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Desenvolvimento de caminhar espinal em cães paraplégicos com fraturas e luxações vertebrais toracolombares

Development of spinal walking in paraplegic dogs with thoracolumbar spinal fractures/luxations

RESUMO:

Fraturas e luxações vertebrais (FLV) toracolombares estão dentre as afecções neurológicas mais frequentes na neurologia veterinária. São um dos distúrbios mais graves e desafiadores, devido ao elevado risco de paralisia permanente, levando muitos animais a serem submetidos à eutanásia, devido ao prognóstico desfavorável nos animais que perderam a nocicepção. Objetivou-se descrever as bases neurofisiológicas responsáveis pelo desenvolvimento do caminhar espinal e analisar, em 37 cães acometidos por FLV toracolombares, os dados referentes à taxa de recuperação dos animais com e sem nocicepção. Naqueles sem nocicepção, analisou-se ainda a frequência dos animais que desenvolveram caminhar espinal e o período médio para seu aparecimento. Em relação ao grau da lesão a as taxas de recuperação, 14/37 animais (37,8%) possuíam nocicepção, no qual a taxa de recuperação da deambulação voluntaria e das funções viscerais foi de 100%. Enquanto que 23/37 animais (62,1%) perderam a nocicepção, no qual nenhum recuperou a deambulação voluntária, ocorrendo morte por causas diversas em sete destes. Dos 16 animais sem nocicepção sobreviventes e que foram submetidos ao tratamento conservativo ou cirúrgico, cinco (31,25%) readquiriram a capacidade de caminhar (tempo médio de 115 dias) sem recuperar a nocicepção, sendo esta deambulação involuntária atribuída ao caminhar espinal. De acordo com os resultados desta pesquisa, o parâmetro isolado da perda da nocicepção não deve desencorajar a realização da terapia, pois em cães paraplégicos com FLV toracolombares, há possibilidade de ocorrer desenvolvimento de deambulação involuntária.

TERMOS DE INDEXAÇÃO:
Sistema nervoso; fraturas e luxações vertebrais; nocicepção; caminhar espinal; cães

ABSTRACT:

Thoracolumbar vertebral fractures and luxations (VFL) are one of the most common neurological disorders in veterinary neurology and one of the most serious and challenging disorders due to the high risk of permanent paralysis, leading many dogs to be euthanized without treatment due to the reports of unfavorable prognosis about ambulation in animals that lost nociception. This study aimed to describe the neurophysiologic bases responsible for the development of the spinal walking and examine in 37 dogs affected with thoracolumbar VFL, data relating to the recovery rate of animals with and without nociceptionIn those without nociception was analyzed the frequency of the spinal walking animals that developed for its appearance, and the average period was established. Regarding the degree of injury to recovery rates, 14/37 dogs (37.8%) had nociception, in which the rate of recovery of voluntary ambulation was 100%. While 23/37 dogs (62.1%) lost the nociception, where no voluntary ambulation was regained ambulation, occurred death from various causes in seven of these. From 16 dogs without nociception and survivors who underwent conservative or surgical treatment, five (31.25%) regained the ability to walk without regaining nociception; this was attributed to spinal walking, where the average time for their development was 115 days. According to the results of this study, the single parameter of loss of the nociception should not discourage the therapy, as paraplegic dogs with thoracolumbar VFL can develop involuntary ambulation.

INDEX TERMS:
Nervous system; spinal fractures spinal luxations; nociception; spinal walking; dogs

Introdução

Fraturas e luxações vertebrais (FLV) toracolombares estão dentre as afecções neurológicas mais comumente encontradas na prática clínica e um dos distúrbios neurológicos mais graves, devido ao elevado risco de lesão permanente às estruturas neurais (Braund 1996Braund K.J. 1996. Traumatismo agudo da medula espinhal, p.1311-1325. In: Bojrab M.J. (Eds), Mecanismos da Moléstia na Cirurgia de Pequenos Animais. Manole, São Paulo.).

Os pacientes são geralmente acometidos por traumatismos, associados na maioria das vezes a acidentes automobilísticos e exibem hiperpatia e graus variáveis de paresia ou paralisia, dependendo da gravidade da lesão (Weh & Kraus 2012Weh M. & Kraus K.H. 2012. Spinal fractures and luxations, p.487-503. In: Tobias K.M. & Johnston S.A. (Eds), Veterinary Surgery: small animals. Saunders, Elsevier., Dewey 2014Dewey C.W. 2014. Cirurgia da coluna toracolombar, p.1508-1528. In: Fossum T.W. (Ed.), Cirurgia de Pequenos Animais. 4ª ed. Elsevier, Rio de Janeiro.).

