Introdução
Toxoplasma gondii é um protozoário intracelular obrigatório, zoonótico, capaz de infectar mamíferos e aves (Tenter et al. 2000). Sua infecção é prevalente em várias espécies de aves, podendo causar mortalidade nestes animais (Dubey et al. 2010a). Felídeos são os únicos hospedeiros definitivos do T. gondii, podendo excretar oocistos no meio ambiente, que servem como fonte de infecção para outros animais (Dubey 2002). Galinhas domésticas (Gallus gallus domesticus) são consideradas importantes hospedeiros intermediários deste protozoário, pois se infectam através da ingestão de oocistos excretados nas fezes de felinos infectados (Ruiz & Frenkel 1980). Assim, estas aves têm grande potencial à exposição aos oocistos esporulados, uma vez que as mesmas são criadas em condições extensivas, tendo contato com o solo, podendo servir como indicadores de contaminação ambiental. As galinhas domésticas atuam também como eficiente fonte de infecção do T. gondii para gatos e humanos, que podem se infectar após a ingestão de carne crua ou mal cozida, contendo as formas infectantes do parasito (Dubey 2002, Dubey et al. 2010a).
Em áreas rurais, a distribuição da infecção através dos oocistos pode variar amplamente em decorrência de diversos fatores como a distância entre as casas, o tipo de exploração agropecuária e o cultivo de hortas. As condições ambientais, hábitos culturais e a própria fauna constituem alguns dos fatores que podem explicar a variabilidade desta infecção em diferentes áreas geográficas de um determinado país (Tenter et al. 2000). O impacto da contaminação por oocistos na epidemiologia necessita ser avaliado, pois pode estar diretamente relacionado a altas taxas de infecções em animais e humanos (Tenter et al. 2000, Bahia-Oliveira et al. 2003).
No Brasil, estudos pesquisando a presença de anticorpos em galinhas de criação extensiva, utilizando teste de aglutinação modificado (MAT) e reação de imunofluorescência indireta (RIFI) como técnicas sorológicas, detectaram valores de ocorrência altamente variáveis ao T. gondii (Dubey et al. 2012). Embora este protozoário seja de grande importância e bastante estudado, ainda existem poucos estudos epidemiológicos, principalmente no estado do Rio Grande do Sul. Diante desta perspectiva, o presente estudo teve como objetivo determinar a presença de anticorpos anti-T. gondii em galinhas domésticas na cidade de Santa Maria, no estado Rio Grande do Sul, Brasil, e também correlacionar os principais fatores de risco em propriedades na zona rural desta cidade.
Material e Métodos
O estudo foi realizado em propriedades da zona rural do município de Santa Maria, na região central do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. O município possui uma área rural de 144.054 hectares, dividida em nove localidades, denominados distritos. Para a estimativa da amostragem de propriedades foram utilizados dados oficiais, obtidos na Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação do Rio Grande Sul (Seapi/RS). A partir desses dados determinou-se a amostragem, de forma estratificada proporcional, com 90% de confiança, representado por 74 propriedades. A escolha das propriedades foi de forma aleatória, considerando os nove estratos, os quais representavam cada distrito da zona rural de Santa Maria.
As propriedades da amostragem foram visitadas entre março de 2013 a fevereiro 2014. Inicialmente foi aplicado um questionário epidemiológico para avaliar os fatores de risco referentes a hábitos higiênico-alimentares, espécies animais criadas na propriedade e conhecimento sobre a toxoplasmose. Ao término, foram distribuídos folhetos educativos com medidas de prevenção para a infecção.
