Introdução
No Brasil, a leishmaniose visceral (LV) é uma antropozoonose causada por um protozoário intracelular, a Leishmania (L.) infantum (sinônimo Leishmania (L.) chagasi), que é o principal agente da LV nos cães como nos humanos no Brasil (Harhay et al. 2011). A doença é transmitida de animais silvestres ou domésticos para o homem por intermédio da picada do flebotomíneo hematófago Lutzomyia (Lutzomyia) longipalpis (Deane & Deane 1954). Lutzomyia cruzi e Lutzomyia forattinii são vetores potenciais no estado do Mato Grosso do Sul (Pita-Pereira et al. 2008). Os cães desempenham um papel importante na manutenção e transmissão da infecção, especialmente na presença de vetores competentes e hospedeiros susceptíveis (Steindel et al. 2013). A Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) define que os cães são os principais reservatórios da LV para o homem e que são necessárias estratégias de controle da leishmaniose visceral canina (LVC) para diminuir os casos humanos e a propagação da doença (OPAS 2009). O Ministério da Saúde (Brasil 2006) recomenda como medidas de controle da doença o diagnóstico precoce e tratamento dos casos humanos, o diagnóstico e sacrifício dos cães soropositivos, a identificação e eliminação do vetor e a educação em saúde da população.
No Brasil, a região Nordeste é a que apresenta a prevalência mais alta da LVC, entretanto o índice pode variar de 0,7% a 51,61% (Abreu-Silva et al. 2008, Barbosa et al. 2009, Fernandes et al. 2016), e com níveis mais altos na zona rural em relação à área urbana (Amóra et al. 2006, Silva et al. 2016).
Nos centros urbanos, a doença está associada a modificações ambientais, à ocupação desordenada do espaço urbano e às precárias condições de vida da população exposta ao risco (Cesse et al. 2001, Dantas-Torres & Brandão-Filho 2006). Além destes fatores, questões socioeconômicas e as condições higiênico-sanitárias da população também contribuem para elevar esse número (WHO 2002).
Assentamentos rurais são definidos como espaços agrários de organização familiar, cuja finalidade é o fortalecimento da agricultura familiar (INCRA 2016a). Esses ambientes tendem a ter maiores concentrações de reservatórios e vetores da leishmaniose visceral, devido às características ambientais e transformações resultantes da ação antrópica pela ocupação do território (Mello et al. 2008)
A presença de Leishmania spp. ou anticorpos anti-Leishmania spp. tem sido relatada em todo o país (Dantas-Torres 2008). Porém, não há estudos em áreas de assentamentos rurais no Brasil sobre a ocorrência da LVC e, consequentemente, não se conhece o risco da ocorrência da LV em humanos, de maneira que o levantamento de informações epidemiológicas da LVC se torna importante uma vez que a doença no cão antecede os casos humanos (Troncarelli et al. 2012). Na Mesorregião do Sertão da Paraíba, existem 13 assentamentos rurais que beneficiam 490 famílias de pequenos agricultores (INCRA 2016b). Pelo tipo de ocupação territorial e manejo empregado pelas famílias, pode-se inferir que, do ponto de vista sanitário, há possibilidade de dispersão e de manutenção desta zoonose nos assentamentos rurais.
Dessa forma, objetivou-se realizar um estudo epidemiológico da LVC em assentamentos rurais, localizados na Mesorregião do Sertão da Paraíba, Nordeste do Brasil, bem como identificar os fatores de risco associados a esta doença nesta região para uma possível intervenção, visando o controle dessa zoonose.
Material e Métodos
O projeto foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), do Centro de Saúde e Tecnologia Rural - CSTR/UFCG, e protocolado sob o número 324/2015.
A pesquisa foi realizada entre os meses de março a outubro de 2015, em 13 assentamentos rurais, que são áreas destinadas para trabalhadores sem terra por meio de políticas governamentais, distribuídos na Mesorregião do Sertão da Paraíba (compreendida pelos municípios de São José de Espinharas, Santa Terezinha, São Mamede, São José do Bonfim e Patos), região semiárida do Nordeste do Brasil (Fig. 1).

Fig.1. Representação geográfica dos municípios que tiveram cães amostrados nos assentamentos da Mesorregião do Sertão da Paraíba, Brasil.
Para definir o número mínimo de animais a serem amostrados, foi utilizada a fórmula para amostras aleatórias simples (Thrusfield 2007):
n = tamanho da amostra;
z = valor da distribuição normal para nível de confiança de 95%;
Pesp = prevalência esperada;
d = erro estatístico.