Os principais parâmetros para determinar o prognóstico são alguns achados do exame neurológico, sendo o grau de déficit neurológico o parâmetro principal para determinar o prognóstico, que depende principalmente da presença ou ausência de nocicepção nas áreas do corpo caudais à lesão (Braund 1996Braund K.J. 1996. Traumatismo agudo da medula espinhal, p.1311-1325. In: Bojrab M.J. (Eds), Mecanismos da Moléstia na Cirurgia de Pequenos Animais. Manole, São Paulo., Araújo 2013Araújo B.M., Fernandes T.H.T., Souza A.F.A., Diogo C.C., Santos C.R.O., Amorim M.M.A. & Tudury E.A. 2013. Determinação do prognóstico em 37 cães com fraturas e luxações vertebrais toracolombares por meio da presença da postura de Schiff-Sher­rington, reflexo extensor cruzado e o sinal de Babinski. Anais XIII Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão (Jepex), 2012, Recife. (Resumo expandido), Araújo et al. 2013Araújo B.M. 2013. Fraturas e Luxações Vertebrais Toracolombares em Cães: observações clínico-cirúrgicas. Dissertação de Mestrado em Ciência Veterinária, Departamento de Medicina Veterinária, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife. 103p.).

De acordo com Fletcher (2016)Fletcher D.J., Dewey C.W & Da Costa R.C. 2016. Spinal trauma management, p.423-436. In: Dewey C.W. & Da Costa R.C. (Eds), Practical Guide to Canine and Feline Neurology. 3rd ed. Wiley-Blackwell, Iowa., os cães que mantém a nocicepção possuem prognóstico favorável de recuperação funcional e os animais que a perderam em decorrência de FLV apresentam um prognóstico de recuperação desfavorável, pois neste tipo de afecção, a ausência de nocicepção está frequentemente associada com transecção da medula espinal ou desenvolvimento de mielomalácia.

Alguns autores relatam que de forma surpreendente, cães podem recuperar a capacidade de caminhar após secção medular (Shurrager & Dykman 1951Shurrager P.S. & Dykman R.A. 1951. Walking spinal carnivores. J. Comp. Physiol. Psych. 44(3):252-262., Freeman 1952Freeman L.W. 1952. Return of function after complete transection of the spinal cord of the rat, cat and dog. Ann. Surg. 136(2):193-205., Olby et al. 2003Olby N., Levine J., Harris T., Muñana K., Skeen T. & Sharp N. 2003. Long-term functional outcome of dogs with severe injuries of the thoracolumbar spinal cord: 87 cases (1996-2001). J. Am. Vet. Med. Assoc. 222(6):762-769., Lorenz et al. 2011Lorenz M.D., Coates J.R. & Kent M. 2011. Handbook of Veterinary Neurology. 5th ed. Elsevier, St Louis. 545p., Gallucci et al. 2015Gallucci A., Gandini G., Menchetti M., Gagliardo T., Pietra M., Cardinali M. & Dragone L. 2015. Acquisition of involuntary spinal locomotion (Spinal Walking) in dogs with irreversible thoraco-lumbar spinal cord lesion: a retrospective study on 81 dogs. Proc. 28th European Veterinary Congress on Movement Disorders ESVN-ECVN Congress, Amsterdam, p.52. (Abstract)). O surgimento de atividade motora nesses cães pode ser indicativo do desenvolvimento de caminhar espinal reflexo, originado do mecanismo de plasticidade neuronal, da formação de circuitos de regulação central medular induzidos por movimentos repetitivos, do desenvolvimento de espasticidade muscular ou da ação de axônios sobreviventes que atravessam o sítio da lesão e permitem que o animal execute movimentos deambulatórios de forma involuntária (Freeman 1952Freeman L.W. 1952. Return of function after complete transection of the spinal cord of the rat, cat and dog. Ann. Surg. 136(2):193-205., Dietz 2001Dietz V. 2001. Spinal cord lesion: effects of and perspectives for treatment. Neural Plast. 8(1):83-90., Pearson 2001Pearson K.G. 2001. Could enhanced reflex function contribute to improving locomotion after spinal cord repair?. J. Physiol. 553(1):75-81., Olby et al. 2003Olby N., Levine J., Harris T., Muñana K., Skeen T. & Sharp N. 2003. Long-term functional outcome of dogs with severe injuries of the thoracolumbar spinal cord: 87 cases (1996-2001). J. Am. Vet. Med. Assoc. 222(6):762-769., Araújo et al. 2009Araújo B.M., Arias M.V.B & Tudury E.A. 2009. Paraplegia aguda com perda da percepção de dor profunda em cães: revisão de literatura. Clí­nica Vet. 14(81):70-82., Rossignol et al. 2009Rossignol S., Barrière G., Alluin O. & Frigon A. 2009. Re-expression of locomotor function after partial spinal cord injury. Physiology 24:127-139. & Martinez et al. 2013Martinez M., Delivet-Mongrain H. & Rossignol S. 2013. Treadmill training promotes spinal changes leading to locomotor recovery after partial spinal cord injury in cats. J. Neurophysiol. 109(2):2909-2922., Wittler 2014Wittler L.F.F. 2014. Neuroprosthetic rehabilitation and translational mechanism after severe spinal cord injury. Thèse du Programme Doctoral en Neurosciences, École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Lausanne, Suisse. 242p., Dewey 2016Dewey C.W. 2016. Lesion localization: functional and dysfunctional neuroanatomy, p.29-52. In: Dewey C.W & Da Costa R.C. (Eds), Practical Guide to Canine and Feline Neurology. 3rd ed. Wiley-Blackwell, Iowa.).