Em cada propriedade, foram coletadas amostras de sangue de 10 galinhas. Aquelas propriedades nas quais o total de galinhas era inferior a 10, coletava-se todas, o que totalizou 597 galinhas adultas criadas de forma extensiva. O sangue foi coletado por punção da veia ulnar, centrifugado por 10 minutos a 1600xg, para obtenção do soro, que foi armazenado a 20°C negativos até sua utilização. A detecção de anticorpos anti-Toxoplasma gondii foi realizado através de técnica de imunofluorescência indireta (RIFI), com taquizoítos da cepa RH de T. gondii, utilizado como antígeno para detecção de imunoglobulina Y (IgY) anti-T. gondii. Foi utilizado como anticorpo secundário Anti-chicken IgY©5 conjugado com fluoresceína, conforme a técnica realizada por Moré et al. (2008). Amostras sabidamente positivas e negativas, foram utilizadas como controles. Todas as amostras de soro positivas na diluição de 1:16 foram consideradas positivas (Garcia et al. 2000) sendo submetidas às demais diluições para determinação do título máximo da reação.
Para análise dos fatores de risco, as variáveis contidas no questionário investigativo aplicado aos moradores foram analisadas através do programa Epinfo 6.0 e submetidas ao teste Qui-quadrado. Com o objetivo de pesquisar a associação entre as diversas variáveis, foi calculada a força das associações mediante o cálculo do (OR) odds ratio e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (p<0,05). A freqüência de propriedades com galinhas soropositivas em cada distrito foi comparada pelo Teste de qui-quadrado, com 90% de confiança.
Resultados
Das 597 amostras de soro de galinhas analisadas, 294 (49,2%) foram positivas para anticorpos anti-Toxoplasma gondii. As amostras de soro positivas foram submetidas à titulação e os títulos de anticorpos variaram de 16 a 4096 (Quadro 1). Em relação às propriedades analisadas, pode-se verificar que a maioria destas (94,6%) apresentava pelo menos uma galinha positiva. Em quatro (5,4%) propriedades avaliadas, não foram encontrados animais anticorpo positivo. Houve uma elevada prevalência de anticorpos anti-T. gondii em todos os nove distritos analisados, indicando elevada contaminação ambiental nesses locais. A prevalência de anticorpos anti-T. gondii foi significativamente menor (p=0,051) no distrito de Arroio do Só, sugerindo uma menor contaminação ambiental nesse local.
Quadro 1. Frequência de anticorpos anti-Toxoplasma gondii detectados através da reação de imunofluorescência indireta em galinhas criadas extensivamente em nove distritos da zona rural de Santa Maria/RS, de março 2013 a fevereiro 2014
Distrito (nº de propriedades) |
Título de anticorpos | Nº galinhas positivas/total (%) |
|||||||||
16 | 32 | 64 | 128 | 256 | 512 | 1024 | 2048 | 4096 | |||
Passo do Verde (4) | N | 1 | 1 | 10 | 9 | 6 | 3 | 0 | 0 | 0 | 30/36 (83,3) |
São Valentim (5) | N | 0 | 1 | 7 | 10 | 6 | 1 | 0 | 0 | 0 | 25/38 (65,8) |
Pains (9) | N | 14 | 9 | 2 | 2 | 0 | 3 | 2 | 9 | 3 | 44/72 (61,1) |
Santa Flora (11) | N | 11 | 6 | 12 | 1 | 10 | 5 | 0 | 5 | 5 | 55/97 (56,7) |
Boca do Monte (17) | N | 15 | 9 | 15 | 6 | 8 | 2 | 0 | 0 | 0 | 55/127 (43,3) |
Arroio Grande (12) | N | 11 | 7 | 6 | 6 | 4 | 4 | 1 | 4 | 1 | 44/102 (43,1) |
Palma (6) | N | 3 | 1 | 5 | 3 | 0 | 3 | 3 | 2 | 0 | 20/60 (33,3) |
Arroio do Só (5) | N | 1 | 2 | 2 | 3 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 9/27 (33,3) |
Santo Antão (5) | N | 0 | 4 | 2 | 3 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0 | 12/38 (31,5) |
TOTAL | N | 56 | 40 | 61 | 43 | 36 | 22 | 7 | 20 | 9 | 294/597 (49,2) |
N = Número de galinhas.