Os parâmetros utilizados foram: prevalência esperada de 50% (maximização da amostra), nível de confiança de 95% e erro absoluto de 6%. De acordo com esses parâmetros o número amostral mínimo é de 267 animais, no entanto, foram utilizados 306 cães. Foram utilizados todos os cães a partir de 6 meses de idade, ambos os sexos e diferentes raças, provenientes dos 13 assentamentos, após consentimento prévio dos proprietários, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Após imobilização do animal, o sangue foi colhido por punção da veia cefálica, safena ou jugular externa, utilizando-se seringas descartáveis de 5 mL, depositado imediatamente em tubo de ensaio plástico contendo anticoagulante citrato de sódio (4%). Após a coleta, os tubos foram devidamente identificados, colocados em caixa de isopor com gelo e enviados para o Laboratório de Doenças Transmissíveis/CSTR/UFCG, onde foi feita a transferência do plasma para microtubos de 1,5mL e armazenado a -20ºC até o momento do processamento.
Um questionário epidemiológico foi aplicado aos proprietários dos cães visando obter dados a serem utilizados na análise de fatores de risco associados à LVC. As variáveis investigadas e respectivas categorias foram: (a) variáveis epidemiológicas: sexo (macho, fêmea); idade (seis até 12 meses, mais de 12 e até 24 meses, mais de 24 até 48 meses, quatro até seis anos, acima de seis anos); raça (sem raça definida, com raça definida, qual raça); tipo de criação (domiciliar, semidomiciliar, solto); contato com outros animais (sim, não); se sim, com quais (aves, equídeos, felinos, silvestres, cães, suínos, bovinos, ovinos e caprinos); o animal tomou alguma vacina (sim, não); costuma caçar com o animal (sim, não); já teve ou tem carrapatos (sim, não); o animal já teve ou tem pulgas (sim, não); exame físico do animal (sintomático, assintomático); alimentação (alimento preparado em casa, ração comercial/preparado em casa ambos); acúmulo de lixo (sim, não); ambiente onde o animal é criado (cimento, terra, terra/cimento); é realizada limpeza ou desinfecção do local (sim, não); com que frequência (diária, semanal, quinzenal, mensal); (b) variáveis sociais: grau de escolaridade (analfabeto, ensino fundamental incompleto, ensino fundamental completo, ensino médio incompleto, ensino médio completo/ensino superior incompleto); renda familiar (até dois salários mínimos, mais de dois salários mínimos); ter algum conhecimento sobre leishmaniose (sim, não).
Para a pesquisa de anticorpos anti-Leishmania infantum foi utilizado o Kit ELISA S7® (Biogene, Indústria e Comércio, Recife - PE, Brasil), que tem como base um peptídeo recombinante, produzido por engenharia genética. O cálculo do ponto de corte foi feito a partir da média aritmética das densidades óticas (DO) de dois soros não reagentes (produto do kit), somada ao fator de correção R = 0,142. Para determinação da amplitude da zona cinza (faixa de indeterminados), subtrai-se do ponto de corte o valor 0,03.
Os resultados dos testes de diagnóstico e as informações dos questionários epidemiológicos foram armazenados em banco de dados confeccionado com o programa Microsoft Excel. Para análise de fatores de risco inicialmente foi feita análise univariável, na qual cada variável independente foi submetida à análise de associação com a variável dependente (resultado da sorologia), e aquelas que apresentaram valor de p ≤ 0,2 pelo teste de qui-quadrado (Zar 1999) foram selecionadas para a análise multivariável utilizando regressão logística múltipla (Hosmer & Lemeshow 2000). O ajuste do modelo foi verificado com o teste de Hosmer e Lemeshow, pelo qual um valor de p ≥ 0,05 indica ajuste satisfatório. O nível de significância adotado na análise múltipla foi de 5%. Todas as análises foram realizadas com o programa SPSS 20.0 for Windows.