Embora diversos mecanismos possam contribuir para o desenvolvimento do caminhar espinal, o de comportamento rítmico dos membros pélvicos é o que melhor explica esse fenômeno (Dietz 2001Dietz V. 2001. Spinal cord lesion: effects of and perspectives for treatment. Neural Plast. 8(1):83-90., Pearson 2001Pearson K.G. 2001. Could enhanced reflex function contribute to improving locomotion after spinal cord repair?. J. Physiol. 553(1):75-81.). Este evento corresponde a sequências estereotipadas de movimentos como o caminhar, nos quais a eferência motora é estável, repetível e previsível de um ciclo de atividade para outro (Hill et al. 2012Hill R.W., Wyse G.A. & Anderson M. 2012. Fisiologia Animal. 2ª ed. Artmed, Porto Alegre. 894p.). É estimulado pelo reflexo em massa, uma resposta à estimulação medular excessiva, pela ausência de inibição dos neurônios motores superiores, resultando na ativação de grandes áreas medulares que se caracteriza por movimentação dos membros pélvicos e cauda (Fitzmaurice 2011Fitzmaurice S. 2001. Neurologia em pequenos animais. Elsevier, Rio de Janeiro. 332p.).

O reflexo em massa estimula os reflexos de endireitamento, extensor cruzado e de sustentação positiva, que realizados em conjunto e de forma sincronizada pelo estímulo repetitivo, permitem o caminhar espinal. Estudos eletrofisiológicos e histológicos têm demonstrado a criação de circuitos de regulação central medular, que podem ser condicionados por estímulos repetitivos para regular o caminhar espinal (Dietz 2001Dietz V. 2001. Spinal cord lesion: effects of and perspectives for treatment. Neural Plast. 8(1):83-90., Behrman et al. 2006Behrman A.L., Bowden M.G. & Nair P.M. 2006. Neuroplasticity after spinal cord injury and training: walking recovery an emerging paradigm shift in rehabilitation and walking recovery. Phys. Ther. 86(14):1406-1425., Barrière et al. 2008Barrière G., Leblond H., Provencher J. & Rossignol S. 2008. Prominent role of the spinal central pattern generator in the recovery of locomotion after partial spinal cord injuries. J. Neurosci. 28(15):3976-3987., Rossignol et al. 2009Rossignol S., Barrière G., Alluin O. & Frigon A. 2009. Re-expression of locomotor function after partial spinal cord injury. Physiology 24:127-139., Frigon 2012Frigon A. 2012. Central pattern generators of the mammalian spinal cord. Neuroscientist 18(1):56-69., Martinez et al. 2013Martinez M., Delivet-Mongrain H. & Rossignol S. 2013. Treadmill training promotes spinal changes leading to locomotor recovery after partial spinal cord injury in cats. J. Neurophysiol. 109(2):2909-2922.).

O reflexo em massa elicida, a princípio, o reflexo de endireitamento, que permite com que um animal com secção medular em decúbito realize movimentos involuntários, que o auxiliam a se colocar em estação (Guyton & Hall 2011Guyton A.C. & Hall J.E. 2011. Funções motoras da medula espinhal; os reflexos espinhais, p.693-704 . In: Hall J.E. (Ed.), Tratado de Fisiologia Médica. 12ª ed. Elsevier, Rio de Janeiro.). Após posicionamento dos membros pélvicos, estimulações subsequentes em regiões distais destes membros provocam a ocorrência do reflexo extensor cruzado e do reflexo de sustentação positiva. No reflexo extensor cruzado, estímulos sensitivos estimulam a flexão do membro em questão e a extensão do membro contralateral, devido ao mecanismo de inervação recíproca (Guyton 1993Guyton A.C. 1993. Funções motoras da medula espinhal; os reflexos medulares, p.177-187. In: Guyton A.C. (Ed.), Neurociência Básica: anatomia e fisiologia. 2ª ed. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro., Bouyer & Rossignol 2003Bouyer L.J.G. & Rossignol S. 2003. Contribution of cutaneous inputs from the hindpaw to the control of locomotion. 2. Spinal cats. J. Neurophysiol. 90:3640-3653., Rubinson & Lang 2009Rubinson K. & Lang E.J. 2009. Organização da função motora, p.157-200. In: Koeppen B.M. & Stanton B.A. (Eds), Fisiologia. 6ª ed. Elsevier, Rio de Janeiro., Guyton & Hall 2011Guyton A.C. & Hall J.E. 2011. Funções motoras da medula espinhal; os reflexos espinhais, p.693-704 . In: Hall J.E. (Ed.), Tratado de Fisiologia Médica. 12ª ed. Elsevier, Rio de Janeiro.). A resposta do reflexo de extensão positiva é semelhante a do extensor cruzado. No entanto, a extensão do membro oposto ocorre de forma é tão consistente que permite a sustentação de peso. O local de pressão, sob um lado do coxim, determina a posição da extensão no membro, num efeito denominado reação magnética, auxiliando na manutenção do equilíbrio (Bouyer & Rossignol 2003Bouyer L.J.G. & Rossignol S. 2003. Contribution of cutaneous inputs from the hindpaw to the control of locomotion. 2. Spinal cats. J. Neurophysiol. 90:3640-3653., Guyton & Hall 2011Guyton A.C. & Hall J.E. 2011. Funções motoras da medula espinhal; os reflexos espinhais, p.693-704 . In: Hall J.E. (Ed.), Tratado de Fisiologia Médica. 12ª ed. Elsevier, Rio de Janeiro.).