Através da análise univariada dos fatores de risco à infecção por T. gondii nas 74 propriedades avaliadas, pode-se observar que em 63 locais (85,1%) há relatos que os gatos têm acesso ao depósito de alimentos, com associação significativa quando relacionado à presença de galinhas positivas (p=0,04) e o OR de 4,07. Conforme relato de proprietários, esses gatos são criados com a finalidade de combater os roedores que buscam alimentos nos depósitos, o que também poderia estar relacionado com a contaminação destes ambientes. Quando avaliada a variável abate de animais, das 74 propriedades, em 51(68,9%) foi relatado o abate de bovinos e aves para consumo, com valor de p significativo (p=0,05). A utilização de água de mina ou vertentes para abastecimento animal apresentou influência significativa quando associado a galinhas soropositivas (p<0,05), o OR de 0,15, mas um intervalo de confiança não significativo (Quadros 2 e 3).
Quadro 2. Análise univariada para os fatores de risco relacionados a humanos, associados ou não à soropositividade para Toxoplasma gondii, em galinhas criadas extensivamente em propriedades da zona rural de Santa Maria/RS, de março 2013 a fevereiro 2014
Variáveis | N propriedades (%) | Análise univariada | ||||
OR | (I.C.95%) | X2 | Valor de p | |||
Humanos - artesianoa | Não | 38 (51,4) | 0,95 | (0,14-6,37) | 0,21 | 0,65 |
Sim | 36(48,6) | |||||
Humanos - minaa | Não | 52 (70,3) | 0,42 | (0,06-2,82) | 0,82 | 0,37 |
Sim | 22(29,7) | |||||
Humanos - poço conv.a | Não | 61 (82,4) | - | - | 0,89 | 0,34 |
Sim | 13 (17,6) | |||||
Humanos - via públicaa | Não | 69 (93,2) | - | - | 0,30 | 0,58 |
Sim | 5 (6,8) | |||||
Consumo de carne cozida | Não | 2 (2,7) | 0,0 | - | 0,12 | 0,73 |
Sim | 72 (97,3) | |||||
Consumo de carne mal passada | Não | 71 (95,9) | - | - | 0,18 | 0,67 |
Sim | 3 (4,1) | |||||
Consumo de embutidos | Não | 18 (24,3) | 1,04 | (0,11-9,36) | 0,32 | 0,58 |
Sim | 56 (75,7) | |||||
Histórico de toxoplasmose | Não | 66 (89,2) | 0,36 | (0,04-3,09) | 0,01 | 0,92 |
Sim | 8 (10,8) | |||||
Diagnóstico | Não | 57 (77) | 0,89 | (0,10-8,05) | 0,26 | 0,61 |
Sim | 17 (23) | |||||
Gestantes | Não | 69 (93,2) | - | - | 0,22 | 0,64 |
Sim | 5 (6,8) |
OR = “Odds ratio”, IC = Intervalo de confiança de 95%; a Abastecimento de água = poço artesiano, mina (vertente), poço convencional, via pública (tratada).