Resultados
Dos 306 cães analisados, 118 (38,6%) foram soropositivos no ELISA S7®. Os assentamentos Tubarão e Campo Comprido com 16,1 e 14,4%, respectivamente, foram os que apresentaram maior prevalência para LVC (Quadro 1). Dos 38 animais com sinais clínicos para LVC 22 (57,9%) apresentaram onicogrifose, 16 (42,1%) alopecia, 15 (39,47%) caquexia, cinco (13,16%) lesão de ponta de orelha e quatro (10,5%) hiperqueratose nasal. Na avaliação clinica foi observado que dos cães soropositivos 18 (15,25%) eram sintomáticos e 100 (84,75%) assintomáticos. No Quadro 2 são apresentados os resultados da análise univariável. No modelo final da regressão logística (Quadro 3), as categorias idade de 12-24 meses (Odds ratio =2,97), idade de 24-48 meses (Odds ratio =4,83), idade de 4-6 anos (Odds ratio =4,40), idade >6 anos (Odds ratio =3,62), contato com aves (Odds ratio =1,68) e sexo (fêmea) (Odds ratio =1,97) foram apontadas como fatores de risco para leishmaniose em cães. O modelo final apresentou ajuste satisfatório (teste de Hosmer e Lemeshow: qui-quadrado =12,2; p=0,143).
Quadro 1. Prevalência total de leishmaniose visceral canina (L. infantum) em cães no semiárido paraibano, por assentamentos estudados, entre os meses de março a outubro de 2015
Municípios | Assentamento | Número total de animais | Positivos | % |
São José de Espinharas | Cachoeira | 10 | 3 | 2,55 |
Tiradentes | 14 | 4 | 3,39 | |
Nova Espinharas | 19 | 5 | 4,24 | |
Nova Santana | 24 | 8 | 6,78 | |
Oziel Alves | 19 | 10 | 8,48 | |
Maria Paz | 20 | 10 | 8,48 | |
Santa Terezinha | Aroeira | 18 | 6 | 5,08 |
Dom Expedito | 28 | 6 | 5,08 | |
São José do Bonfim | Tubarão | 33 | 19 | 16,10 |
São Mamede | Mundo Novo | 27 | 6 | 5,08 |
Saco do Monte | 12 | 8 | 6,78 | |
Patos | Patativa | 37 | 16 | 13,56 |
Campo Comprido | 45 | 17 | 14,4 | |
Total | 306 | 118 | 100 |
Quadro 2. Análise univariável de fatores de risco associados à leishmaniose visceral canina no semiárido paraibano, entre os meses de março a outubro de 2015
Variável | Categoria | Total de Indivíduos |
Positivos (%) | p |
Sexo | Macho | 232 | 82(35,3) | |
Fêmea | 74 | 36(48,6) | 0,056* | |
Raça | Sem raça | 293 | 109(37,2) | |
Com raça | 13 | 9(69,2) | 0,042* | |
Idade | 6-12meses | 62 | 11(17,7) | |
12-24meses | 78 | 29(37,2) | ||
24-48meses | 77 | 38(49,4) | ||
4-6anos | 59 | 27(45,8) | ||
Acima de 6 anos | 30 | 13(43,3) | 0,002* | |
Animal vacinado | Não | 56 | 18 (32,1%) | |
Sim | 250 | 100 (40,0%) | 0,347 | |
Animal de caça | Não | 226 | 88 (38,9%) | |
Sim | 80 | 30 (37,5%) | 0,926 | |
Carrapato | Não | 87 | 30 (34,5%) | |
Sim | 219 | 88 (40,2%) | 0,427 | |
Pulga | Não | 261 | 99 (37,9%) | |
Sim | 45 | 19 (42,2%) | 0,704 | |
Exame físico | Sintomático | 38 | 18 (47,4%) | |
Assintomático | 268 | 100 (37,3%) | 0,311 | |
Alimentação | Ração comercial/preparado em casa | 28 | 9 (32,1%) | |
Preparado em casa | 278 | 109 (39,2%) | 0,597 | |
Acúmulo de lixo | Não | 132 | 48 (36,4%) | |
Sim | 174 | 70 (40,2%) | 0,569 | |
Ambiente de criação | Cimento | 8 | 4 (50,0%) | |
Terra | 283 | 110 (38,9%) | ||
Terra/cimento | 15 | 4 (26,7%) | 0,509 | |
Limpeza do local | Não | 40 | 19 (47,5%) | |
Sim | 266 | 99 (37,2%) | 0,284 | |
Frequência de limpeza | Diária | 112 | 49(43,8) | |
Semanal | 108 | 34(31,5) | ||
Quinzenal Mensal | 33 | 10(30,3) | ||
Mensal | 14 | 6(42,9) | ||
Não Faz | 39 | 19(48,7) | 0,177* | |