Estímulos sensitivos desempenham um papel importante na estruturação do ciclo do passo, de modo que seja adaptado ao ambiente em constante mudança, uma vez que as conexões com sistema vestibular, cerebelo e córtex cerebral foram interrompidas (Büschges & El Manira 1998Büschges A. & El Manira A. 1998. Sensory pathways and their modulation in the control of locomotion. Curr. Opin. Neurobiol. 8(6):733-739., Bouyer & Rossignol 2003Bouyer L.J.G. & Rossignol S. 2003. Contribution of cutaneous inputs from the hindpaw to the control of locomotion. 2. Spinal cats. J. Neurophysiol. 90:3640-3653., Rossignol et al. 2006Rossignol S. , Dubuc R. & Gossard J.P. 2006. Dynamic sensorimotor interactions in locomotion. Physiol. Rev. 86:89-154., Rossignol et al. 2009Rossignol S., Barrière G., Alluin O. & Frigon A. 2009. Re-expression of locomotor function after partial spinal cord injury. Physiology 24:127-139.).

Basicamente dois pontos são utilizados para a caracterização do caminhar espinal: a ausência de nocicepção e o tipo característico de marcha, no qual os membros pélvicos não acompanham os torácicos, com dificuldades bem manifestadas nas curvas e inaptidão de caminhar para trás (Cordeiro 1996Cordeiro J.M.C.O. 1996. Exame Neurológico de Pequenos Animais. EDUCAT, Pelotas. 270p.).

Objetivou-se descrever as bases neurofisiológicas responsáveis pelo desenvolvimento do caminhar espinal e analisar, em 37 cães acometidos por FLV toracolombares, os dados referentes à taxa de recuperação dos animais com e sem nocicepção, assim como a frequência dos animais que desenvolveram caminhar espinal e o período médio para seu aparecimento, em virtude de relatos na literatura indicando que cães acometidos por fraturas e luxações vertebrais toracolombares, com perda da nocicepção, dificilmente voltarão a caminhar. Desta forma, tentar diminuir as taxas de eutanásia nesses cães, que chegam a atingir a frequência de 47% em centros veterinários de referência (Turner 1987Turner W.D. 1987. Fractures and fractures-luxations of the lumbar spine: a retrospective study in the dog. J. Am. Vet. Med. Assoc. 23(459):459-464., McKee 1990McKee W.M. 1990. Spinal trauma in dogs and cats: a review of 51 cases. Vet. Rec. 126(6):285-289., Selcer et al. 1991Selcer R.R., Bubb W.J. & Walker T.L. 1991. Management of vertebral column fractures in dogs and cats: 211 cases (1977-1985). J. Am. Vet. Med. Assoc. 198(11):1965-1968., Olby et al. 2003Olby N., Levine J., Harris T., Muñana K., Skeen T. & Sharp N. 2003. Long-term functional outcome of dogs with severe injuries of the thoracolumbar spinal cord: 87 cases (1996-2001). J. Am. Vet. Med. Assoc. 222(6):762-769., Bruce et al. 2008Bruce C.W., Brisson B.A. & Gyselinck K. 2008. Spinal fractures in dogs and cats: a retrospective evaluation of 95 cases. Vet. Comp. Orthop. Traumatol. 21(3):280-284., Mendes & Arias 2012Mendes D.S. & Arias M.V.B. 2012. Traumatismo da medula espinhal em cães e gatos: estudo prospectivo de 57 casos. Pesq. Vet. Bras. 32(12):1304-1312.).

Material e Métodos

Para o estudo (autorização Nº 023/2012 da Comissão de Ética no Uso de Animais da Universidade Federal Rural de Pernambuco [UFRPE]), foram analisados os dados de 37 cães, provenientes do atendimento de rotina do Hospital Veterinário da UFRPE, durante o período entre março de 2011 e julho de 2012, sem distinção de sexo, raça ou idade, que apresentaram FLV toracolombares, diagnosticadas por meio de exame neurológico e radiográfico.

