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Caracteres anatômicos de duas espécies de trapoeraba e a eficiência do glyphosate

Anatomical features of two dayflower species (Commelina spp.) on glyphosate efficacy

Resumos

O gênero Commelina engloba espécies de plantas daninhas de difícil controle em diversas culturas, principalmente onde o herbicida glyphosate tem sido utilizado com elevada freqüência. Este trabalho foi conduzido com o objetivo de avaliar diferenças entre caracteres anatômicos de Commelina benghalensis e Commelina diffusa, submetidas a crescimento sob condições de sol e sombra, que pudessem influenciar a absorção e translocação deste herbicida. O complexo estomático das duas espécies é semelhante e a folha é anfiestomática. O número de estômatos na epiderme foliar foi maior em C. diffusa (38/mm²) em relação a C. benghalensis (33,66/mm²), na epiderme abaxial (54,86/mm²) em relação à adaxial (16,80/mm²) e sob sol (37,89/mm²) em relação a sombra (33,77/mm²). A epiderme abaxial apresentou maior número de estômatos sob sol. Pêlos secretores, do mesmo tipo, estão presentes nas duas espécies, mas em maior número em C. diffusa. Somente C. benghalensis apresentou pêlos tectores, que são de dois tipos: longos com extremidade afilada e curtos com extremidade curva; os pêlos longos concentram-se na epiderme abaxial e os pêlos curtos, na epiderme adaxial. Apesar de a presença de pêlos na epiderme foliar ser freqüentemente associada à maior absorção de herbicidas, acredita-se que o fator determinante da maior suscetibilidade de C. benghalensis ao glyphosate, em relação a C. diffusa, esteja relacionado à reserva de amido no caule. Enquanto C. benghalensis apresenta poucos e pequenos grãos de amido no parênquima medular, C. diffusa apresenta grandes e numerosos grãos de amido, o que, possivelmente, torna mais lenta a translocação simplástica de herbicidas, reduzindo a quantidade de herbicida acumulada nos pontos de crescimento e permitindo que ela rebrote mesmo após a perda total das folhas.

Commelina diffusa; Commelina benghalensis; controle químico


The genus Commelina includes weed species of difficult control in several crops, chiefly when the herbicide glyphosate is used repeatedly. This work was conducted to evaluate the differences between the anatomic features of Commelina benghalensis and Commelina diffusa, grown under sun and shade conditions, which could influence herbicide absorption and translocation. The stomatal apparatus of the two species is similar and the leaf is amphistomatic. C. diffusa has a greater number of stomata in relation to C. benghalensis. The number of stomatas in the leaf epiderm is greater in C. diffusa (38/mm²) than in C. benghalensis (33.66/mm²), in the abaxial (54.86/mm²) rather than in the adaxial epiderm (16.80/mm²) and under sun (37.89/mm²) rather than shade conditions (33.77/mm²). The abaxial epiderm has a greater number of stomata under sun conditions. Similar secretory hair is present in both species, but in greater number in C. diffusa. Only C. benghalensis presented tector hair: (i) long with slender extremity and (ii) short with curved extremity. Long hair is concentrated in the abaxial epiderm and short hair in the adaxial epiderm. Although the presence of hair in the leaf epiderm is frequently associated to greater herbicide absorption, it is believed that the determinant factor of greater susceptibility of C. benghalensis to glyphosate in comparison to C. diffusa could be related to the starch stock of the stem. While C. benghalensis presents fewer and smaller starch grains in the pith parenchyma, C. diffusa presents larger and numerous starch grains, which may make herbicide simplastic translocation slower, reducing the herbicide accumulated in the growth points, and allowing it to regrowth even after total leaves loss.