Quadro 3. Análise univariada para os fatores de risco relacionados aos animais, associados ou não à soropositividade para T. gondii em galinhas galinhas criadas extensivamente em propriedades da zona rural do município de Santa Maria/RS, de março de 2013 a fevereiro de 2014
Variáveis | N propriedades (%) | Análise univariada | ||||
OR | (I.C.95%) | X2 | Valor de p | |||
Tamanho da propriedade | Pequena | 68 (91,9) | - | - | 0,11 | 0,75 |
Grande | 6 (8,1) | |||||
Presença de equinos | Não | 41 (55,4) | 2,53 | (0,21- 67,48) | 0,69 | 0,42 |
Sim | 33 (44,6) | |||||
Presença de suínos | Não | 30 (40,5) | 0,49 | (0,05-4,48) | 0,02 | 0,90 |
Sim | 44 (59,5) | |||||
Presença de bovinos | Não | 15 (20,3) | 1.33 | (0,15-11,73) | 0,06 | 0,81 |
Sim | 59 (79,7) | |||||
Presença de ovinos | Não | 52 (70,3) | 1,27 | (0,14-11,54) | 0,04 | 0,83 |
Sim | 22 (29,7) | |||||
Presença de cães | Não | 2 (2,7) | 0,00 | - | 0,12 | 0,73 |
Sim | 72 (97,3) | |||||
Presença de gatos | Não | 15(20,3) | 3,93 | (0,60-25,68) | 2,28 | 0,131 |
Sim | 59(79,7) | |||||
Acesso de gatos no depósito | Não | 11 (14,9) | 4,07 | (0,90-36,51) | 4,07 | 0,04 |
Sim | 63 (85,1) | |||||
Acesso de gatos na pastagem | Não | 52 (70,2) | 1,27 | (0,14-11,54) | 0,04 | 0,83 |
Sim | 22 (29,7) | |||||
Acesso de gatos na horta | Não | 30 (40,5) | 4,4 | (0,48-40,32) | 0,85 | 0,36 |
Sim | 44 (59,5) | |||||
Animais - artesianoa | Não | 59 (79,7) | - | - | 1,06 | 0,31 |
Sim | 15 (20,3) | |||||
Animais - minaa | Não | 51 (68,9) | 0,15 | (0,02-1,37) | 3,76 | 0,05 |
Sim | 23 (31,1) | |||||
Animais - poço conva. | Não | 63 (85,1) | - | - | 0,73 | 0,39 |
Sim | 11 (14,9) | |||||
Animais - açúdea | Não | 33 (44,6) | 1,24 | (0,18-8,35) | 0,05 | 0,82 |
Sim | 41 (55,4) | |||||
Animais - via públicaa | Não | 70 (94,6) | - | - | 0,24 | 0,62 |
Sim | 4 (5,4) | |||||
Abate de aves | Não | 23 (31,1) | 6,65 | (0,73-60,78) | 3,76 | 0,05 |
Sim | 51(68,9) | |||||
Abate de ovinos | Não | 56 (82,4) | - | - | 1,34 | 0,25 |
Sim | 18 (17,6) | |||||
Abate de bovinos | Não | 23 (31,1) | 6,65 | (0,73-60,58) | 3,76 | 0,05 |
Sim | 51 (68,9) | |||||
Abate de suínos | Não | 31 (41,9) | 1,39 | (0,21-9,32) | 0,11 | 0,74 |
Sim | 43 (58,1) |
OR = “Odds ratio”, IC = Intervalo de confiança de 95%, Depósito = local de armazenamento de alimentos dos animais, Número de gatos = 59 propriedades afirmaram ter gatos na residência e 63 afirmaram que esses gatos têm acesso ao depósito de alimento, tendo também circulação de gatos de propriedades vizinhas, nesses locais; a Abastecimento de água = poço artesiano, mina (vertente) e poço convencional (não tratadas), via pública (tratada).
Discussão
Os resultados encontrados no presente trabalho demonstram uma grande prevalência de galinhas anticorpo positivas para o protozoário Toxoplasma gondii. Estudos realizados no Brasil demonstram diferentes percentuais de galinhas domésticas positivas ao T. gondii. Alguns relatam uma taxa de detecção de anticorpos superior à encontrada no presente estudo (49,2%), como em Rondônia, com 66% (Dubey et al. 2006) e em Fernando de Noronha, com 84% de animais positivos (Dubey et al. 2010b). Outros trabalhos relatam frequências semelhantes, no Nordeste de 53,3% (Oliveira et al. 2009), Minas Gerais com 53,6% (Brandão et al. 2006) e também índices inferiores, como de 38,8% no Espírito Santo (Beltrame et al. 2012), 27,6% no Rio de Janeiro (Casartelli-Alves et al. 2012) e de 10,3% no estado do Paraná (Garcia et al. 2000). No Rio Grande do Sul, a pesquisa mais recente foi realizada na região sul, com uma ocorrência de anticorpos anti-T. gondii em 38% das galinhas pesquisadas (Dubey et al. 2007). É importante destacar que as técnicas utilizadas nesses estudos podem ter influenciado nos diferentes resultados obtidos. Nos estudos acima mencionados, a maioria os autores usaram a técnica de aglutinação modificada (MAT), sendo a mesma considerada mais acurada, conforme (Casartelli-Alves et al. 2014, Dubey et al. 2016). A técnica de imunofluorescência indireta (IFI), realizada no presente estudo também é utilizada com frequência em diferentes estudos, porém apresenta alta sensibilidade e baixa especificidade (Casartelli-Alves et al. 2014).