Cada paciente passou por uma anamnese detalhada, exame físico e por fim exame neurológico, para se obter o diagnóstico neuroanatômico e a severidade das lesões nervosas. Em seguida, foram solicitados exames complementares de acordo com a necessidade de cada caso. Para avaliação do grau de disfunção neurológica, foram utilizados os parâmetros adaptados de Bruce et al. (2008)Bruce C.W., Brisson B.A. & Gyselinck K. 2008. Spinal fractures in dogs and cats: a retrospective evaluation of 95 cases. Vet. Comp. Orthop. Traumatol. 21(3):280-284., sendo os grupos I a IV formados pelos animais que mantiveram a nocicepção intacta e o grupo V, pelos que a perderam.

Inicialmente, os pacientes foram imobilizados em uma tábua acolchoada, a fim de se evitar lesões adicionais à medula espinal. Foram medicados com meloxicam (0,1mg/kg, via oral, a cada 24 horas, por sete dias) e cloridrato de tramadol (4mg/kg, via oral, a cada oito horas, por 5 dias), sendo recomendados cuidados gerais de enfermagem e fisioterapia. Em seguida, foram submetidos ao tratamento conservativo ou cirúrgico, de acordo com as necessidades de cada caso.

Foram considerados pertencentes ao grupo de tratamento conservativo aqueles animais que apresentaram déficits neurológicos leves (graus I, II e III), fraturas estáveis e não deslocadas, com ausência ou discreta compressão medular e cães em outros graus que não se apresentaram em condições clínicas de serem submetidos a um procedimento cirúrgico.

Foram considerados pacientes cirúrgicos aqueles com condições orgânicas de serem submetidos ao procedimento cirúrgico e anestésico, que apresentaram déficits neurológicos graves (graus IV e V), lesões instáveis, fraturas deslocadas, evidências de compressão medular e animais que apresentaram piora ante o tratamento conservativo.

Os procedimentos cirúrgicos foram realizados no menor intervalo de tempo possível após o atendimento inicial. A fim de padronizá-los, estes foram realizadas pelos mesmos membros da equipe, efetuando-se descompressão, redução e estabilização vertebral (quando necessário), utilizando-se as técnicas descritas na literatura.

As reavaliações foram realizadas três, sete, 15, 30, 60, 90 e 180 dias após o início do tratamento, para se avaliar a evolução clínica de cada paciente. Durante esse período, foi realizado tratamento fisioterápico conforme indicado por Pearson (2001)Pearson K.G. 2001. Could enhanced reflex function contribute to improving locomotion after spinal cord repair?. J. Physiol. 553(1):75-81., Dietz (2001)Dietz V. 2001. Spinal cord lesion: effects of and perspectives for treatment. Neural Plast. 8(1):83-90., Behrman et al. (2006)Behrman A.L., Bowden M.G. & Nair P.M. 2006. Neuroplasticity after spinal cord injury and training: walking recovery an emerging paradigm shift in rehabilitation and walking recovery. Phys. Ther. 86(14):1406-1425. e Gallucci et al. (2015)Gallucci A., Gandini G., Menchetti M., Gagliardo T., Pietra M., Cardinali M. & Dragone L. 2015. Acquisition of involuntary spinal locomotion (Spinal Walking) in dogs with irreversible thoraco-lumbar spinal cord lesion: a retrospective study on 81 dogs. Proc. 28th European Veterinary Congress on Movement Disorders ESVN-ECVN Congress, Amsterdam, p.52. (Abstract). Iniciou-se com a do tipo passiva, por meio de movimentos de extensão e flexão dos membros pélvicos, imitando o caminhar, durante 15 minutos, quatro vezes ao dia. Após estabilização da lesão vertebral, foi recomendada fisioterapia ativa com caminhadas em piso antiderrapante durante 5 minutos, quatro vezes ao dia com apoio de toalha na região ventral do abdome para estimular a movimentação dos membros pélvicos. Toda a fisioterapia foi realizada pelos proprietários dos animais em suas residências. Para monitorar a realização dos exercícios, foi fornecido um diário de registros diários para ser preenchido após a realização das sessões.

Foram considerados animais que desenvolveram caminhar espinal os que apresentaram ausência de nocicepção nos membros pélvicos e cauda, reflexos patelares e flexores dos membros pélvicos normais, reflexo em massa e deambulação com os membros torácicos e pélvicos ao mesmo tempo, sem assistência.

Resultados e Discussão

Os dados referentes ao grau de disfunção neurológica, localização da lesão, tipo de tratamento, o resultado da terapia e ocorrência de caminhar espinal de 37 cães com FLV toracolombares estão expostos no Quadro 1.

Quadro 1.
Dados dos 37 cães acometidos com fraturas e luxações vertebrais com suas idades, grau de disfunção neurológica, localização segmentar da lesão, tipo de tratamento, resultado da terapia e tempo para desenvolvimento do caminhar espinal

Em relação ao grau de disfunção neurológica e as taxas de recuperação, 14/37 animais (37,8%) tinham nocicepção intacta, no qual a taxa de recuperação da deambulação voluntária e das funções viscerais foi de 100%. Enquanto que 23/37 animais (62,1%) perderam a nocicepção, no qual nenhum recuperou a deambulação voluntária e funções viscerais, ocorrendo óbito por causas diversas em sete destes.