Contato com aves | Não | 180 | 60(33,3) | |
Sim | 126 | 58(46) | 0,033* | |
Contato com equídeos | Não | 219 | 81 (37,0%) | |
Sim | 87 | 37 (42,5%) | 0,442 | |
Contato com felinos | Não | 194 | 76 (39,2%) | |
Sim | 112 | 42 (37,5%) | 0,866 | |
Contato com animais silvestres | Não | 245 | 90 (36,7%) | |
Sim | 61 | 28 (45,9%) | 0,242 | |
Contato com cães | Não | 99 | 36 (36,4%) | |
Sim | 207 | 82 (39,6%) | 0,674 | |
Contato com suínos | Não | 233 | 87 (37,3%) | |
Sim | 73 | 31 (42,5%) | 0,517 | |
Contato com bovinos | Não | 202 | 76 (37,6%) | |
Sim | 104 | 42 (40,4%) | 0,729 | |
Contato com ovinos | Não | 238 | 92 (38,7%) | |
Sim | 68 | 26 (38,2%) | 1,000 | |
Contato com caprinos | Não | 233 | 88 (37,8%) | |
Sim | 73 | 30 (41,1%) | 0,710 | |
Tipo de criação | Domiciliar | 42 | 22(52,4) | |
Solto | 37 | 16(43,2) | ||
Semidomiciliar | 227 | 80(35,2) | 0,091* | |
Grau de escolaridade | Analfabeto | 50 | 16 (32,0%) | |
Fundamental incompleto | 185 | 74 (40,0%) | ||
Fundamental completo | 15 | 7 (46,7%) | ||
Médio incompleto | 26 | 13 (50,0%) | ||
Médio completo | 30 | 8 (26,7%) | 0,318 | |
Renda familiar | Até dois salários mínimos | 305 | 118 (38,7%) | |
Mais de dois salários mínimos | 1 | 0 (0,0%) | 1,000 | |
Conhecimento sobre LV | Não | 266 | 105 (39,5%) | |
Sim | 40 | 13 (32,5%) | ||
Município | Santa Terezinha | 46 | 12(26,1) | |
São José de Espinharas | 106 | 40(37,7) | ||
São Mamede | 39 | 14(35,9) | ||
São José do Bonfim | 33 | 19(57,6) | ||
Patos | 82 | 33(40,2) | 0,081* |
* Variáveis selecionadas e usadas na regressão logística múltipla (p≤0,2).
Quadro 3. Fatores de risco para infecção por Leishmania infantum em cães no semiárido paraibano, entre os meses de março a outubro de 2015, estimados por regressão logística múltipla
Fator de risco | Coeficiente de regressão | Erro padrão | Odds ratio (IC 95%) | p |
Idade de 12 - 24 meses | 1,089 | 0,415 | 2,97 (1,33 - 6,71) | 0,009 |
Idade de 24 - 48 meses | 1,576 | 0,412 | 4,83 (2,15 - 10,85) | < 0,001 |
Idade de 4 - 6 anos | 1,483 | 0,435 | 4,40 (1,88 - 10,33) | 0,001 |
Idade > 6 anos | 1,285 | 0,505 | 3,62 (1,34 - 9,72) | 0,011 |
Contato com aves | 0,516 | 0,248 | 1,67 (1,031 - 2,723) | 0,037 |
Sexo (fêmea) | 0,679 | 0,287 | 1,97 (1,12 - 3,46) | 0,018 |
Teste de Hosmer e Lemeshow: qui-quadrado =12,2; p=0,143.
Discussão
A prevalência total (38,6%) de cães sororreagentes diagnosticada no presente estudo esta em consonância com outros resultados que relatam a alta prevalência da LVC na região Nordeste, em grandes centros urbanos e em cidades do interior dos estados, como observado em São Luiz/MA (51,61% área rural), Petrolina/PE (17% área urbana e 27% área rural), Mossoró/RN (34% área urbana e 45% área rural) e Natal/RN (10,3% área urbana) (Amóra et al. 2006, Abreu-Silva et al. 2008, Barbosa et al. 2015, Pimentel et al. 2015).
A prevalência variou de 2,54% a 16,1% entre os assentamentos dos diferentes municípios, apesar de todos estarem localizados na região semiárida. Esta diferença pode ser devido às características do microclima e ambientais, como presença de açudes, barragens, riachos, topografia do terreno, plantas nativas, além de existirem também diferenças estruturais de moradia, que podem influenciar no mecanismo de transmissão da LVC, uma vez que não há diferença socioeconômica e de adoção de medidas de controle entre as áreas estudadas (França-Silva et al. 2003, Dantas-Torres et al. 2012).