C. diffusa; C. benghalensis; chemical control


ARTIGOS

Caracteres anatômicos de duas espécies de trapoeraba e a eficiência do glyphosate

Anatomical features of two dayflower species (Commelina spp.) on glyphosate efficacy

Santos, I.C.I; Meira, R.M.S.A.II; Ferreira, F.A.III; Santos, L.D.T.IV; Miranda, G.V.V

IPesquisadora. Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais - Centro Tecnológico da Zona da Mata. Vila Gianetti, casa 46, 36571-000 Viçosa-MG

IIProfessor Adjunto, Dep. de Biologia Vegetal da Universidade Federal de Viçosa - UFV, 36571-000 Viçosa-MG

IIIProfessor Titular, Dep. de Fitotecnia da UFV

IVGraduando do Curso de Agronomia da UFV

VProfessor Adjunto, Dep. de Fitotecnia da UFV

RESUMO

O gênero Commelina engloba espécies de plantas daninhas de difícil controle em diversas culturas, principalmente onde o herbicida glyphosate tem sido utilizado com elevada freqüência. Este trabalho foi conduzido com o objetivo de avaliar diferenças entre caracteres anatômicos de Commelina benghalensis e Commelina diffusa, submetidas a crescimento sob condições de sol e sombra, que pudessem influenciar a absorção e translocação deste herbicida. O complexo estomático das duas espécies é semelhante e a folha é anfiestomática. O número de estômatos na epiderme foliar foi maior em C. diffusa (38/mm2) em relação a C. benghalensis (33,66/mm2), na epiderme abaxial (54,86/mm2) em relação à adaxial (16,80/mm2) e sob sol (37,89/mm2) em relação a sombra (33,77/mm2). A epiderme abaxial apresentou maior número de estômatos sob sol. Pêlos secretores, do mesmo tipo, estão presentes nas duas espécies, mas em maior número em C. diffusa. Somente C. benghalensis apresentou pêlos tectores, que são de dois tipos: longos com extremidade afilada e curtos com extremidade curva; os pêlos longos concentram-se na epiderme abaxial e os pêlos curtos, na epiderme adaxial. Apesar de a presença de pêlos na epiderme foliar ser freqüentemente associada à maior absorção de herbicidas, acredita-se que o fator determinante da maior suscetibilidade de C. benghalensis ao glyphosate, em relação a C. diffusa, esteja relacionado à reserva de amido no caule. Enquanto C. benghalensis apresenta poucos e pequenos grãos de amido no parênquima medular, C. diffusa apresenta grandes e numerosos grãos de amido, o que, possivelmente, torna mais lenta a translocação simplástica de herbicidas, reduzindo a quantidade de herbicida acumulada nos pontos de crescimento e permitindo que ela rebrote mesmo após a perda total das folhas.

Palavras-chave: Commelina diffusa, Commelina benghalensis, controle químico.

ABSTRACT

The genus Commelina includes weed species of difficult control in several crops, chiefly when the herbicide glyphosate is used repeatedly. This work was conducted to evaluate the differences between the anatomic features of Commelina benghalensis and Commelina diffusa, grown under sun and shade conditions, which could influence herbicide absorption and translocation. The stomatal apparatus of the two species is similar and the leaf is amphistomatic. C. diffusa has a greater number of stomata in relation to C. benghalensis. The number of stomatas in the leaf epiderm is greater in C. diffusa (38/mm2) than in C. benghalensis (33.66/mm2), in the abaxial (54.86/mm2) rather than in the adaxial epiderm (16.80/mm2) and under sun (37.89/mm2) rather than shade conditions (33.77/mm2). The abaxial epiderm has a greater number of stomata under sun conditions. Similar secretory hair is present in both species, but in greater number in C. diffusa. Only C. benghalensis presented tector hair: (i) long with slender extremity and (ii) short with curved extremity. Long hair is concentrated in the abaxial epiderm and short hair in the adaxial epiderm. Although the presence of hair in the leaf epiderm is frequently associated to greater herbicide absorption, it is believed that the determinant factor of greater susceptibility of C. benghalensis to glyphosate in comparison to C. diffusa could be related to the starch stock of the stem. While C. benghalensis presents fewer and smaller starch grains in the pith parenchyma, C. diffusa presents larger and numerous starch grains, which may make herbicide simplastic translocation slower, reducing the herbicide accumulated in the growth points, and allowing it to regrowth even after total leaves loss.