O prognóstico desfavorável de cães com fraturas vertebrais sem nocicepção pode ser justificado pelo fato da perda da nocicepção estar relacionado à grave lesão da medula espinal (Fletcher 2016Fletcher D.J., Dewey C.W & Da Costa R.C. 2016. Spinal trauma management, p.423-436. In: Dewey C.W. & Da Costa R.C. (Eds), Practical Guide to Canine and Feline Neurology. 3rd ed. Wiley-Blackwell, Iowa.), o que pode ser justificado pelos trabalhos de Feeney & Oliver (1980)Feeney D.A. & Oliver J.E. 1980. Blunt spinal trauma in the dog and cat: neurologic, radiologic, and therapeutic correlations. J. Am. Vet. Med. Assoc. 16(664):664-668., McKee (1990)McKee W.M. 1990. Spinal trauma in dogs and cats: a review of 51 cases. Vet. Rec. 126(6):285-289. e Selcer et al. (1991)Selcer R.R., Bubb W.J. & Walker T.L. 1991. Management of vertebral column fractures in dogs and cats: 211 cases (1977-1985). J. Am. Vet. Med. Assoc. 198(11):1965-1968., que relataram que os animais que perderam a nocicepção apresentavam no trans-cirúrgico ou na necropsia, secção medular ou sinais de mielomalácia.

Dos 16 animais paraplégicos sem nocicepção sobreviventes e que foram submetidos ao tratamento conservativo ou cirúrgico, cinco (31,25%) readquiriram a capacidade de caminhar sem recuperar a nocicepção.

O desenvolvimento de deambulação involuntária nos cães deste trabalho foi atribuído ao caminhar espinal (Shurrager & Dykman 1951Shurrager P.S. & Dykman R.A. 1951. Walking spinal carnivores. J. Comp. Physiol. Psych. 44(3):252-262., Olby et al. 2003Olby N., Levine J., Harris T., Muñana K., Skeen T. & Sharp N. 2003. Long-term functional outcome of dogs with severe injuries of the thoracolumbar spinal cord: 87 cases (1996-2001). J. Am. Vet. Med. Assoc. 222(6):762-769., Lorenz et al. 2011Lorenz M.D., Coates J.R. & Kent M. 2011. Handbook of Veterinary Neurology. 5th ed. Elsevier, St Louis. 545p., Dewey 2016Dewey C.W. 2016. Lesion localization: functional and dysfunctional neuroanatomy, p.29-52. In: Dewey C.W & Da Costa R.C. (Eds), Practical Guide to Canine and Feline Neurology. 3rd ed. Wiley-Blackwell, Iowa.). Segundo Olby et al. (2003)Olby N., Levine J., Harris T., Muñana K., Skeen T. & Sharp N. 2003. Long-term functional outcome of dogs with severe injuries of the thoracolumbar spinal cord: 87 cases (1996-2001). J. Am. Vet. Med. Assoc. 222(6):762-769., o surgimento de atividade motora em cães que permanecem sem nocicepção está relacionado ao caminhar espinal reflexo. Em seu trabalho que envolvia cães sem nocicepção, vítimas de traumatismo vertebral, a autora menciona que 22% dos animais não recuperaram a nocicepção, mas readquiriram a capacidade de caminhar. Gallucci et al. (2015)Gallucci A., Gandini G., Menchetti M., Gagliardo T., Pietra M., Cardinali M. & Dragone L. 2015. Acquisition of involuntary spinal locomotion (Spinal Walking) in dogs with irreversible thoraco-lumbar spinal cord lesion: a retrospective study on 81 dogs. Proc. 28th European Veterinary Congress on Movement Disorders ESVN-ECVN Congress, Amsterdam, p.52. (Abstract) em um estudo com 81 cães sem nocicepção, relatou a ocorrência de desenvolvimento do caminhar espinal em 14 cães (17,2%) acometidos por traumatismo vertebral.

No presente estudo, o tempo médio para o desenvolvimento do caminhar espinal foi de 115 dias (Quadro 1), sendo que somente em dois animais a idade era conhecida pelos proprietários, sendo este período de 32 dias no cão de quatro meses e de 120 dias, no cão com dois anos de idade.

Nos animais de idade conhecida, apesar do pequeno número da amostra, o período para o aparecimento do caminhar espinal ocorreu conforme os relatos de Jaggy (2010)Jaggy A. 2010. Small Animal Neurology: an illustrated text. Schlütersche, Hannover. 570p., ao mencionar que filhotes que sofreram secção medular desenvolveram caminhar espinal em torno de dois meses e que adultos que sofreram o mesmo tipo de trauma necessitaram de vários meses para desenvolvê-lo. Esses dados foram semelhantes os achados de Shurrager & Dykman (1951)Shurrager P.S. & Dykman R.A. 1951. Walking spinal carnivores. J. Comp. Physiol. Psych. 44(3):252-262., que nos primeiros relatos sobre caminhar espinal em cães, mencionaram que a velocidade desenvolvimento de caminhar espinal ocorreu rapidamente em cães jovens.