Os levantamentos sorológicos da LVC na zona rural, geralmente, apresentam prevalências mais altas do que na zona urbana. Aguiar et al. (2010) observaram 27,9% de cães positivos na zona rural de Monte Negro-RO. No município de Patos-PB, Porto (2010) encontrou uma prevalência de 7,2% na zona urbana e Silva et al. (2016) obtiveram 11,33% de soroprevalência na zona rural do mesmo município. Os assentamentos estudados apresentam características ambientais e socioculturais que propiciam um ambiente favorável para manutenção de Lutzomyia longipalpis. Entre essas características pode-se citar: a falta de saneamento básico, acúmulo de lixo, moradias próximas de matas, condições de habitação precárias, acúmulo de matéria orgânica e a presença de várias espécies de animais ao redor de casa como caprinos, ovinos, bovinos, suínos, equídeos e aves (Moreira Jr. et al. 2003, Mestre & Fontes 2007). Baixas condições sanitárias e animais domésticos, principalmente cães, promovem a atração e concentração do vetor, bem como a prática da caça pelos assentados, normalmente noturna, aumenta o risco de infecção (Lainson & Rangel 2005, Silva et al. 2016).
Os sinais clínicos identificados neste estudo são os comumente observados em cães naturalmente infectados por Leishmania (L.) infantum. Onicogrifose e alopecia foram os que apresentaram maiores percentuais, 57,9% (22) e 42,1% (16), respectivamente. (Feitosa et al. 2000, Abreu-Silva et al. 2008, Sousa & Almeida 2008, Figueiredo et al. 2014). Estes resultados estão em concordância com estudos soroepidemiológicos anteriores, onde uma proporção elevada de cães soropositivos são assintomáticos para LVC (Dantas-Torres et al. 2006, Abreu-Silva et al. 2008). Cães assintomáticos representam o maior percentual de animais soropositivos em uma área endêmica. Esse fato tem grande importância no contexto epidemiológico, uma vez que cães assintomáticos podem infectar flebotomíneos, disseminando a doença (Moreno & Alvar 2002, Coura-Vital et al. 2011).
No presente trabalho, cães fêmeas foram mais expostas ao risco de infecção (Odds ratio = 1,97). Isso pode estar associado às variações hormonais e imunológicas que ocorrem nas fêmeas nos períodos de estro e gestação, tornando-as mais susceptíveis à infecção (Feliciano et al. 2012). Esses resultados estão de acordo com Amóra et al. (2006), que encontraram percentual de soropositivos maior entre as cadelas do meio rural. Resultados discordantes foram encontrados por Julião et al. (2007) e Silva et al. (2016), os quais observaram que cães machos apresentaram maior chance de infecção por L. infantum. Porém esse resultado difere dos obtidos por Azevedo et al. (2008), Silva et al. (2013) e Figueiredo et al. (2014) que verificaram que os machos e fêmeas estão igualmente expostos ao risco de infecção por L. infantum.
Na análise dos dados da variável faixa etária, os animais acima de 12 meses estavam mais expostos ao risco de infecção. Esses dados estão em concordância com os de Almeida et al. (2010), que avaliaram 150 cães atendidos no Hospital Veterinário da Universidade Federal do Mato Grosso e verificaram maior frequência de soropositivos na faixa etária entre um e três anos de idade. Moreira Jr et al. (2003) sugeriram aumento do risco de infecção por Leishmania spp. após o primeiro ano de vida do cão. Possivelmente isso pode estar associado ao tempo de exposição destes animais ao vetor e ao período de incubação da doença, que varia de 3 meses a vários anos com média de 3 a 7 meses (Ministério da Saúde 2006).
De acordo com Brito et al. (2016), que estudou a LVC na mesma região descrita neste estudo, a limpeza da matéria orgânica acumulada evita a proliferação dos flebotomíneos. No presente estudo foi descrita uma associação entre a presença de aves (OR=1,67) e casos positivos de LV em cães o que, dessa forma, recomenda-se a construção dos aviários afastados das residências, pulverização com inseticidas nas habitações humanas e instalações dos animais, bem como melhorias nas práticas sanitárias, objetivando reduzir o acúmulo de matéria orgânica e consequentemente diminuir a população de flebótomo e o contato deste com os seres humanos.
Conclusões
Cães de assentamentos rurais do semiárido paraibano apresentaram prevalências elevadas de anticorpos anti- Leishmania sp., o que torna a população desses locais susceptível à infecção demonstrando que esta zoonose está adaptada neste ambiente.
Esses resultados apontam para uma necessidade de alerta aos órgãos de vigilância epidemiológica para estabelecer medidas de prevenção e controle dessa zoonose, incluindo ações educacionais e sanitárias nesses assentamentos, já que são regiões que apresentam características propícias à instalação da LVC.