Key words: C. diffusa, C. benghalensis, chemical control.

INTRODUÇÃO

A trapoeraba (gênero Commelina) é considerada planta daninha em diversas culturas, em muitos países. No Brasil, ela tem sido citada como planta-problema em citros, café, soja e milho. A importância da trapoeraba como planta daninha se deve à sua eficiente reprodução, capacidade de sobreviver em condições adversas e dificuldade de controle (Wilson, 1981), razões pelas quais Holm et al. (1977) incluem-na entre as piores plantas daninhas do mundo. No Brasil, a maioria dos estudos envolvendo a trapoeraba foi conduzida com a espécie C. benghalensis. No livro de resumos do 22º Congresso Brasileiro da Ciência das Plantas Daninhas, a ocorrência de C. benghalensis como planta daninha é citada 70 vezes; de C. diffusa, seis vezes; de C. erecta, três vezes; e de C. villosa, duas vezes (Congresso ..., 2000).

Em cafezais do Estado de Minas Gerais, as espécies de trapoeraba mais comuns são C. benghalensis e C. diffusa, que são facilmente distinguíveis pelas características morfológicas. C. benghalensis exibe folhas subpecioladas, ovóides, com bases atenuadas e ápices obtusos a agudos, de cor verde-clara e com vilosidade em ambas as faces, enquanto C. diffusa exibe folhas sésseis, com lâminas lineares, ovóides ou oblongas, bases ligeiramente arredondadas, ápices acuminados, de cor verde-escura, glabras em ambas as faces. O tamanho das folhas e das plantas varia muito em função das condições do ambiente. As espatas de C. benghalensis são brevipedunculadas, triangulares e agrupadas no ápice do ramo; as de C. diffusa são solitárias, longopedunculadas, ovóides e de ápices acuminados. As flores, efêmeras, com antese nas primeiras horas da manhã, são zigomorfas e apresentam duas pétalas dorsais ungüiculadas e uma pétala ventral reduzida; em C. benghalensis as pétalas maiores são roxas e a menor é esbranquiçada, ao passo que em C. diffusa as três pétalas são azuis. Em ambas as espécies, o sistema radicular é fasciculado, porém, em C. benghalensis, desenvolvem-se rizomas branqueacentos, nos quais se formam flores cleistogâmicas que produzem sementes por partenocarpia (Barreto, 1997).

Ambas as espécies não têm sido controladas em áreas onde o herbicida glyphosate vem sendo aplicado repetidamente. De acordo com Santos et al. (2001), C. benghalensis é mais suscetível ao glyphosate que C. diffusa, o que desencadeou a busca de explicações para o fato.

As diferenças na suscetibilidade de plantas daninhas a herbicidas têm sido atribuídas ao estádio de desenvolvimento da planta, à morfologia (área e forma do limbo, ângulo ou orientação das folhas em relação ao jato de pulverização), à anatomia foliar (presença de estômatos na superfície adaxial, presença de pêlos, espessura e composição da camada cuticular) e a diferenças na absorção, na translocação, na compartimentalização e no metabolismo da molécula herbicida (Wyrill & Burnside, 1976; King & Radosevich, 1979; Dall'Armellina & Zimdahl, 1989; Vargas et al., 1999).

A diferença na absorção de 14C-triclopyr por folhas maduras e imaturas de Lethocarpus densiflorus foi estudada por King & Radosevich (1979). Maior quantidade do herbicida foi absorvida por folhas imaturas e pela superfície abaxial. Folhas imaturas apresentaram menos cera epicuticular e camada cuticular mais fina, mais permeável, em relação às folhas maduras; os estômatos estavam presentes somente na superfície abaxial e apresentaram maior densidade em folhas imaturas; a densidade de tricomas estrelados foi maior em folhas imaturas e na superfície abaxial. Os autores concluíram que a absorção de 14C-triclopyr foi influenciada por cada uma das características da superfície foliar estudada.