O reconhecimento do caminhar espinal seguiu os parâmetros de Cordeiro (1996)Cordeiro J.M.C.O. 1996. Exame Neurológico de Pequenos Animais. EDUCAT, Pelotas. 270p., pois nesses animais a nocicepção estava ausente, os reflexos espinais dos membros pélvicos estavam normais, os membros pélvicos não acompanhavam os torácicos. Houve dificuldades de caminhar nas curvas e inaptidão de caminhar para trás.

Em todos os animais, previamente ao desenvolvimento do caminhar espinal, observou-se o aparecimento do reflexo em massa. Desta forma, este reflexo pode ser considerado um indicativo precoce da possibilidade de desenvolvimento do caminhar espinal em cães. Esta hiperestimulação medular irá ativar e coordenar os reflexos de endireitamento, extensor cruzado, de sustentação positiva, que em conjunto com a impulsão ocasionada pela movimentação voluntaria em sentido cranial dos membros torácicos, possibilitaram o caminhar espinal (Dietz 2001Dietz V. 2001. Spinal cord lesion: effects of and perspectives for treatment. Neural Plast. 8(1):83-90., Pearson 2001Pearson K.G. 2001. Could enhanced reflex function contribute to improving locomotion after spinal cord repair?. J. Physiol. 553(1):75-81., Behrman et al. 2006Behrman A.L., Bowden M.G. & Nair P.M. 2006. Neuroplasticity after spinal cord injury and training: walking recovery an emerging paradigm shift in rehabilitation and walking recovery. Phys. Ther. 86(14):1406-1425.).

O desenvolvimento do comportamento rítmico gerado pelos reflexos espinais acima citados foi possível pela localização da lesão na região toracolombar da medula espinal, permitindo manter intacto os neurônios motores inferiores da região lombossacral e suas conexões com estímulos sensitivos advindos dos membros pélvicos, permitindo a movimentação involuntária dos membros (Bouyer & Rossignol 2003Bouyer L.J.G. & Rossignol S. 2003. Contribution of cutaneous inputs from the hindpaw to the control of locomotion. 2. Spinal cats. J. Neurophysiol. 90:3640-3653., Fitzmaurice 2011Fitzmaurice S. 2001. Neurologia em pequenos animais. Elsevier, Rio de Janeiro. 332p., Gallucci et al. 2015Gallucci A., Gandini G., Menchetti M., Gagliardo T., Pietra M., Cardinali M. & Dragone L. 2015. Acquisition of involuntary spinal locomotion (Spinal Walking) in dogs with irreversible thoraco-lumbar spinal cord lesion: a retrospective study on 81 dogs. Proc. 28th European Veterinary Congress on Movement Disorders ESVN-ECVN Congress, Amsterdam, p.52. (Abstract)).

O protocolo fisioterapêutico desempenhou um papel importante no desenvolvimento do caminhar espinal nestes cães, corroborando com De Leon (1998)De Leon R.D., Hodgson J.A., Roy R.R. & Edgerton V.R. 1998. Locomotor capacity attributable to step training versus spontaneous recovery after spinalization in adult cats. J. Neurophysiol. 79:1329-1340., Pearson (2001)Pearson K.G. 2001. Could enhanced reflex function contribute to improving locomotion after spinal cord repair?. J. Physiol. 553(1):75-81., Dietz (2001)Dietz V. 2001. Spinal cord lesion: effects of and perspectives for treatment. Neural Plast. 8(1):83-90., Behrman et al. (2006)Behrman A.L., Bowden M.G. & Nair P.M. 2006. Neuroplasticity after spinal cord injury and training: walking recovery an emerging paradigm shift in rehabilitation and walking recovery. Phys. Ther. 86(14):1406-1425., Martinez et al. 2012Martinez M., Delivet-Mongrain H., Leblond H. & Rossignol S. 2012. Effect of locomotor training in completely spinalized cats previously submitted to a spinal hemisection. J. Neurosci. 32(32):10961-10970, Gallucci et al. (2015)Gallucci A., Gandini G., Menchetti M., Gagliardo T., Pietra M., Cardinali M. & Dragone L. 2015. Acquisition of involuntary spinal locomotion (Spinal Walking) in dogs with irreversible thoraco-lumbar spinal cord lesion: a retrospective study on 81 dogs. Proc. 28th European Veterinary Congress on Movement Disorders ESVN-ECVN Congress, Amsterdam, p.52. (Abstract) e Melo (2015)Melo M.R.M. 2015.Medicina física e reabilitação de paraplegias de grau 0 em animais de companhia. Dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa. 107p., quando mencionam que o fortalecimento do tônus muscular e o condicionamento dos membros pélvicos por meio de movimentos passivos e repetitivos podem contribuir para a padronização da atividade motora e na formação e estimulação do caminhar espinal. Esses dados confirmam os relatos de Shurrager & Dykman (1951)Shurrager P.S. & Dykman R.A. 1951. Walking spinal carnivores. J. Comp. Physiol. Psych. 44(3):252-262., que nos primeiros relatos sobre caminhar espinal em cães, já concluíram que o desenvolvimento de caminhar espinal foi diretamente proporcional à quantidade de exercício realizada.