Os dados de sorologia apresentados demonstram a ampla distribuição deste protozoário em diferentes regiões do Brasil. Ressalta-se que, conforme observado por Casartelli-Alves et al. (2012), a maioria destes trabalhos são de detecção de anticorpos e não da estimativa de prevalência e fatores de risco. Muitos destes estudos foram desenvolvidos com intuito de determinar a diversidade genética do T. gondii, não se preocupando com cálculo amostral e sorteio aleatório das propriedades. Desta forma, o planejamento amostral do presente estudo, torna os resultados sorológicos obtidos (49,2%) de grande importância epidemiológica e de alta confiabilidade, considerando a representatividade da amostragem.
Com relação aos títulos de anticorpos anti-T. gondii encontrados, os fatores que podem influenciar a variação dos mesmos podem estar relacionados com características de patogenicidade e virulência do agente ou da dose infectante, assim como observado por Larsson (1989). Nos títulos de anticorpos obtidos em cada localidade, os maiores títulos (2048 e 4096) foram observados em três distritos - Arroio Grande, Pains e Santa Flora, podendo assim, sugerir uma infecção aguda ou reinfecção por T. gondii, demonstrando que os títulos podem estar relacionados com o tempo de infecção (Wastling et al. 1995, Dzitko et al. 2006).
A pesquisa de anticorpos anti-T. gondii em galinhas criadas extensivamente é de grande importância, uma vez que essas aves atuam como boas indicadoras da contaminação por oocistos de T. gondi no ambiente. Conforme Dubey (2010a), a detecção direta dos mesmos no solo é considerada de difícil diagnóstico e impraticável, o que torna a estimativa da taxa de contaminação ambiental por oocistos, a partir da sorologia de galinhas, uma importante ferramenta epidemiológica. Dessa forma, a alta prevalência de anticorpos anti-T. gondii em galinhas dos nove distritos estudados e o alto número de propriedades com galinhas positivas indicam elevada contaminação ambiental em todos os distritos estudados do município de Santa Maria, o que denota os altos riscos para a saúde humana e animal.
Estudos já relataram que a presença de gatos pode ser o principal fator de risco para T. gondii, já que animais podem se infectar ao ingerirem alimentos e água contaminados com oocistos liberados nas fezes de felinos infectados (Luzon et al. 1997). No presente estudo, na maioria das propriedades 59 (79,7%) foi relatada a presença de gatos domésticos, o que poderia estar associada com a alta soroprevalência encontrada em galinhas e a taxa de contaminação ambiental. Das 15 (20,3%) propriedades que relataram não ter gatos, apenas em duas não foram encontradas galinhas anticorpo positivas para T.gondii. Isto pode ser explicado pela sobrevivência dos oocistos no solo, que pode ser de até 18 meses (Dubey 1998) ou pelo hábito que os gatos têm de percorrer quilômetros para caçar ou até mesmo em busca de fêmeas no cio, facilitando a disseminação de oocistos nas propriedades. No entanto, a análise estatística realizada na amostra em estudo não evidenciou associação de riscos significativos quanto o acesso de gatos em depósitos, uma vez que o intervalo de confiança não foi significativo. Este dado está de acordo com outros trabalhos, como Valença et al. (2011), em granjas de suínos e Pereira et al. (2012), em propriedades de ovinos e caprinos, os quais também demonstraram que não houve esta associação à infecção pelo T. gondii acesso de gatos em locais de armazenamento de alimentos. Conforme Cademartori et al. (2008), a maioria dos estudos epidemiológicos já realizados não são uniformes quanto à associação entre a infecção por T. gondii e o convívio com gatos, relatando que também não foi constatada essa associação em trabalho realizado com gestantes em Pelotas/RS.