DeGennaro & Weller (1984) identificaram cinco genótipos de Convolvulus arvensis fenotipicamente diferentes e com grau de suscetibilidade ao glyphosate aproximadamente quatro vezes maior entre os genótipos mais e o menos suscetível. Dall'Armellina & Zimdahl (1989), trabalhando com essa mesma espécie, observaram que os genótipos menos suscetíveis foram os que se desenvolveram em regiões áridas, o que é atribuído à diminuição da área foliar e ao aumento da espessura da cutícula nessas condições.

Comparando a absorção de glyphosate entre Asclepias syriaca (suscetível ao glyphosate) e Apocynum cannabinum (tolerante), Wyrill & Burnside (1976) constataram que A. syriaca absorveu maior quantidade de glyphosate, fato esse relacionado à presença de estômatos (65/mm2) e tricomas (18/mm2) na epiderme adaxial da folha, elementos estes ausentes na mesma epiderme da folha da espécie tolerante.

No caso da trapoeraba, Santos et al. (2001) observaram que tanto em C. benghalensis quanto em C. diffusa as folhas foram totalmente eliminadas pela ação do herbicida, o que faz supor que ambas absorveram quantidade de herbicida suficiente para o seu controle; no entanto, plantas de C. diffusa que sobreviveram à aplicação do glyphosate mantiveram o caule vivo, o que possibilitou a rebrota dessa espécie. Por isso, o objetivo deste trabalho foi verificar a existência de diferenças entre caracteres anatômicos da folha e do caule de C. benghalensis e de C. diffusa que pudessem influenciar o seu controle químico.

MATERIAL E MÉTODOS

Ramos de plantas de trapoeraba coletadas em cafezais de 34 localidades do Estado de Minas Gerais foram multiplicados em vasos e mantidos em casa de vegetação; a espécie foi identificada por meio da chave proposta para o gênero Commelina, elaborada por Barreto (1997). Materiais representativos das espécies previamente identificadas foram herborizados e depositados no Herbário da Universidade Federal de Viçosa (VIC), Viçosa-MG, de onde foram enviados para a especialista brasileira na família Commelinaceae, que confirmou a identificação prévia. Os materiais com número de registro 24.800 e 24.802 são exemplares de C. diffusa Burm. f., e os de número 24.805 e 24.806, de C. benghalensis. Dentre os 18 materiais identificados como C. benghalensis, foi escolhido um representante, proveniente de Alto Rio Doce; e, dentre os 16 materiais identificados como C. diffusa, escolheu-se um representante, proveniente de Martins Soares.

De cada espécie foram cultivados dois vasos (duas repetições) sob sol e dois vasos sob túnel baixo de sombrite, equivalente a 70% de sombra. Cinqüenta dias após o plantio, em cada vaso, foram coletados fragmentos do entrenó do caule e cinco folhas totalmente expandidas do terceiro nó a partir do ápice caulinar, para C. benghalensis, e do quarto nó, para C. diffusa. As folhas e os caules foram lavados e fixados em FAA50 por 24 horas (Johansen, 1940), dentro de frascos, que foram colocados em dessecador submetido a vácuo. Posteriormente, foram estocados em álcool etílico 70%.