A taxa total de eutanásia no presente estudo foi de 13,5% (5 animais), resultado inferior aos de outros autores descritos na literatura (Turner 1987Turner W.D. 1987. Fractures and fractures-luxations of the lumbar spine: a retrospective study in the dog. J. Am. Vet. Med. Assoc. 23(459):459-464., McKee 1990McKee W.M. 1990. Spinal trauma in dogs and cats: a review of 51 cases. Vet. Rec. 126(6):285-289., Selcer et al. 1991Selcer R.R., Bubb W.J. & Walker T.L. 1991. Management of vertebral column fractures in dogs and cats: 211 cases (1977-1985). J. Am. Vet. Med. Assoc. 198(11):1965-1968., Olby et al. 2003Olby N., Levine J., Harris T., Muñana K., Skeen T. & Sharp N. 2003. Long-term functional outcome of dogs with severe injuries of the thoracolumbar spinal cord: 87 cases (1996-2001). J. Am. Vet. Med. Assoc. 222(6):762-769., Bruce et al. 2008Bruce C.W., Brisson B.A. & Gyselinck K. 2008. Spinal fractures in dogs and cats: a retrospective evaluation of 95 cases. Vet. Comp. Orthop. Traumatol. 21(3):280-284., Mendes & Arias 2012Mendes D.S. & Arias M.V.B. 2012. Traumatismo da medula espinhal em cães e gatos: estudo prospectivo de 57 casos. Pesq. Vet. Bras. 32(12):1304-1312.), permitindo com que a maioria dos animais sem nocicepção que não recuperaram a deambulação voluntária permanecessem vivos e tivessem continuidade do seu tratamento de reabilitação. Desta forma, a frequência inferior de desenvolvimento de caminhar espinal descrito em outros trabalhos pode ser devido à alta taxa de eutanásia que foi praticada nos cães com FLV sem nocicepção.

O protocolo de tratamento do presente estudo permitiu uma porcentagem alta de desenvolvimento de caminhar espinal (31,5%), em relação a outros estudos semelhantes (Olby et al. 2003Olby N., Levine J., Harris T., Muñana K., Skeen T. & Sharp N. 2003. Long-term functional outcome of dogs with severe injuries of the thoracolumbar spinal cord: 87 cases (1996-2001). J. Am. Vet. Med. Assoc. 222(6):762-769., Mendes & Arias 2012Mendes D.S. & Arias M.V.B. 2012. Traumatismo da medula espinhal em cães e gatos: estudo prospectivo de 57 casos. Pesq. Vet. Bras. 32(12):1304-1312., Gallucci et al. 2015Gallucci A., Gandini G., Menchetti M., Gagliardo T., Pietra M., Cardinali M. & Dragone L. 2015. Acquisition of involuntary spinal locomotion (Spinal Walking) in dogs with irreversible thoraco-lumbar spinal cord lesion: a retrospective study on 81 dogs. Proc. 28th European Veterinary Congress on Movement Disorders ESVN-ECVN Congress, Amsterdam, p.52. (Abstract)), assinalando que esta abordagem terapêutica deve ser rotineira nos cães com FLV que perderam a nocicepção.

Todos os animais paraplégicos que desenvolveram caminhar espinal necessitaram de cuidados de enfermagem intensivos permanentes para manutenção das funções viscerais. Esses cuidados consistiram em esvaziamento vesical e intestinal, por meio de massagem abdominal e fornecimento de dieta adequada; prevenção de assaduras na pele e ulcerações cutâneas por decúbito, por meio de utilização de fraldas descartáveis, limpeza cutânea constante de urina e fezes, mudança de decúbito a cada quatro horas e a realização de fisioterapia passiva e ativa, para evitar atrofia, contratura muscular e perda da função articular e neuromuscular. Após o desenvolvimento do caminhar espinal, mesmo com a necessidade de cuidados gerais de enfermagem e conhecimento da ausência de recuperação da deambulação voluntária, todos os proprietários ficaram satisfeitos com o resultado final.

Conclusão

O parâmetro isolado da perda da nocicepção, em cães paraplégicos por fraturas e luxações vertebrais toracolombares, não deve desencorajar a realização da terapia conservativa ou cirúrgica indicada para cada caso, pois conforme os resultados deste trabalho, mesmo que não ocorra a recuperação da deambulação voluntária, há possibilidade de desenvolvimento do caminhar espinal.

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  • Pesquisa de mestrado com apoio CNPq.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2015
  • Aceito
    02 Dez 2016
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