Quando pesquisada a relação dos animais de produção e a toxoplasmose, trabalhos afirmam que os mesmos podem representar um verdadeiro risco para a transmissão da toxoplasmose, seja direta ou indiretamente (Samra et al. 2007, Cenci Goga 2011). Carnes de suínos, ovinos e caprinos abrigam um grande número de cistos teciduais e que a carne de bovinos e búfalos raramente contém cistos, no entanto, em algumas regiões, mais de 90% de bovinos são soropositivos para T. gondii (Dubey & Jones 2008). Na maioria das propriedades pesquisadas em 66 (89,1%), pelo menos uma espécie animal é abatida para consumo próprio, sendo que 51 destas apresentaram galinhas positivas. Ou seja, segundo teste Exato de Fischer (com 95% de confiança (p=0,027)), propriedades em que é realizado o abate de animais para consumo, a frequência de soropositividade em galinhas é maior. Conforme Guo et al. (2015) em suínos e outros animais criados extensivamente, a probabilidade de infecção da carne e produtos processados (embutidos) é maior que em animais criados de forma intensiva. Considerando essa afirmação, em todas as propriedades em que os animais eram abatidos para o consumo, apresentava-se risco potencial de infecção, a partir da carne. Embora as variáveis de abate não tenham apresentado associação significativa ao T. gondii neste estudo, não se descarta a importância desta atividade, uma vez que o elevado abate de galinhas nas propriedades pode ser fonte de infecção para felinos, já que as vísceras, quando são descartadas inadequadamente, podem ficar expostas à ingestão por esses animais.
A variável água de mina, para abastecimento animal, pode ser destacada tendo em vista à longa sobrevivência dos oocitos de T. gondii no ambiente. Se comparada às demais variáveis de abastecimento, a água de mina fica mais exposta à contaminação por oocistos, facilitada principalmente pelo carreamento dos mesmos através da água da chuva. A contaminação da água com oocistos de T. gondii, pode ser considerada tão importante quanto à contaminação de alimentos como fonte de infecção (Cenci Goga et al. 2013). Casos como o de Santa Isabel do Ivaí, em que ocorreu um surto de toxoplasmose em 2001, em virtude da contaminação de um reservatório de água da cidade por oocistos, demonstram o alto risco do acesso de gatos nestes locais (Dubey et al. 2004). Somado a isto, apenas nas propriedades abastecidas por água de via pública, as pessoas e animais ingeriam água tratada. Nas demais, onde se fazia o uso de água de artesiano, de poço convencional ou de mina, a mesma não recebia nenhum tipo de tratamento, nem mesmo processo de filtração, podendo ter um potencial risco para humanos e animais. Isto fortalece a importância do tratamento da água para minimizar os riscos de infecção, principalmente quando se tem apenas fonte de água de mina disponível, já que a mesma tem um potencial de contaminação facilitado.
Diante da variedade de fatores epidemiológicos relacionados, a compreensão das principais vias de transmissão horizontal é de extrema importância, tornando-se um desafio para o desenvolvimento de práticas sanitárias eficientes para a prevenção da toxoplasmose em humanos e animais. A partir dos resultados observados neste estudo podemos reafirmar a importância das galinhas domésticas como hospedeiros intermediários de T. gondii, visto a grande prevalência encontrada. Estas aves podem servir como uma fonte de infecção para felídeos e outros hospedeiros intermediários nas diferentes propriedades rurais pesquisadas, uma vez que em um grande número delas há o abate desses animais para o consumo, podendo ser consideradas um importante fator de risco para toxoplasmose. Com relação à contaminação ambiental por T. gondii podemos inferir que os oocistos encontram-se amplamente distribuídos na zona rural de Santa Maria. Diante disso, ressalta-se a necessidade de implantação de programas educativos com medidas de prevenção e controle da toxoplasmose, gerando conhecimento para a população com relação aos fatores de risco a doença.