A região mediana da folha foi diafanizada, para montagem de lâminas semipermanentes, em glicerina + água 1:1 (Johansen, 1940). Na análise do laminário, as epidermes adaxial e abaxial das cinco folhas de cada vaso foram avaliadas, por meio de contagem em cinco campos de 2,54 mm2, objetiva de 10x, totalizando 25 campos por epiderme. As estruturas anatômicas averiguadas foram estômatos e pêlos, dos quais contaram-se os tipos e o número. O experimento foi conduzido no esquema fatorial 2 x 2 x 2, sendo duas espécies, duas condições de luminosidade e duas epidermes da folha, em delineamento inteiramente casualizado, com duas repetições. Foi considerada repetição a média de 25 observações, obtidas pela contagem de cada estrutura em cinco campos de cada uma das cinco folhas de cada vaso. Realizou-se a análise de variância dos dados (por campo), considerando-se significâncias de até 16%, ou seja, assumindo a probabilidade do erro tipo I maior que a usualmente utilizada (5%). Para apresentação dos resultados, calculou-se o número dos elementos analisados por mm2 da epiderme da trapoeraba.

Cortes transversais e longitudinais do caule foram obtidos em micrótomo de mesa, sendo parte deles submetida ao reagente lugol, para verificação da presença de amido, e parte à floroglucina ácida, para constatação de paredes celulares lignificadas; as lâminas foram montadas em glicerina + água 1:1 (Johansen, 1940).

As observações e ilustrações foram obtidas em fotomicroscópio Olympus AX 70 com sistema U - Photo, pertencente ao laboratório de anatomia do Departamento de Biologia Vegetal da Universidade Federal de Viçosa. A descrição dos caracteres anatômicos e a terminologia utilizada estão de acordo com Tomlinson (1969).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Commelina diffusa e C. benghalensis apresentam folhas anfiestomáticas, característica não-freqüente nas espécies da família Commelinaceae, de acordo com Tomlinson (1969). O complexo estomático das citadas espécies é semelhante (Figura 1-A) e foi chamado por Tomlinson (1969) de "six celled stomata"; é constituído por duas células-guarda e seis células subsidiárias, sendo quatro delas dispostas paralelamente e duas perpendicularmente às células-guarda. As células-guarda e as células subsidiárias que estão a seu lado têm formato de rim e são aproximadamente da mesma altura. As células subsidiárias perpendiculares têm comprimento equivalente à largura das quatro células descritas anteriormente, e esse conjunto é envolvido lateralmente pelas subsidiárias laterais externas. Essa descrição corrobora a de Tomlinson (1969) quanto ao número e à disposição das células subsidiárias no gênero Commelina, porém o aspecto do complexo estomático de C. diffusa e C. benghalensis assemelha-se ao observado por este autor para a espécie Stanfieldiella imperforata.


C. diffusa e C. benghalensis apresentam o mesmo tipo de pêlo secretor (Figura 1-B), constituído de três células. A célula basal apresenta paredes espessadas e forma de cunha, estando a maior parte dela inserida na epiderme. A célula intermediária apresenta paredes menos espessadas que a célula basal e aspecto de bastão, com extremidade distal mais dilatada. A célula distal íntegra apresenta-se dilatada, sendo mais larga e aproximadamente duas vezes mais longa que a célula intermediária; a parede celular é delgada, permitindo que o conteúdo celular extravase facilmente ou que a célula se destaque das outras. O observado corrobora as descrições de Tomlinson (1969) para a família Commelinaceae e para o gênero Commelina. Este autor afirma que o comprimento médio da célula distal de várias espécies do gênero Commelina varia de 80 a 150 mm. Somente C. benghalensis apresentou pêlos tectores, que são de dois tamanhos: longos e curtos. Os pêlos tectores longos (Figura 1-C) são rijos e constituídos de quatro células: a célula basal tem forma de sino e insere-se na epiderme como uma cunha; as células intermediárias têm forma de bastão; e a célula distal é longa, com a extremidade reta e afilada. Os pêlos tectores curtos (Figura 1-D) são constituídos de três células: a basal, em forma de sino, a intermediária, em forma de bastão, e a distal, que tem aproximadamente o mesmo tamanho da intermediária e apresenta a extremidade curva.

