológicas. Em dois materiais essas provas não foram realizadas.

DISCUSSÃO

O diagnóstico de raiva foi realizado com base nos sinais clínicos, dados epidemiológicos, achados histopatológicos e pela detecção do antígeno viral pela técnica de imuno-histoquímica.

Tem sido mencionado que a raiva pode ocorrer em qualquer época do ano (Lima et al. 2005, Barros et al. 2006). Em um levantamento realizado na Região Central do Rio Grande do Sul o maior número de casos foi observado na primavera e verão (Rech et al. 2006). Por outro lado, os surtos observados na área de influência do LRD-UFPel foram mais frequentes no outono, embora tenham ocorrido em todas as estações do ano. No Mato Grosso do Sul tem sido mencionado que existe tendência da raiva ser sazonal com o maior número de casos ocorrendo no outono. Isso seria devido ao ciclo biológico do morcego, cujo acasalamento é na primavera. Neste período haveria aumento da transmissão do vírus entre as colônias. O pico de surtos ocorreria no outono em função do período de incubação da doença nos morcegos e nos bovinos agredidos (Mori & Lemos 1998).

Houve sensível redução dos casos de raiva na região de influência do LRD a partir do ano 1980. Isso provavelmente ocorreu devido a que um grande número de surtos diagnosticados e divulgados entre 1978 e 1979 levou a vacinação em massa dos rebanhos nessa região do Estado e o controle da enfermidade (Riet-Correa et al. 1983). Além disso, o combate ao morcego hematófago foi intensificado no mesmo período. Um estudo epidemiológico sobre a ocorrência de raiva no Estado do Rio Grande do Sul entre 1985 e 2007 menciona a gradual redução no número de casos a partir de 1987 até 1996 (Teixeira et al. 2008).

Por outro lado no Rio Grande do Sul a raiva bovina é endêmica (Sanches et al. 2000, Teixeira et al. 2008), tendendo a ser cíclica e reaparecendo com periodicidade de aproximadamente 7 anos (Barros et al. 2006) ou 8 a 11 anos (Roehe et al. 1987). Isso se deve aparentemente ao maior número de morcegos infectados nos picos da doença nos herbívoros, ocorrendo período de declínio, para repovoamento e re-infecção das colônias de morcegos, já que o crescimento das mesmas é lento (Barros et al. 2006). Na Região Sul do Estado, que corresponde à área de influência do LRD a doença não foi diagnosticada em um período de 12 anos, a não ser por único caso confirmado por imunofluorescência e prova biológica no Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor no ano 2000 e que não foi encaminhado à histopatologia (Schuster 2010). Com o desaparecimento da doença, a vacinação foi gradualmente deixando de ser utilizada pelos proprietários, ficando novamente a população bovina exposta ao vírus e reaparecendo novos casos a partir do ano 2008.

No presente trabalho chama a atenção que em dois casos examinados pela histologia não havia meningoencefalite não supurativa característica da doença no sistema nervoso central dos bovinos afetados. Nestes casos o diagnóstico foi realizado pela imunomarcação positiva com anticorpo anti-rábico. Lesões discretas ou ausência de lesões em casos de raiva têm sido mencionadas. Aparentemente a extensão e severidade das lesões seriam o reflexo da duração dos sinais clínicos (Maxie & Youssef 2007). No presente trabalho, nos casos nos quais não foram observadas lesões histológicas, a evolução dos sinais clínicos foi de 3-4 dias e nos demais casos a evolução foi de 4-14 dias. Apesar de poucos casos parece existir tendência de não serem observadas lesões histológicas nos casos de evolução clínica mais curta.

Os sinais clínicos da raiva em bovinos são comuns a diversas doenças que causam sinais neurológicos e ocorrem na área de influência do LRD. O diagnóstico diferencial pode ser feito pelas lesões histológicas que são diferentes em cada uma dessas doenças. Além disso, em algumas lesões observadas na necropsia podem sugerir, também, a causa da morte, como em casos de intoxicação por Senecio spp., que apresenta lesões macroscópicas características (Grecco et al. 2010).

Deve salientar-se que a ausência de lesões histológicas em dois casos de raiva diagnosticados pela marcação positiva na imuno-histoquímica sugere que essa técnica deveria ser utilizada em todos os casos suspeitos e que não evidenciam lesões no exame histológico. No caso de botulismo e tétano, que não causam lesões histológicas, a epidemiologia e os sinais clínicos característicos permitem o diagnóstico diferencial. No entanto, quando o material é encaminhado pelo médico veterinário e a descrição dos sinais clínicos não é suficientemente clara, ou quando o sistema nervoso central é encaminhado formolizado, a imuno-histoquímica pode ser uma ferramenta segura para o diagnóstico. Esta técnica tem sido utilizada em outros laboratórios com excelentes resultados e apresenta a mesma sensibilidade da imunofluorescência direta utilizada como técnica padrão para o diagnóstico desta enfermidade (Rissi et al. 2008, Pedroso et al. 2008, Pedroso et al. 2009, Stein et al. 2010).

Recebido em 10 de novembro de 2010.

Aceito para publicação em 18 de novembro de 2010.

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  • *
    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      10 Nov 2010
    • Aceito
      18 Nov 2010
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