Pelo teste F, a 10,43% de probabilidade, houve diferença significativa no número de estômatos entre as espécies de trapoeraba, com C. diffusa apresentando maior número de estômatos (38,00/mm2) que C. benghalensis (33,66/mm2) . Entre as condições de sol (37,89/mm2) e sombra (33,77/mm2), a diferença foi significativa a 11,99%, e, entre as epidermes adaxial (16,80/mm2) e abaxial (54,86/mm2) da folha, a 1% (Tabela 1). No entanto, a 12,77% de probabilidade, a interação luminosidade x epiderme foi significativa, ou seja, o número de estômatos por epiderme depende da luminosidade. Na Tabela 1, observa-se que a epiderme abaxial apresentou número maior de estômatos sob sol. Foram não significativas as interações espécie x luminosidade, espécie x epiderme e a interação tripla.

A análise de variância do número de pêlos secretores da epiderme foliar da trapoeraba revelou efeito da fonte de variação espécie, a 1% de probabilidade, e da interação espécie x luminosidade, a 15,79% de probabilidade, ou seja, rejeitou-se a hipótese de que o número de pêlos secretores por espécie seja independente da luminosidade quando ela pode ser verdadeira, assumindo a probabilidade do erro tipo I de 15,79%. Na Tabela 2, observa-se que C. diffusa possui maior número de pêlos secretores que C. benghalensis e que esta apresentou maior número de pêlos secretores sob sombra.

A análise de variância do número de pêlos longos e curtos da epiderme foliar de C. benghalensis revelou que o número de pêlos longos foi influenciado pela condição de luminosidade, pela epiderme da folha e pela interação entre estas, a 1% de probabilidade, ao passo que o número de pêlos curtos foi influenciado apenas pela epiderme da folha, a 1% de probabilidade. Na Tabela 3, observa-se que nas duas epidermes o número de pêlos longos foi maior sob sombra; no entanto, a diferença entre sol e sombra é maior na epiderme abaxial (1,83/mm2), em relação à epiderme adaxial (0,22/mm2). O número de pêlos curtos é maior na epiderme adaxial da folha, enquanto os pêlos longos concentram-se na epiderme abaxial. Em média, C. benghalensis apresentou mais pêlos longos que curtos e maior número de pêlos na epiderme abaxial, em relação à adaxial (Tabela 3).

O caule das Commelinaceae apresenta constituição básica diferente das outras monocotiledôneas (Figura 2-A), exibindo estreito córtex sem tecido vascular, onde se observam cordões de colênquima abaixo da epiderme (Tomlinson, 1969; Rudall, 1992). A observação de cortes transversais do entrenó do caule de C. benghalensis e de C. diffusa revelou que a estrutura anatômica é semelhante, exceção feita à presença de pêlos tectores, que são numerosos e evidentes no caule da primeira e raros no caule da segunda espécie (Figura 3). Em ambas, a cutícula é fina e inconspícua. Na Figura 2-B, observa-se que o caule é revestido por epiderme estreita, composta por uma camada de células de paredes levemente espessadas. Internamente à epiderme, observam-se quatro a cinco camadas de colênquima; em seguida, têm-se quatro a cinco camadas de parênquima clorofiliano (com espaços intercelulares bem desenvolvidos), que interrompem o cilindro de colênquima, estendendo-se até a epiderme, abaixo dos estômatos. A camada mais interna do córtex é uma compacta e distinta bainha unisseriada de parênquima, comumente descrita como bainha endodermóide. O cilindro central é limitado externamente por um conspícuo cilindro de esclerênquima, composto por uma camada de células estreitas, compactas e com paredes grossas e lignificadas.



Na Figura 2-A, observa-se que os feixes vasculares são colaterais e estão restritos ao cilindro central. Os feixes vasculares periféricos estão embebidos no cilindro de esclerênquima, e geralmente o metaxilema apresenta dois largos vasos. Os feixes vasculares medulares são grandes e estão distribuídos aleatoriamente pelo parênquima. O xilema usualmente é representado por uma lacuna conspícua, e os anéis dos elementos originais do xilema muitas vezes estão visíveis. A diferença evidente entre cortes anatômicos do entrenó do caule das duas espécies diz respeito ao parênquima que preenche o cilindro central: enquanto nas células do parênquima do cilindro central de C. benghalensis observam-se poucos e pequenos grãos de amido (Figura 3-A), em C. diffusa estes grãos são numerosos e grandes (Figura 3-B).

A maior absorção de herbicidas por espécies suscetíveis tem sido associada à presença de estômatos e tricomas na epiderme adaxial da folha (Wyrill & Burnside, 1976; King & Radosevich, 1979). De acordo com Silva et al. (2001), o número e a abertura dos estômatos exercem influência sobre a penetração dos herbicidas, principalmente quando estão presentes também na epiderme adaxial da folha, como é o caso de C. diffusa e C. benghalensis. Fahn & Cutler (1992) afirmam que a ocorrência de estômatos nas duas epidermes pode facilitar a difusão total do CO2 nas folhas com alta capacidade fotossintética, o que provavelmente aumenta a capacidade fotossintética e a eficiência no uso da água por estas espécies. Com relação aos tricomas, Sargent & Blackman (1962) afirmam que a cutícula é mais permeável na porção basal destes; por esse motivo, a penetração e a absorção de substâncias são mais acentuadas nessa região. Esse fato poderia justificar a maior sensibilidade de C. benghalensis ao glyphosate, uma vez que esta espécie apresenta número médio de pêlos em geral (secretores + tectores) na epiderme foliar, seis vezes maior que o número de pêlos da epiderme foliar de C. diffusa. No entanto, Santos et al. (2001) observaram que, após aplicação de glyphosate a partir de 720 g ha-1, tanto C. benghalensis quanto C. diffusa sofreram danos foliares severos (controle > 85%), indicando que ambas absorveram o herbicida. Entretanto, enquanto em C. benghalensis atingiu-se 100% de controle das plantas, em C. diffusa as plantas mantiveram o caule vivo e, dois meses após a aplicação do glyphosate, emitiram novas brotações.

Características anatômicas e morfológicas de C. benghalensis e C. diffusa podem estar envolvidas na eficiência do herbicida glyphosate. C. benghalensis apresenta, na epiderme adaxial, 10,66 pêlos/mm2, o que pode favorecer a absorção do herbicida, e produz rizomas e sementes subterrâneas, que são fortes drenos de fotoassimilados e podem favorecer a translocação do herbicida para a parte subterrânea da planta. C. diffusa apresenta, na epiderme adaxial, apenas 2,44 pêlos/mm2 e não produz rizomas e sementes subterrâneas, o que pode tornar mais lenta a translocação de herbicidas para o sistema radicular desta espécie, em relação a C. benghalensis. Além disso, C. diffusa apresenta grande reserva de amido nas células do parênquima do cilindro central, onde boa parte dos feixes vasculares está dispersa, o que leva a supor que a translocação simplástica do glyphosate seja mais lenta que em C. benghalensis, reduzindo a quantidade do herbicida que chega aos feixes vasculares e, conseqüentemente, aos pontos de crescimento, permitindo a rebrota de C. diffusa e a recomposição da parte aérea.

Essas suposições, porém, não são totalmente elucidadoras, pois não se pode afirmar que a diferença de ação do herbicida glyphosate nessas plantas se dê apenas devido às características anatômicas, uma vez que há a possibilidade de ela ser bioquímica; no entanto, elas somam-se ao rol das informações necessárias para o conhecimento integral do fenômeno.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em 1/6/2001 e na forma revisada em 17/12/2001.

Parte da tese de doutorado em Fitotecnia do primeiro autor, apresentada à Universidade Federal de Viçosa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2009
  • Data do Fascículo
    Abr 2002

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2001
  • Aceito
    17 Dez 2001
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